Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 133/2021-T
Data da decisão: 2022-03-21  IRC  
Valor do pedido: € 253.262,13
Tema: IRC - Fundos de investimento não residentes. IRC. Retenção na fonte. Direito da União Europeia. Revisão oficiosa. Erro imputável aos serviços.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

         Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Rui Marrana e Dra. Maria da Graça Martins (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-05-2021, acordam no seguinte:

 

        

         1. Relatório

 

A... GMBH, na qualidade de entidade gestora do fundo de investimento imobiliário B..., com sede em ..., ..., ... Munique, Alemanha, titular do Número de Identificação Fiscal alemão ... (doravante “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação  actos de retenção na fonte respeitantes a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do período compreendido entre 1 de Agosto de 2016 e 31 de Julho de 2018, consubstanciados nas guias que se indicam no quadro que segue:

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O Requerente pede a anulação do indeferimento tácito no âmbito do procedimento de pedido de revisão oficiosa contra aqueles actos instaurado e ainda formula pedido de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 03-03-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 03-05-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21-05-2021.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que suscitou a excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, defendeu a sua improcedência e requereu a suspensão da instância até decisão pelo TJUE do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T.

Por despacho de 23-07-2021, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, mas podendo o Sujeito Passivo pronunciar-se sobre as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e sobre o pedido de suspensão da instância.

A Requerente pronunciou-se sobre a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, defendendo que ela não deve proceder.

A Requerente pronunciou-se também sobre o requerimento de suspensão da instância, dizendo, em suma, que ela não se justifica por não subsistirem dúvidas quanto à interpretação a conferir às normas de direito da União Europeia relevantes, designadamente os artigos 63.º e 65.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que já foram interpretadas por várias decisões arbitrais.

Por despacho de 14-09-2021, foi decidido suspender a instância até ser proferida pelo TJUE decisão no processo C-545/19, que tem por objecto a questão de Direito Europeu que é objecto do presente processo.

Em 17-03-2022, o TJUE proferiu decisão naquele processo C-545/19, tendo concluído que

 

«O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção».

 

Na sequência da decisão do TJUE foi decidida a cessação da suspensão da instância.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente é um Fundo de Investimento Imobiliário Especial que actua a coberto de um contrato celebrado entre a sua entidade gestora – qual seja, A...–, os investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários;
  2. Entre 2016 e 2020, a Requerente não dispunha de sede, direcção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais na Alemanha, nos termos do artigo 4.º da Convenção entre a República Portuguesa e a República Alemã para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital (“CEDT Portugal/Alemanha”), sendo aí considerada residente pela lei fiscal alemã e aí se encontrando sujeita e não isenta, sem possibilidade de opção, ao imposto alemão sobre o rendimento de sociedades (cópia dos certificados de residência emitidos pelas autoridades fiscais alemãs durante os períodos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, que constam do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral e do documento n.º 3 junto com o pedido de revisão oficiosa, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido):
  3. Nos anos de 2016 a 2020, a Requerente detinha participações directas na sociedade comercial portuguesa C..., S.A. (doravante designada por “C...”), designadamente, as seguintes :

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  1. Por força da detenção de tais participações, a Requerente auferiu dividendos no montante total bruto de € 1.278.776,54 no período compreendido entre 1 de Agosto de 2016 e 31 de Julho de 2018 (Documentos n.ºs 1 a 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. Os dividendos recebidos pela Requerente foram sujeitos a tributação em Portugal, tendo uma importância correspondente a € 191.816,48 sido objeto de retenção na fonte a título de IRC (Documentos n.ºs 1 a 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  3. Por força de contrato de financiamento celebrado com a C..., a Requerente auferiu juros no montante total bruto de € 409.637,68 no período compreendido entre 1 de Agosto de 2016 e 31 de Julho de 2018 (Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Os juros recebidos pela Requerente foram sujeitos a tributação em Portugal, tendo uma importância correspondente a € 61.445,65 sido objeto de retenção na fonte a título de IRC (Documentos n.ºs 1 a 3);
  5. Os dividendos, juros e retenções na fonte são os que constam do quadro que segue:

