Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 133/2023-T
Data da decisão: 2023-11-10  IRS  
Valor do pedido: € 69.172,81
Tema: IRS - conceito de residente habitual; alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 16.º do CIRS.
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SUMÁRIO

  1. O conceito de residência habitual deve ser interpretado no contexto em que se insere, ou seja, o art.º 16.º do Código do IRS deve ser lido como um todo. Tanto a al. a) como a al. b) do n.º 1 do art.º 16.º do Código do IRS impõem uma conexão efetiva com o território português.
  2. Se a qualidade de residente, nos termos da al. a) resulta, automaticamente, de um critério fáctico, meramente numérico, a presença em Portugal, a al. b) exige, pela falta de maior presença no território, um elemento adicional de intenção. O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação.
  3. A residência habitual é, assim, igualmente um critério fáctico determinado pela permanência regular (habitual) de uma pessoa singular numa determinada habitação e, onde, como tal se presume ter organizada a sua vida.

 

Os Árbitros Prof. Doutor Victor Calvete (Árbitro Presidente), Dra. Rita Guerra Alves e Dr. Manuel Lopes da Silva Faustino (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 17-05-2023, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:

Decisão Arbitral

  1. Relatório

É Requerente A..., titular do NIF ..., com residência na Rua..., ...– ...–...– Brasil, doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.

É Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

O Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, e a Autoridade Tributária foi notificada em 12-03-2023.

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitros o Prof. Doutor Victor Calvete (Árbitro Presidente), a Dra. Rita Guerra Alves e o Dr. Manuel Lopes da Silva Faustino (Árbitros Vogais).

Em 27-04-2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Coletivo, foi regularmente constituído em 17-05-2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada à Autoridade Tributária e Aduaneira para, querendo, se pronunciar.

Em 28-09-2023 foi realizada a reunião a que alude artigo 18.º do RJAT, com a prestação de declarações de parte e inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerente, tendo as Partes sido notificadas para, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas prazo de 15 dias. O Tribunal indicou também a data previsível para prolação da decisão arbitral, com a advertência ao Requerente de, com as alegações, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do nº 4 do art.º 4.º do Regulamento das Custas nos processos de Arbitragem Tributária e comunicar o mesmo ao CAAD (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

O Requerente apresentou alegações em 16-10-2023, reafirmando, no essencial, as posições assumidas nos respetivos articulados. A AT não apresentou alegações.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Argumentos Das Partes

O ora Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, n.º 2022..., relativo ao ano de 2018, que fixou um imposto a pagar de € 69.172, 81 (sessenta e nove mil cento e setenta e dois euros e oitenta e um cêntimos).

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:

  1. O Requerente é um cidadão português que, ao longo da sua vida de sexagenário, sempre exerceu, e apenas, atividade profissional no estrangeiro, por último na B... (B...), com sede em Londres, onde o Requerente trabalhou durante largos anos, até 31 de dezembro de 2018.
  2. Aí habitou em casa própria, designadamente num apartamento de que era proprietário sito em ..., London, ... onde se manteve até ao primeiro trimestre de 2019.
  3. Sustenta o Requerente que, até 31 de dezembro de 2018, ali detinha a sua residência efetiva, se achava organizada a sua vivência quotidiana, repartida pela respetiva atividade profissional e afazeres pessoais correntes, como se retira designadamente dos extratos bancários e de cartão de crédito, deslocando-se a eventos culturais e desportivos, restaurantes.
  4. E possui débitos com eletricidade, gás, sky digital (televisão e internet), despesas com a participação em clube de convivência social, o ... London, no bairro londrino de ..., gastos em conceituado salão de corte de cabelo, o ...  Hair, enfim, outros, até com a aquisição de lotaria nacional inglesa, bem como serviços essenciais domésticos como telecomunicações e gás e até obrigações cívicas como a de votar em eleições locais.
  5. Os quais rendimentos foram sendo tributados pela competente Autoridade Fiscal do Reino Unido.
  6.            Alega que foi realizando deslocações periódicas a Portugal, país da sua origem e onde, mercê de herança recebida de seus Pais e mediante processo de partilhas com suas Irmãs, passou a ser proprietário de apartamento em Cascais, onde permanecia às vezes (por períodos curtos), que ali se deslocava, sendo que no ano de 2018 o total de permanência em Portugal nessas deslocações foi de cerca de trinta dias.
  7. Mas alega que jamais residiu em Portugal, desde há 40 anos e até ao momento, visto residir, desde o primeiro trimestre de 2019, no Rio de Janeiro.
  8. O que não impede, nem impediu que, em meados da década precedente, mantivesse em Portugal algumas aplicações financeiras, junto do Banco …, das quais se desfez, no ano de 2018.
  9.             Altura em que, tendo tido de renovar o seu cartão de cidadão, e a fim de agilizar a sua obtenção e evitar a burocracia, indicou como morada o local do apartamento em Portugal, ou seja, fê-lo pela facilidade de receber o documento ainda durante a sua curta estadia em Portugal, sem ter de enfrentar a interminável fila no Consulado português em Londres.
  10.             Defende o Requerente que nunca foi, nem é, há mais de 40 anos, residente em Portugal.
  11. Nesse período nunca desenvolveu ou desempenhou aqui qualquer atividade profissional, ou foi aqui tributado, visto que vivia no Reino Unido e, agora, desde 2019, no Brasil.
  12.             Alega, que não tinha a vida familiar em Portugal, sendo de tudo sintomático o facto de no ano de 2018, apesar de várias curtas deslocações a este país, os valores de consumo de água serem insignificantes: em 26/02/2018 o contador estava em 536, oito meses depois estava em 576.
  13. Nem tendo a intenção de passar a viver em Portugal quando deixasse o Reino Unido, antes sendo o seu objetivo ir viver para o Brasil, onde, de resto, se encontra desde o primeiro trimestre de 2019.
  14. Alega que, quanto ao exercício de 2018, recebeu uma primeira notificação da demonstração de liquidação, da qual resultava não haver lugar ao pagamento ou reembolso de importância apurada na liquidação de IRS, e na qual consta a residência correta –... London.
  15. E posteriormente, em 16-03-2022, o Requerente foi notificada pela DF-Lisboa, Div. Liquidação de Impostos, Processo 1767 - IRS 2018, relativamente a divergências quanto à sua declaração de IRS daquele mesmo ano de 2018. Perante o que a DF - Lisboa - Div. Liquidação de Impostos, veio, já em 05-04-2022, diligenciar no sentido de obter certificado de residência fiscal no Reino Unido.
  16. O que o Requerente providenciou e obteve em 14-06-2022, o qual comprova a residência fiscal no Reino Unido no ano de 2018.
  17. Defende o Requerente, que veio a ser produzida a informação pela DF Lisboa, exprimindo o entendimento de que o Impugnante foi considerado residente fiscal no Reino Unido no ano civil de 2018, «unicamente nos termos do disposto no Número 1, do Artigo 4.º (Residência), da CDT Portugal – Reino Unido». Mais acrescentando a mesma informação: «Porém os contribuintes, (…) são também considerados como Residentes Fiscais de Portugal em 2018, atendendo ainda ao facto de disporem de uma Habitação (Própria e) «Permanente» em território português, pelo que se terá de recorrer, para determinação ao certo do Estado de Residência, às regras especiais, ínsitas no Número 2, do referido Artigo 4.º…»
  18.            Mais defende, que a referida informação que, em 2018, o Requerente tinha duas residências permanentes – uma no Reino Unido e outra em Portugal – entendendo que o vínculo mais estreito era com Portugal, concluindo: «Acresce a permanência mais assídua do Contribuinte em território português, pelo motivo determinante, evidenciada através das Despesas gerais e Familiares, em conexão com a Habitação Permanente ao dispor, em Cascais, tendo passado a residir, ao que tudo indica, fora do território do Reino Unido, pressupondo-se, por sua vez, a residência em território português, em função da Casa de Morada de Família, sita em Cascais.»
  19. O Requerente, vem sustentar que há um erro sobre os pressupostos de facto na liquidação.
  20.             Defende que a AT afirma, sem provar, que o Requerente tinha em 2018 «casa de morada de família» em Cascais, «evidenciada através das Despesas gerais e Familiares, em conexão com a Habitação Permanente».
  21. O Requerente defende que há um erro na qualificação jurídica e na aplicação do Direito, sustentando que a AT se precipitou a aplicar o regime de dupla tributação, nomeadamente a Convenção [de dupla tributação] entre a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.
  22. Sem razão, uma vez que, quer quanto à fonte do rendimento de trabalho, quer quanto à residência, não se verifica nenhuma conexão com Portugal – a primeira por evidente e não questionada no caso.
  23. Em 2018, como se comprova, o Reino Unido era o «país da fonte» e o «país da residência».
  24. Defende, que para se considerar “residente” em Portugal importa verificar se a situação se enquadra na previsão das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 16º do CIRS e só em caso positivo e perante a residência em ambos os países se aplicaria o regime da convenção de dupla tributação.
  25. Em 2018 o Requerente não permaneceu – seguidos ou interpolados – os 183 dias, pois apenas por cerca de 30 dias se manteve em Portugal.
  26. Defende que cabia à AT o ónus da prova da existência do referido critério objetivo e não o faz, limitando-se a ser conclusiva na sua alegação, sem especificar nem provar.
  27. Quanto ao elemento subjetivo da alínea b), para que se possa ter por verificado é necessário que se comprove que o Contribuinte, tendo permanecido menos do que 183 dias no ano a que respeitam os rendimentos, disponha no país de «habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual».
  28. O Requerente mantinha em 31 de dezembro de 2018 uma habitação em Cascais, mas tal não era a sua «residência habitual».
  29. Não existia, à data, qualquer «intenção atual» de a manter e ocupar como residência habitual, ou seja, o requisito do animus manendi não se verificava.
  30. Defende que a própria AT sabia que a residência habitual do Impugnante era no Reino Unido, conforme se demonstra pela notificação da demonstração de liquidação de IRS antes da liquidação adicional.
  31. Uma vez que a AT convocou para o caso a aplicação do regime da CDT, importa demonstrar que não se verificam, também em relação a este normativo, os respetivos pressupostos de facto e de direito.
  32. Assim, pelo n.º 1 do art.º 4 da CDT o Requerente é considerado residente no Reino Unido.
  33. Termina o Requerente peticionando que deverá a presente impugnação ser tida por procedente em toda a sua extensão e, em consequência: a. Deverá a liquidação adicional de IRS em causa ser anulada e ser ordenado o reembolso ao Impugnante das importâncias pagas indevidamente, incluindo juros compensatórios; b. Deverá ser reconhecido ao Impugnante o direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43º da LGT. c. Mais deverá ser a AT, Impugnada, condenada em custas do processo e custas de parte.

