Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 509/2019-T
Data da decisão: 2020-03-19  IVA  
Valor do pedido: € 75.455,28
Tema: IVA - Direito à dedução; Regularização das deduções; Pedido de revisão.
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DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

              

1. Município A..., com sede no ..., ...–..., ...-... ...– Açores, com o número de identificação de pessoa colectiva ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente ao período de Dezembro de 2014, no montante de € 75.455,28.

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

A Requerente é uma pessoa colectiva de direito público que, no âmbito da sua actividade, realiza, simultaneamente, operações fora do âmbito de incidência do IVA (v.g. actividades de polícia), operações sujeitas a IVA, mas isentas deste imposto, e que não conferem o direito à dedução do IVA incorrido a montante (vg. entradas em museus) e, bem assim, operações sujeitas e não isentas de IVA (vg. distribuição de água), que conferem o direito à dedução.

 

No âmbito de uma revisão de procedimentos interna ao ano de 2014, a Requerente verificou que, na sua actividade, suportou IVA em excesso, na medida em que apenas deduziu o imposto incorrido na aquisição de recursos exclusivamente associados a actividades tributadas (v.g. distribuição de água, alojamentos realizados na Pousada da Juventude), pelo método de imputação directa, não tendo deduzido os recursos utilizados indistintamente para a actividade do Município, quer tributada quer não tributada em IVA, tendo apurado o montante de imposto suportado em excesso, nesse ano, num total de € 75.455,28.

 

Quando o sujeito passivo, no âmbito da sua actividade, utiliza bens ou serviços para a realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica, parte das quais não confira o direito à dedução, o respectivo imposto suportado é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar à dedução (método pro rata de dedução e/ou afectação real com critérios).

 

Neste particular, a Requerente identificou unicamente os recursos que estão simultaneamente alocados a actividades económicas que conferem o direito à dedução do IVA e a actividades que não conferem esse direito, não considerando no apuramento do imposto dedutível os recursos exclusivamente associados às actividades tributadas, os quais já haviam sido objecto da correspondente dedução integral do imposto.

 

Assim, considerando que o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução, constante nas declarações periódicas de 2014, se cifrou em € 1.497.677,93, será este o valor a atribuir ao numerador na fracção destinada a apurar a percentagem de dedução, enquanto que o montante a atribuir ao denominador corresponde ao montante anual, imposto excluído, das operações efectuadas decorrentes do exercício de uma actividade económica que ascende a € 2.143.838,40, cifrando-se a percentagem de dedução aplicável aos “recursos comuns” em 70%. 

 

Entendendo que as autoliquidações de imposto se encontram eivadas de ilegalidade, a Requerente submeteu um pedido de revisão oficiosa do acto de autoliquidação de IVA relativo à declaração periódica de Dezembro de 2014, que não foi objecto de decisão no prazo legalmente previsto.

 

Quanto aos pressupostos do pedido de revisão oficiosa, a Requerente refere que, nos termos do artigo 78.º da LGT, a revisão dos actos tributários pode ocorrer "por iniciativa do sujeito passivo" ou "da administração tributária", no primeiro caso, "no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade", e no segundo caso, "no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços".

 

No entanto, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do acto de liquidação, não impede o interessado de requerer a revisão oficiosa dentro dos limites temporais em que a Autoridade Tributária o pode exercer. Por outro lado, o prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA, havendo de entender-se que existe erro de direito se na autoliquidação do imposto foi deduzido menos imposto do que o devido, por incorrecta aplicação do pro rata.

 

O pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente é assim tempestivo.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, alega que o n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA estabelece para a  correcção de erros materiais ou de cálculo no registo, nas declarações periódicas, o prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º.

 

E essa norma é uma das “disposições específicas” a que alude a parte inicial do artigo 98.º, n.º 2 do CIVA, não sendo aplicável o prazo máximo de quatro anos a que se refere esta outra disposição. De facto, esta disposição estabelece um prazo geral de caducidade do direito à dedução, que não prejudica os prazos constantes de outras disposições, nomeadamente a do artigo 78.º, n.º 6, do CIVA.

 

Por outro lado, não há lugar à aplicação do prazo estabelecido no artigo 98.º, n.º 2, porque estamos perante um erro de registo e não um erro de direito, pelo que apenas seria possível reconhecer à Requerente o direito à dedução do IVA, através do mecanismo previsto no artigo 78.º, n.º 6, do Código do IVA.

 

Sendo a regularização do imposto intempestiva.