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  1. O imposto retido foi entregues nos cofres do Estado através das guias e nas datas que se referem no quadro que segue:

 

(artigo 5.º da Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira e documentos n.ºs 2 apresentados com o pedido de pronúncia arbitral e com o pedido de revisão oficiosa);

  1. A 03-08-2020, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra aqueles actos tributários de retenção na fonte (processo administrativo);
  2. Não foi proferida decisão sobre o pedido de revisão oficiosa até à data de 01-03-2021, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Excepção da intempestividade

 

Os actos de retenção na fonte foram praticados entre Setembro de 2016 e Julho de 2018 e a Requerente apresentou pedido de revisão em 31-07-2020.

O pedido não foi decidido até 30-11-2020, pelo que nesta data se formou indeferimento tácito, nos termos do artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, para efeitos de impugnação administrativa ou contenciosa.

  Optando a Requerente pela impugnação através de processo arbitral, o prazo aplicável é o de 90 dias, a contar da trada em que se formou o indeferimento tácito, como resulta do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, para que aquela alínea a) remete.

Iniciando-se o prazo de 90 dias em 01-12-2020 terminou em 28-02-2021, que é Domingo, pelo que o seu termo passa para o dia útil subsequente, por força do disposto no artigo 20.º, n.º 1, do CPPT, com remissão para o artigo 279.º do Código Civil, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 Assim, o termo do prazo para apresentar pedido de constituição do tribunal arbitral transferiu-se para 01-03-2021, primeiro dia útil subsequente ao dia 28-02-2021.

Foi precisamente em 01-03-2021 que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral, pelo que se tem de concluir que foi apresentado no prazo legal de 90 dias.

A questão que a Autoridade Tributária e Aduaneira coloca, alegando que o pedido de revisão foi apresentado no prazo da reclamação administrativa e que os eventuais erros dos actos de retenção na fonte não são imputáveis aos serviços para efeitos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, não tem a ver com a tempestividade da impugnação do indeferimento tácito, mas sim com a existência ou não de um hipotético fundamento de indeferimento do pedido, baseado na intempestividade da apresentação deste pedido de revisão, por, no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, poder não ser aplicável o prazo de quatro anos, previsto para os casos em que a revisão tem por fundamento erro imputável aos serviços.

No entanto, também sob esta perspectiva a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem razão, pois, como vem sendo entendido pacificamente pela jurisprudência dos tribunais superiores, constitui erro imputável aos serviços qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte, isto é, qualquer ilegalidade para a qual não tenha contribuído, por qualquer forma, o contribuinte através de uma conduta activa ou omissiva, determinante da liquidação, nos moldes em que foi efectuada. ( [1] )

A ilegalidade da retenção a fonte, quando não é  baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim «aos serviços» ( [2] ), devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Tributária na liquidação e cobrança do imposto ( [3] ).

A revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, em que se considerava imputável aos serviços o erro na autoliquidação, não tem qualquer relevo nesta matéria, desde logo  porque a retenção na fonte não é  uma autoliquidação. Por outro lado, dessa revogação apenas resulta que não se ficciona erro imputável aos serviços no caso de a liquidação ser feita pelo próprio contribuinte que suporta o imposto, mas não que se tenha de afastar a imputação do erro aos serviços quando há lugar a autoliquidação, o que pode suceder manifestamente nos casos em que foram seguidas orientações da Autoridade Tributária e Aduaneira, como de resto, se prevê no n.º 2 do artigo 43.º da LGT, para efeitos de responsabilidade  por juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que o erro não é imputável à Requerente, pelo que não havia obstáculo a que utilizasse o prazo de quatro anos, a contar de cada uma das retenções na fonte, para pedir a sua revisão, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Pelo exposto, improcede a excepção da intempestividade.

