Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 506/2021-T
Data da decisão: 2022-05-17  IMI  
Valor do pedido: € 33.969,95
Tema: IMI – Revisão do acto tributário – Determinação do VPT dos terrenos para construção - Revisão oficiosa – Indeferimento tácito – Competência do tribunal arbitral.
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DECISÃO ARBITRAL                    

 

 

I - RELATÓRIO

 

 

A.  AS PARTES. CONSTITUIÇÂO DO TRIBUNAL. TRAMITAÇÃO DO PROCESSO.

 

  1. No dia 25 de Agosto de 2021, A..., LDA, contribuinte fiscal nº..., com sede na ..., nº..., ..., ...-... Lisboa (doravante, abreviadamente, designada por Requerente), apresentou  pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente, designado RJAT), visando a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 29/01/2021 e, em consequência, a anulação parcial dos actos de liquidação de IMI e de  AIMI, adiante identificados, os de IMI respeitantes ao período de tributação dos anos de 2016 a 2019 e os de AIMI dos anos de 2017 a 2020, no valor total de 33.969,95 euros, efectuados pela Autoridade Tributária (doravante, designada, abreviadamente, por Requerida), bem como o reembolso dessa importância

 

  1. No dia 27/08/2021, o pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 25/08/2021, foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. Em 29/09/2021, a Requerida comunicou a designação de juristas para a representar.

 

  1. Em 12/09/2021, a Requerente juntou procuração forense

 

  5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea a) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou, em 15/10/2021, o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 15/10/2021, as Partes foram notificadas dessa designação não tendo manifestado vontade de recusar.

 

  1. Em 19/10/2021, a Requerente requereu a junção aos autos da Instrução de serviço nº.../2021, de 05/04/2021, da DSJT da AT.       

 

  1.  Em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 03/11/2021. 

 

    9. No dia 02/12/2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção: inimpugnabilidade do acto de liquidação com base em vícios da fixação do valor patrimonial tributário e intempestividade do pedido de revisão oficiosa e, por impugnação.

 

   10. Em 01/02/2022, em cumprimento de despacho arbitral de 31/01/2021, a Requerente foi notificada para responder às excepções deduzidas pela Requerida AT.

 

  1. Em 15/02/2021, foi junta ao processo a resposta da Requerente às excepções deduzidas pela Requerida.

 

  1. No dia 02/03/2022, foi proferido despacho arbitral dispensando a reunião a que alude o art. 18º do RJAT, concedendo um prazo de quinze dias para a apresentação de alegações escritas, sucessivas e facultativas, indicando-se que a decisão arbitral seria proferida até ao termo do prazo previsto no art. 21º, nº 1 do RJAT.

 

  1. No dia 23.03.2022, foram apresentadas alegações escritas pela Requerente, reiterando e desenvolvendo a sua posição jurídica.

 

  1. Em 28/03/2022, foi proferido despacho arbitral a prorrogar por dois meses o prazo para a prolação da decisão arbitral, ao abrigo do nº 2, do art. 21º do RJAT, por estar a decorrer o prazo para alegações da Requerida.

 

 15 - Em 17 /05/2022 foi proferida a decisão arbitral.

 

    B. PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS

 

A Requerente é proprietária do lote de terreno para construção melhor identificado abaixo:

 

 

 

ARTIGO

DISTRITO

CONCELHO

FREGUESIA

U-...

Lisboa

Lisboa

...

 

 

 

 

 

Conforme decorre da respetiva caderneta predial, o Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) do mencionado terreno para construção foi apurado em 2016 de acordo com a aplicação da seguinte fórmula:

 

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

 

A Requerente efetuou o pagamento das liquidações de IMI e AIMI, que lhe têm sido notificadas nos últimos anos, por referência ao referido lote de terreno para construção, as quais, conforme é consabido, são calculadas por aplicação da taxa de IMI e de AIMI ao VPT que se encontra inscrito na caderneta predial à data a que respeita o imposto em causa.

 

Em concreto, ao longo dos últimos quatro anos, a Requerente liquidou os seguintes montantes a título de IMI:

 

LIQUIDAÇÕES IMI 2016

 

FREGUESIA

ARTIGO

ANO

 

V. PATRIMONIAL

TAXA

COLECTA

LIQUIDAÇÃO

...

U-...

2017

 

1.208.680,00

0,30

3 626,04

2016 ...

2016 ...

2016 ...

 

 

LIQUIDAÇÕES IMI 2017

 

FREGUESIA

ARTIGO

ANO

 

V. PATRIMONIAL

TAXA

COLECTA

LIQUIDAÇÃO

...

U-...

2017

 

1.208.680,00

0,30

3 626,04

2017 ...

2017 ...

2017 ...

 

 

LIQUIDAÇÕES IMI 2018

 

FREGUESIA

ARTIGO

ANO

 

V. PATRIMONIAL

TAXA

COLECTA

LIQUIDAÇÃO

...

U-...

2017

 

1.208.680,00

0,30

3 626,04

2018 ...

2018 ...

2018 ...

 

 

 

LIQUIDAÇÕES IMI 2019

 

FREGUESIA

ARTIGO

ANO

 

V. PATRIMONIAL

TAXA

COLECTA

LIQUIDAÇÃO

...

U-...

2017

 

1.226.810,20

0,30

3 680,43

2019 ...

2019 ...

2019 ...

 

 

Conforme liquidações de IMI e respetivas notas de cobrança, que junta ao PPA como documento n.º 2.

 

A Requerente liquidou também os seguintes montantes a título de AIMI:

LIQUIDAÇÕES AIMI 2017

 

FREGUESIA

ARTIGO

ANO

 

V. PATRIMONIAL

TAXA

COLECTA

LIQUIDAÇÃO

...

U-...

2017

 

1.208.680,00

0,40

4 834,72

2017 ...

 

 

LIQUIDAÇÕES AIMI 2018

 

FREGUESIA

ARTIGO

ANO

 

V. PATRIMONIAL

TAXA

COLECTA

LIQUIDAÇÃO

...

U-...

2018

 

1.208.680,00

0,40

4 834,72

2018 ...

 

 

LIQUIDAÇÕES AIMI 2019

 

FREGUESIA

ARTIGO

ANO

 

V. PATRIMONIAL

TAXA

COLECTA

LIQUIDAÇÃO

...

U-...

2019

 

1.208.680,00

0,40

4 834,72

2019 ...

 

 

LIQUIDAÇÕES AIMI 2020

 

FREGUESIA

ARTIGO

ANO

 

V. PATRIMONIAL

TAXA

COLECTA

LIQUIDAÇÃO

...

U-...

2020

 

1.226.810,20

0,40

4 907,24

2020 ...

 

 

conforme. liquidações de AIMI e respetivas notas de cobrança, que junta ao PPA como documento n.º 3.

 

Por discordar das referidas liquidações a Requerente apresentou, em 29.01.2021, junto do Serviço de Finanças de Lisboa ..., um pedido de revisão oficiosa, solicitando a anulação dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2016 a 2019 e de AIMI dos anos de 2017 a 2020, nos termos do artigo 78.º da LGT.

 

Resulta do n.º 1 do artigo 57.º da LGT que “O procedimento tributário deve ser concluído no prazo de quatro meses devendo a administração tributária e os contribuintes abster-se da prática de atos inúteis ou dilatórios”.

 

 

Assim, tendo o pedido de revisão oficiosa sido recebido pela AT a 29.01.2021, o prazo para esta se pronunciar terminou a 31.05.2021 (uma vez que 29.05.2021 era sábado).

 

A AT nunca se pronunciou quanto ao pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, de forma que se formou decisão de indeferimento tácito, conforme consta do n.º 4 do artigo 57.º da LGT “(…) o incumprimento do prazo referido no n.º 1, contado a partir da entrada da petição do contribuinte no serviço competente da administração tributária, faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial.”

 

Face ao exposto, é com base neste indeferimento tácito que a Requerente apresenta agora perante este Tribunal Arbitral pedido de pronúncia quanto à legalidade das referidas liquidações, requerendo:

  1. a anulação do indeferimento (tácito); e
  2. a anulação das liquidações de IMI dos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 e AIMI de 2017, 2018, 2019 e 2020;
  3. a restituição do imposto indevidamente pago.

 

Com efeito, conforme se passa a expor, a Requerente não pode concordar com as liquidações de IMI e AIMI que lhe foram notificadas, por entender que as mesmas têm por base VPT determinados com base numa fórmula de cálculo ilegal, por erro imputável aos serviços, do qual resultou coleta superior à devida, o que motiva a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Para justificar a admissibilidade do pedido de revisão oficiosa, a Requerente alega o seguinte:

 

Como resulta da factualidade acima exposta, com a finalidade de ver analisada a legalidade das liquidações de IMI e AIMI que lhe foram notificadas referentes aos anos de 2016 a 2020, a Requerente apresentou, a 29.01.2021, junto do Serviço de Finanças de Lisboa ..., um pedido de revisão oficiosa do ato tributário.

 

Nos termos do disposto no artigo 78.º n.º 1 da LGT, “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

 

A utilização deste meio processual, quando o pedido é apresentado após estar esgotado o prazo de reclamação administrativa a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º, é limitada quanto aos fundamentos de impugnação, que deixam de ser «qualquer ilegalidade» (como sucede quanto aos pedidos apresentados naquele prazo) para passar a ser apenas o «erro imputável aos serviços».

 

Tal justifica-se pela velha máxima «dormientibus non sucurrit jus» que determina a preclusão de direitos por falta de exercício tempestivo, em benefício da segurança jurídica.

 

Não obstante, no caso em apreço, ocorreu um “erro imputável aos serviços”, o que justifica a admissibilidade do presente meio de reação

 

Em termos jurisprudenciais, tem sido aceite, com unanimidade, que o pedido de revisão oficiosa pode ser espoletado, no prazo de quatro anos, pelo próprio contribuinte, desde que com fundamento em erro imputável aos serviços – o que manifestamente se verificou no caso em apreço.

 

É de referir a este propósito a jurisprudência recente do TCAS na qual se discutia a possibilidade de o sujeito passivo requerer a revisão oficiosa das liquidações de IMI emitidas na sequência de uma incorreta fixação do VPT, não obstante não ter previamente impugnado o referido ato de fixação do VPT, e onde o Tribunal expressamente admitiu a legalidade e viabilidade do recurso a este meio.

 

De acordo com esta douta jurisprudência, “O artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei.

Todavia, como já se disse, o artigo 78.º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação e qualquer tributo. O que não quer dizer que seja de todo imprestável para o caso sub judice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.

Ora, ultrapassada que está actualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços.

O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas.

Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável. O que reforça o entendimento de que o direito que a recorrida reclamou, de ver as últimas quatro liquidações anteriores à reclamação serem anuladas, ter pleno apoio legal” – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no processo n.º 2675/12.8BELRS, de 31.10.2019.

 

Face ao exposto, é evidente que estamos perante uma ilegalidade – em virtude da fixação de um VPT claramente superior ao que resultaria caso a fórmula de cálculo legalmente prevista tivesse sido corretamente aplicada pela AT – motivo porquanto o facto de não ter sido apresentada reclamação graciosa das liquidações de IMI e AIMI subsequentes não pode constituir obstáculo legal à apreciação pela AT do pedido de revisão apresentado.

 

Mais, o erro no cálculo e fixação do VPT que originou as liquidações de IMI e AIMI sindicadas não pode ser imputado à ora Requerente, nem a qualquer comportamento negligente desta, uma vez que resultou de um procedimento desencadeado e concretizado pela AT, o que se invocou para os devidos legais

Adicionalmente, não poderá a AT invocar que a Requerente não utilizou a faculdade de requerer a segunda avaliação do VPT após ter sido notificada da avaliação, por ser este um pressuposto da anulação das respetivas liquidações de IMI e AIMI, já que decorre, clara e inequivocamente, do acórdão supra referido que a possibilidade de requerer a revisão das liquidações de IMI e AIMI apuradas tendo por base um VPT ilegal tem pleno enquadramento legal, “independente[mente] da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT.

 

Ademais, constitui jurisprudência pacifica que as liquidações de imposto podem ser objeto de revisão oficiosa no prazo geral de quatro anos.

 

Neste sentido, veja-se a jurisprudência pacífica do STA, segundo a qual “a Administração Tributária tem o poder-dever, à luz do disposto no art.º 52º do CPPT, de proceder à convolação do procedimento de reclamação em procedimento de revisão do acto de liquidação, sempre que na data em que aquela é apresentada ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão oficiosa podia ser pedida e ordenada. E a tal dever não obsta a intempestividade da reclamação, pois que, para o efeito, apenas é relevante a tempestividade do meio procedimental adequado” - cfr. acórdãos de 06.10.2005, no proc. nº 0653/05, de 07.10.2009, nos procs. nº 0474/09, 0475/09 e 0476/09, de 02.11.2011, no proc. nº 0329/11, de 14/12/2011, no proc. nº 0366/11, e de 17.01.2018, no processo n.º 01377/14.

Assim, defendeu mais uma vez o Venerando STA, em acórdão proferido no processo n.º 402/06, de 17.02.2006 que, “[m]esmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar actos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da L.G.T. II - O dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei.

 III - A revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 (anterior nº 6) do art. 78º da L.G.T., o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração Tributária o pode exercer.

IV - O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T.].”

 

 

A não ser assim, estaria a AT, simultaneamente, a consentir e a ignorar uma manifesta ilegalidade, nomeadamente a emissão de liquidações de IMI e AIMI com base num VPT apurado de forma manifestamente excessiva, conforme melhor se pode ver no pedido de revisão e no presente pedido de pronúncia arbitral.

 

No mesmo sentido se pronuncia Jorge Lopes de Sousa (in "Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado", 6ª ed. vol. I, p. 463.), salientando que – em face do princípio da colaboração recíproca da AT e dos contribuintes, de onde emerge, como corolário mínimo, que estes não percam direitos substantivos por meras razões formais – “será de efetuar a convolação quando o contribuinte utiliza um meio procedimental que, em princípio, é adequado, mas a utilização ocorre fora do prazo legal e há outro meio procedimental - com prazo mais longo, que ainda possa ser utilizado para, mesmo de forma menos intensa, dar alguma satisfação à pretensão do contribuinte”.

 

Também no mesmo sentido se pronunciou o STA em acórdão datado de 04.05.2016 no processo n.º 0407/15 em que entendeu que “É hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento. (…)

Deve considerar-se como erro imputável aos serviços o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, quando os factos foram apurados pela AT que, com base neles, procedeu à correção do lucro tributável declarado e à liquidação adicional do imposto.”

 

No presente caso, existiu um erro manifesto na fixação do VPT do lote de terreno acima melhor identificado, o que determinou o apuramento do IMI e AIMI em valor superior ao que seria devido pela detenção desse lote, pelo que nenhuma dúvida restará quanto à admissibilidade do presente meio de reação.

