Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 505/2014-T
Data da decisão: 2015-03-17  Selo  
Valor do pedido: € 11.118,40
Tema: IS - Verba n.º 28 da TGIS / Propriedade vertical
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

1. A… (doravante designada por “Requerente”), contribuinte com o número de identificação fiscal (“NIF”) …, viúva, residente na Rua … Maia, apresentou, no dia 22 de Julho de 2014, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de tribunal arbitral de forma a serem declaradas ilegais as liquidações referentes a Imposto do Selo (“IS”), respeitantes ao exercício de 2013, nomeadamente as 1ª e 2ª prestações (infra detalhadas), e, bem assim, a 3ª prestação, a qual, à data do pedido de constituição do presente tribunal arbitral, ainda não tinha recebido, no montante total de € 11.118,40, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “ATA”).

 

       
   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A) Constituição do Tribunal Arbitral

2. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 10 de Setembro de 2014.

3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, e mediante comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 25 de Setembro de 2014.

B) História processual

4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade das liquidações de IS previamente mencionadas, no montante total de € 11.118,40.

5. As aludidas liquidações dizem respeito a um prédio situado na União de Freguesias de Lordelo do Ouro e Massarelos (inscrito na matriz predial da aludida freguesia), concelho do Porto, sob o artigo ..., constituído em regime de propriedade total e por 17 partes susceptíveis de utilização independente, sendo 16 destas destinadas à habitação e a outra a estacionamento e comércio (tal como resulta da informação anexada pela Requerente).

6. A ATA apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que os actos tributários em análise, por não violarem qualquer preceito legal ou constitucional, fossem mantidos na ordem jurídica.

7. Por despacho de 12 de Fevereiro de 2015, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, e no seguimento do requerido pela ATA, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

8. Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respectivos articulados, e fixou como prazo para a decisão arbitral o dia 20 de Março de 2015.

9. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas excepções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

10. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

II. Questão a decidir

11. A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, é a seguinte: por referência a prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, integrados por diversos andares e divisões susceptíveis de utilização independente (e com afectação habitacional), qual é o Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) relevante para efeitos do apuramento do IS a pagar nos termos da Verba n.º 28 da Tabela Geral do IS (“TGIS”).

12. Ou seja, visa o presente tribunal aferir se, tal como alega a Requerente, o montante a considerar é o VPT atribuído, individualmente, a cada uma das partes susceptíveis de utilização autónoma, ou, ao invés, o valor total resultante do somatório dos VPTs daquelas fracções autónomas, como sugere a Requerida.

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

13. Examinada a prova documental produzida, o tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

I. A Requerente é proprietária de um prédio urbano, inscrito na matriz predial da União de Freguesias de Lordelo do Ouro e Massarelos, concelho do Porto, sob o artigo ..., constituído em regime de propriedade total e por 17 partes susceptíveis de utilização independente, sendo 16 destas destinadas à habitação e a outra a estacionamento e comércio.

II. O VPT individual de cada uma das fracções autónomas é o seguinte:

 

       
   
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

III. A Requerente, por respeito ao exercício de 2013 (e em resultado do exposto na Verba n.º 28 da TGIS), recebeu as notas de liquidação da ATA, mencionadas supra, referentes à primeira e segunda prestações de IS, no montante total de € 7.412,32.

IV. Da mesma forma, se espera uma terceira liquidação, ainda por respeito ao mesmo exercício, no montante de 3.706,08.

14. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

15. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

IV. Do Direito

A) Quadro jurídico

16. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interprete os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos.

17. A sujeição a IS dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS, efectuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

18. A aludida lei aditou, igualmente, no Código do IS, o n.º 7 do artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.

19. Neste contexto, e tendo em consideração a indicação supra, debrucemo-nos, agora, sobre o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”).

20. Primeiramente, atente-se ao artigo 2.º, n.º 4 do Código do IMI que nos diz que “para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.

21. Por sua vez, o n.º 3 do artigo 12.º do Código do IMI, estabelece que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

22. Assim, é no presente quadro jurídico que importa decidir se, nos casos em que a propriedade horizontal de um prédio urbano com diversas fracções autónomas não se encontra constituída, o VPT, para efeitos da Verba n.º 28 da TGIS, é calculado, individualmente, i.e. por fracção susceptível de ser utilizada autonomamente, ou, alternativamente, apurado mediante o somatório dos VPTs daquelas fracções.

B) Argumentos das partes

23. A este respeito, a Requerente no seu pedido alegou, em síntese, o seguinte:

24. “A sujeição a imposto do selo dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da verba 28 da TGIS, efectuada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10 (…)”.