 

 

4. Matéria de direito

 

A Requerente é uma é uma pessoa coletiva de direito alemão, que está constituída como organismo de investimento coletivo (OIC), sendo sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, sendo residente na Alemanha, desde 2016 a 2020.

Entre 01-08-2016 e 31-07-2018, recebeu:

(i) dividendos, no total bruto de € 1.278.776,54, sujeitos a retenção na fonte em Portugal, no montante de € 191.816,48 (taxa de 15%) decorrente da participação de 100% (correspondente a 50.000 ações) que detinha na sociedade C..., S.A.; e

(ii) juros, no valor bruto de € 409.637,68, sujeitos a retenção na fonte, no valor de € 61.445,65, (taxa de 15%) resultante de um contrato de financiamento celebrado com a mesma sociedade.

 

Relativamente aos rendimentos referidos obtidos pela Requerente foi efectuada retenção na fonte a título liberatório, de harmonia com o previsto nos artigos 94.º, n.º 1, al. c), n.º 3, al. b), e n.º 5, à taxa prevista pelo art.º 87.º n.º 4, ambos do CIRC, limitada a 15%, em conformidade com o previsto nos artigos 10.º, n.º 2, e 11.º, n.º 2, alínea b), da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital, aprovada pela Lei n.º 12/82, de e 3 Junho (doravante “CDT”).

O artigo 87.º do CIRC estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 87.º

 

Taxas

 

(...)

 

4 - Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25 %, exceto relativamente aos seguintes rendimentos:

 (...)

 

O artigo 94.º do CIRC, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 94.º

 

Retenção na fonte

 

1 - O IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:

(...)

 c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade;

 

(...)

3 - As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, exceto nos seguintes casos em que têm caráter definitivo:

  (...)

b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis;

  (...)

 

O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de Janeiro estabelece o seguinte:

 

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo -os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando -se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil:

a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;

b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.

10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.

12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.

13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.

14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.

16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo -lhes ainda aplicável o disposto no Decreto -Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.

 

Nos termos do artigo 7.º daquele Decreto-Lei n.º 7/2015, «as regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015».       

No referido n.º 1 do artigo 22.º estabelece-se que o regime nele previsto é aplicável aos «fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional».

A Requerente é constituída ao abrigo da lei alemã e não da lei nacional, sendo por esse motivo que não lhe foi aplicado esse regime.

 

 

3.1. Posições das Partes

 

A Requerente defende, em suma, que do regime que se prevê no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes em relação aos residentes, que é incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que estabelece o seguinte:

 

Artigo 63.º

(ex-artigo 56.º TCE)

 

 

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

No entanto, o artigo 65.º do TFUE limita a aplicação deste princípio, estabelecendo o seguinte:

 

 

Artigo 65.º

(ex-artigo 58.º TCE)

 

 

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

 

a)  Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de  residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

 b)  Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras,  preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação  administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou  de segurança pública.

 2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao  direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

 3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de  discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos,  tal como definida no artigo 63.º.

 

 

Alega a Requerente o seguinte, em suma:

– por força do benefício fiscal atribuído aos organismos de investimento coletivo residentes (os quais, “se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”) pelo artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), a tributação de organismos de investimento coletivo não residentes afigura-se mais gravosa do que a tributação de idênticas entidades que residam em território nacional, o que reflecte uma violação da liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE;

– os organismos de investimento coletivo residentes estão sujeitos a tributação em Portugal, mas, por força do n.º 3 do artigo 22.º do EBF encontram-se desonerados de tributação em sede de IRC relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território nacional, designadamente quanto a rendimentos de capitais, e não há quanto a estes rendimentos retenção na fonte por força disposto no n.º 10 do mesmo artigo, o que é esclarecido na Circular n.º 6/2015, de 17-06-2015, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