 

Em face do exposto, deverá concluir-se pela adequação e tempestividade do pedido de revisão oficiosa em que se requereu a revisão das referidas liquidações de IMI e AIMI, por ter ocorrido erro imputável aos serviços, o que justifica a anulação dos referidos atos tributários e a restituição das quantias de imposto indevidamente pagas

 

Portanto, considerando que, ao abrigo do n.º 2 do artigo 129.º do Código do IMI, os prazos de reação à liquidação se contam “a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da última ou da única prestação do imposto”, é evidente que, terminando o prazo para pagamento voluntário da última prestação da liquidação de IMI do ano de 2016 em 30.11.2017, se encontrava inequivocamente cumprido o prazo de 4 anos para apresentar pedido de revisão oficiosa da mesma.

 

A Requerente também se pronuncia sobre a cumulação de pedidos nos seguintes termos:

 

Conforme resulta do pedido de revisão oficiosa previamente apresentado, as liquidações relativas a IMI dos anos de 2016 a 2019 e de AIMI dos anos de 2017 a 2020, objeto do mesmo e, bem assim, do presente pedido de pronúncia arbitral, assentam nos mesmos fundamentos de facto e direito, sendo idêntica a causa de pedir e o pedido a formular pela Requerente

 

Nos termos do artigo 104.º do CPPT, aplicável ex vi do artigo 71.º do CPPT (aplicável tanto à reclamação graciosa como ao pedido de revisão do ato tributário, na medida em que ambos consubstanciam meios graciosos de sindicância dos atos de liquidação), é admissível a cumulação de pedidos, desde que:

a) Aos pedidos corresponda a mesma forma processual; e

b) A sua apreciação tenha por base as mesmas circunstâncias de facto ou o mesmo relatório de inspeção tributária, ou sejam suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo”.

 

Não obstando à cumulação referida a circunstância de os pedidos se reportarem a diferentes tributos, “desde que todos se reconduzam à mesma natureza, à luz da classificação prevista do n.º 2 do artigo 3.º da Lei Geral Tributária”, como sucede in casu, uma vez que estamos perante impostos sobre o património

 

No caso em apreço, nenhuma dúvida resta que se mostram preenchidos todos os requisitos legais para que, tal como sucedeu em sede de pedido de revisão oficiosa, seja admitida a presente cumulação de pedidos – a análise da legalidade dos atos de liquidação de IMI notificados à Requerente e referentes aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 e de AIMI referentes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 – uma vez que a sua apreciação tem por base as mesmas circunstancias de facto, sendo inequívoca a identidade da natureza dos tributos, bem como dos fundamentos a invocar pela Requerente

 

No que respeita à cumulação de pedidos para efeitos do presente pedido de pronúncia arbitral, o n.º 1 do artigo 3.º do RJAT dispõe que “[a] cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

 

In casu, inexistem dúvidas de que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente relativamente a cada um dos atos de liquidação de IMI e de AIMI depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de Direito, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

 

Seguidamente, a Requerente pronuncia-se sobre a presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e a tempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Como acima referido, a Requerente apresentou, em 29.01.2021, um pedido de revisão oficiosa, tendo por objeto os atos de liquidação de IMI dos anos de 2016 a 2019 e de AIMI dos anos de 2017 a 2020, requerendo a anulação dos mesmos.

 

Até à presente data, a Requerente não obteve qualquer resposta ou decisão por parte da AT em relação ao referido pedido de revisão oficiosa.

 

Da conjugação do disposto nos artigos 54.º, n.º 1, alínea c) e 57.º, n.ºs 1 e 3, ambos da LGT, resulta que o procedimento tributário (que compreende o pedido de revisão oficiosa do ato tributário) deve estar concluído no prazo de quatro meses, sendo este prazo contado de forma contínua e de acordo com os termos do Código Civil.

 

Do acima exposto resulta que a AT deveria, até 29.05.2021 (neste caso, até 31.05.2021, uma vez que 29.05.2021 era dia não útil), ter apreciado e decidido o pedido de revisão oficiosa de ato tributário que lhe foi oportunamente apresentado pela Requerente

 

Dispõe o artigo 57.º, n.º 5 da LGT que “o incumprimento do prazo [de 4 meses], contado a partir da petição do contribuinte no serviço competente da administração tributária, faz presumir o indeferimento para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial”.

 

Por sua vez, o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT estabelece que o “pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado (…) no prazo de 90 dias contados a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código do Procedimento e Processo Tributário quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma”.

 

Sendo que a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT determina que a impugnação judicial deve ser apresentada no prazo de três meses a contar da formação da presunção de indeferimento tácito.

 

Assim, conclui-se que o pedido de constituição do tribunal arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias a contar da formação da presunção de indeferimento tácito, que ocorreu no dia 29.05.2021, pelo que o presente pedido é tempestivo.

 

Alega, também, que o Tribunal Arbitral é competente para decidir o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

O artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT estabelece que “[a] competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.

 

Mais se referindo no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, preceito que estabelece os termos da vinculação da AT à arbitragem tributária (“Portaria de Vinculação”), que “[o]s serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a)        Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b)        Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; (…)”.

 

Ora, tendo em consideração o disposto nos artigos 2.º do RJAT e da Portaria de Vinculação, inexistem dúvidas quanto à competência material do Tribunal Arbitral para conhecer da ilegalidade de atos, abrangendo a ilegalidade do indeferimento tácito.

           

A este respeito, vejam-se os ensinamentos do ILUSTRE CONSELHEIRO JORGE LOPES DE SOUSA no sentido de que, “[e]mbora na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT apenas se faça referência à competência dos tribunais arbitrais para declararem a ilegalidade de atos de liquidação (…) essa competência estende-se também a atos de segundo e terceiro grau que apreciem a legalidade desses atos primários (…)” pelo que aquela alínea “não exclui os casos (…) em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do ato tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir” (cfr. Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Almedina, 2013, pp. 121-122.

 

E, para que dúvidas não subsistam, refere também o ILUSTRE CONSELHEIRO JORGE LOPES DE SOUSA que “[a]pesar de o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT fazer referência apenas a declaração de ilegalidade de atos, é inequívoco que nela se abrange a declaração de ilegalidade de indeferimentos tácitos, pois o n.º 1 do artigo 10.º do RJAT faz referência aos «factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» e a «formação da presunção de indeferimento tácito» vem indicada na alínea d) do n.º 1 deste artigo 102.º” (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, in obra citada, pp. 144-145, com negritos nossos).

 

A tese acima referida tem sido acolhida pela jurisprudência que vem sendo proferida pelos tribunais arbitrais e de que são exemplo a decisão de 04.09.2020, no processo arbitral n.º 809/2019-T e a decisão de 20.07.2015, no processo arbitral n.º 793/2014-T.

Assim, “estando-se perante indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, que tem por objecto directo acto de liquidação, é de considerar que o acto ficcionado conhece da legalidade de acto de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e para) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo o [processo] arbitral” (cf. decisão de 04.09.2020, no processo arbitral n.º 809/2019-T, com negritos nossos).

 

 

Refira-se ainda a mais recente decisão, de 05.05.2021, proferida no âmbito do processo n.º 8/2020-T, na qual se discutia precisamente a competência do tribunal arbitral para apreciar a legalidade do indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa: “Assim, na linha da jurisprudência referida, é de entender que o ato ficcionado quando ocorre indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa é um ato que comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral. Em conformidade com o que vem exposto, conclui-se que o indeferimento tácito ficciona um ato de indeferimento expresso pela AT, ambos impugnáveis por recurso à ação de impugnação judicial ou à apresentação de constituição de tribunal arbitral”.

 

Termos em que não existem dúvidas quanto à competência material do Tribunal Arbitral para decidir este pedido de pronúncia arbitral.

 

Passando à análise jurídica da situação, alega a Requerente:

 

Conforme decorre do acima exposto, a Requerente entende que as liquidações de IMI e AIMI emitidas, entre os anos de 2016 e 2020, relativamente ao lote de terreno acima melhor identificado padecem de ilegalidade, por terem como base um VPT determinado em virtude da aplicação de uma fórmula manifestamente ilegal, por duplicação de critérios.

 

Com efeito, o VPT dos terrenos para construção é determinado com base numa fórmula especificamente criada para o efeito pela AT.

 

Contudo, entende a Requerente que a AT não efetuou uma avaliação nos termos da lei, nomeadamente, em virtude da aplicação do coeficiente de localização, constantes do artigo 38.º do Código do IMI – especificamente aplicável a prédios edificados – na determinação do VPT do terreno para construção, duplicando, assim, os critérios utilizados, o que resulta na determinação de um VPT excessivo e, consequentemente, na emissão de liquidações de IMI e AIMI igualmente excessivas.

 

Analisemos antes de mais o quadro legal aplicável,

Nos termos do artigo 1.º do Código do IMI, o IMI incide sobre o VPT dos prédios rústicos e urbanos situados no território português.

 

Por outro lado, o AIMI incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular (cfr. artigo 135.º-B, n.º 1 do Código do IMI).

 

Por sua vez, nos termos do artigo 6.º do Código do IMI, os prédios urbanos dividem-se em: (i) habitacionais, (ii) comerciais, industriais ou para serviços, (iii) terrenos para construção e (iv) outros.

 

Para este efeito, resulta do disposto no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IMI “consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos”.

 

Para efeitos de avaliação do VPT de prédios urbanos, a lei distingue entre:

  1. os prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços – cujos parâmetros se encontram previstos nos artigos 38.º a 44.º do Código do IMI; e os
  2. terrenos para construção e os prédios da espécie “outros” – cujos parâmetros de avaliação do VPT se encontram previstos, respetivamente, nos artigos 45.º e 46.º do Código do IMI.

 

 

Ora, o artigo 45.º do Código do IMI, na redação anterior à alteração legislativa efetuada pelo artigo 392.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, em vigor desde 01.01.2021 (que aprovou o Orçamento do Estado para 2021 – “LOE 2021”), apresentava a seguinte redação, sob a epigrafe “Valor patrimonial dos terrenos para construção”:

“1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º”.

 

Por sua vez, determina o n.º 3 do artigo 42.º do Código do IMI:

“3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:

a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;

b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;

c) Serviços de transportes públicos;

d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário”

 

Note-se, antes de mais, que a nova redação do referido artigo 45.º do Código do IMI corrobora o entendimento da Requerente, nomeadamente de que não podia, à data, aplicar-se o coeficiente de localização ao terreno para construção propriedade da Requerente e objeto destes autos.

 

Ora, em contraste com a redação anterior do artigo 45.º do Código do IMI, a atual letra da lei é a seguinte:

 

“Artigo 45º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 – A determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção resulta da seguinte expressão:


Vt = Vc x A x Ca x Cl x % Veap
Em que:


Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = [Aa + Ab x 0,3] x Caj + Ac x 0,025 + Ad x 0,005
Aa = área bruta privativa autorizada ou prevista;
Ab = área bruta dependente autorizada ou prevista;
Caj = coeficiente de ajustamento de áreas;
Ac = área do terreno livre que resulta da diferença entre a área total do terreno e a área de implantação das edificações autorizadas ou previstas, até ao limite de duas vezes a área de implantação, sendo a área de implantação a situada dentro do perímetro de fixação das edificações ao solo, medida pela parte exterior;
Ad = área do terreno livre que excede o limite de duas vezes a área de implantação;
Ca = coeficiente de afetação das edificações autorizadas ou previstas;
Cl = coeficiente de localização;
% Veap = percentagem do valor das edificações autorizadas ou previstas com terreno incluído.
2 – A percentagem do valor das edificações autorizadas ou previstas com terreno incluído varia entre 15% e 45%.
3 – Na determinação da percentagem a que se refere o número anterior têm-se em consideração as variáveis que influenciam o nível de oferta e de procura de terrenos para construção em cada zona homogénea do município, designadamente a quantidade de terrenos infraestruturados e as condicionantes urbanísticas decorrentes dos instrumentos de gestão territorial vigentes, sendo determinada pelo quociente entre o valor de mercado do terreno e o valor de mercado do conjunto terreno mais edificações autorizadas ou previstas.
4– (Revogado).
5 – Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respetiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.”.

 

Ora, resulta evidente da nova redação do referido artigo que esta alteração pretendeu conceder abrigo legal a um comportamento que AT vinha a adotar – aplicando os coeficientes de localização e de afetação na determinação do VPT de terrenos para construção –, mas que até esta alteração legislativa era manifestamente ilegal.

 

Portanto, dúvidas não restarão de que, à data da determinação do VPT do referido terreno, o qual serviu de base às liquidações em causa nos presentes autos, a AT considerou um coeficiente - mais concretamente o coeficiente de localização – que não estava previsto na lei –, como a contrario resulta da expressa introdução deste coeficiente efetuada no artigo 392.º da LOE 2021, em vigor desde 01.01.2021

 

Por outro lado, o artigo 38.º do Código do IMI, que define os parâmetros a serem observados na determinação do VPT dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, ou seja, de prédios já edificados, determina que:

“1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv

em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = coeficiente de afetação;

Cl = coeficiente de localização

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

2 - O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.

3 - Os prédios comerciais, industriais ou para serviços, para cuja avaliação se revele desadequada a expressão prevista no n.º 1, são avaliados nos termos do n.º 2 do artigo 46.º.

4 - A definição das tipologias de prédios aos quais é aplicável o disposto no número anterior é feita por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos”.

 

Resulta do supra referido que:

  1. O VPT dos terrenos para construção é determinado de acordo com uma fórmula específica, a qual se encontra prevista no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI;
  2. Por sua vez, o n.º 2 do artigo 45.º determina que o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas;
  3. Na fixação desta percentagem – conforme determina a remissão do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IMI para o artigo 42.º, n.º 3 do Código do IMI – são tidas em consideração as acessibilidades existentes, a proximidade de equipamentos sociais, a existência, ou não, de transportes, bem como a eventual localização em zona de elevado valor de mercado imobiliário.

 

Ora, é evidente que no cálculo do VPT dos terrenos para construção, ao contrário do que foi a prática da AT, não podem aplicar-se os coeficientes que constam da fórmula geral de determinação do VPT previstos no artigo 38.º do Código do IMI, porquanto esses se destinam a ser aplicados a prédios edificados, sob pena de existir uma dupla incidência de critérios de determinação do VPT e de manifesta ilegalidade relativamente aos terrenos para construção.

 

Na verdade, ao contrário do que sucede na avaliação dos prédios da espécie “Outros”, em que existe uma remissão expressa para a fórmula geral de avaliação prevista no artigo 38.º do Código do IMI, a avaliação dos terrenos para construção é feita nos termos do artigo 45.º do Código do IMI, não existindo qualquer remissão para o disposto no artigo 38.º do mesmo Código

 

Assim, estando em causa nos autos um terreno para construção, o VPT do mesmo tem de ter por base, conforme acima referido, os critérios definidos na redação em vigor no artigo 45.º do Código do IMI à data em que foi efetuada a avaliação do VPT, que remete para o valor da área de implantação do edifício a construir, acrescido do valor do terreno adjacente à implantação, definindo também esta norma os próprios termos em que se calcula o valor da área de implantação do edifício a construir (cfr. n.º 2 e n.º 3) e o valor da área adjacente à construção (cfr. n.º 4), cujo somatório permite fixar o VPT do terreno para construção.