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente resposta, na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

  1. No dia 23.10.2019, o Requerente apresentou a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2018, com a referência ... - 2018- ...-..., em conjunto com o cônjuge, C... (NIF...);
  2. Tendo-se considerado como Residente Fiscal de Portugal durante todo o ano civil de 2018, e, nas circunstâncias dadas, optado pela tributação conjunta dos Rendimentos.
  3. Em conformidade com informação recebida das autoridades fiscais do Reino Unido (por troca de informações, uma vez que consideraram o Requerente não residente naquele Estado), naquele ano foram colocados à disposição do Requerente rendimentos de trabalho dependente provenientes daquele Estado.
  4. Sustenta a Requerida que o Requerente constava como residente em território nacional, pelo que tais rendimentos deveriam ter sido declarados em Portugal em sede de IRS, nos termos do nº 1 do artigo 15.º do CIRS.
  5. Nessa conformidade, no âmbito do processo de divergências n.º ..., foi o Requerente notificado da intenção da AT em proceder à efetivação de liquidação adicional de IRS que incluísse os rendimentos de fonte estrangeira omitidos, assim como, para, querendo exercer, nos termos do artigo 60.º da LGT, o competente direito de audição prévia.
  6. Mais tendo sido informado da possibilidade de regularizar a situação mediante a apresentação de declaração de substituição na qual fosse declarado, no respetivo anexo J, a totalidade dos valores de rendimentos de fonte estrangeira obtidos, assim como para as consequências subjacentes ao não exercício aludido do direito de participação.
  7. Em 05.04.2022, após a análise dos documentos disponibilizados e em virtude de não constar dos mesmos um certificado de residência fiscal, foi solicitado ao Requerente o envio de certificado de residência fiscal, emitido e validado pela autoridade fiscal do país onde foi considerado residente fiscal no ano 2018, no qual se mencionasse que se encontrava ao abrigo do art.º 4°, da convenção celebrada com Portugal.
  8. Nessa conformidade, e em função dos novos elementos disponibilizados, a DF de Lisboa solicitou a colaboração da Direção de Serviços de Relações Internacionais para a análise da documentação, a qual, após a análise do processo, veio informar que:

 

  1.             Nessa sequência, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2022 ... e correspondente liquidação de Juros Compensatórios, de valor a pagar no montante global de €69.172,81, referentes ao período de tributação de 2018.
  2.             Defende a Requerida que, constando no cadastro que a residência do Requerente, em 2018, era em Portugal, presume-se que seja efetivamente residente em território nacional, presunção essa que é ilidível.
  3. Os documentos exibidos pelo Requente não atestam a residência fiscal do contribuinte no Reino Unido, nem a sua sujeição plena a imposto naquela jurisdição, uma vez que para o efeito deveria ter sido exibido um certificado de residência fiscal emitido nos termos do artigo 4.º da CDT Portugal Reino Unido, em sede do processo de divergências, prévio à liquidação ora contestada, o que não fez.
  4.             Assim, não tendo o Requerente apresentado qualquer documento que afaste a presunção da sua residência em Portugal no ano de 2018, deve o mesmo ser sujeito à tributação prevista para os residentes, que nos termos do n.º 1 do artigo 15.º CIRS abrange os rendimentos auferidos no estrangeiro, que no caso concreto, foram auferidos no Reino Unido.
  5. Termina a Requerida afirmando que a liquidação contestada não se encontra ferida de qualquer ilegalidade, pelo que deverá o presente pedido improceder.

 

  1. Do Mérito
    1. Questões Decidendas

Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada uma apresentados, constituem questões centrais a dirimir – as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:

  1. Ilegalidade da liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2022..., relativo ao ano de 2018, que fixou um imposto a pagar de € 69.172, 81 (sessenta e nove mil cento e setenta e dois euros e oitenta e um cêntimos).
  2. Direito do Requerente ao reembolso desse montante e a juros indemnizatórios
  3. Direito do Requerente a custas de parte.