– a Requerente, como não residente, não só se encontra sujeita a retenção na fonte nos termos gerais – contrariamente a entidades idênticas residentes em território nacional – como não está desonerada de tributação a final pela perceção de rendimentos de capitais nos termos do artigo 22.º, n.ºs 1 e 3, do EBF;

– a Requerente não dispõe de qualquer possibilidade de obviar à tributação dos rendimentos de capitais por si obtidos, na medida em que não é residente em território nacional, tendo-se constituído e operando nos termos e ao abrigo da legislação alemã;

– a não aplicação de um regime de exclusão de tributação semelhante ao previsto naquela disposição do EBF – na medida em que se funda exclusivamente no facto de a entidade beneficiária dos rendimentos de capitais não estar localizada em Portugal – consubstancia uma discriminação injustificada em função da nacionalidade (proibida, por isso, pelo artigo 18.º do TFUE) e, concomitantemente, em função do lugar da residência;

– na medida em que coloca as sociedades residentes em Portugal, que aufiram rendimentos de capitais junto de outras sociedades portuguesas, numa situação de vantagem relativamente às sociedades residentes noutros Estados-Membros da União Europeia que efetuem investimentos semelhantes, a discriminação assinalada é proibida pelo artigo 63.º do TFUE, constituindo uma restrição à liberdade de  circulação de capitais, sendo de aplicar em face da prevalência do direito da União Europeia, determinada pelo n.º 4 do artigo 8.º da CRP;

– a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE inclui todas as formas de investimento direto, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais, o que motiva que a doutrina venha considerando que a mesma engloba “(…) qualquer transferência de valores de um Estado para outro ou, no interior de cada Estado, qualquer transferência para um não residente”;

– o conceito de movimento de capital abrange toda e qualquer transferência de capital, onerosa ou não, de um Estado para outro, incluindo a associada a contratos de mútuo, investimentos de carteira, constituição de sucursais e filiais, operações sobre títulos transacionados no mercado de capitais, etc.;

– a partir do momento em que a Requerente, recebendo rendimentos de capitais de fonte portuguesa, se encontrava numa situação comparável à de um organismo de investimento coletivo situado em Portugal, deveria ter sido tratada de modo idêntico – princípio do tratamento nacional (cfr. artigo 18.º do TFUE) – ou seja, deveria ter-lhe sido concedido o benefício fiscal previsto no artigo 22.º, n.ºs 3 e 10, do EBF em termos equivalentes aos conferidos aos organismos de investimento coletivo constituídos ao abrigo da legislação portuguesa;

– não existe um motivo justificativo para a discriminação, em conformidade com o artigo 65.º do TFUE;

– as situações são comparáveis e não se mostra verificada qualquer razão imperativa de interesse geral, suscetível de justificar o tratamento discriminatório provocado pelo artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF com a consequente restrição ao exercício da liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE;

– para que um Estado-Membro possa invocar a necessidade de preservar a coerência do seu sistema fiscal é necessário que exista um nexo direto – por estar em causa, por exemplo, a mesma tributação – entre a exclusão de tributação concedida aos rendimentos percecionados por uma entidade residente e o facto de essa entidade ser residente em Portugal;

– não tem relevância a tributação dos organismos de investimento colectivos nacionais em sede de Imposto do Selo, uma vez que não se trata do mesmo imposto (ou sequer da mesma lógica tributária, não incidindo este tributo sobre o rendimento auferido pelo sujeito passivo, sendo antes apurado em função do valor líquido global do organismo);

– a retenção na fonte que incidiu sobre os rendimentos de capitais auferidos pela Requerente não é suscetível de ser justificada pela necessidade de preservação da coerência do sistema fiscal português;

– a exoneração de tributação dos organismos de investimento coletivo localizados em Portugal é absolutamente independente da possível tributação dos detentores de unidades de participação, não tendo sequer em consideração a situação fiscal destes últimos;