 

Assim entendeu o Tribunal Arbitral no qual foram árbitros José Poças Falcão, na qualidade de Árbitro Presidente, Ana Teixeira de Sousa e Nuno Cunha Rodrigues, no processo n.º 697/2019-T, de 29.09.2020 que “ao estabelecer que o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas, a lei não manda aplicar o coeficiente de localização definido no artigo 42.º para prédios urbanos destinados a comércio, indústria ou serviços, pretendendo explicitar apenas que, para efeitos de avaliação dos terrenos de construção, deve ser considerado um valor percentual entre esses dois limites, ponderado em função das características atinentes à localização do terreno

 

Acrescentando ainda que “(…) ao utilizar a fórmula de cálculo da área de terreno livre dos prédios edificados, para a determinação do valor da área adjacente à construção, o legislador não pretendeu equiparar os terrenos para construção aos prédios edificados, mas unicamente aplicar um mecanismo de cálculo que se encontra previsto numa outra disposição do mesmo diploma legal. Aliás, a remissão efetuada pela norma para os artºs. 40.º e 42.º, do C.I.M.I., por contraposição com a redação dada ao artº. 46.º, n.º 1, do mesmo diploma, relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38º com as necessárias adaptações”, é demonstrativa de que o legislador, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não quis que entrassem outros fatores que não fossem o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.”

 

No mesmo sentido se pronunciou também o Tribunal Arbitral no qual foram árbitros José Poças Falcão, na qualidade de Árbitro Presidente, Ana Teixeira de Sousa e André Festas da Silva, no processo n.º 554/2019-T, de 08.04.2019, referindo que “[a]o estabelecer que o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas, a lei não manda aplicar o coeficiente de localização definido no artigo 42.º para prédios urbanos destinados a comércio, indústria ou serviços, pretendendo explicitar apenas que, para efeitos de avaliação dos terrenos de construção, deve ser considerado um valor percentual entre esses dois limites, ponderado em função das características atinentes à localização do terreno.” (com negrito nosso).

Decorre com clareza da remissão efetuada pelo artigo 45.º do Código do IMI para os artigos 40.º e 42.º do mesmo Código que não se pretende determinar a aplicação dos coeficientes aí referidos, mas apenas indicar as características que irão determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.

 

Resulta, assim, do exposto, que a AT não poderia, na determinação do VPT do terreno para construção em apreço, ter aplicado a fórmula geral estabelecida no artigo 38.º do Código do IMI e, concretamente, não poderia, neste caso concreto, ter considerado o coeficiente de localização ali referido por ausência total de base legal para esse efeito.

 

Concomitantemente, é entendimento consolidado da jurisprudência que é inequívoco que na determinação do VPT dos terrenos de construção não poderão considerar-se os coeficientes de afetação, localização, e qualidade e conforto, a que alude o artigo 38.º do Código do IMI, até porque a aplicação destes coeficientes, ainda que por analogia, potenciaria a alteração da base tributável interferindo assim, de forma inadmissível, na incidência do imposto.

 

A este respeito, o Tribunal Arbitral no processo n.º 554/2019-T, acima referido, formula a seguinte questão, plenamente aplicável in casu: “[n]a avaliação dos terrenos para construção, prevista no CIMI para o cálculo do VPT, deve-se ter em conta o coeficiente de localização (Cl)?”.

 

Em resposta à questão formulada, decidiu aquele Tribunal Arbitral que:

“20. Ao utilizar a fórmula de cálculo da área de terreno livre dos prédios edificados, para a determinação do valor da área adjacente à construção, o legislador não pretende equiparar os terrenos para construção aos prédios edificados, mas unicamente aplicar um mecanismo de cálculo que se encontra previsto numa outra disposição do mesmo diploma legal.

21. Aliás, a remissão efectuada pela norma para os artºs.40 e 42, do C.I.M.I., por contraposição com a redacção dada ao artº.46, nº.1, do mesmo diploma, relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie "outros" em que expressamente se refere que "o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38º com as necessárias adaptações", é demonstrativa de que o legislador, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não quis que entrassem outros factores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.

22. A citada remissão efectuada pela norma para os artºs.40 e 42, do C.I.M.I., não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respectivamente, as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.” (cfr. decisão no processo n.º 554/2019-T, de 08.04.2019).

 

Concluindo que “(…) não é aplicável, na fórmula de avaliação dos terrenos para construção, também o coeficiente de localização, de acordo com a sua definição constante do mesmo artº.42, do C.I.M.I. O que significa que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação a fórmula matemática consagrada no artº.38, do mesmo diploma (ac.S.T.A.-2ª. Secção, 20/4/2016, rec.824/15; ac. S.T.A. 2ª Secção de 05/04/2017 rec. 01107/16; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.116).

24. Acresce que este entendimento jurisprudencial foi sufragado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, em recurso por oposição de julgados, através do acórdão de 21 de Setembro de 2016, no Processo n.º 01083/13. (…)

26. Apesar, disso, constata-se que a avaliação objecto do presente processo levou em consideração o coeficiente de localização, de acordo com a sua definição constante do mesmo artº.42, do C.I.M.I., de forma a aumentar o valor patrimonial tributário do imóvel avaliado quando não podia utilizar tal coeficiente, conforme se conclui supra.” (cfr. decisão no processo n.º 554/2019-T, de 08.04.2019, com negrito nosso)

 

Na verdade, especificamente quanto ao coeficiente de localização, os Tribunais Superiores têm afastado terminantemente a sua aplicação, uma vez que os fatores que são ponderados na determinação da percentagem da área de implantação do terreno para construção (que é um dos elementos preponderantes da determinação do VPT dos terrenos para construção) são os mesmos que servem de base à determinação do coeficiente de localização, não podendo, no entendimento destes Tribunais, ser novamente considerado a título individual, sob pena de o mesmo influenciar duplamente o VPT.

 

Ou seja, a determinação do VPT dos terrenos para construção deverá ser efetuada por avaliação direta, nos termos do n.º 2 do artigo 15.º do Código do IMI e de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo Código, pois a fórmula prevista no n.º 1 do artigo 38º apenas poderá ser aplicada aos prédios urbanos aí discriminados, isto é, àqueles que já estão edificados para propósitos de habitação, comércio, indústria e serviços.

 

Neste sentido vejam-se, entre outros, o acórdão do STA de 14.11.2018, no processo n.º 0133/18, no qual expressamente se afirma que “(…) não são aplicáveis no cálculo do VPT dos terrenos para construção os coeficientes que constam da fórmula geral de determinação do VPT do artigo 38.º do mesmo diploma legal, sob pena de aplicação analógica de uma fórmula especificamente destinada a prédios edificados. (…) Como refere o MP, sob pena de uma dupla incidência sobre a localização do terreno, na fórmula final de cálculo do VPT de um terreno para construção não há que aplicar o coeficiente de localização (cl), como bem decidiu a sentença recorrida” (com negrito nosso).

 

No mesmo sentido veja-se também o acórdão do TCAS de 08.02.2018, no processo n.º 117/14.4BELLE, no qual se concluiu:

“I. Na determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos terrenos para construção não tem aplicação o coeficiente de qualidade e conforto (Cq) previsto no art. 43.º do CIMI, devendo a avaliação ser efetuada nos estritos termos do art. 45.º do mesmo código que dispõe sobre o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção;

II. Também não tem aplicação no cálculo do VPT dos terrenos para construção a aplicação do coeficiente de localização (Cl), na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no n.º 3 do art. 45.º do CIMI.”.

 

Resulta evidente do acima exposto que os Tribunais têm uma posição inequívoca relativamente aos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto, nomeadamente de que estes, previstos na fórmula geral do artigo 38.º, n.º 1 do Código do IMI, não podem ser aplicados na determinação do VPT dos terrenos para construção sob pena de ilegalidade e duplicação de critérios, na medida em que esses coeficientes estão especificamente destinados à avaliação de prédios edificados

 

Sucede, porém, que ao determinar o VPT do lote de terreno para construção propriedade da Requerente e acima melhor identificado (cfr. caderneta predial acima junta como documento n.º 1), a AT procedeu à aplicação quer da fórmula prevista à data no artigo 45.º do Código do IMI, quer, analogicamente, da fórmula de cálculo geral estabelecida nos artigos 38.º e seguintes do Código do IMI aplicável exclusivamente na avaliação de prédios edificados.

 

Assim, do recurso simultâneo ao método do artigo 45.º e ao coeficiente de localização previsto no artigo 38.º do Código do IMI, resultou um VPT manifestamente excessivo e desajustado da realidade que lhes subjaz.

 

O recurso a uma fórmula claramente desprovida de base legal na determinação do VPT do terreno para construção aqui em causa resultou num acréscimo ilegal de IMI e AIMI a pagar pela Requerente por referência aos períodos de tributação de 2016 a 2019 (IMI) e 2017 a 2020 (AIMI), o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos da anulação das liquidações ilegalmente emitidas.

 

A este respeito, refira-se ainda a posição do TCAS no acórdão de 16.11.2017, no processo n.º 907/09.0BELRA, no qual se decidiu:

Por isso, a citada remissão efetuada pela norma para os artºs.40 e 42, do C.I.M.I., não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respetivamente, as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo. Em decorrência do acabado de dizer, deve concluir-se que não é aplicável, na fórmula de avaliação dos terrenos para construção, também o coeficiente de localização, de acordo com a sua definição constante do mesmo artº.42, do C.I.M.I. O que significa que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação a fórmula matemática consagrada no artº.38, do mesmo diploma (cfr. ac. S.T.A.-2ª. Secção, 20/4/2016, rec.824/15; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.116)”.

 

Em idêntico sentido pronunciou-se o STA em acórdão proferido no processo n.º 01107/16, de 05.04.2017, afirmando que “(…) no caso dos terrenos para construção, mandando o nº 3 do art. 45º do CIMI utilizar esses mesmos critérios para determinar as percentagens de apuramento do valor da área de implantação, teríamos uma aplicação duplicada daqueles quatro fatores que estão na base do coeficiente de localização, pois que estas características são também as mesmas que determinam a construção do coeficiente de localização: tais características determinam, primeiro, a construção do coeficiente de localização e em seguida, também a construção da percentagem do apuramento do valor da área de implantação, pelo que «dada a coincidência de serem os mesmos fatores que estão na base da construção do coeficiente de localização e das percentagens, parece também ser defensável a ideia de que não seria aplicável na fórmula de avaliação dos terrenos para construção o coeficiente de localização».(Autor e ob. cit.) Sob pena de termos a mesma realidade a influenciar duplamente o respetivo VPT. Como bem alegou a impugnante/recorrida, a lei manda ter em consideração, na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação, as mesmas características que se têm em consideração na fixação do coeficiente de localização, mas não o manda aplicar de novo à fórmula daí resultante: caso se aplicasse, resultaria que o mesmo foi considerado duas vezes (na obtenção da percentagem prevista no nº 2 e na fórmula final). Ou, como pondera a decisão recorrida, atendendo às regras próprias de determinação do VPT dos terrenos para construção, constantes do art. 45º do CIMI, considerar individualmente o coeficiente de localização é atender a um elemento estranho ao cálculo, tal como fixado naquele normativo legal.” .

 

Também no acórdão do STA de 31.03.2016, no processo n.º 0824/15, foi decidido que [o]s coeficientes de afetação e conforto, fatores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. (…) Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI.”.

 

Em concreto sobre a admissibilidade da aplicação analógica do artigo 38.º do Código do IMI no cálculo do VPT de terrenos de construção a jurisprudência é clara quanto à sua não admissibilidade, conforme resulta do acórdão do STA de 23.10.2019, no processo n.º 0684/17, que, citando a solução do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 21.09.2016, no recurso n.º 01083/13, decidiu que:

I- Os coeficientes de afectação e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38º do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto”.

 

De acordo com este entendimento esteve o Tribunal Arbitral na decisão proferida no acima referido processo n.º 554/2019-T, de 08.04.2020, nos termos da qual “uma interpretação do artigo 45.º com base na similitude de situação entre os terrenos para construção e os edifícios construídos não tem o mínimo apoio na letra da lei e não é sequer admissível o recurso à analogia, não só porque não existe nenhuma lacuna normativa que seja susceptível de integração analógica, como também porque a integração por meio de analogia é proibida no tocante a matérias abrangidas pela reserva de lei parlamentar (artigo 11.º, n.º 4, da LGT).”.

 

Em face da jurisprudência consolidada e pacífica na matéria, é evidente que a aplicação analógica à avaliação de terrenos para construção de componentes de uma fórmula de avaliação reservada a outro tipo de realidades (em concreto, de prédios edificados), para além de não ter um mínimo de correspondência com a letra da lei, conduziria a uma violação do princípio da legalidade e da reserva de lei, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

 

E, pasme-se, a própria AT já sancionou expressamente este tipo de entendimento nas páginas 6 e 37 do seu “Manual de Avaliação de Prédios Urbanos – Versão 7.0 (outubro 2020)”:

 

No que respeita à avaliação dos terrenos para construção, o presente manual de avaliação dos prédios urbanos incorpora o entendimento fixado na jurisprudência dos tribunais no sentido de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização, pelo que foram desconsiderados os referidos coeficientes e, consequentemente, eliminados da respetiva fórmula de cálculo.

 

(cfr. páginas 6 e 37 do “Manual de Avaliação de Prédios Urbanos – Versão 7.0 (outubro 2020)”

 

Note-se que, nas palavras da AT, este Manual foi elaborado para “ser utilizado pelos peritos avaliadores da propriedade urbana, pelos Serviços de Finanças e pelas Direções de Finanças”, e que é nele que a própria AT revê a sua posição quanto à fórmula de cálculo por si utilizada na determinação do VPT dos terrenos para construção, sem que – sublinhe-se – à data da sua publicação tivesse ocorrido qualquer alteração na legislação aplicável.

 

Ou seja, espantosamente, a AT reconheceu que a fórmula que estava a utilizar não estava correta e determinou a alteração da mesma.

 

A titulo de nota final, a Requerente gostaria ainda de referir que é também evidente que o valor a considerar na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção deve ser o do custo médio de construção por metro quadrado sem qualquer majoração (i.e., € 482,40 em 2016, 2017 e 2018[1] e € 492,00 em 2019 e 2020[2]) ao invés do valor base dos prédios edificados (€ 603, em 2016, 2017 e 2018 e € 615 em 2019 e 2020) indevidamente aplicado pela AT no cálculo do VPT do terreno para construção aqui em causa.

 

Com efeito, este é um entendimento que faz todo o sentido e que dá coerência ao sistema de tributação do IMI e AIMI, uma vez que o valor base dos prédios edificados (Vc) previsto na fórmula geral do artigo 38.º do Código do IMI – tal como o próprio nome indica – só pode aplicar-se ao que já está edificado.