 

Caso assim se não entenda, o Tribunal não pode decidir pela dedução do IVA em defeito, e, nessa circunstância, deve determinar que o processo seja devolvido à Autoridade Tributária e esta se pronuncie pela regularização peticionada.

 

Por outro lado, a Requerente não logrou identificar com precisão as operações em causa e demonstrar a validade dos cálculos efectuados com vista à quantificação dos montantes exigidos, sendo ao sujeito passivo que cabe o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

 

Conclui pela improcedência do pedido.

 

2. No seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e ordenada a notificação das partes para produzirem alegações.

 

As partes não alegaram.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 7 de Outubro de 2019.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

                A) A Requerente é uma pessoa colectiva de direito público que, no exercício da sua actividade, realiza, simultaneamente, operações que conferem o direito à dedução do IVA e operações que não conferem esse direito;

 

B) Em 2014, a Requerente apenas deduziu o imposto incorrido na aquisição de recursos exclusivamente associados a actividades tributadas, como distribuição de água e alojamentos na pousada da juventude, pelo método de imputação directa, não tendo deduzido os recursos utilizados indistintamente na actividade do Município, quer tributada quer não tributada em IVA;

 

C) Nesse ano, a Requerente realizou actividades tributadas em IVA, com direito a dedução, que, excluído o imposto, se cifram no valor de € 1.497.677,93 (documento n.º 2 junto ao pedido arbitral, que se dá como reproduzido);

 

D) No mesmo ano, a Requerente identificou despesas com a aquisição de bens e prestação de serviços alocados a actividades que conferem direito à dedução de IVA e não conferem esse direito, no montante total de € 622.183,41, tendo suportado um montante de imposto de € 112.685,16 (documento n.º 3 junto ao pedido arbitral, que se dá como reproduzido); 

 

E) Em 2014, todas as operações efectuadas, imposto excluído, decorrentes do exercício de uma actividade económica, atingiram o total de € 2.143.838,40 (documento n.º 4 junto ao pedido arbitral, que se dá como reproduzido);

 

F) A Requerente, através da fracção que comporta, no numerador o valor de € 1.497.677,93, e no denominador, o valor de € 2.143.838,40, apurou uma percentagem de dedução, aplicável a recursos de utilização mista de 70% (Documento n.º 5 junto ao pedido arbitral, que se dá como reproduzido);

 

G) Pela aplicação dessa percentagem de dedução ao IVA incorrido na aquisição dos recursos comuns (€112.685,16), a Requerente apurou IVA dedutível, no ano de 2014, no montante de € 75.455,28 (documento n.º 3 junto ao pedido arbitral, que se dá como reproduzido);

 

H) Em 27 de dezembro de 2018, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa contra o acto de autoliquidação de IVA tendo por base a declaração periódica de IVA de Dezembro de 2014, que se dá como reproduzido (documento n.º 1 junto ao pedido arbitral, completado através da junção efectuada por requerimento de 3 de Março de 2020 e também constante do processo administrativo);

 

I) O pedido de revisão oficiosa tinha, em síntese, os seguintes fundamentos:

 

20.º

Na prossecução das suas atribulações, a requerente realiza um vasto conjunto de operações inseridas no âmbito dos seus poderes de autoridade (e.g. fixação de sinais de trânsito, loteamento de obras, saneamento e conservação de esgotos, etc.), as quais são excluídas da sujeição a IVA ao abrigo do n.º 2 do artigo 2º do Código do IVA.

                                                               21.º

A requerente realiza também um conjunto de operações, quer sejam transmissões de bens, quer prestações de serviços, que não se encontram enquadradas no âmbito dos seus poderes de autoridade, estando por isso sujeitas a IVA nos termos gerais do Código deste imposto (ainda que, conforme o Município refere nos artigos abaixo, parte da atividade esteja isenta daquele imposto).

22.º

Enquadram-se no tipo de situações descritas no artigo anterior as listadas abaixo:

I  Operações tributadas em IVA (e.g., distribuição de água); e

II Operações isentas de IVA (e.g., locação de imóveis).

 

23.º

No âmbito de uma revisão de procedimentos interna ao ano de 2014, a requerente verificou que. na sua atividade, suportou IVA em excesso, na medida em que apenas deduziu o imposto incorrido na aquisição de recursos associados a atividades integralmente tributadas (e.g. distribuição de água, alojamentos realizados na Pousada da Juventude) pelo método de imputação direta.