– a partir do momento em que determinado Estado-Membro sujeita a imposto os dividendos auferidos, nesse Estado-Membro, por um investidor não residente, a situação deste torna-se comparável à de um investidor residente;

–  o que torna a situação de um fundo de investimento não residente comparável à de um fundo de investimento residente é o exercício pelo Estado-membro da fonte do seu poder tributário, independentemente considerações a jusante sobre os participantes do OIC;

– os detentores das unidades de participação poderão nem ser, eles mesmos, residentes para efeitos fiscais em território nacional, de onde resulta a manifesta insignificância de tal hipotética consideração;

– uma situação análoga à ora suscitada já foi julgada pelo TJUE no acórdão Santander Asset Management SGIIC SA proferido em 10 de maio de 2012 nos processos n.ºs C-338/11 e C-347/11.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

 

– o regime em vigor desde 1-07-2015, concretiza a opção legislativa que teve em vista “aliviar” estes sujeitos passivos em matéria de tributação em IRC (n.º 3 do artigo 22.º), mediante a subtração ao lucro tributável dos rendimentos típicos dos OICs, isto é, rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS) conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, excepto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, a que acresce a isenção de derrama municipal e de derrama estadual (n.º 6 do artigo 22.º), mas, em contrapartida, sujeitá-los a uma tributação substitutiva entidades no domínio do Imposto do Selo;

– por via do citado decreto-lei foi aditada a Verba 29 à TGIS, que prevê a tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, o valor tributável (artigo 9.º, n.º 5 do CIS), além de incluir os investimentos de que provêm os dividendos e os juros pode incluir igualmente os dividendos e juros acumulados até à sua atribuição aos investidores ou detentores das unidades de participação;

–  tributação em Imposto do Selo apenas recai sobre os OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, o que significa que dela são excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira;

– os OIC abrangidos pelo artigo 22.º, n.º 1, às taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC (cfr., n.º 8 do artigo 22.º do EBF), que revela a intenção do legislador de subsumir os dividendos obtidos por estes organismos ao disposto no n.º 11 do referido artigo 88.º;

– os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso do Requerente, não estão sujeitos a tributação autónoma sobre os dividendos nem ao imposto do selo, portanto, não pode o Requerente pretender “a aplicação do benefício fiscal relativo a organismos de investimento coletivos localizados em território nacional – com a consequente dispensa de retenção na fonte – resultante do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF”, ignorando que os mesmos se encontram sujeitos a outras formas de tributação sobre idênticas realidades;

– embora a tributação em IRC (ou em IRS) dos rendimentos de capitais que afluem ao património dos OICs residentes apenas ocorra à saída, ou seja, quando atribuídos aos participantes, antes disso, entram no cômputo do valor tributável do imposto do selo, encargo que, naturalmente, é repercutido remuneração ou nos rendimentos pagos aos investidores, porquanto, é suportado pelos próprios OICs, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, alínea x), do Código do Imposto do Selo (CIS);

– além de entraram para a base tributável do imposto do selo os valores investidos em partes sociais e os financiamentos de que provêm aqueles rendimentos, enquanto estes rendimentos se mantiverem na esfera dos OICs também integram o valor tributável, nos termos do artigo 9.º, n.º 5 do CIS;

– sendo a finalidade do OIC unicamente permitir aos investidores aceder aos investimentos no mercado de valores mobiliários, em definitivo, apenas a sua perspetiva é determinante;

– a existir a possibilidade de imputação do imposto retido sobre os rendimentos obtidos pelo OIC em Portugal, naturalmente, a tributação não constitui um fator de dissuasão determinante nas opções de canalização de poupanças pelos investidores para os OICs que realizam investimentos financeiros em Portugal;

–  só pode concluir-se que o regime fiscal aplicável constitui uma restrição à livre circulação de capitais, se a diferença de tratamento relativamente aos OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF redunda num tratamento global menos favorável dos OICs não residentes;