 

Neste sentido já se pronunciou o TCAS, em Acórdão de 09.06.2021, no processo n.º 105/07.9BELRS, conforme segue:

“A crítica da impugnante reside na observação de que o valor a ter em conta na componente Vc não é o de €600,00, mas antes o de €480,00, o qual corresponde ao custo médio de construção por metro quadrado, a vigorar para os anos de 2003 e 2004, nos termos do ponto 6.º da Portaria n.º 982/2004, de 04.08. Assiste razão à impugnante, como se decidiu na sentença recorrida. Do disposto no artigo 45º, n.º 2, do CIMI, resulta que o valor da área de implantação sem qualquer edifício corresponde ao custo médio de construção por m2 do edifício previsto construir, sem qualquer acréscimo do valor por m2 do terreno de implantação para além da especificidade na determinação do VPT dos terrenos para construção resultante da ponderação entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas. Tal solução resulta da consideração dos elementos literal, sistemático e teleológico na interpretação da norma do artigo 45.º do CIMI, dado que o mesmo tem em vista apurar o VPT de um terreno para construção, o qual incide sobre a expectativa jurídica de edificação, pelo que a ponderação do valor do terreno de implantação, para além do que está previsto nos n.os 1 e 2, do artigo 45.º citado, significaria uma duplicação ou uma sobreposição, dado que o valor da edificação autorizada (valor da construção autorizada para aquela área) já inclui o valor do terreno de implantação. Para além de que o adicionamento do valor do terreno de implantação ao valor do prédio edificado constitui a solução do CIMI, prevista no artigo 39.º/1, para avaliação do vpt de prédios edificados, a qual não é aplicável ao caso, dado que se trata de apurar a avaliação do vpt de um terreno para construção. Este corresponde a uma expectativa jurídica de edificação e não a um prédio urbano edificado, pelo que o regime de avaliação do vpt deste último não é transponível para a avaliação do vpt de um terreno para construção”.

 

Ora, como foi já sobejamente repetido, o terreno em causa é um terreno para construção, pelo que não possui qualquer edificação, sendo, assim, alvo de tributação específica na qual, como é do conhecimento deste Tribunal e da AT, não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial fatores ainda não materializados.

 

Com efeito, a majoração de 25% estabelecida no artigo 39.º do Código do IMI aplica-se exclusivamente aos prédios edificados, não devendo ser considerada na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção.

 

O VPT dos terrenos para construção resulta já do somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, devidamente ponderada pela percentagem de área de implantação e o coeficiente de ajustamento de áreas, acrescido do valor do terreno adjacente à implantação

 

Ou seja, o valor que advém da majoração do próprio terreno que contribui para a formação do valor base dos prédios edificados é duplamente considerado na fórmula aplicada pela AT na determinação do VPT dos terrenos para construção.

 

Nestes termos, a aplicação da referida majoração de 25% no caso dos terrenos para construção é inteiramente desprovida de suporte legal, na medida em que o artigo 39.º do Código do IMI se refere expressamente a prédios edificados, pelo que é evidente a intenção do legislador de não aplicar esta majoração aos terrenos de construção.

 

Adicionalmente, esta majoração aplicada aos terrenos de construção sempre implicaria a dupla consideração do referido valor na avaliação destes terrenos.

 

Tal entendimento é, aliás, reforçado, pelo facto de o próprio legislador ter eliminado a expressão “edificados”, quando aprovou a alteração ao artigo 39.º do Código do IMI, na Lei do OE 2021, precisamente para passar a dar cobertura legal ao comportamento (até então ilegal!) que a AT vinha a adotar, i.e., o de aplicar a majoração de 25% na determinação do VPT dos terrenos para construção.

 

Assim, a redação do n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI em vigor antes de 1 de janeiro de 2021 e que, portanto, se aplicava ao caso em análise, era a seguinte:

“Artigo 39.º

Valor base dos prédios edificados

1 - O valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25%. daquele valor”.

 

A redação do n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI, em vigor desde 1 de janeiro de 2021, é a seguinte:

“Artigo 39.º

Valor base dos prédios

1 - O valor base dos prédios (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25 % daquele valor. (Redação da Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro)”

 

Ora, o legislador retirou da redação do artigo a referência aos “prédios edificados” de modo a que a majoração de 25% possa agora ser aplicada a terrenos que não sejam edificados, nomeadamente a terrenos para construção.

 

De tal forma que decorre com evidência que, à luz da letra da lei em vigor à data da determinação do VPT do terreno em discussão, que esteve na base dos valores de IMI e AIMI ora sindicados, a AT não podia – por não ter base legal que o permitisse – aplicar a majoração de 25% prevista no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI ao terreno propriedade da Requerente em apreço nos presentes autos

 

Pelo exposto, é forçoso concluir que a consideração dos coeficientes de localização e a majoração de 25% do valor médio de construção, mediante aplicação analógica dos artigos 38.º e 39.º, n.º 1, do Código do IMI implica a determinação de um VPT excessivo, sendo, como tal, ilegal.

 

De tudo o supra indicado, conforme decorre inequivocamente da informação que consta da caderneta predial acima junta como documento n.º 1 do terreno para construção que esteve na base das liquidações de IMI e AIMI que aqui se contestam, verifica-se que na determinação do VPT:

  1. Foi aplicado um Cl superior a 1, ou seja, foi aplicado um Cl de 2.50; e
  2. Foi aplicado um Vc de € 603,00, ao invés de € 482,40, ou seja, com a majoração de 25%, ao invés do custo médio de construção por metro quadrado sem qualquer majoração.

 

É, portanto, evidente que encontrando-se o VPT do terreno para construção ora identificado incorretamente fixado, são consequentemente ilegais os atos tributários que lhe sobrevieram, nomeadamente, as liquidações de IMI e AIMI sindicadas no presente pedido de pronuncia arbitral, razão pela qual requer que seja dado provimento ao presente pedido de pronúncia arbitral, determinando-se, em consequência:

  1. a anulação do ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente junto do Serviço de Finanças de Lisboa ...;
  2. a anulação dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 e AIMI referentes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, acima melhor identificadas;
  3. a restituição do IMI e AIMI indevidamente pagos.

 

 

     C. RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS

 

Notificada para responder, a Requerida veio defender-se por excepção e por impugnação, requerendo a manutenção do acto de liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

Para o efeito, alega a Requerida, o seguinte:

 

A Requerente apresenta pedido de pronúncia arbitral (ppa) onde requer a anulação do ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a anulação dos atos de liquidação de IMI, dos anos de 2016 a 2019 e das liquidações do AIMI dos anos de 2017 a 2020, identificados no pedido de pronúncia arbitral, bem como a restituição dos montantes pagos.

 

Alega a Requerente que foi incorretamente fixado o Valor Patrimonial Tributário (VPT) do lote de terreno para construção inscrito na matriz predial sob o artigo U-... da freguesia de ... em Lisboa, avaliado em €1.226.810,20.

 

No seu entender o cálculo do VPT mediante aplicação analógica dos artigos 38.º e 39., n.º 1, do Código do IMI tendo em consideração os coeficientes de localização e a majoração de 25% do valor médio de construção, implica a determinação de um VPT excessivo, sendo, como tal, ilegal.

 

E sendo o cálculo do VPT  ilegal, também o são os atos de liquidação subsequentes,

 

Atos esses que de per si não padecem de qualquer ilegalidade específica, autónoma ou individualizada!

 

No caso em apreço, não assiste qualquer razão a Requerente como de seguida se passa a demonstrar:

 

Defendendo-se por excepção, alega a Requerida:

 

Da Inimpugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios da fixação valor patrimonial tributário

 

O tribunal arbitral está limitado pelo princípio do pedido, vide art.º 609º/1 do Código de Processo Civil aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT

 

“O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, a quem incumbe dizer com precisão o que pretende do tribunal, que efeito jurídico quer obter com a ação.”

 

Assim, importa em primeiro lugar delimitar com exatidão o âmbito do pedido de pronúncia arbitral tal como a Requerente o configura.

 

A Requerente vem pedir a anulação das liquidações impugnadas com base na impugnação do Valor Patrimonial Tributário (VPT), nomeadamente erros na fórmula de cálculo que foi utilizada pela AT para efeitos de determinação do VPT do Terreno para Construção.

 

Aqui chegados, face à delimitação do pedido, coloca-se desde logo, entre outras, as seguintes questões a serem apreciadas pelo doutro tribunal arbitral:

 

A questão de saber se estamos perante atos destacáveis, ou seja, atos autonomamente impugnáveis;

 

A questão de saber se eventuais vícios do VPT são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

 

Constitui jurisprudência assente, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, bem como da mais abalizada doutrina o entendimento que o ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável.

 

Pelo que os vícios da fixação do VPT, não sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica.

 

Os atos de fixação do VPT, regulados no artigo 134.º do Código de Procedimento e Processo Tributário visam determinar a base tributável de imóveis, ou seja, determinam o valor de imóveis que posteriormente servirá de base à liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) ou Impostos Municipal sobre a Transmissão de Imóveis (IMT).

 

Ora, os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação,

 

São atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis,

 

Aliás, o princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da Lei Geral Tributária. (LGT).

 

Estes, atos como refere  Jorge LOPES DE SOUSA (In Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. I, 6ª edição 2011, Áreas Editora, p.468):

 

“São atos que, embora inseridos no procedimento tributário e anteriores à decisão final, a condicionam irremediavelmente, justificando-se que sejam impugnados por forma autónoma, principalmente nos casos em que são praticados por entidade distintas da que deve proferir a decisão final”.

“(...) Se os actos destacáveis não forem impugnados, a decisão consolidar-se-á e o que neles se decidiu ficará assente no procedimento tributário em que eles estejam inseridos ou conexionados, não podendo a decisão final do procedimento ser impugnada com fundamentos em vícios do acto destacável”

“(...) Tratando-se de actos destacáveis e inexistindo qualquer restrição relativa às ilegalidades que podem ser objecto de impugnação contenciosa, os vícios de que enferme o referido acto de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente autonomizar os vícios deste acto para efeitos de impugnação contenciosa.

 

Também José CASALTA NABAIS, in “”Direito Fiscal”, Almedina, p.253 refere que:

“Traduzindo-se a liquidação stricto sensu na determinação da coleta através da aplicação da taxa à matéria coletável ou tributável constitui um ato administrativo distinto de todos os que o precederam no respetivo procedimento, como seja o da avaliação  do valor patrimonial.”

 

Ao estabelecer a sindicância direta destes atos, qualificando-os como atos destacáveis com autonomia e lesividade própria, o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efetivação da liquidação.

 

É este também o entendimento da doutrina, refere Alberto Xavier, - in Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 140 a 191 e Américo Braz Carlos, Os Actos Preparatórios de Fixação do Rendimento Colectável, sua Impugnabilidade Contenciosa, na Revista Fisco n.ºs 12/13:

 

“Não obstante o seu carácter preparatório, permite-se, no entanto, que certos atos de determinação da matéria colectável possam ser autonomamente impugnáveis, sempre que entre eles e o acto final haja uma relação de evidente prejudicialidade

 “É na inevitável relação de prejudicialidade entre o ato preparatório (ato prejudicial) e o ato de liquidação (ato prejudicado) que reside a explicação para que tal ato, embora preparatório, se autonomize e destaque (ato destacável) e seja, por si só, e autonomamente impugnável “ (...)

“ A lei fixou entre os dois atos um regime de prejudicialidade, cujas notas essenciais são as seguintes: sendo o ato autonomamente impugnável, quer o contribuinte, quer a Fazenda Pública têm legitimidade para interpor recurso do ato de determinação da matéria coletável; em relação à determinação da matéria colectável ocorre preclusão processual, uma vez que tal matéria não pode voltar a ser apreciada no procedimento administrativo de liquidação; e, se o ato não for oportunamente impugnado, o valor tributável torna-se definitivo, com força de caso decidido ou caso resolvido.”. vide obra citada  p. 243 e ss.

 

Sendo assim, não é, nem legal nem admissível, a apreciação da correção do VPT em  sede de impugnação do ato de liquidação, ou da decisão de indeferimento que se pronuncie sobre o ato de liquidação.

 

Uma vez que o ato de fixação do VPT encontra-se consolidado na ordem jurídica,

 

Na ausência de contestação dos atos tributários durante um certo lapso de tempo determina a sua consolidação na ordem jurídica ao abrigo do princípio da segurança jurídica

 

Dada a sua intrínseca correlação, os atos de liquidação posteriores serão contaminados com a apreciação que vier a ser efetuada sobre o ato de fixação do VPT, caso o mesmo seja impugnado dentro prazo legalmente estabelecido, o que não se verificou no caso em apreço.

 

Aliás, esta posição está em concordância com o mais recente entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores os atos de fixação dos valores patrimoniais são atos destacáveis diretamente suscetíveis de impugnação autónoma:

 

  1. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0885/16, de 10.05.2017

“Nos termos do artigo 134.º, n.º 1, do C. P. P. T. os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias, após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade, independentemente do vício alegado.

  1. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 1808/12.0BEPRT, de 18.10.20118

Na verdade, em sede de IMI, a lei prevê um procedimento de determinação da matéria tributável – a avaliação do prédio (art. 14.º do CIMI) – que termina com o acto de fixação do VPT que serve de base à liquidação do imposto.

Este acto, como é sabido, é um acto destacável para efeitos de impugnação contenciosa, pelo que é autonomamente impugnável, numa excepção ao princípio da impugnação unitária que, em regra, vigora no processo tributário (cfr. art. 134.º do CPPT) e que se encontra «em sintonia com o preceituado no art. 86.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que os actos da avaliação directa são directamente impugnáveis» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume II, anotação 5 ao art. 134.º, pág. 433.)

 

Também  os recentes Acórdãos do Tribunal Arbitral nºs 540/2020-T e Acórdão n.º 487/2021-T, de 10 de maio de 2021, cujo coletivo foi presidido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e que cujo excerto se transcreve:

 

“Antes de mais, é necessário esclarecer se os vícios de actos de avaliação de valores patrimoniais podem se invocados em impugnação de actos de liquidação de IMI que os têm como pressupostos.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

– nos presentes autos, a Requerente não imputa ao ato sindicado qualquer vicio específico da liquidação de IMI, questionando, apenas, o VPT, enquanto ato destacável, para efeitos de impugnação contenciosa, do procedimento de liquidação de IMI;

– estabelece o n.º 2 do artigo 15º do CIMI que nos prédios urbanos, como são os terrenos para construção, avaliação é directa;

– o n.º 1 do artigo 86º da LGT refere que a avaliação directa é suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa, consignado também o artigo 134.º do CPPT que os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.

– os actos de fixação dos valores patrimoniais, quando inseridos num procedimento de liquidação de um tributo, são actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, nos termos do artigo 86,º, n.º 1, da LGT e do artigo 134,º do CPPT;

– na medida em que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste acto para efeitos de impugnação contenciosa, os vícios do VPT não são suscetíveis de ser impugnados no acto de liquidação que seja praticado com base no mesmo;

– não haverá assim possibilidade de apreciação da correcção do acto de fixação do VPT na impugnação do acto de liquidação de IMI, tendo aí de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação.

Afigura-se correcto este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Na verdade, por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos e directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».

Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece que

– «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e

– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7).

Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento meios de revisão previsto no procedimento de avaliação.

No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).

Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).

Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.

Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.os 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).