 

  1. Fundamentação De Facto

Consideram-se provados os seguintes factos, assente nos factos e na prova documental e testemunhal constante do processo que não mereceu impugnação:

  1. O Requerente recebeu uma notificação da demonstração de liquidação, da qual resultava não haver lugar ao pagamento ou reembolso de importância apurada na liquidação de IRS. Cf. Doc 18 da PPA.
  2. Dessa mesma liquidação constava como morada a residência do Requerente, sítio em ... London. Cf. Doc 18 da PPA.
  3. Em 16-03-2022, o Requerente foi notificada pela DF-Lisboa, Div. Liquidação de Impostos, Processo 1767 - IRS 2018, relativamente a divergências quanto à sua declaração de IRS daquele mesmo ano de 2018, e o Requerente exerceu o seu direito de audição. Cf. Doc 19 da PPA.
  4. Em 05-04-2022, o Requerente foi notificado para disponibilizar certificado de residência fiscal no Reino Unido para o ano de 2018, tendo-a entregue em 14-06-2022. Cf. Doc. 20 da PPA.
  5. Do Certificado de residência fiscal no Reino Unido, resulta que o Requerente foi residente fiscal no Reino Unido de 1 Janeiro de 2018 a 31 de Dezembro de 2018, de acordo com o artigo 11 da Convenção Reino Unido Portugal. Cf. PPA.
  6. O Requerente foi notificada da liquidação n.º 2022..., no valor de 69.172,91€, com data-limite de pagamento 04-01-2023. Cf. PPA.
  7. O Requerente procedeu ao pagamento do imposto.
  8. Em 01-02-2023, a AT enviou cópia da comunicação mantida entre a AT e a Autoridade Fiscal do Reino Unido , datada de 24-01-2023, da qual resulta a seguinte informação:

 

Cf. Doc 25 da PPA.

  1. O Requerente trabalhou até 31 de Dezembro de 2018 na empresa B..., com sede em Londres. Cf. Doc 1 do PPA.
  2. O Requerente tinha a sua residência efetiva até 31 de dezembro de 2018 em Londres, no Reino Unido, sendo proprietário de um imóvel sito em..., London, ..., onde tinha organizada a sua vivência quotidiana, repartida pela respetiva atividade profissional e afazeres pessoais correntes Cf. Doc 2 a 8 e 14 do PPA; e conforme prova testemunhal de D..., E..., F... e G... .
  3. O Requerente no ano de 2018 foi tributado como residente fiscal no Reino Unido, e os seus rendimentos foram igualmente aí tributados. Cf. Doc 9 a 11 da PPA.
  4. O Requerente detém um imóvel localizado em Cascais-Portugal. Cf doc 12 e 13.
  5. No ano de 2018 esteve em Portugal menos de 60 dias.
  6. O Requerente nunca desenvolveu ou desempenhou qualquer atividade em Portugal e não foi considerado como residente fiscal em Portugal nos últimos 40 anos, anteriores a 2018 (conforme prova testemunhal de D..., E..., F... e G...).
  7. O Requerente ingressou numa empresa tabaqueira no Brasil na década de 1970, empresa essa posteriormente adquirida pela B..., que passou a integrar aquela.
  8. Em 2018, por motivo de renovação do seu cartão de cidadão, o Requerente indicou como morada o seu apartamento localizado em Cascais-Portugal.
  9. O Requerente não tinha a vida familiar em Portugal, possuía em Portugal uma residual atividade social e cultural (conforme prova testemunhal D..., E..., F..., G...)
  10. e os valores de consumo de água foram insignificantes: em 26/02/2018 o contador estava em 536, oito meses depois estava em 576. Cf. DOC. 17 da PPA.
  11. O Requerente nunca teve intenção de passar a viver em Portugal, sendo que, desde 2019, voltou a residir no Brasil, país de origem da sua mulher e onde cresceram os seus filhos (conforme prova testemunhal de D..., E..., F... e G...).
  12. O Requerente apresentou no CAAD, em 06 de março de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, tendo em vista a anulação da referida liquidação – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

  1. Factos Não Provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

 

  1. Fundamentação Da Fixação Da Matéria De Facto

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Em relação às declarações de Parte do Requerente, A..., veio confirmar o que já se encontrava no PPA, tendo referido com clareza e precisão, que residiu fora de Portugal desde 1980, residindo primeiramente no Brasil, sempre com contrato de trabalho com a empresa H..., depois subsidiária da empresa B..., até à sua reforma em final de 2018. Teve sempre a sua vida familiar no Brasil com a sua esposa e com os seus filhos, não tendo tido qualquer vida familiar em Portugal. Igualmente referiu com clareza que no ano de 2018 residiu em Inglaterra, onde dispunha casa, tinha a sua vida estabelecida e tinha a sua vida social e cultural. E referiu que não passou mais de 60 dias em Portugal nesse ano, e nunca teve intenção de morar em Portugal.

Em relação à prova testemunhal importa salientar os contributos trazidos pelos depoimentos de:

  1. I..., representante fiscal do Requerente desde o ano de 2012, referiu que era seu representante porque o Requerente não residia em Portugal, e que o mesmo possuía aqui património e necessitava de apoio para o cumprimento das obrigações fiscais, como o pagamento do IMI e outras declarações fiscais. Sabe que ele residia em Inglaterra. A testemunha indicou que foi ela quem submeteu a declaração de Rendimentos de 2018 do Requerente, mas que o sistema não permitiu submeter a declaração como não residente, tendo sido submetida como residente.
  2. D..., amigo do Requerente desde a faculdade, tem acompanhado a vida do Requerente desde então. Referiu com clareza que o Requerente nunca teve uma relação profissional em Portugal, nunca tendo trabalhado em Portugal. E nos últimos anos o seu centro de vida era em Londres. E do que tem conhecimento, visitava Portugal em férias para visitar amigos e familiares, por curtos períodos.
  3. E..., amiga do Requerente desde a adolescência, há mais de 50 anos, testemunhou que ele não residia em Portugal. E que, após o 25 de Abril, passou a residir no Brasil, onde conheceu a sua esposa. E que antes de se ter reformado, estava a residir na Inglaterra. Que vinha regularmente em Portugal em férias, mas por períodos curtos, de 2 a 3 semanas, por vezes períodos mais curtos. Mais referiu que, do seu conhecimento, em 2018 o Requerente não residia em Portugal.
  4. F..., amigo do Requerente há mais de 50 anos, declarou que o Requerente vive no exterior e que fazia visitas esporádicas a Portugal. Que nunca teve residência em Portugal, nunca teve vida profissional em Portugal. Que o visitou várias vezes na sua residência, quer no Brasil, quer em Londres. Sabe que depois da sua reforma, há cerca de 3-4 anos, passou a passar mais tempo em Portugal, que anteriormente passava menos tempo, e que nunca teve em Portugal a sua residência fixa. Que em 2018 apenas a mulher da Requerente residia com ele.
  5. G..., irmã do Requerente, declarou que o Requerente emigrou aos vinte e poucos anos, e que nunca teve qualquer atividade profissional em Portugal; que em 2018, 2019, se reformou e que o centro estável da vida era em Londres, onde o visitou várias vezes, e que ele viveu lá durante anos. Tinha lá casa, tinha a sua vida lá.

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7, e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e testemunhal e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

  1. Matéria De Direito
    1. Delimitação das questões a decidir:

Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões jurídicas que importa solucionar, no que respeita à legalidade do ato tributário em apreciação, são: a de saber se o Requerente preenche os requisitos elencados na alínea a) ou b) do artigo 16.º do CIRS, para ser considerado como residente fiscal português no ano de 2018, e a de saber se a indicação pelo Requerente do seu domicílio fiscal de um imóvel localizado em Portugal, em sede de renovação do seu Cartão de Cidadão, deve ser entendido como a sua residência fiscal à luz do disposto no artigo 19.º da Lei Geral Tributária.

Da matéria de facto considerada provada, importa realçar a seguinte factualidade:

  1. O Requerente no ano de 2018, foi residente no Reino Unido, conforme certificado de residência fiscal emitido pelo Reino Unido para o ano de 2018.
  2. No ano de 2018, não exerceu qualquer atividade profissional em Portugal.
  3. O Requerente no ano de 2018 não permaneceu mais de 183 dias em Portugal.
  4. Ficou amplamente demonstrado que o Requerente tinha a sua residência habitual e permanente em Londres, e que aí desenvolvia a sua vida social e cotidiana, tendo-o demonstrando através de extensiva prova documental, designadamente através de extratos bancários, bem como com a prova testemunhal produzida.
  5. Ficou igualmente demonstrado que o Requerente visitou algumas vezes o imóvel que detém em Portugal no decorrer do ano de 2018, em modo de visita, e que em nenhum momento teve intenções de aí constituir a sua residência habitual e permanente.
  6. Que o Requerente no decorrer do ano de 2019 mudou-se de Inglaterra para o Brasil, o que, também por esse motivo, demonstra a inexistência de intenção de constituir residência habitual e permanente em Portugal.
  7. Por último, o Requerente identificou como morada no seu cartão de cidadão a morada do seu imóvel em Portugal (anteriormente pertença dos seus pais), e automaticamente ficou no ano de 2018 a constar essa morada como sendo a morada do seu domicílio fiscal.

Estando a matéria de facto fixada, importa agora proceder a subsunção jurídica, e determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes de acordo com as questões Decidendas já enunciadas.

Iniciamos, pela análise do regime fiscal de residência em território português previsto no artigo 16.º do CIRS na redação dada pela Lei n.º 20/2012, de 14/05, aplicável à data dos factos.

Artigo 16.º

Residência

1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) (…);

d) (…).

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.

3 - As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1.

 

É à luz deste normativo que a questão é apreciada, concretamente apurar se o Requerente, preencheu os pressupostos e condições previstos no artigo 16.º do Código do IRS, de forma a ser suscetível de se concluir pela sua residência fiscal em território português no ano de 2018.

Sobre os critérios de residência fiscal há jurisprudência que se seguirá de perto, em particular as decisões proferidas no CAAD, designadamente o Acórdão Arbitral proferido no Processo n.º 332/2016-T e o Acórdão Arbitral proferido no Processo n.º 214/2017-T.

Primeiramente, observemos se o Requerente cumpre com o pressuposto do n.º 1 alínea a) do artigo 16.º, do Código do IRS.

Assim, sobre a alínea a) do artigo 16.º, é pacífico que se cinge à presença física (corpus) num território (in casu o território nacional) para imputar o país de residência fiscal; deste modo, para cumprimento do pressuposto, o Requerente haveria de ter permanecido mais de 183 dias em território português, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa, o que no presente caso não se verificou.

Neste sentido conclui-se que o Requerente não preenche o critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS, para ser considerado como residente fiscal no ano de 2018, uma vez que apenas permaneceu menos de 60 dias em Portugal, e não os 183 legalmente exigidos pelo normativo.