25.º

Conforme já referido, a requerente identificou os recursos que estão, simultaneamente, alocados a atividades que conferem o direito à dedução do IVA e a atividades que não conferem esse direito.

36.º

Deste modo, tratam-se de recursos, nos quais não foi utilizado o método da imputação direta.

37.º

Refira-se também que não foi considerado no apuramento do IVA agora em causa, o imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados apenas na atividade do Município que é isenta ou mesmo não sujeita a imposto (e.g, escolas, sinais de trânsito, construção/pavimentação/arranjos urbanísticos realizados em estradas e habitações sociais, etc.). Efetivamente, quanto a esses recursos o respetivo IVA foi integralmente assumido pelo Município.

40.º

Nesse sentido, a requerente procedeu ao cálculo da percentagem de dedução, apurada nos termos previstos no artigo 23º do Código do IVA, para o ano de 2014 a qual ascendeu a 70% (vide Documento nº 1 contendo o cálculo detalhado).

41.º

Da aplicação da percentagem de dedução ao IVA incorrido na aquisição dos recursos “comuns” foi então apurado o valor do IVA dedutível, relativo ao ano de 2014, no montante € 75.455.28, conforme detalhado no quadro abaixo (valores em euros):

Ano       IVA

Incorrido

(A)         % do pro rata

de dedução

aplicável

(B)          IVA a recuperar

(C) = (A) * (B)     Documentos

anexos

2014      € 112.685,16       70%       € 75.455,28 (*) 1_2

 

43.º

As faturas que contêm os valores de IVA aos quais a requerente aplicou o método do pro rata (e que, conforme referido, estão listados no Documento n.º 2), encontram-se arquivadas nas instalações do Município e estão, naturalmente, disponíveis para consulta pela autoridade tributária.

 

J) Com o pedido de revisão oficiosa, o Requerente juntou, como documento n.º 1, a demonstração do cálculo pro rata, que corresponde ao documento n.º 5 junto ao pedido, e, como documento n.º 2, a listagem de inputs de utilização mista, que que corresponde ao documento n.º 3 junto ao pedido (cfr. processo administrativo);

 

L) A Autoridade Tributária não proferiu decisão sobre o pedido de revisão oficiosa no prazo legalmente previsto. 

 

Factos não provados

 

Não foram provados quaisquer factos de que resulte o não reconhecimento do direito à dedução de imposto que vem peticionado, visto que a Autoridade Tributária não impugnou os documentos juntos ao pedido arbitral, não efectuou qualquer averiguação quanto aos documentos anexos ao pedido de revisão oficiosa, nem coligiu quaisquer elementos instrutórios relacionados com essa matéria, não tendo colocado em dúvida, de nenhum modo, a veracidade dos documentos que constam da contabilidade da Requerente.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e constantes do processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e na alegação de factos não questionados.

 

Matéria de direito

 

5. A Requerente apresentou, em 27 de Dezembro de 2018, um pedido de revisão oficiosa do acto de autoliquidação para corrigir a percentagem de dedução de IVA relativamente a bens de utilização mista, por referência ao período de tributação de 2014, da qual resultaria um montante de imposto a deduzir superior ao apurado na declaração mensal do último período do ano.

 

A Autoridade Tributária não se pronunciou dentro do prazo legalmente previsto, pelo que o pedido de revisão considera-se tacitamente indeferido, sendo esse o acto que constitui o objecto do presente pedido arbitral.

Na sua resposta, a Autoridade Tributária invoca, em primeira linha, que, nos termos do artigo 78.º, n.º 6, CIVA a correcção de erros materiais ou de cálculo no registo nas declarações periódicas de IVA apenas pode ocorrer no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito, não sendo aplicável o prazo máximo de quatro anos a que se refere o artigo 98.º, n.º 2 do CIVA, visto que esta disposição, como resulta do seu segmento inicial, só opera na ausência de disposições especiais que fixem prazo diverso.

 

Para um melhor enquadramento das questões que vêm colocadas, interessa ter presente as disposições que estabelecem mecanismos de correcção do imposto que tenha sido objecto de dedução.

 

O artigo 23.º do Código do IVA estabelece os “métodos de dedução relativa a bens de utilização mista”, contemplando o método de afectação real, pelo qual o sujeito passivo efectua a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados (n.º 1, alínea a)), e o método de dedução pro rata em que o sujeito passivo efectua a dedução na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução (n.º 1, alínea b))). O n.º 2  define os critérios através dos quais pode ser efectuada a dedução segundo a afectação real e o n.º 4 estipula que a percentagem de dedução pro rata resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica.