A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.os 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.os 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguinte acórdãos:

– de 30-06-1999, processo n.º 023160:

– de 02-04-2003, processo n.º 02007/02;

– de 06-02-2011, processo n.º 037/11;

– de 19-09-2012, processo n.º 0659/12

– de 5-2-2015, processo n.º 08/13;

– de 13-7-2016, processo n.º  0173/16;:

– de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.

Pelo exposto, os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI.

Os princípios constitucionais invocados pela Requerente, designadamente os princípios da legalidade tributária, da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da igualdade, não contendem com tal regime de impugnação autónoma dos actos de avaliação de valores patrimoniais.

Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS ( 8 ), IRC ( 9 ) e Imposto do Selo ( 10 ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).

Para além disso, neste caso, a pretensão da Requerente reconduz-se a impugnar, em 2020, actos de avaliação praticados entre 2012 e 2015 (como se vê pelas cadernetas prediais junta pela Requerente ao pedido de revisão oficiosa), muito depois do prazo legal de impugnação de três meses.

Num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.

Por isso, em princípio, as liquidações de IMI não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios. “

 

Neste mesmo sentido, que as liquidações de IMI não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios, vejam-se também os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo de 25.04.2010 no Processo n°03586/09 e de 12.02.2008 no Processo n°02125/07.

 

É este também o entendimento da doutrina, refere Alberto Xavier, - in Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 140 a 191; e Américo Braz Carlos, Os Actos Preparatórios de Fixação do Rendimento Colectável, sua Impugnabilidade Contenciosa, na Revista Fisco n.ºs 12/13:

 

“Não obstante o seu carácter preparatório, permite-se, no entanto, que certos atos de determinação da matéria colectável possam ser autonomamente impugnáveis, sempre que entre eles e o acto final haja uma relação de evidente prejudicialidade

 “É na inevitável relação de prejudicialidade entre o ato preparatório (ato prejudicial) e o ato de liquidação (ato prejudicado) que reside a explicação para que tal ato, embora preparatório, se autonomize e destaque (ato destacável) e seja, por si só, e autonomamente impugnável “ (...)

“ A lei fixou entre os dois atos um regime de prejudicialidade, cujas notas essenciais são as seguintes: sendo o ato autonomamente impugnável, quer o contribuinte, quer a Fazenda Pública têm legitimidade para interpor recurso do ato de determinação da matéria coletável; em relação à determinação da matéria colectável ocorre preclusão processual, uma vez que tal matéria não pode voltar a ser apreciada no procedimento administrativo de liquidação; e, se o ato não for oportunamente impugnado, o valor tributável torna-se definitivo, com força de caso decidido ou caso resolvido.”. vide obra citada  p. 243 e ss.

 

Em face de todo o exposto fácil é de concluir está consolidada a fixação do valor patrimonial tributário não podendo os atos de liquidação ser anulados com fundamento em alegados erros na avaliação do prédio, pelo que a pretensão da Requerente deve ser indeferida e a Requerida totalmente absolvida do pedido.

 

E, salienta-se, que a Requerente impugna quer a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, quer os atos de liquidação com base no mesmo fundamento: erro na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos de construção.

 

Assim, estando o tribunal arbitral sujeito à apreciação do pedido nos termos em que o mesmo é formulado pela Requerente, caso se considere que a decisão de indeferimento tácito enferma de outro tipo de vícios que não os específicos do ato de liquidação, verifica-se incompetência do Tribunal Arbitral,

 

Ora, as competências do tribunal arbitral encontram-se fixadas na lei, apenas abrangem a apreciação de atos de liquidação, não abrange o ato de fixação do VPT.

 

 O ato de fixação de valores patrimoniais é um ato destacável, autonomamente impugnável.

 

Pelo que os vícios do VPT não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

 

Da intempestividade do pedido de revisão oficiosa

Cumpre, ainda referir que o pedido de revisão oficiosa do ato de avaliação dos imóveis, só seria possível através do disposto no artigo 78.º da LGT e nessa situação apenas caberia nos n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º que se refere à revisão da matéria tributável apurada, onde se inclui a fixação do valor patrimonial dos imóveis, por via da respetiva avaliação.

 

Este n.º 4 do artigo 78º da LGT determina, no entanto que esse pedido tenha que ser formalizado no prazo de três anos posteriores ao ato tributário, o que não aconteceu no que respeita às liquidações impugnadas dos anos de 2016 e 2017, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado a 29/1/2021.

 

Veja-se neste sentido, o acórdão proferido no Processo 540/2020-T de 30-04-2021, e no  Acórdão Arbitral proferido no processo 487/2020-T de 10-05-2021, sendo que este último refere como se transcreve:

«O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do acto tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º. Os «três anos posteriores ao do acto tributário» terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o acto tributário. No que concerne à liquidação relativa ao ano de 2015, emitida em 26-02-2016, a «revisão da matéria tributável» já não podia ser autorizada em 2020, pois os três anos posteriores ao do acto terminaram mais 31 de Dezembro de 2019. Por isso, tendo a revisão oficiosa sido pedida apenas em 26-02-2020, tem de se concluir que o indeferimento tácito do pedido se justifica, quanto à liquidação de 2015, por intempestividade.».

 

Em face do exposto conclui-se que, quanto as atos de liquidação anteriores a 2019, o pedido de revisão oficiosa é intempestivo.

 

Defendendo-se por impugnação, a Requerida alega o seguinte:

 

No que respeita à avaliação dos terrenos para construção, a jurisprudência, tem entendido que, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 1 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização, pelo que a aplicação dos referidos  coeficiente avaliativos acarretam a ilegalidade do ato de fixação de valores patrimoniais.

 

Assim importa aferir se, face do entendimento jurisprudencial, as avaliações dos prédios urbanos terrenos para construção em causa nos presentes autos podem ser anuladas com fundamento em invalidade, por terem sido considerados os coeficientes de localização e de afetação na determinação do valor patrimonial tributário.

 

Nos termos do artigo 79.º da Lei Geral Tributária (LGT), os atos de fixação de valores patrimoniais podem ser objeto de anulação administrativa nos termos do Código de  Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável por força da alínea b) do artigo 2.º da  LGT, quando verificadas as condições legais e dentro dos prazos legais consignados,  aplicando-se, para o efeito, o regime jurídico previsto no artigo 168.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

 

 Em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 168.º do CPA, os atos administrativos não constitutivos de direitos podem ser objeto de anulação administrativa, com fundamento em  invalidade,

 

 “no prazo de seis meses, a contar do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco  anos a contar da respetiva emissão”.

 

Da análise efetuada à avaliação do imóvel em causa, verifica-se que os atos de fixação de valores patrimoniais subjacentes às liquidações de IMI e AIMI postas em crise, tiveram em  consideração os coeficientes de localização e afetação, em sentido contrário à mais recente corrente jurisprudencial.

 

Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 168.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) sob a epígrafe “Condicionalismos aplicáveis anulação administrativa à”, importa aferir qual o prazo legal para que que se possa fazer operar a anulação dos atos tributários

 

Nos termos da citada disposição legal:

 "Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão.

 

A administração tributária encontra-se vinculada ao princípio da legalidade e nos termos da lei apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT (atos que contrariam o recente entendimento jurisprudencial) nos casos em que não tenha decorrido cinco anos desde a respetiva emissão

 

 Em face de tudo o exposto conclui-se que as avaliações efetuadas há mais de cinco anos, em que foram considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do valor patrimonial tributários dos terrenos para construção, já não  podem ser objeto de anulação administrativa, nos casos em que  já decorreu o  prazo de cinco anos desde a realização das avaliações em causa, conforme decorre do artigo 168, n.º 1, do CPA,

 

Assim, eventuais vícios que inquinam os atos das avaliações já se encontram sanados pelo decurso do prazo de cinco anos.

 

Cinco anos esses em que se verificou a omissão de uso de meios impugnatórios por parte da Requerente, que se conformou os atos de fixação do VPT.

 

Resulta assim evidente que as liquidações contestadas foram apuradas tendo em conta o  VPT ou a soma de VPT’s que constavam das matrizes prediais à data de 31 de dezembro ou de 1 de janeiro do ano a que respeitam o IMI ou o AIMI, respetivamente, pelo que não padecem de nenhuma ilegalidade

 

Em face de tudo quando se aduziu afigura-se que não existe base legal para dar provimento à pretensão da Requerente.

A Requerente peticiona, ainda, o pagamento de juros indemnizatórios,

 

A presente ação é deduzida contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente.

 

O art. 43º, nº1 da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, sem definir o momento a partir do qual são os mesmos devidos.

 

E daí que constituam requisitos da condenação da administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios, (i) que haja erro em ato de liquidação de tributo, (ii) que esse erro seja imputável aos serviços, (iii) que a existência do erro tenha sido determinada em reclamação graciosa ou impugnação judicial, (iv) e que dele tenha resultado pagamento de dívida em montante superior ao legalmente devido.

 

Nessas circunstâncias, e por força do disposto no art.º 61º, nº 5, do CPPT, os juros são contados desde a data do pagamento indevido do tributo até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.

 

Quanto à extensão do período em que são devidos os juros indemnizatórios a que se refere a al c) do no3 do art. 43o da LGT, salienta o Sr Conselheiro Jorge Lopes de Sousa:

 

“Não se referem na LGT, de uma forma genérica, os termos iniciais e finais da contagem dos juros indemnizatórios nas várias situações em que eles são devidos. (...)

Nalguns casos, porém, existe uma indicação do termo inicial, como é o caso da alínea b) do nº 3 do art.º 43o da LGT, em que se prevê que os juros indemnizatórios são devidos a partir do 30º dia posterior à decisão da administração tributária de anular o acto tributário, por sua iniciativa, no âmbito de revisão oficiosa efectuada ao abrigo do art.º 78º da LGT, e da alínea c) do mesmo número, de que se depreende que, no caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (fora das situações de reclamação graciosa enquadráveis no nº 1 do mesmo artigo), os juros indemnizatórios só são devidos a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão e, mesmo nesta hipótese, poderão ser contados a partir de momento posterior se o atraso não for imputável à Administração Tributária.». (Cfr. CPPT, vol I, 6a edição, p 551.).

Já que enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação, quando não é feita por iniciativa do contribuinte no prazo de reclamação administrativa, como é o caso dos presentes autos, apenas haverá direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43º, nº 3 , al c) da LGT.

 

Nessa medida, da conjugação entre o disposto nos nºs 1 e 3 do art. 43º da LGT, resulta uma diferença temporal relativamente ao termo inicial no pagamento de juros indemnizatórios, pelo que, como realça Jorge Lopes de Sousa, não são devidos juros indemnizatórios entre o momento do pagamento indevido e o da revisão, apesar de haver erro imputável aos serviços.

 

Elucida ainda o mesmo Autor que tal diferença prevista pelo legislador fiscal assentaria na ideia de penalizar o contribuinte pela formação dos prejuízos derivados do acto ilegal, por não ter sido diligente em usar, nos prazos normais, dos meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei põe ao seu dispor. (“Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais –Notas Práticas, Áreas Editora, lisboa, 2010, p. 71.)

 

Neste sentido, por exemplo, a título de exemplo, citam-se o Acórdão do STA de 28.01.2015, proferido no processo no 0722/14, o Acórdão do Pleno do STA de 23.05.2018, no proc. 01201/17, e o Acórdão também do Pleno do STA, de 27.02.2019, no processo no 022/18.5BALSB.

 

No caso dos autos, a haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, os mesmos apenas  serão devidos  sobre as importâncias do imposto indevidamente pagas, um ano após a data da apresentação do pedido de revisão.

 

Ao abrigo do princípio da imparcialidade e da legalidade previsto no artigo 266º da Constituição e concretizado nos artigos 55.º LGT e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) a Administração Tributária tem de praticar os atos tributários de acordo com as normas legais aplicáveis ao caso concreto, o que fez na situação sub judice.

Destarte impugna-se por infundado todo o aduzido no pedido de pronúncia arbitral que contrarie todo o exposto devendo decidir-se a final que os atos impugnados não padecem dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros.

 

 A Requerida conclui, assim:

 

  1. Devem ser julgadas procedentes as exceções invocadas e a Requerida absolvida da instância;
  2. Caso, assim não se entenda, deve o PPA ser julgado improcedente e absolvida a Requerida de todos os pedidos.

 

      D. RESPOSTA DA REQUERENTE ÀS EXCEPÇÕES DEDUZIDAS PELA REQUERIDA

 

Notificada para se pronunciar por escrito sobre as matéria das excepções deduzidas, pela Requerida, a Requerente, veio dizer o seguinte:

 

A AT vem suscitar, a título de exceção, em sede de Resposta o seguinte:

  1. A inimpugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios na fixação do Valor Patrimonial Tributário (“VPT”);
  2. A alegada intempestividade do pedido de revisão oficiosa.

 

No entender da Requerente, as exceções invocadas são manifestamente improcedentes.

 

Assim, e relativamente à alegada inimpugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios da fixação do VPT

 

Em primeiro lugar, invoca a AT que o ato de avaliação do VPT é um ato destacável, autonomamente impugnável, pelo que os vícios da fixação do VPT não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, concluindo que, sendo os mesmos destacáveis e antecedentes dos atos de liquidação, já se encontram consolidados na ordem jurídica, pelo que não é legal nem admissível a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação ou da decisão de indeferimento que se pronuncie sobre o ato de liquidação, uma vez que nesta sede há-de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação, o qual se encontra consolidado na ordem jurídica.

 

Entende a Requerente que não assiste razão à AT.

 

Sendo certo que os atos de fixação do VPT consubstanciam atos destacáveis e, por conseguinte, autonomamente impugnáveis, é igualmente verdadeiro que as liquidações de IMI e de AIMI em apreço nos autos são suscetíveis de revisão (e subsequente impugnação) sem previamente ter sido contestada a fixação do VPT.

 

Isto porque a errada fixação do VPT, unicamente imputável à AT – que aplicou de forma incorreta o disposto no Código do IMI – traduziu-se numa injustiça grave e notória, resultante num VPT muito superior ao que seria devido por força da correta aplicação da lei, e, assim, originou atos de liquidação de IMI e de AIMI que se encontram feridos de ilegalidade.

 

Aceitar o entendimento da AT significaria que a não impugnação de um ato de avaliação do VPT ilegal teria como consequência a perpétua emissão de atos de liquidação subsequentemente ilegais que seriam, eles próprios, inimpugnáveis, violando-se assim frontalmente o princípio fundamental do acesso ao direito, consagrado no artigo 20.º da CRP.

 

Esta questão já foi, de resto, apreciada superiormente pelos tribunais, de forma unânime, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

 

Neste sentido, em acórdão de 31.10.2019, no processo n.º 2765/12.8BELRS, no qual se discutia a possibilidade de o sujeito passivo requerer a revisão oficiosa das liquidações de IMI emitidas na sequência de uma incorreta fixação do VPT, não obstante não ter previamente impugnado o referido ato de fixação do VPT, o TCAS expressamente admitiu a legalidade e viabilidade do recurso à revisão oficiosa como meio para contestar a legalidade das liquidações às quais subjaz um VPT incorretamente fixado.