Passemos de seguida à análise da alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS, para dizer que este normativo exige uma ligação física menos qualificada, mas impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.

Repare-se que a existência de critérios de residência puramente artificiais, sem que tenham por base uma conexão efetiva com o território, encontram restrições à sua aplicação ou por via do Direito Internacional Público (Cf. Rui Duarte Morais, Imputação de Lucros de Sociedades Não Residentes Sujeitas a um Regime Fiscal Privilegiado, Porto: Publicações Universidade Católica, 2005, p. 35), ou num momento posterior por via de aplicação dos ADTs (Cf. Klaus Vogel, On Double Taxation Conventions, Third Edition, Deventer: Kluwer Law International, 1997, pp. 232-233).

Prosseguindo a nossa análise, vejamos o entendimento espelhado no Acórdão Arbitral proferido no Processo n.º 214/2017-T, o qual subscrevemos:

(…) caso da alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS, exige-se uma ligação física menos qualificada, o que implica uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território, neste caso Português.

Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.

Assim, a alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS serve duas funções essenciais: em primeiro lugar, considerar residente em Portugal um indivíduo que apenas deslocalize a sua residência para o território nacional, no segundo semestre do ano, quando já não é possível cumprir com o critério dos 183 dias; e, em segundo lugar, considerar residentes os indivíduos que, apesar da sua ligação ao território, verificada através de um local onde residem habitualmente, possam intencionalmente contornar a regra da permanência.

Como é referido em termos doutrinais e jurisprudenciais, a alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS impõe três requisitos, de cuja verificação cumulativa depende a qualificação como residente:

i) a permanência em Portugal;

ii) a disposição de uma habitação; e

iii) a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual.

Como escreve André Salgado de Matos “a al. b) do n.º 1 do art. 16.º do Código do IRS serve duas funções essenciais: em primeiro lugar, considerar residente em Portugal um indivíduo que apenas deslocalize a sua residência para o território nacional, no segundo semestre do ano, de forma a não ser possível cumprir com o critério dos 183 dias; e, em segundo lugar, considerar residentes os indivíduos que, apesar da sua ligação ao território, verificada através de um local onde residem habitualmente, possam intencionalmente contornar a regra da permanência” (Cf. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, Lisboa: Instituto Superior de Gestão, 1999, pp. 206-207).”

E nas palavras de Alberto Xavier “[a] intenção de manter e ocupar a habitação como residência habitual, não é objecto de prova directa, antes resulta de condições objectivas que a façam supor.”(Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2.ª Edição Actualizada, Coimbra: Almedina, 2007, p. 286).

Retomando os autos e uma vez que a intenção a demonstrar se refere à manutenção e ocupação de uma residência habitual, importa determinar, como ponto prévio, o que se entende por residência habitual para que seja claro o que deve resultar da intenção do indivíduo.

Ora, o conceito de residência habitual deve ser interpretado no contexto em que se insere, ou seja, o art. 16.º deve ser lido como um todo. Tal como referido, tanto a al. a) como a al. b) do n.º 1 do art. 16.º do Código do IRS impõem uma conexão efetiva com o território português.

Se a qualidade de residente, nos termos da al. a) resulta, automaticamente, de um critério fáctico, meramente numérico, a presença em Portugal, a al. b) exige, pela falta de maior presença no território, um elemento adicional de intenção. O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação. A residência habitual é, assim, igualmente um critério fáctico determinado pela permanência regular (habitual) numa determinada habitação e, onde, como tal se presume ter organizada a sua vida.

Como sustentou o Supremo Tribunal Administrativo, “[é] evidente que, sendo a residência habitual o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida, não medeiam grandes diferenças entre o «domicílio fiscal» e a «habitação permanente»: há entre as duas figuras uma relação íntima, que se traduz em ambas pressuporem um lugar com o qual certa pessoa está em ligação, o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida.(Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11/23/2011, proferido no processo 0590/11), bem como o Tribunal Central Administrativo Sul, referindo que“[o] conceito de residência habitual (o qual coincide com o conceito de domicílio voluntário), deve buscar-se no direito interno, consubstanciando-se como o local onde uma pessoa singular normalmente vive e de onde se ausenta, em regra, por períodos mais ou menos curtos (cfr.artº.82, do C.Civil).” (Cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12/11/2012, proferido no processo 05810/12).

Igualmente Alberto Xavier “Para que exista uma residência habitual deverá resultar claro que a habitação mantida em Portugal, pelas suas características, se destina a uma permanência duradoura e não a uma mera passagem de curta duração” (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário…op. cit. 286)”

Retomando os autos, efetivamente, a alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS impõe três requisitos, de cuja verificação cumulativa depende a qualificação como residente: i) a permanência em Portugal; ii) a disposição de uma habitação; e iii) a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual;

Verifica-se, no entanto, que o Requerente, não preenche o primeiro requisito, ou seja, tinha a sua residência e um contrato de trabalho no Reino Unido, logo, não teve uma permanência em Portugal fiscalmente relevante no ano 2018.

O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação. A residência habitual é, assim, igualmente um critério fáctico determinado pela permanência regular (habitual) numa determinada habitação e onde como tal se presume ter organizada a sua vida.