– só é possível extrair uma tal conclusão sobre a existência de uma tratamento fiscal discriminatório desfavorável se, no que respeita aos juros e dividendos em causa, a tributação em IRC, por retenção na fonte, à taxa de 15%, em conformidade com os artigos 10.º e 11.º da CDT entre Portugal e a Alemanha, conduzir a que o Requerente suporte, a final, uma carga fiscal mais pesada em Portugal do que a imposta a um OIC residente, em imposto do selo, que se encontre na situação do Requerente (ou seja, com os mesmos ativos e rendimentos);

– É que tendo sido introduzida, pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, a tributação em imposto do selo do OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF como uma “compensação” pela não tributação em IR dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias, a pretensão do Requerente não pode cingir-se ao benefício da isenção do IRC sobre os dividendos e juros obtidos em território português, teria também de entrar em linha de conta com aquele imposto, caso contrário como bem observa a Advogada-Geral, nas Conclusões sobre o processo C-545/19, está a exigência “não um tratamento igual ao de um OIC estabelecido no território nacional, mas um tratamento preferencial. Ora, as liberdades fundamentais não visam favorecer a situação transfronteiriça mas «só» assegurar a igualdade de tratamento.”;

– sendo certo que o IRC e o imposto do selo são impostos diferentes, na verdade estão concatenados no regime fiscal especial dos OICs, já a tributação em imposto do selo “compensa” ou substitui a ausência de tributação em IRC;

– cabe reiterar que não foi cabalmente demonstrado que a tributação dos juros e dividendos, por retenção, na fonte à taxa de 15% (prevista na CDT) resulte sempre num encargo fiscal significativamente mais oneroso do Requerente do que o que se verificaria por efeito da aplicação do regime fiscal a que se encontram sujeitos os OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF;

– considerando, hipoteticamente, que seria esse o resultado apurado, ou seja, que a carga fiscal suportada pelo Requerente seria expressivamente superior à que recairia sobre um OIC residente que se encontrasse em situação idêntica, i.e., com os mesmos investimentos em ações e em financiamento, prefigurando a existência de uma restrição à livre circulação de capitais entre dois Estados-Membros da UE, haveria que analisar se a mesma é justificada;

– na apreciação da comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna para efeitos da aplicação da livre circulação de capitais, a jurisprudência do TJUE tem vincado que deve ser tido em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais em questão, bem como a sua finalidade e o seu conteúdo;

–  Do ponto de vista da tributação em função da capacidade, o imposto do selo tende a penalizar os OIC residentes porque estes têm de suportar um encargo fiscal mesmo que não obtenham nenhuns rendimentos. Daí também a taxa nominal muito baixa do imposto do selo. Em contrapartida, os OIC não residentes só são tributados, a título nominal mas significativamente mais elevado, se a sua capacidade financeira aumentar devido ao pagamento dos dividendos;

– acresce a isto que a tributação do património líquido global dos OICs residentes em imposto do selo recorta-se na lógica de tributação aplicável só a sujeitos passivos residentes, uma vez que, regra geral, só o Estado da residência reúne condições e dispõe de competência para determinar e tributar a globalidade do património;

– um contribuinte que detém uma parte não essencial dos seus ativos num Estado-Membro que não é o seu Estado de residência não se encontra geralmente numa situação comparável à de um residente nesse outro Estado-Membro. Isto aplica-se igualmente aos OIC”, ou seja, “81. (...) o objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa no processo principal, de aplicar a chamada tributação à saída dos investidores em OIC e de tributar só o património do OIC até à distribuição de dividendos, não pode ser atingido relativamente aos OIC não residentes;

–  na hipótese de o TJUE declarar que as situações em confronto são objetivamente comparáveis e que existe uma restrição à livre circulação de capitais, esta restrição, diferentemente do alegado pelo Requerente, é considerada devidamente justificada em razões imperiosa de interesse geral, como sejam, a salvaguarda da repartição do poder tributário entre os Estados-Membros, a prevenção da não tributação e a eficácia da cobrança e ainda a salvaguarda da coerência do sistema fiscal português, acrescentando ainda que a modalidade de tributação em imposto do selo é adequada e não ultrapassa o necessário para esse fim, ou seja, não é excessiva.