 

Pode ler-se naquele acórdão do TCAS: “(…) da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços. O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas. Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável. O que reforça o entendimento de que o direito que a recorrida reclamou, de ver as últimas quatro liquidações anteriores à reclamação serem anuladas, ter pleno apoio legal”

 

No mesmo sentido, veja-se a inúmera jurisprudência do STA, segundo a qual “o ato de avaliação pode ser impugnado (…) [mas], o facto de a imediata lesividade de tal acto permitir, querendo, a sua impugnação autónoma não obsta a que, não o tendo sido, possa ainda ser sindicado em sede de impugnação da liquidação do tributo”– cfr. Acórdão de 29.03.2017, proc. 0312/15 e Acórdão de 11.04.2018, proc. 01328/17.

 

O mesmo é reconhecido na decisão arbitral proferida no processo n.º 487/2020-T, no qual foram árbitros o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, na qualidade de Árbitro Presidente, e ainda Arlindo José Francisco e Jesuíno Alcântara Martins, na qual pode ler-se que “apesar da não impugnabilidade normal de actos de liquidação com fundamento em vícios dos actos de avaliação de valores patrimoniais, os n.ºs 4 e 5 do art. 78.º da LGT admitem a possibilidade de revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os actos de fixação de valores patrimoniais, a título excepcional, «com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte». (…)” .

 

Mais tendo sido decidido no mesmo processo arbitral que “[p]or isso, invocando a Requerente que «os referidos erros na aplicação do direito (exclusivamente imputáveis à AT, repita-se) resultou uma coleta em IMI superior (mais de duas vezes superior) àquela que seria devida nos termos legais, o que é igualmente suscetível de configurar uma injustiça grave ou notória nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.º 4, da LGT» (artigo 99.º do pedido de pronúncia arbitral, na esteira dos artigos 11.º, 35.º 43.º e 122.º do pedido de revisão oficiosa), há que apreciar a questão de saber se estão reunidos os requisitos desta revisão excepcional”.

 

O mesmo foi também expressamente admitido na decisão arbitral, proferida em 24.06.2021, no processo n.º 500/2020-T, no qual foi árbitro Rui Duarte Morais, de acordo com a qual: “Partimos do entendimento de JORGE DE SOUSA (Lei Geral Tributária Anotada, Encontro da Escrita, 2012, p. 702, quando afirma (…) a revisão prevista neste art. 78º tem o seu campo de aplicação em qualquer caso em que tenha havido um acto autónomo de fixação da matéria tributável ou um acto de liquidação e tem lugar após terminado o respetivo procedimento tributário. Sendo o pedido de revisão oficiosa meio próprio para se obter a revisão de uma liquidação, mesmo quando inquinada por vício na quantificação da matéria coletável que lhe serve de base, é meio próprio para conhecer de tais questões o recurso judicial ou arbitral interposto no seguimento do silêncio administrativo quanto a tal pedido.

 

Prossegue a mesma decisão arbitral no sentido de que:

Fazemos nosso o entendimento do TCAS no acórdão que pôs termo ao processo 2765/12, de 31-10-2019, segundo o qual a errada fixação do VPT pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação.

Citamos: É verdade que uma vez firmada a fixação do VPT, por não ter sido utilizado qualquer dos meios de defesa ao dispor do contribuinte, (…), esse VPT servirá de base às liquidações de IMI subsequentes, até eventual alteração do seu valor.

De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado, embora com efeitos restritos às liquidações posteriores à reclamação. Defender o contrário é o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir”

 

Também neste sentido vide decisão arbitral proferida no processo n.º 760/2020-T de 02.07.2021: “Há, pois, que ponderar sobre a ratio das normas que preveem a impugnabilidade judicial autónoma de atos administrativos que constituem pressuposto de outros atos administrativos.

 

Estas razões serão, essencialmente, três:

(i) O ato ser imediatamente lesivo, produzir diretamente efeitos negativos na esfera do particular, o que não é o caso, pois a ablação do património pela via do imposto só acontece após a prática de um ato de liquidação.

(ii) A sindicância judicial imediata oferecer maiores garantias ao particular: é o caso, desde logo porquanto o decidido em tal recurso produzirá efeitos de caso julgado relativamente a todas as liquidações que tiverem por base o VPT impugnado.

Está, pois, presente uma intencionalidade garantística (consagração de meio de garantia mais abrangente) e não um intuito de restrição dos normais meios de garantia, como resultaria do acolhimento do pensamento sufragado pela Requerida)

(iii) Previsão legal de um “filtro” pré-judicial que possa contribuir para reduzir o número de casos que os tribunais sejam chamados a apreciar, quando a decisão dependa essencialmente de conhecimentos técnicos próprios de outras áreas do saber, que não a jurídica (o “filtro” aqui existe - a segunda avaliação dos prédios urbanos).

Porém, atenta a razão de ser destes sistemas, há que entender que a previsão da impugnabilidade direta e imediata, em processo a tal diretamente dirigido, do «resultado das segundas avaliações», como diz a lei, só se mostra «indispensável» quando esteja em causa o resultado da aplicação da lei (das normas que regulam o procedimento de avaliação) num caso concreto, pois é em tal aplicação que poderão estar envolvidos conhecimentos técnicos, não jurídicos, e não, como acontece no presente caso, quando esteja em causa a determinação da lei aplicável à avaliação. Esta é uma questão exclusivamente jurídica, para a qual, por definição, um tribunal é mais qualificado para a precisar que uma comissão de peritos avaliadores.

Em resumo, entendemos que a previsão da impugnabilidade autónoma de atos destacáveis visa, em geral, conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias que a lei, em geral, prevê.

Assim, tal previsão legal não deve ser entendida - salvo existindo razões substanciais que a tal se oponham, o que não acontece no presente caso - como precludindo a possibilidade de impugnação dos vícios do ato instrumental (fixação do VPT) em processo de impugnação do ato conclusivo do procedimento (liquidação)”.

 

Ora, como resulta da p.i. (cfr. artigo 20.º), é evidente que estamos perante uma ilegalidade – em virtude da fixação de um VPT claramente superior ao que resultaria caso a fórmula de cálculo legalmente prevista tivesse sido corretamente aplicada pela AT – ilegalidade esta também já expressamente reconhecida pela AT (cfr. Instrução de Serviço junta aos autos em 18.10.2021) – que culminou na emissão de liquidações de IMI e AIMI em montante muito superior ao devido, diretamente impugnáveis por estarmos perante erro imputável aos serviços que, além do mais, se traduziu numa injustiça grave e notória na esfera da Requerente, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

 

Negar a impugnabilidade dos atos de liquidação de IMI e de AIMI postos em crise nos autos com fundamento na falta de impugnação dos atos de fixação do VPT que lhes subjazem atentaria frontalmente contra o disposto no artigo 78.º da LGT, em particular no seu n.º 4.

 

A ilegalidade decorrente da fixação do VPT claramente superior ao que resultaria caso a fórmula de cálculo legalmente prevista tivesse sido corretamente aplicada pela AT (reconhecida na Instrução de Serviço acima citada) culminou na emissão de liquidações de IMI e AIMI em montante muito superior ao devido, as quais são diretamente impugnáveis por estar em causa um erro imputável aos serviços que se traduziu numa injustiça grave e notória na esfera da Requerente.

 

Acresce que, conforme referido em sede de petição inicial (cfr. artigo 21 º), o erro no cálculo e fixação do VPT que originou as liquidações de IMI e AIMI sindicadas não pode ser imputado à ora Requerente, nem a qualquer comportamento negligente desta, uma vez que resultou de um procedimento desencadeado e concretizado pela AT.

 

Assim, não poderá a AT invocar que a Requerente não utilizou a faculdade de requerer a segunda avaliação do VPT após ter sido notificada da avaliação, por ser este um pressuposto da anulação das respetivas liquidações de IMI e AIMI, já que:

  1. Por um lado, decorre, clara e inequivocamente, da jurisprudência suprarreferida que a possibilidade de requerer a revisão das liquidações de IMI e AIMI apuradas tendo por base um VPT ilegal tem pleno enquadramento legal, “independente[mente] da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT”, especialmente quando estamos perante uma injustiça grave e notória, como sucede no presente caso e já foi sancionado pelos tribunais arbitrais; e
  2. Por outro lado, a própria AT já veio expressamente reconhecer a ilegalidade na forma de determinação do VPT dos terrenos para construção que está na origem da emissão das liquidações aqui impugnadas, pelo que, a não ser assim, estaria a AT, simultaneamente, a consentir e a ignorar uma manifesta ilegalidade consubstanciada na emissão de liquidações de IMI e AIMI em valor claramente excessivo como consequência direta de um VPT ilegalmente determinado.

 

Mais se acrescente que, apesar de o n.º 4 do artigo 78.º da LGT referir que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, a «revisão da matéria tributável”, verificados que estejam os requisitos ali previstos (como sucede no caso em apreço), estamos, na verdade, perante um poder-dever, estritamente vinculado da AT (e não perante uma mera faculdade), cujo cumprimento é sujeito a controlo jurisdicional.

 

Isto mesmo resulta dos ensinamentos dos Ilustres Conselheiros Jorge Lopes de Sousa e Benjamin Silva Rodrigues e de Diogo Leite de Campos, que afirmam que “este dever de rever os actos injustos é um corolário do dever de actuação segundo o princípio da justiça, constitucionalmente consagrado (art. 266.º, n.º 2 da CRP), pelo que não é constitucionalmente admissível o estabelecimento, pela lei ordinária, de casos de dispensa de observância de tal directriz de actuação. Trata-se, assim, de um poder-dever do dirigente máximo do serviço.” (cfr. Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª edição, 2012, Encontro da Escrita, pág. 710).

 

Este poder-dever (poder vinculado), que impende sobre a AT de oficiosamente retificar atos tributários ilegais, foi expressamente reconhecido pela douta jurisprudência do STA, nomeadamente no Acórdão proferido em 02.11.2011, proc. n.º 0329/11, onde se lê que “o facto de a lei determinar que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente», a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever»; trata-se de «um poder estritamente vinculado»”.

 

O mesmo tendo sido decidido no recente Acórdão do STA de 17.02.2021, no processo n.º 0578/18: “a previsão constante do dito art. 78.º n.º 4, como excecional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos”.

 

Neste pressuposto, – e embora sem conceder face ao acima exposto quanto à possibilidade de requerer a revisão oficiosa das liquidações com base em vícios dos atos de fixação do VPT diretamente ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, em virtude de erro imputável aos serviços – é evidente que o presente caso tem também pleno cabimento no âmbito do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, uma vez que estamos, indubitavelmente, perante uma situação de (i) injustiça grave e notória (no sentido de tributação manifestamente exagerada), (ii) não derivada de erro imputável a comportamento negligente da Requerente, o que determinará também por esta via a possibilidade de a Requerente solicitar a anulação das liquidações de IMI e AIMI ilegalmente emitidas.

 

Termos em que, caso este Tribunal viesse a concluir pela inexistência de erro imputável aos serviços – o que, como referido, somente se equaciona, sem conceder, por cautela de patrocínio – sempre deverá o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente ter-se por admissível ao abrigo do artigo 78.º, n.º 4 da LGT, por injustiça grave e notória que resultou em tributação manifestamente excessiva na esfera da Requerente.

 

De quanto resulta a improcedência da primeira exceção invocada pela Requerida na sua Resposta.

 

Sobre a alegada intempestividade do pedido de revisão oficiosa, a Requerente alega o seguinte:

 

A segunda exceção suscitada pela Requerida respeita à alegada intempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente.

 

Com efeito, invoca a AT na sua resposta que, a admitir-se, o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente só seria possível nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pois alegadamente, o que se pretende contestar  é a “fixação do valor patrimonial tributário dos imóveis, por via da respetiva avaliação

 

Nesta situação, alega a Requerida que o pedido teria de ser formalizado no prazo de três anos posteriores ao ato tributário, o que, alegadamente, não aconteceu no que respeita às liquidações de IMI dos anos de 2016 e 2017, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado a 29.01.2021.

 

Concluindo a AT, de forma totalmente incompreensível, que “o pedido de revisão oficiosa apresentado é intempestivo quanto a atos de liquidação anteriores a 2019”.

 

A Requerente não pode concordar com este entendimento, por dois motivos.

 

Por um lado, porque o pedido de revisão oficiosa previamente apresentado pela Requerente visava a análise da legalidade e consequente anulação referentes aos anos de 2016 a 2020, relativas ao terreno para construção de que era proprietária, cujo artigo matricial se encontra melhor identificado na petição inicial.

 

Ora, considerando que, ao abrigo do n.º 2 do artigo 129.º do Código do IMI, os prazos de reação às liquidações se contam “a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da última ou da única prestação do imposto”, é evidente que, terminando em 30.11.2017 o prazo para pagamento voluntário da última prestação da liquidação de IMI do ano de 2016, a 29.01.2021, se encontrava, inequivocamente cumprido o prazo de quatro anos para apresentar pedido de revisão oficiosa da mesma – o mesmo sucedendo, naturalmente, relativamente à liquidação de IMI do ano de 2017, cujo prazo para pagamento voluntário da última prestação terminava a 30.11.2018 –, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

 

Acresce que, mesmo que fosse considerado o prazo de três anos previsto no n.º 4 do artigo 78.º invocado pela AT - o que somente se equaciona, sem conceder, por cautela de patrocínio -, sempre seria tempestiva a revisão oficiosa apresentada pela Requerente em 29.01.2021 relativamente à liquidação de IMI de 2017.

 

O que decorre aliás do Acórdão proferido no Processo n.º 540/2020-T, de 30.04.2021, transcrito pela Requerida na sua resposta (artigo 39.º) em que, relativamente a uma liquidação de IMI de 2015, se conclui que o prazo de três anos previsto no n.º 4 do artigo 78.º para pedir a revisão oficiosa terminava a 31.12.2019, ou seja, no fim do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário.

 

Por outro lado, porque o erro imputável aos serviços, verificado na presente situação, já foi expressamente reconhecido pela AT, a qual determinou, inclusive, a obrigação de os Serviços procederem à correção (anulação) dos subsequentes atos de liquidação, sendo, assim, plenamente atendível o recurso à via da revisão oficiosa prevista no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

Ou seja, a maior demonstração da existência de um erro imputável aos serviços resulta da instrução interna já emitida pelos serviços a confirmar a ilegalidade do procedimento anteriormente adotado e a confirmar a ilegalidade dos subsequentes atos de liquidação, acima melhor referida.

 

Recorde-se o teor da Instrução de Serviço n.º .../2021, de 05.04.2021, emitida pela Direção de Serviços de Justiça Tributária, (“Instrução de Serviço”) –  cuja junção aos autos se requereu em 18.10.2021 – na qual se refere que, sendo a jurisprudência no sentido de a determinação do VPT dos terrenos para construção dever ser efetuada de acordo com a regra constante do artigo 45.º do Código do IMI, não podem ser considerados os coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI, como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e de conforto, “nos processos e procedimentos pendentes, assim consideradas as situações de litígio entre os contribuintes e a administração tributária (…), determinando-se que a AT:

a) Profira despacho favorável ao contribuinte nos procedimentos de contencioso administrativo pendente de decisão (…);

c) Promova, nos termos e nos prazos previstos no artigo 112.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pela revogação do ato impugnado nos processos de impugnação judicial;

d) Na pendência da impugnação judicial, observe o que resulta da «Instrução n.º 15 – Divulgação de entendimento quanto à revisão oficiosa de ato tributário impugnado judicialmente» (…)” (cfr. 3.A).