Desse modo, atento o não preenchimento de um dos requisitos e sendo cumulativos, afasta a necessidade de verificação do cumprimento dos restantes. Não deixa de se referir que, no tocante a este segundo elemento de conexão, não se apurou que o Requerente intencionasse a utilização de uma casa em Portugal para residência e, muito menos, que existissem condições que fizessem supor a intenção de que tal habitação seria mantida e ocupada como residência habitual.

Pelo exposto o Requerente, não cumpre com a qualificação de residente fiscal em Portugal no ano de 2018, nos termos da alínea a) e b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS.

Aqui chegados, compete agora a análise da questão, de ter indicado como o seu domicílio fiscal em 2018 a morada do imóvel do Requerente em Cascais, por motivo de o Requerente ter indicado esta morada no momento da renovação do seu cartão de Cidadão, conforme já descrito na factualidade assente.

Nestes termos, pese embora já se tenha concluído que o Requerente no ano de 2018 não era residente fiscal português, cumpre decidir se a indicação pelo Requerente do seu domicílio fiscal de um imóvel seu localizado em Portugal, em sede de renovação do seu Cartão de Cidadão, deve ser entendido como sua residência fiscal à luz do artigo 19.º, da Lei Geral Tributária.

Sobre esta questão, os conceitos de domicílio fiscal e de residente fiscal para efeitos de IRS, não são sinónimos.

Com efeito, vejamos o que dispõe o artigo 19.º, da Lei Geral Tributária (doravante “LGT”), que consagra o conceito de domicílio fiscal, para o que aqui releva, o seguinte:

“1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

b) Para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.

2 - O domicílio fiscal integra ainda o domicílio fiscal eletrónico, que inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica.

3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.

4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.

5 - Sempre que se altere o estatuto de residência de um sujeito passivo, este deve comunicar, no prazo de 60 dias, tal alteração à administração tributária.

6 - Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional.

7 - Independentemente das sanções aplicáveis, depende da designação de representante nos termos do número anterior o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referidos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação.

8 - O disposto no número anterior não é aplicável, sendo a designação de representante meramente facultativa, em relação a não residentes de, ou a residentes que se ausentem para, Estados membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que esse Estado membro esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia.

(...) 

11 - A administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.”

 

Sobre esta questão já se pronunciou de forma extensa e bastante precisa o Tribunal Arbitral no âmbito do processo n.º 36/2022-T, que entendemos serem aqui aplicáveis:

13. Como salienta Rui Duarte Morais (Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2006, pp 17 e 18) “são diferentes as noções de residência e domicílio fiscal, ainda que relativamente aos residentes o local do domicílio fiscal coincida com o da sua residência habitual (art. 19.º, n.º 1, al. a) da Lei Geral Tributária).

Enquanto o conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, a questão do domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais. [A questão de saber se alguém é ou não residente em Portugal é independente da do domicílio fiscal. Aquele que efectivamente transferiu a sua residência para o estrangeiro não pode mais ser considerado residente em Portugal, mesmo que nos registos da administração fiscal continue a figurar como domiciliado em Portugal (mesmo que por omissão dele, sujeito passivo, em promover a necessária alteração). A nosso ver, o domicílio fiscal não constitui, no plano internacional, qualquer presunção de residência.”]

A este propósito, afigura-se também pertinente considerar o seguinte posicionamento de Pedro Roma (Residência Fiscal Parcial em IRS, Almedina, Coimbra, 2018 pp 120-121): “(…) o conceito de “não residência fiscal” não se encontra expressamente contemplado no ordenamento jurídico-fiscal português.

Tal como analisado por José Calejo Guerra [Cf. José Calejo Guerra – A (não) residência fiscal no Código do IRS e seus requisitos: do conceito legal à distorção administrativa, Cadernos de Justiça Tributária, n.º 6, outubro-dezembro 2014, pp. 16-22], também entendemos que o conceito de não residência fiscal resulta a contrario do próprio Código do IRS, uma vez que todos aqueles que não preencherem um dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16.º do Código do IRS deverão ser considerados não residentes fiscais em Portugal.

Este Autor acrescenta, ainda, que a não residência fiscal é, pois, uma definição legal não escrita que se encontra sob a alçada da reserva relativa de lei da Assembleia da República, que resulta do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP. Nesta medida, é defendido que a administração tributária não pode introduzir, através da sua atuação (ainda que baseada em orientações administrativas), quaisquer exigências que, de algum modo, dificultem ou impeçam que um qualquer sujeito passivo, que não preencha nenhum critério de residência fiscal em Portugal, seja considerado não residente fiscal.

Na verdade, de acordo com a atual prática administrativa, a administração tributária exige a apresentação de um comprovativo de residência no estrangeiro para proceder à alteração do estatuto de residência fiscal dos sujeitos passivos para não residentes em Portugal, (…). À luz daquele entendimento, que subscrevemos, entendemos que esta prática da administração tributária apenas se poderá reputar de ilegal, por violação do princípio da legalidade tributária, que encontra cobertura legal no artigo 8.º da LGT e cobertura constitucional no já citado artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP.