 

 O n.º 6 desse mesmo artigo prevê ainda que a “percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita”. 

 

Por sua vez, o artigo 78.º, referindo-se a “Regularizações”, no seu n.º 6, estabelece o seguinte:

 A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 55.º nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.

 

E, por fim, o artigo 98.º, sob a epígrafe “Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução”, na parte que mais interessa considerar, dispõe nos seguintes termos:

 

1- Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária. 

2- Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente. 

 

O âmbito aplicativo de qualquer destes preceitos não parece ser de difícil compreensão e tem sido objecto de análise jurisprudencial.

 

Nos termos do n.º 6 do artigo 23.º, a percentagem de dedução, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, será corrigida de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reporta, havendo lugar à correspondente regularização das deduções na declaração do último período do ano a que respeita. Assim, se o sujeito passivo utilizou um pro rata provisório de 3% ao longo do exercício e constatou que o pro rata definitivo era de 4%, irá proceder, nessa declaração, à regularização a seu favor de 1% sobre o montante total do IVA dedutível.

 

O artigo 78.º contempla ainda possibilidade de regularização do imposto nas situações aí previstas, com reflexo nas deduções que tenham sido efectuadas pelos sujeitos passivos, e, de entre elas, a correcção de erros materiais ou de cálculo (n.º 6). Como resulta do preceito, por efeito da remissão para os artigos 44.º e 51.º, por um lado, e para o artigo 41.º, por outro, as correcções podem incidir sobre erros ocorridos nos registos contabilísticos ou nas declarações periódicas. Haverá de tratar-se, em todo o caso, de lapsos materiais ou de cálculo que o artigo 95.º-A, n.º 2, do CPPT especifica, por referência à correcção de erros cometidos pela administração tributária, como sendo “os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso”.

 

Por outro lado, a correcção, em aplicação desse dispositivo, só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, se conta a partir do momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

 

No artigo 98.º prevê-se ainda a possibilidade de revisão do acto tributário por iniciativa da Administração quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido (n.º 1), fixando o n.º 2 um prazo de quatro anos para o exercício do direito à dedução após o momento em que a dedução poderia ocorrer, com a ressalva de disposições especiais que sejam aplicáveis.

 

                No caso concreto, o pedido de revisão oficiosa baseia-se num erro de quantificação da proporção do pro rata, que poderia ser corrigida na declaração periódica referente ao último período do ano, em aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 6, do Código do IVA. Com efeito, a correcção não foi determinada por erro material ocorrido nos registos contabilísticos ou por um erro de cálculo sobre a percentagem a considerar, mas por um erro de direito resultante de, na autoliquidação do imposto, ter sido deduzido menos imposto do que o devido por incorrecta aplicação do pro rata. Como se reconhece no acórdão do STA de 28 de Junho de 2017, Processo n.º 01427/14, a especificidade do método pro rata consiste no facto de o direito à dedução ser proporcional ao valor das operações tributáveis e isentas com direito à dedução sobre o total do volume de negócios, pelo que a quantificação do imposto a deduzir corresponde a uma operação juridicamente complexa, de tal modo que o erro na percentagem aplicável não pode ser reconduzido a um mero lapso material ou de cálculo, mas a um erro de direito (neste mesmo sentido, o Acórdão do TCA  Sul de 28 de Setembro de 2017, Processo n.º 263/16).

 

Estando em causa um erro de direito imputável ao contribuinte, a Requerente não poderia recorrer ao mecanismo de regularização previsto no artigo 78.º, n.º 6, mas nada obstava a que pudesse lançar mão do pedido de revisão a que se refere o artigo 98.º, que, como se viu, é aplicável às situações em que  ocorre um erro material ou de cálculo ou um erro de direito, podendo o interessado exercer o direito ao reembolso de imposto no prazo de quatro anos, como prevê o n.º 2. Certo é que, no seu segmento inicial, o preceito ressalva as “disposições especiais” e, entre estas, conta-se o citado artigo 78.º, n.º 6, do CIVA. Mas, como se referiu, a situação do caso não se enquadra no erro material ou de cálculo a que fosse aplicável essa outra disposição, tratando-se antes de um erro de direito que pode ser corrigido no dito prazo de quatro anos  (cfr., neste sentido, o citado acórdão do STA de 28 de Junho de 2017).