 

Determina ainda a mesma Instrução de Serviço que “a prolação de decisão favorável aos contribuintes nos processos e procedimentos pendentes, nos termos explicitados, implica, ainda, que a AT:

f) Promova a correção (anulação parcial) dos atos de liquidação que constituem o objeto do litígio entre os contribuintes e a administração tributária (…), cumprindo o desígnio legal de “reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”, conforme disposto no artigo 100.º da Lei Geral Tributária (cfr. 3.B)”

 

Estamos, assim, perante um reconhecimento claro, por parte da AT, da existência de erro imputável aos serviços na determinação do VPT dos terrenos para construção, que tem como consequência direta a liquidação excessiva de IMI e AIMI, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

 

Ora, face às instruções emanadas pelos Serviços Centrais da própria AT nesta matéria, as quais, conforme vimos, visam a reposição da legalidade em situações como a que ora nos ocupa, podemos concluir que:

  1. A AT reconhece expressamente a existência de erro imputável aos serviços em todas as situações em que o VPT de terrenos para construção tenha sido determinado com consideração dos coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI, nomeadamente dos coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e de conforto – conforme sucede no caso em apreço;
  2. O expresso reconhecimento deste erro determina a necessidade de reposição da legalidade, i.e., de reconstituição na esfera dos contribuintes (in casu, a Requerente) da situação que existiria caso tal ilegalidade não tivesse sido cometida;
  3. Tal desígnio implica necessariamente a anulação (seja ela por via administrativa ou por via judicial) de todos atos de liquidação emitidos tendo por base um VPT ilegal (uma vez que são sua consequência imediata e direta!), independentemente de este último ter sido determinado há mais de cinco anos ou de já se encontrar, na presente data, substituído por um outro determinado nos termos legais, em virtude de nova avaliação.

 

Razão pela qual é plenamente admissível o recurso à revisão oficiosa com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

Dispõe o artigo 100.º, n.º 1 da LGT que “[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

 

Como ensinam os Ilustres Conselheiros Jorge Lopes de Sousa e Benjamin Silva Rodrigues, bem como Diogo Leite de Campos, “[e]ntre o mais, a reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigatoriedade da restituição do imposto que houver sido pago, do pagamento dos juros indemnizatórios previstos no art. 43.º e da indemnização resultante da prestação de garantia bancária ou equivalente a que alude o art 53.º

 

Em anotação ao artigo 43.º da LGT, os mesmos Autores referem que “[o] erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem à reclamação graciosa ou à impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (cfr. ob. cit., pág. 342).

Conforme constitui entendimento unânime do STA, “[o]“erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afectada pelo erro.” (cfr. acórdão de 19.11.2014, no processo n.º 0886/14.

 

Mais explicita o mesmo aresto que “tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12/12/2001, no recurso n.º 026233.

 

Ora, o erro imputável aos serviços verificado no caso sub judice, não só é reconhecido pela AT como determinou a emissão de uma Instrução de Serviço que obriga os serviços da AT a procederem à correção (anulação) dos subsequentes atos de liquidação.

 

Razão pela qual é plenamente admissível o recurso à revisão oficiosa com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

Note-se, com o devido respeito pelo decidido nos processos arbitrais n.º 487/2020-T e n.º 540/2020-T, cujas decisões foram citadas pela Requerida na sua Resposta, que, sendo as liquidações de IMI e de AIMI o resultado da aplicação de uma fórmula matemática, derivada da multiplicação de uma taxa de imposto por um valor pré-definido constante da matriz (VPT), nunca o erro poderia residir nesta operação, que não é mais do que um mero automatismo do sistema informático da AT.

 

O mesmo é dizer: o erro imputável aos serviços verifica-se, in casu, aquando da fixação do VPT em desrespeito pelo disposto no Código do IMI, logo, a montante da operação matemática de liquidação que resulta da multiplicação da taxa do imposto pelo VPT constante da matriz.

 

Ora, a admitir-se que a ilegalidade das liquidações tem de resultar de um erro na aplicação da própria fórmula ou operação matemática de liquidação, então seriam manifestamente residuais as situações em que poderia considerar-se haver erro imputável aos serviços passível de determinar a anulação de liquidações de IMI e de AIMI.

 

Assim, numa situação como a dos autos, jamais poderia ser vedada à Requerente a possibilidade de requerer a revisão das liquidações de IMI e AIMI, com fundamento em erro imputável aos serviços, porquanto as mesmas foram apuradas tendo por base um VPT ilegal, ilegalidade esta inteiramente imputável à AT.

 

A jurisprudência aceita unanimemente que o pedido de revisão oficiosa ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT pode ser apresentado no prazo de quatro anos pelo próprio contribuinte, desde que com fundamento em erro imputável aos serviços, o que, manifestamente, ocorreu no caso em apreço.

 

No presente caso, ocorreu um erro na fixação do VPT do lote de terreno melhor identificado em sede de p.i., o que determinou o apuramento do IMI e AIMI em valor superior ao que seria devido, pelo que nenhuma dúvida restará quanto à tempestividade do pedido de revisão oficiosa deduzido pela Requerente e quanto à admissibilidade de tal meio de reação.

 

Termos em que é forçoso concluir pela adequação e tempestividade do pedido de revisão oficiosa em que se requereu a revisão das referidas liquidações de IMI de 2016 a 2019 e AIMI de 2017 a 2020, com fundamento em erro imputável aos serviços, consubstanciado na aplicação errada do disposto no Código do IMI em matéria de fixação do VPT do terreno para construção aqui em causa e materializado nos referidos atos de liquidação.

 

Mas ainda que assim não se entendesse (o que somente se equaciona, sem conceder, por cautela de patrocínio), sempre deveria o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente relativo às liquidações do IMI dos anos de 2017 a 2019 e às liquidações do AIMI dos anos de 2017 e 2020 ter-se por tempestivo.

 

Com efeito, conforme resulta da p.i., está em causa uma ilegalidade resultante da fixação de um VPT claramente superior ao que resultaria caso a fórmula de determinação do VPT legalmente prevista tivesse sido corretamente aplicada pela AT.

 

Ora, tal consubstancia injustiça grave e notória nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

 

Socorremo-nos novamente dos ensinamentos dos Ilustres Conselheiros Jorge Lopes de Sousa e Benjamin Silva Rodrigues e de Diogo Leite de Campos que afirmam que “[m]esmo que não exista erro imputável aos serviços, a revisão da matéria tributável pode ser da iniciativa da administração tributária, com fundamento em injustiça notória ou grave, considerando-se como notória a injustiça ostensiva e inequívoca e como grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional” (cfr. ob. cit., pág. 710,

 

No presente caso, inexistem dúvidas de que a ilegalidade do ato de fixação do VPT que determinou a ilegalidade dos atos de liquidação de IMI e AIMI constitui injustiça grave e notória, na medida em que o IMI e o AIMI pago pela Requerente foi agravado em mais do triplo.

 

Acresce que, como também referido na p.i., o erro no cálculo e fixação do VPT que originou as liquidações de IMI e AIMI sindicadas não pode ser imputado à ora Requerente, nem a qualquer comportamento negligente desta, uma vez que resultou de um procedimento desencadeado e concretizado pela AT.

 

Com efeito, o procedimento de fixação do VPT foi única e exclusivamente desencadeado e incorretamente levado a cabo pela AT, que violou frontalmente o disposto no Código do IMI, assim determinando que viesse a ser liquidado IMI e AIMI à ora Requerente em montante muito superior ao devido.

 

Termos em que, caso este douto Tribunal viesse a concluir pela inexistência de erro imputável aos serviços – o que, como referido, somente se equaciona, sem conceder, por cautela de patrocínio – sempre deverá o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente ter-se por tempestivo ao abrigo do artigo 78.º, n.º 4 da LGT.

 

Em face do exposto, deverá concluir-se pela adequação e tempestividade do pedido de revisão oficiosa em que se requereu a revisão das referidas liquidações de IMI de 2016 a 2019 e de AIMI de 2017 a 2020, por ter ocorrido erro imputável aos serviços, o que justifica a anulação dos referidos atos tributários e a restituição das quantias de imposto indevidamente pagas.

 

A título de nota final, a Requerente gostaria apenas de referir que improcede a alegação da AT no sentido da impossibilidade de anular administrativamente a avaliação efetuada ao terreno para construção cujas respetivas liquidações de IMI e AIMI estão em causa nos presentes autos, por a mesma ter sido realizada há mais de cinco anos (cf. artigo 49.º da resposta), porquanto:

  1. Por um lado, o terreno para construção identificado através do artigo matricial U-..., da freguesia de..., foi avaliado em 06.09.2016, estando, assim, aquando da apresentação do pedido de revisão oficiosa pela Requerente, ainda em curso o prazo de cinco anos de que a AT dispunha para efetuar a anulação administrativa desta avaliação e para efetuar a realização de uma nova avaliação sem os coeficientes acima referidos, com a consequente anulação parcial das liquidações ilegalmente emitidas;
  2. Por outro lado, mesmo que a AT estivesse impossibilitada de proceder à anulação administrativa das respetivas liquidações de IMI e de AIMI, aqui sindicadas, tal nunca poderá representar um constrangimento a que seja declarada a anulação das mesmas pela via judicial, na medida em que tais atos continuam a existir na ordem jurídica e a padecer de vícios de ilegalidade.

 

Por fim, atenta a natureza da matéria em causa, em caso de concordância da Requerida, requerer-se a este Douto Tribunal a dispensa de produção de alegações finais.

 

Termina, requerendo que sejam julgadas improcedentes as excepções deduzidas pela Requerida.

 

 

       E. QUESTÕES A DECIDIR

 

            Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados são as seguintes as questões, que cabe apreciar e decidir:

 

  1. Se o tribunal arbitral tem competência para apreciar o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IMI emitida em nome da Requerente, com fundamento em erro na determinação do valor patrimonial tributário do prédio sobre que incidiu.

 

                2)  Se se verificou erro de determinação do valor patrimonial tributário do terreno para construção, resultante de uma errónea interpretação e aplicação do art. 45º do CIMI.

 

                3) Em caso afirmativo, se tal situação deve ser considerada na apreciação da legalidade e anulação parcial das liquidações que constituem objecto mediato do pedido de pronúncia arbitral;

 

                 4) E, complementarmente, no caso do Tribunal Arbitral condenar a Requerida, se haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, e desde quando.

 

             

 

     F. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

        - O Tribunal Arbitral é materialmente competente, conforme, adiante, se demonstrará, e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1, do RJAT.

 

         - As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

         - O processo não enferma de nulidades

 

         - Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

 II. DECISÃO

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos dados como provados

 

       Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:

 

 

1) A Requerente é proprietária do lote de terreno para construção abaixo identificado:

 

ARTIGO

DISTRITO

CONCELHO

FREGUESIA

U-...

Lisboa

Lisboa

...

 

 

 

2) O Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) do mencionado terreno para construção, avaliado em 1.226.810,20 euros, foi apurado em 2016, de acordo com a aplicação da seguinte fórmula:

 

 

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

3) A Requerente efetuou o pagamento das liquidações de IMI e AIMI, que lhe têm sido notificadas nos últimos anos, por referência ao referido lote de terreno para construção, calculadas por aplicação das taxas de IMI e de AIMI ao VPT que se encontra inscrito na caderneta predial à data a que respeita o imposto em causa.

 

 

4) A Requerente pagou os montantes relativos às liquidações a seguir indicados, a título de IMI:

 

LIQUIDAÇÕES IMI 2016

 

FREGUESIA

ARTIGO

ANO

 

V. PATRIMONIAL

TAXA

COLECTA

LIQUIDAÇÃO

...

U-...

2017

 

1.208.680,00

0,30

3 626,04

2016 ...

2016 ...

2016 ...

 

 

LIQUIDAÇÕES IMI 2017

 

FREGUESIA

ARTIGO

ANO

 

V. PATRIMONIAL

TAXA

COLECTA

LIQUIDAÇÃO

...

U-...

2017

 

1.208.680,00

0,30

3 626,04

2017 ...

2017 ...

2017 ...

 

 

LIQUIDAÇÕES IMI 2018

 

FREGUESIA

ARTIGO

ANO

 

V. PATRIMONIAL

TAXA

COLECTA

LIQUIDAÇÃO

...

U-...

2017

 

1.208.680,00

0,30

3 626,04

2018 ...

2018 ...

2018 ...

 

 

 

LIQUIDAÇÕES IMI 2019

 

FREGUESIA

ARTIGO

ANO

 

V. PATRIMONIAL

TAXA

COLECTA

LIQUIDAÇÃO

...

U-...

2017

 

1.226.810,20

0,30

3 680,43

2019 ...

2019 ...

2019 ...

 

 

 

5) A Requerente pagou os montantes, relativos às liquidações, a seguir indicados, a título de AIMI:

 

LIQUIDAÇÕES AIMI 2017

 

FREGUESIA

ARTIGO

ANO

 

V. PATRIMONIAL

TAXA

COLECTA

LIQUIDAÇÃO

...

U-...

2017

 

1.208.680,00

0,40

4 834,72

2017 ...

 

 

LIQUIDAÇÕES AIMI 2018

 

FREGUESIA

ARTIGO

ANO

 

V. PATRIMONIAL

TAXA

COLECTA

LIQUIDAÇÃO

...

U-...

2018

 

1.208.680,00

0,40

4 834,72

2018 ...

 

 

LIQUIDAÇÕES AIMI 2019

 

FREGUESIA

ARTIGO

ANO

 

V. PATRIMONIAL

TAXA

COLECTA

LIQUIDAÇÃO

...

U-...

2019

 

1.208.680,00

0,40

4 834,72

2019 ...

 

 

LIQUIDAÇÕES AIMI 2020

 

FREGUESIA

ARTIGO

ANO

 

V. PATRIMONIAL

TAXA

COLECTA

LIQUIDAÇÃO

...

U-...

2020

 

1.226.810,20

0,40

4 907,24

2020...

 

 

.

 

6) Na avaliação do referido terreno para construção, oportunamente realizada, foram consideradas regras para além das que constam no art. 45º do CIMI.

 

7) A Requerente apresentou, em 29.01.2021, junto do Serviço de Finanças de Lisboa ..., um pedido de revisão oficiosa, solicitando a anulação dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2016 a 2019 e de AIMI dos anos de 2017 a 2020.

 

8)  Até à data da apresentação do PPA, em 25.08.2021, a AT não se tinha pronunciado sobre este pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente

 

9) Em 25/08/2021, a Requerente apresentou no CAAD o presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

10) Em 19/10/2021, a Requerente juntou aos autos a Instrução de Serviço nº .../2021, de 05/04/2021, da Direção de Serviços de Justiça Tributária da AT.

.

