Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 507/2021-T
Data da decisão: 2022-11-02  IRS  
Valor do pedido: € 6.398,94
Tema: IRS - Direito ao pagamento de juros indemnizatórios; Erro imputável aos Serviços.
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SUMÁRIO

  1. A anulação do acto de liquidação pode não determinar, per si, o encerramento de todas as pretensões do Requerente.
  2. A anulação do acto de liquidação pela AT não acarreta necessariamente a preclusão do direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

DECISÃO ARBITRAL

O Árbitro designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 03 de Novembro de 2021, decide o seguinte:

  1. RELATÓRIO
  1. O Pedido
  1. A..., NIF..., casado, natural de ..., Cabo Verde, de nacionalidade portuguesa, com residência em ..., França, doravante designado por “Requerente”, apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação das decisões de indeferimento do i) recurso hierárquico interposto a 20 de Janeiro de 2021 que teve por objecto o ii) indeferimento da reclamação graciosa que havia sido deduzida a 24 de Dezembro de 2019 contra a liquidação de IRS respeitante ao ano de 2018 (liquidação de IRS n.º 2019...) impugnadas pretendendo e requerendo a condenação da Requerida a proceder à restituição do montante pago a título de IRS de 2018 acrescido de juros indemnizatórios.
  2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral formulado foi aceite sem que o Requerente procedesse à designação de Árbitro, tarefa que coube ao ilustre Conselho Deontológico do CAAD, a qual não mereceu oposição.
  1. Tramitação processual
  1. O Árbitro designado aceitou tempestivamente a nomeação que foi devidamente notificada às Partes sem que tenham manifestado vontade de recusar a designação do Árbitro, nos termos conjugados do Artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos Artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  2. A Requerida apresentou, em 9 de Dezembro de 2021, requerimento de junção ao Processo do Despacho de revogação do acto de liquidação.
  3. O Despacho de revogação do acto revogação nada mencionava quanto aos juros compensatórios e indemnizatórios, pelo que a requerida solicitou esclarecimentos à DSRI quanto a essa matéria.
  4. Revogado o acto impugnado, está parcialmente satisfeita a pretensão formulada pelo Requerente.
  5. Veio o Requerente solicitar esclarecimentos quanto ao alcance do despacho de revogação do acto de liquidação, nomeadamente se abrangia o pagamento de juros indemnizatórios reiterando o pedido formulado.
  6. Não se logrou obter esclarecimentos quanto ao alcance do despacho de revogação nomeadamente quando à consideração do dever de pagar juros indemnizatórios tal como peticionado pelo Requerente nem quanto à emissão da consequente nota de liquidação ou de demonstração de acerto de contas.

 

  1. Da condução do processo arbitral

Atendendo ao nível de informação que resulta da análise das posições dos elementos constantes do processo, à respectiva factualidade, ao contraditório exercido, assim como à posição das Partes quanto a este assunto entendeu-se, nomeadamente ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no Artigo 16.º, alínea c) do RJAT poder haver dispensa de alegações das Partes.

Ao mencionado acresce o facto de haver matéria que fundamente a prolação da decisão arbitral no âmbito deste processo.

Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas adicionais cumprindo decidir

 

  1. Pagamento de juros indemnizatórios

O Requerente, apesar de ter sido notificado, no âmbito do Processo, da anulação do acto de liquidação cuja petição formulada visava anular, havia originalmente peticionado a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, pelo que é de analisar tal pedido.

A anulação da liquidação pela Requerida tem como consequência a eliminação dos efeitos do acto anulado (Artigo 165.º, n.º 2, do CPA) – por força do seu desaparecimento da ordem jurídica.

E sempre se dirá que impende sobre a AT o dever de restabelecer a situação que existiria se os actos não tivessem sido praticados (sequer existido na ordem jurídica e com impacto na esfera jurídica das Partes).

Como mencionado, o despacho de revogação da liquidação é omisso quanto ao pedido formulado pelo Requerente para pagamento de juros indemnizatórios.

Por outro lado, e conforme resulta da economia de todo o processo, tal ocorreu não por qualquer acto ou procedimento, ainda que desculpável ou involuntário do contribuinte, mas por uma interpretação errónea por parte da Requerida e que fundamentou e levou à qualificação da situação fáctica e consequentemente à liquidação efectuada.

Constata-se que o Requerente apresentou, em diferentes momentos e por diferentes meios, elementos e argumentos que permitiriam esclarecer, clarificando de forma evidente a situação fáctica.

Nessa medida poderia ter sido evitada a liquidação aqui sindicada (que veio a ser anulada pela Requerida) e este processo arbitral.

Tanto basta para se considerar verificado o erro imputável aos serviços com a consequente obrigação de pagamento de juros indemnizatórios calculados com base na importância paga e indevidamente liquidada e paga (IRS de 2018), contados desde a data do pagamento indevido (do dia seguinte, como determinam as regras) nos termos conjugados dos Artigos 43.º, números 1 e 2, da LGT e 61.º, do CPPT.

Note-se ainda que a revogação do acto de liquidação é equiparada à respectiva anulação, determinando-se, em consequência, a obrigação de restabelecer a situação que existiria se tal acto não fora praticado, o que se entende como o dever de proceder às diligências que se mostrem adequadas para atingir e prosseguir tal efeito incluindo a liquidação e pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. DECISÃO

Nestes termos, decide este Tribunal em:

  1. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a proceder ao reembolso efectivo do imposto (IRS de 2018) indevidamente pago;
  2. Condenar a requerida à prática dos actos que se mostrem devidos em consequência da revogação do acto de liquidação;
  3. Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulado, condenando-se, em consequência, a Requerida à respectiva liquidação e pagamento de juros indemnizatórios; e
  4. Condenar nas custas do processo a Requerida.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no Artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no Artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º 1 do Artigo 29.º do RJAT) e no Artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 6.398,94€.

 

  1. CUSTAS

De harmonia com o disposto no Artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, «da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral».

A regra básica sobre responsabilidade por custas (encargos dos processos) é a de que deve ser condenada a parte que a elas houver dado causa (Artigo 527.º, do Código de Processo Civil).

No caso em apreço, tal responsabilidade é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira – por anulação do acto de liquidação aqui sindicado no âmbito deste processo.

Assim, nos termos do Artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 612,00€, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos dos Artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e Artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Lisboa, 02 de Novembro de 2022

 

O Árbitro,

 

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TITO BARROS CALDEIRA

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do Artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão do Artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT. A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.