 

E tal como se decidiu no acórdão arbitral proferido no Processo n.º 28/2017-T, a aplicação de um prazo de quatro anos para exercer a regularização de IVA a favor do sujeito passivo, está conforme com o princípio da efectividade e da neutralidade fiscal, sendo consequentemente de afastar, por violação desses princípios e do princípio da proporcionalidade, que a regularização do direito à dedução possa ser exercida apenas dentro do prazo previsto no n.º 6 do artigo 23.ºou do n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, quando não se trate de um mero erro material.

 

Tendo a Requerente apresentado o pedido de revisão oficiosa do acto de autoliquidação, em 27 de Dezembro de 2018, para corrigir a percentagem de dedução de IVA relativamente a bens de utilização mista, por referência ao período de tributação de 2014, estava ainda em tempo de exercer o direito à dedução e ao reembolso do imposto entregue em excesso.

 

6. A Autoridade Tributária defende, em segundo plano, que, caso seja de admitir que a regularização do imposto é tempestiva, cabe ao tribunal arbitral proceder à devolução do processo à Administração para que seja apurado o montante do imposto a deduzir. Com referência à factualidade constante da petição inicial, contrapõe que a Requerente “não logrou identificar com precisão as operações em causa e demonstrar a validade dos cálculos efectuados com vista à quantificação dos montantes exigidos”, a título de direito à dedução.

 

Quanto à primeira questão, parece claro que, tendo sido deduzido um pedido arbitral para apreciar a legalidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IVA, e sendo essa uma pretensão que se enquadra no âmbito da sua competência jurisdicional, face ao disposto no artigo 2.º do RJAT, o tribunal arbitral não pode deixar de emitir a pronúncia sobre a matéria da causa. A actividade de natureza procedimental destinada a apurar o montante do direito à dedução teria de ser realizada pela Autoridade Tributária no âmbito do pedido de revisão oficiosa. Não tendo a Administração proferido qualquer decisão dentro do prazo legalmente previsto, o pedido é tido como tacitamente indeferido e susceptível de ser impugnado pela via contenciosa.

 

Nessa circunstância, não cabe ao tribunal, na pendência do processo arbitral, permitir à Administração a reabertura do procedimento tributário para efeito de praticar os actos de instrução destinados a apurar se há lugar ao direito à dedução de imposto e quantificar o imposto que seria dedutível.

 

7. A segunda questão coloca-se no mero plano das regras aplicáveis ao ónus da prova.

Como resulta do disposto no artigo 75.º da LGT, os dados e apuramentos inscritos na contabilidade do sujeito passivo presumem-se verdadeiros e só quando a contabilidade contiver omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável é que cessa essa presunção, implicando que recaia sobre o sujeito passivo o ónus da prova dos factos que constam da escrita. Nesses termos, a regularidade formal da escrita constitui presunção da sua veracidade - estendida aos seus elementos de apoio- a qual cessa no caso da existência de indícios sérios de que as operações escrituradas não correspondem à realidade.

O artigo 74.º estabelece, por sua vez, o princípio geral quanto ao ónus da prova, ao consignar que a prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (n.º 1).

Deste modo, como se refere no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 17 de Fevereiro (Processo n.º 591/15), quando seja a Administração Tributária a praticar um acto de liquidação, fundado num determinado facto tributário, por hipótese não revelado pela escrita do contribuinte, não deixa de ser ela a ter que provar a existência desse facto, que constitui pressuposto da sua actuação. É esse o corolário do princípio da legalidade administrativa, de acordo com o qual a Administração só pode agir se isso lhe permitir a lei, e não pode fazê-lo contra ela. Os pressupostos da sua actuação são, pois, factos constitutivos do seu direito a agir, cuja prova lhe compete.

Porém, no caso vertente, a Administração não actuou baseada na existência de qualquer facto tributário, nomeadamente, liquidando o correspondente imposto. Antes, por via do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, obstou ao exercício, por parte do sujeito passivo, do direito à dedução do imposto que teria sido entregue em excesso na autoliquidação efectuada na declaração periódica de IVA.

Nesse caso, é a Requerente que se arroga um direito à dedução do IVA, que não é reconhecido pela Administração Tributária, pelo que lhe cabe provar a ocorrência dos factos em que assenta esse direito.

Assim sendo, quando o acto de autoliquidação de IVA não tenha considerado o direito à dedução de imposto, é ao contribuinte que cabe o ónus de prova da existência dos factos tributários em que se fundamenta esse direito e que, no caso, pretendeu accionar por via do pedido de revisão oficiosa. Por seu lado, à Administração cabe a prova da verificação dos pressupostos legais do não reconhecimento do direito à dedução que resulta do indeferimento tácito do pedido de revisão.