 

Os citados entendimentos doutrinais encontram acolhimento na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, sendo disso exemplo, entre outros, os seguintes arestos:

  • Acórdão do TCAS, de 11.11.2021, proferido no processo n.º 2369/09.7BELRS,

assim sumariado (na parte que aqui importa reter):

“(…)

II. Os conceitos de domicílio fiscal (previsto no art. 19.º da LGT) e de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos.

III. O dever de comunicação, previsto quer no n.º 1 do art. 43.º do CPPT quer no então art. 19.º, n.º 2, da LGT (atual n.º 3), não se trata de formalidade ad substanciam, pelo que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação.

(…)

V. Não obstante o domicílio fiscal do Impugnante, previsto no art.º 19.º da LGT, contemplar uma morada em Lisboa, esta circunstância distingue-se do conceito de residência fiscal para efeitos de IRS e não consubstancia qualquer presunção inilidível de que a residência fiscal é na morada ali constante.”

 

  • Acórdão do TCAS, de 08.07.2021, proferido no processo n.º 803/05.0BESNT,

assim sumariado (na parte que aqui importa reter):

“(…)

III. Saber se alguém é ou não residente em Portugal não está dependente do domicílio fiscal, por este não constituir, no plano internacional, qualquer presunção de residência.

IV. O conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, enquanto o domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais.”

Dito isto, importa, desde logo, sublinhar que a circunstância do Requerente ter alterado a sua morada no pedido do cartão de cidadão não pode servir de suporte a qualquer tributação, nem tampouco substituir-se às regras que definem a residência fiscal.

Bem com a mudança do domicílio fiscal não tem, por si só, o alcance de converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, se o mesmo fizer prova em sentido contrário.

E, no caso concreto, como resulta da factualidade assente, o Requerente logrou fazer essa mesma prova, documental e testemunhal, designadamente através dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das testemunhas.

Por sua vez, também não tem qualquer relevância para a determinação da residência fiscal do Requerente, o facto de este ter submetido em conjunto com a sua esposa uma declaração fiscal respeitante ao ano de 2018, pois apenas o preenchimento dos pressupostos de cada um dos critérios de residência fiscal decorrentes do artigo 16.º do CIRS – alíneas a) e b), do seu n.º 1 – permitem que uma pessoa seja considerada residente fiscal em Portugal, não tendo a mera declaração do sujeito passivo a virtualidade de determinar, seja em que sentido for, a sua residência fiscal ou, dito de outra forma: um erro declarativo não é suscetível de alterar uma situação factual subjacente que resulte comprovada.

Por conseguinte do que se vem expondo, dá-se total procedência ao pedido do Requerente, de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, referente ao ano de 2018.

Assim sendo é de considerar ilegal, por violação de lei, o ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

 

  1. Pedido de reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

Veio ainda o Requerente pedir a condenação da Requerida no reembolso da quantia paga indevidamente, no montante de € 69.172, 81, acrescida de juros indemnizatórios.

A procedência do pedido de anulação do ato de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral tem por consequência vincular a AT nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui, para além da restituição do indevido, “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Igual consequência decorre do disposto no n.º 1 do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que estabelece “1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, que fixa o momento a partir do qual os mesmos são devidos, por erro imputável aos serviços (n.ºs 1 e 2) ou por “outras circunstâncias” (n.º 3), bem como a respetiva taxa (n.º 4) e a consequência do atraso na execução da sentença transitada em julgado (n.º 5).

Nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º, da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, com entrada em vigor no dia imediato ao da sua publicação e com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2011, “São também devidos juros indemnizatórios (…) d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.

Como consequência da anulação do ato de liquidação de IRS, o Requerente tem direito a ser reembolsado da quantia paga, no valor total de € 69.172, 81, bem como aos respetivos juros.

Face a todo o exposto e às invocadas normas legais, decide-se pela procedência do pedido do Requerente.

 

  1. Pedido de condenação da Requerida em custas de parte

Veio ainda o Requerente pedir a condenação da Requerida em custas de parte, mas o tribunal considera que não cabe na competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária a apreciação da referida pretensão. De resto, o Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária estabelece o regime de custas, não havendo lugar a reembolso, devolução ou compensação, a qualquer título, para além dos casos previstos no referido Regulamento e na legislação subsidiária aplicável (vd. artigo 6.º), na qual não está incluída a matéria atinente às custas de parte.

O que conduz à absolvição da Requerida nesta parte do pedido.

 

  1. Decisão

Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando-se a ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2022 ... de 2018 objeto do processo, condenando-se a Requerida a restituir à Requerente a quantia paga, no montante de € 69.172, 81, acrescida de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT.

Julgar improcedente o pedido do Requerente da condenação de custas de parte, absolvendo-se a Requerida nesta parte do pedido.

 

 

  1. Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 69.172, 81 (sessenta e nove mil cento e setenta e dois euros e oitenta e um cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada.

 

  1. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se

 

Lisboa, 10 de novembro de 2023

 

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Prof. Doutor Victor Calvete - Árbitro Presidente

 

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Rita Guerra Alves – Árbitro Relator

 

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Manuel Lopes da Silva Faustino - Árbitro Adjunto