   

A.2. Factos dados como não provados

 

        Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada

 

           Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, no processo administrativo, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não tenha sido questionada.

 

  1. DO DIREITO

 

 Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.

 

Nos termos do disposto no art. 124º do Código do Procedimento e Processo Tributário, aplicável ex vi art. 29º, nº 1, alínea a) do RJAT, os vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, que são os vícios materiais, são os que devem ser conhecidos em primeiro lugar.

 

A Requerida ao deduzir na sua Resposta, a excepção que apelida de “Inimpugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios da fixação (do) valor patrimonial tributário”, refere no art. 34º que as competências do tribunal arbitral encontram-se fixadas na lei, apenas abrangem a apreciação dos atos de liquidação, não abrange o ato de fixação do VPT, podendo admitir-se que estará a pôr em causa a competência deste tribunal para conhecer esta matéria, deduzindo, assim, a excepção da incompetência do tribunal arbitral, que é uma excepção dilatória que obsta, no caso de procedência, e de acordo com a legislação aplicável, ao conhecimento do mérito da causa.

 

Assim sendo, começa-se a apreciação das questões em apreço pela análise da questão relativa à competência material do tribunal arbitral, passando-se, de seguida, à questão da alegada inimpugnabilidade dos actos de liquidação com base em vícios da fixação do VPT.

 

Aduz a Requerida que a Requerente pretende a anulação dos actos impugnados com fundamento em vícios, não do acto de liquidação, ou da decisão de indeferimento da revisão oficiosa, mas sim dos actos que fixaram o VTP, estando, portanto, em causa o acto de fixação da matéria colectável;

 

No seu entender, os vícios do acto que definiu o VTP não são susceptíveis de ser impugnados no acto de liquidação, que seja praticado com base no mesmo, razão pela qual o tribunal arbitral não seria competente para apreciar vícios de actos de fixação do valor patrimonial, que são destacáveis, autonomamente impugnáveis e estão consolidados na ordem jurídica.

 

Em suma, a apreciação da legalidade do acto que procedeu à fixação do VTP não caberia na competência dos tribunais arbitrais (leia-se, constituídos sob a égide do CAAD), nos termos do disposto nos arts.2º, nº 1, alínea a) e 4º, nº 1, ambos do RJAT

.

Apreciando juridicamente a situação, há que dizer que não se afigura defensável restringir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD à apreciação da legalidade de actos de liquidação e de actos que comportem a apreciação de actos de liquidação, conforme previsão da alínea a) do nº 1 do art. 2º do RJAT, uma vez que a alínea b) deste artigo estende essas competências à apreciação de actos de outro tipo, e, expressamente, a declaração de ilegalidade de actos de fixação de valores patrimoniais.

Acrescendo que, na situação sub judice, a Requerente pede a anulação parcial de liquidações de AIMI e de IMI, matéria esta incluída na alínea a) do nº 1 do supra referido art. 2º do RJAT.

Termos em que se pode concluir que os tribunais arbitrais constituídos no CAAD são competentes, ao abrigo das alíneas a) e b) do nº 1 do art. 2º do RJAT, para conhecer e apreciar, quer a legalidade das liquidações de AIMI e IMI, em apreço, quer dos actos de fixação dos valores patrimoniais que lhe estão subjacentes, pelo que, a ser deduzida esta excepção explicitamente a mesma improcederia.

 

Avançando para as restantes questões suscitadas, reportemo-nos à invocada inimpugnabilidade dos actos de liquidação com base em vícios da fixação do VPT.

 

Como é invocado pela Requerida na Resposta, resulta da lei e é reconhecido pela jurisprudência, que as liquidações de AIMI e de IMI não podem ser anuladas com fundamento em erros na avaliação dos prédios, como, aliás, consta da recente Decisão Arbitral de 04/05/2022 (Proc. nº 604/2021-T), também subscrita pelo árbitro do presente processo, e que, pelo similitude das questões, será seguida, mutatis mutandis.

 

De notar que, embora a Resposta tenha sido apresentada pela Requerida em 02/12/2021, a mesma não reflecte os ditames da Instrução nº .../2021, de 05/04/2021 da Direção de Serviços de Justiça Tributária da AT, a qual, aliás, foi carreada para os autos pela Requerente, em 19/10/2021, e que, tendo carácter interno, foi ignorada em absoluto neste processo pela Requerida.

 

Na verdade, o sujeito passivo pode impugnar estas liquidações, mas, não são relevantes como fundamento de anulação vícios dos actos de fixação dos valores patrimoniais, que se consolidaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliação e de subsequente impugnação autónoma, a deduzir no prazo de três meses, nos termos do disposto nos nºs.1 e 7 do art. 134º do CPPT.

 

Com efeito, de acordo com o estabelecido no art. 15º do CIMI, a avaliação dos prédios urbanos é directa e, portanto, susceptível de impugnação contenciosa directa (art. 86ª, nº 1 da LGT), sendo que ”a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão”, que, no caso, será promover ou requerer uma segunda avaliação no prazo de 30 dias sobre a data em que o primeiro tenha sido notificado (art. 76º, nº 1 do CIMI), após o que, esgotados os meios graciosos do procedimento de avaliação, é permitida a impugnação judicial nos termos do CPPT (art. 77º, nº 1 do CIMI), uma vez que são actos destacáveis.

 

E, se nada for feito, como ocorreu na situação vertente, consolida-se a avaliação que importa para efeitos de liquidação dos AIMI e IMI, que anualmente está estabelecida com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios (art. 113º do CIMI).

 

Nesta conformidade, conclui-se que não são impugnáveis os actos de liquidação com fundamento em vícios dos actos de avaliação dos valores patrimoniais, conforme era invocado pela Requerida.

 

No entanto, apesar de ser esta a regra a atender, os nºs. 4 e 5 do art. 78º da LGT, admitem, a título excepcional, a possibilidade de revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável, estando englobados, portanto, os actos de fixação de valores patrimoniais, com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte e seja tempestivo.

 

Assim, dado que a Requerente alega e comprova que, em resultado dos erros que atribui à avaliação, resultou uma colecta superior àquela que seria devida se a mesma tivesse sido realizada com observância das normas legais, pergunta-se se, na situação em apreço, se poderá configurar uma injustiça grave ou notória, e se, se estará em condições de se preencherem os requisitos estabelecidos no nº 4 do art. 78º da LGT, que permite essa revisão excepcional.

 

Em primeiro lugar, cabe dizer que o CIMI não prevê a possibilidade de revisão oficiosa de actos de avaliação de valores patrimoniais, pelo que a análise da situação só poderá ser efectuada reportando-nos aos dispositivos referidos, isto é, ao estabelecido nos nºs. 4 e 5 do art. 78º da LGT.

 

Convém, também, ter presente que este tribunal arbitral é competente para conhecer esta matéria, pois, como ficou esclarecido no Ac. do STA de 13/10/2010 (proc. 0455/10) “a forma processual adequada à apreciação do pedido de anulação do acto de fixação da matéria tributária com fundamento em injustiça grave ou notória é, igualmente, a impugnação judicial (arts. 78º, nº 3 da LGT e art. 97º, nº 1, alínea b) do CPPT), estando, assim, preenchido o requisito da competência dos tribunais arbitrais do CAAD, no que concerne ao conhecimento dos pedidos de declaração de ilegalidade de actos para que é adequado o processo de impugnação judicial.

 

De seguida, vejamos, então, a questão da tempestividade do pedido de revisão oficiosa.

 

Estabelece o nº 4 do art. 78º da LGT, que o prazo para ser autorizada pelo dirigente máximo do serviço da AT a revisão da matéria tributária nestas circunstâncias é de três anos posteriores ao do acto tributário, e não o prazo de quatro anos, previsto no nº 1, tendo o seu termo no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele

 

Assim sendo, na situação em apreço, tendo a Requerente apresentado o pedido de revisão oficiosa em 29/01/2021, a AT só estaria a tempo de proceder à revisão da matéria tributável, nos termos estabelecidos na lei, no que respeita às liquidações emitidas nos anos de 2020, 2019 e 2018.

 

Razão pela qual, se conclui que o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, nestas circunstâncias, se justifica relativamente às liquidações de AIMI e IMI emitidas em anos interiores, designadamente, em 2016 e 2017 de IMI e 2017 de AIMI, improcedendo, assim, o pedido, por intempestividade, relativamente a estas liquidações.

 

Sendo tempestivo o pedido de revisão oficiosa, no que concerne às restantes liquidações, procede-se, de seguida, à análise da situação no sentido de se verificar se estarão preenchidos os requisitos desta revisão excepcional, no que a estas respeita.

 

Comecemos, então, por verificar se o eventual erro é, ou não, imputável a comportamento negligente do sujeito passivo.

 

Do que consta do processo, resulta claro que a fixação da matéria tributável pela AT, foi efectuada por esta com base numa fórmula estabelecida na lei, sem que para tal tenha contribuído a Requerente com a prestação de qualquer informação errada, designadamente, quanto à natureza do prédio, pelo que se pode concluir estar, preenchido este requisito.

 

No que concerne ao erro na fixação dos valores patrimoniais que foi invocado pela Requerente, relativamente à aplicação a terrenos para construção de coeficientes que lhe não seriam aplicáveis, há que dizer o seguinte:

 

A questão em apreço tem merecido a apreciação e decisão dos tribunais em elevado número de processos, como, aliás, se comprova com as referências que as Partes fazem a variados arestos, pelo que lhe faremos apenas uma menção breve.

 

Com efeito, está fixada, no que a esta matéria respeita, jurisprudência uniforme dos tribunais superiores, na esteira do Ac. do Pleno do STA de 23/10/2019 (proc. 170/16.6BERS 0654/17), de que se transcreve o seguinte segmento:

 

I - Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto(cq)

      II – O artigo 45º do CIMI é norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

 

São inúmeros os acórdãos dos tribunais superiores proferidos neste sentido, muitos deles referidos nos autos, pelo que é possível concluir com toda a segurança que a avaliação dos terrenos para construção deve ser efectuada sem aplicação de regras não especificadamente previstas no art. 45º do CIMI, o que, aliás, é reconhecido na Instrução de Serviço nº .../2021, de 05/04/2021, da DSJT da AT.

 

Assim sendo, conclui-se que a fixação do valor patrimonial do terreno para construção em questão enferma dos erros que a Requerente lhe imputa, os quais são da responsabilidade da AT que procedeu à avaliação.

 

Finalmente, vejamos se se encontra preenchido o fundamento e último requisito previsto no nº 4 do art. 78º da LGT que consiste em saber se o apuramento da matéria tributável é susceptível de consubstanciar injustiça grave ou notória, designadamente à luz do consignado no nº 5, que dispõe “para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e despropositada com a realidade….”

 

Do que ficou referido anteriormente resulta que, com a sua actuação, a AT gerou uma situação de injustiça grave com a avaliação a que procedeu do terreno para construção, de que resultou um significativo acréscimo de tributação, que, se a AT tivesse actuado de acordo com a lei, nos termos em que a jurisprudência uniforme a reconhece e interpreta, não se verificaria, o que constituiu um claro prejuízo para o contribuinte, o que, em geral, foi reconhecido pela AT ao emitir a referida Instrução de Serviço .

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Verificando-se estarem preenchidos todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributária, prevista no art. 78º da LGT, nos seus nºs. 4 e 5, poderia a AT, em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, operado nos termos dos nºs. 1 e 5 do art. 57º da LGT, ter procedido, no que concerne às liquidações emitidas do ano de 2018 em diante, mediante autorização do dirigente máximo do serviço, à revisão e anulado parcialmente as liquidações, que estavam em tempo de serem revistas.

 

Termos em que, quanto às liquidações de AIMI emitidas nos anos de 2018, 2019 e 2020, e de IMI nos anos de 2018 e 2019, se anula o indeferimento  tácito do pedido de revisão oficiosa, e, de igual modo, se procede à anulação parcial das mesmas, na parte em que foi excedido o que seria devido se as mesmas tivessem sido emitidas tendo como pressuposto uma avaliação do terreno para construção realizada nos termos legais (art. 163º, nº1 do CPA, aplicável nos termos do art. 2º, alínea c) da LGT).

 

A Requerente pagou as quantias liquidadas e pede a restituição do que considera indevidamente pago, o montante de 33.969,95 euros, o que não foi contestado pela Requerida, e pede o seu reembolso com juros indemnizatórios.

 

No entanto, em consequência de se ter procedido, apenas, às anulações parciais das liquidações emitidas em 2018, 2019 e 2020, de AIMI e em 2018 e 2019, de IMI, a Requerente tem direito a ser reembolsada do montante pago que lhe corresponda, ou seja 21.884,15 euros.

 

Relativamente aos juros indemnizatórios sobre esta quantia a restituir, esta matéria está regulada no art. 24º do RJAT, o qual expressamente determina no seu nº 1, alínea b), que a decisão arbitral obriga a administração tributária, nos casos aí consignados, a “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias, para o efeito”, e preceitua, ainda, no seu nº 5,  que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, reconhecendo, assim, o direito a juros em processo arbitral.

 

Também o art. 100º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo art. 29º, nº 1, alínea a) do RJAT, preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata e plena reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.

 

Nesta conformidade, o restabelecimento da situação que existiria, se não tivesse havido erro da AT, na determinação do Valor Patrimonial Tributário do terreno para construção, exigirá que, para além da restituição das quantias indevidamente pagas, a Requerida proceda, também, ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Na situação vertente, a norma aplicável para efeitos de se reconhecer o direito a juros indemnizatórios é a alínea c), do nº 3º, do art. 43º da LGT, que preceitua que estes  são devidos “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tribuária.

 

Verificando-se que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 30/03/2021, em 31/03/2022, decorreu mais de um ano sobre a data em que a Requerente o apresentou, razão pela qual, os juros indemnizatórios serão contados a partir desta data.

 

  1. DECISÃO

 

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar parcialmente procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

  1. Declarar a ilegalidade e, consequente anulação parcial da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, na parte que teve como objecto as liquidações de AIMI e de IMI emitidas a partir do ano de 2018.

 

  1. Anular parcialmente as liquidações de AIMI, emitidas em 2018, 2019 e 2020, e de IMI em 2018 e 2019, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante de terem tido como pressuposto um valor patrimonial em que foram considerados coeficientes e regras para além dos previstos no art. 45º do CIMI e, consequentemente.

 

  1. Condenar a Requerida a restituir à Requerente o valor do imposto indevidamente pago, e agora anulado, no montante de 21.884,15 euros, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos e para os efeitos do art. 43º, nº 3, alínea c) da LGT, isto é, contados a partir de 31/03/2022.

 

  1. Condenar a Requerente a pagar 35,57% e a Requerida 64,43% das custas do processo.

 

  1. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em 33.969,95 euros, nos termos do artigo 97º-A, nº 1, a), do Código de Procedimentos e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária

 

  1. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.836,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar: 35,57% pela Requerente e 64,43% pela Requerida, nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4º, nº 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

(Esta decisão foi redigida pela ortografia antiga)

  

Lisboa, 17 de Maio de 2022

 

O Árbitro

 

(José Nunes Barata)