Na situação do caso, a Requerente alega ter suportado imposto em excesso, na medida em que apenas deduziu o imposto incorrido na aquisição de recursos exclusivamente associados a actividades tributadas pelo método de imputação directa, não tendo deduzido os recursos comuns que foram alocados, simultaneamente, a actividades que conferem o direito à dedução do IVA e a actividades que não conferem esse direito.

 

E juntou documentos em vista a demonstrar os montantes que devem constar do numerador e do denominador da fracção destinada a apurar a percentagem de dedução (documentos n.º 2 e 4), bem como a identificar os inputs de utilização mista que conferem direito à dedução parcial pelo método pro rata (documento n.º 3), e a demonstração do cálculo da percentagem de dedução relativamente a esse tipo de recursos (documento n.º 5).

 

A Autoridade Tributária não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa, que foi tacitamente indeferido, nem do processo administrativo constam quaisquer elementos instrutórios que não sejam o próprio pedido de revisão oficiosa e os documentos que a ele se encontravam juntos (cfr. alínea J) da matéria de facto). E no âmbito do processo judicial tributário, a Requerida limitou-se à afirmação genérica de que a Impugnante “não logrou identificar com precisão as operações em causa e demonstrar a validade dos cálculos efectuados com vista à quantificação dos montantes exigidos”, sem, todavia, questionar os factos alegados no pedido arbitral e impugnar ou contraditar os documentos que foram juntos ao pedido.

Acresce que no pedido de revisão oficiosa a Requerente juntou um documento contendo a demonstração do cálculo do pro rata (doc. n.º 1) e um outro contendo a listagem da aquisição de bens e prestação de serviços de utilização mista (doc. n.º 2), referindo que as facturas aí descritas se encontram arquivadas e disponíveis para consulta (artigo 43.º do pedido de revisão oficiosa). Ou seja, a Requerente não só identificou as facturas que estão em causa como quantificou o imposto a deduzir pelo método pro rata, sendo que esses são elementos da escrita do sujeito passivo que se presumem verdadeiros.

Em suma, a Autoridade Tributária não impugnou especificadamente os factos em que a Requerente pretende basear o seu direito à dedução do IVA nem imputou quaisquer erros ou inexactidões aos documentos apresentados que pudessem afastar a presunção de veracidade da contabilidade.

Certo é que o CPPT, no âmbito da impugnação judicial, não impõe à contraparte o ónus de impugnação especificada dos factos alegados na petição, conferindo antes ao juiz a possibilidade de apreciar livremente a atitude processual da entidade demandada (artigo 110.º, n.º 7).  Poderá assim o tribunal, em face das circunstâncias do caso, interpretar a falta de impugnação especificada como constituindo a confissão tácita dos factos articulados na petição ou entender, ainda assim, esses factos como não provados (cfr. JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 302-303).

No caso, não existe qualquer motivo para desconsiderar os factos alegados pela Requerente e os documentos juntos ao pedido, que não foram sequer impugnados, e de onde decorre o direito à dedução de imposto relativamente a bens de utilização mista, havendo de entender-se que foi efectuada a prova da existência dos factos de que depende o exercício do direito.

Por outro lado, a Administração, não só não impugnou especificadamente os factos articulados na petição, como não colocou em dúvida a veracidade dos documentos juntos, e não produziu qualquer meio de prova que permitisse pôr em causa a pretensão da Requerente. E no procedimento administrativo não emitiu qualquer pronúncia sobre o pedido de revisão, nem efectuou qualquer averiguação quanto aos documentos anexos ao pedido, nem coligiu quaisquer elementos instrutórios relacionados com essa matéria, pelo que não pode dizer-se que tenha sido feita a prova, que incumbia à Administração, da verificação dos pressupostos legais do não reconhecimento do direito à dedução de imposto.

Nestes termos, o pedido arbitral mostra-se ser procedente.

Juros indemnizatórios

 

8. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

No casos de pedido de revisão oficiosa, em face do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., acórdão do Pleno do STA de 3 de Julho e 2019, Processo n.º 04/19).

 

No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 27 de Dezembro de 2018, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde 28 de Dezembro de 2019, ou seja a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa.

 

 

III - Decisão

       Termos em que se decide:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;

b)           Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios a partir de 28 de Dezembro de 2019.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 75.455,28, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00 que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 19 de Março de 2020

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

A Árbitro vogal

Raquel Franco

 

A Árbitro vogal

Suzana Fernandes da Costa