 

 

4.1. Apreciação da questão

 

A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63.º do TFUE, foi apreciada no citado acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, em que se concluiu que

 

O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

No texto do acórdão, para cuja fundamentação se remete, abordam-se as questões relevantes para atingir esta conclusão.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Assim, declara-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF,  na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia.

Assim, tem de se concluir que as retenções na fonte e o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

4. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios   

 

A Requerente pede reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.

Na sequência da anulação das retenções na fonte a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias retidas, o que é consequência da anulação.

         No que concerne a direito a juros indemnizatórios, o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:

 

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

 

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

 

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).          

 

No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.

         Como tem vido a entender o Supremo Tribunal Administrativo, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT». ( [4] )

         Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

         O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

         No caso em apreço, não tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado no prazo da reclamação graciosa (2 anos a contar da data do pagamento, nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do CIRC), não se está perante uma situação enquadrável na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, em que o pedido de revisão oficiosa é equiparável à reclamação graciosa, como se refere no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.

         Consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios com base nos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT, que pressupõem a existência de reclamação graciosa ou impugnação judicial tempestiva.

         Assim, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

Nestes termos, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios a partir de um ano a contar da data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa, isto é, a partir de 04-08-2021.

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, contados desde 04-08-2021, até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

 

            5. Decisão     

 

            De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Declarar ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia;
  2. Julgar procedente o pedido de anulação das retenções na fonte efectuadas através dos documentos que constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral e se indicam no quadro que segue:

 

  1.  Julgar procedente o pedido de reembolso das quantia pagas, no montante global de € 253.262,13 e condenar a Administração Tributária a pagar este montante à Requerente;
  2. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão e condenar a Administração Tributária a pagá-los a Requerente.

 

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 253.262,13, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 21-03-2022

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Rui Marrana)

 

 

(Maria da Graça Martins)



[1] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos:

– do Tribunal Central Administrativo Sul de 23-03-2017, processo n.º 1349/10.0BELRS;

– do Tribunal Central Administrativo Norte de 05-03-2020, processo n.º 00412/12.7BEPRT;

– do Tribunal Central Administrativo Sul de 05-11-2020, processo n.º 325/05.3BEALM.

[2] Os «serviços» são, na LGT, um conceito que não se restringe aos actos praticados pela Administração Tributária, como se depreende do n.º 2 do artigo 43.º e do actualmente revogado n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

De resto, há actos tributários que tanto podem ser praticados por entidades públicas como privadas, como sucede, por exemplo, com os emolumentos notariais e impostos cobrados por notários, que podem ser entidades públicas o privadas.

[3]  CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 256: «muito embora tanto em termos legais como em termos doutrinais a substituição tributária seja definida exclusivamente com referência ao contribuinte, o certo é que a figura da substituição não deixa, a seu modo, de se reportar também à Administração Fiscal. Efectivamente, no quadro actual da “privatização” da administração ou gestão dos impostos, o substituto tributário acaba, de algum do, por “substituir” também a Administração Fiscal na liquidação e cobrança dos impostos. O que, de algum modo,  não deixa de ser denunciado pela inserção sistemática dos deveres de retenção na fonte os quais aparecem integrados no Código do IRS no capítulo do pagamento e no Código do IRC no capítulo relativo à liquidação». 

ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016 (reimpressão): «Os deveres de retenção c entrega do tributo significam a delegação do exercício de uma atividade que em princípio deveria caber ao fisco, mas entende-se que o exercício destas funções no interesse público, não restringe desproporcionalmente o direito ao exercício de atividades privadas c por isso não é inconstitucional».

[4] acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 402/06