25. Desta forma, no entendimento da Requerente, estão sujeitos a tributação os prédios urbanos que, de forma exclusiva, tenham afectação habitacional e cujo VPT constante da matriz onde se encontram inscritos, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

26. Já quanto ao conceito de “prédio com afectação habitacional”, a ora Requerente considera que, não obstante a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, em nada contribuir para a sua desmistificação, o artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS esclarece que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à Verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.

27. Portanto, é no âmbito do Código do IMI que a Requerente entende que, “na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina(sublinhado nosso).

28. Contudo, para a Requerente, da leitura das normas por si transcritas, não é possível saber o “que o legislador pretendeu dizer quando fala em «prédio com afectação habitacional» e, nomeadamente, se a AT, deverá ter em conta o VPT da totalidade do prédio ou apenas o VPT da fracção ou divisão susceptível de utilização independente”.

29. Neste contexto, na opinião da Requerente, “importa indagar então, qual a ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro”.

30. Tendo, dessa forma, feito uma análise à discussão realizada na Assembleia da República, sobre a proposta de lei n.º 96/XII (2ª), proposta que deu origem a referida lei, e bem, assim, à exposição de motivos da mesma (proposta de lei).

31. Neste sentido, concluiu a Requerente que “dúvidas não surgem de que o legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributivas os prédios urbanos, com afectação habitacional, de elevado valor (…) pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade (…)”.

32. Pelo que, “claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (…) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal”.

33. Em paralelo, a ora Requerente chama, igualmente, atenção para o facto do presente assunto ter que ser analisado à luz dos princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade, com vista a perceber qual o tratamento dado pelo Código do IMI em situações semelhantes, “nomeadamente a incidência do imposto no que concerne aos prédios constituídos em propriedade horizontal”.

34. Concluindo a ora Requerente que, “considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo”.

35. Até porque, no seu entendimento, foi também esse o critério adoptado pela ATA, uma vez que a “liquidação emitida por esta é muito clara nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada divisão independente e a liquidação individualizada sobre a parte do prédio correspondente a essa mesma divisão.

Acresce que a AT também retirou do total do VPT do prédio as divisões que não se destinam à habitação, mostrando, mais uma vez, que o prédio é tributado não como um só, mas por partes”.

36. Desta forma, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade “dos actos de liquidação do imposto de selo – 1.ª e 2.ª prestação – da presente impugnação e a respectiva anulação, com todas as consequências legais, nomeadamente, a restituição à requerente do montante pago indevidamente (…)”.

37. Paralelamente, a Requerente solicitou também que fossem “declarados ilegais os actos de liquidação do imposto do selo – 3.ª prestação – referentes ao mesmo período, com todas as consequências legais, nomeadamente, a restituição à requerente do montante que venha a pagar indevidamente (…)”.

38. E, por último, pediu ainda a Requerente que fossem igualmente pagos “juros indemnizatórios, nos termos do disposto no art. 43ª, n.º 1 da LGT e 61º do CPPT, calculados desde as datas dos pagamentos até ao reembolso do montante indevidamente pago”.

39. Por seu turno, a Requerida, depois de devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual, em síntese, alegou o seguinte:

40. A Requerente suporta o seu pedido de pronúncia arbitral no facto de que o critério para a tributação das partes autónomas dos prédios em propriedade vertical ter de assentar nos mesmos moldes que a tributação dos prédios em propriedade horizontal.

41. De facto para a Requerida, a “ora requerente pretende é que a AT considere que, para efeitos de liquidação do presente imposto, exista analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal, já que não deve existir discriminação no tratamento jurídico-fiscal destes dois regimes de propriedade por ser ilegal” (sublinhado nosso).

42. Contudo, na opinião da Requerida, não há necessidade de aplicar tal analogia, uma vez que “a lei fiscal não comporta qualquer lacuna! Determina o CIMI, para o qual a citada verba remete, que no regime da propriedade horizontal as fracções constituem prédios. Não estando o prédio submetido a este regime, juridicamente as fracções são partes susceptíveis de utilização independente, sem que haja partes comuns”.

43. Desta forma, entende a ora Requerida que, para efeitos da Verba 28 da TGIS, não se pode aceitar “que as partes susceptíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das fracções autónomas do regime da propriedade horizontal”.

44. Paralelamente, na opinião da Requerida, a unidade de determinado prédio urbano, constituído em propriedade vertical, não é posta em causa quando o mesmo é composto por andares ou divisões com possibilidade de terem uma utilização económica independente.

45. De facto, citando a Requerida, “tal prédio não deixa pelo facto de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal”.

46. Parece, ao presente tribunal, que é claro para a Requerida que os institutos da propriedade horizontal e da propriedade vertical são realidades autónomas e distintas.

47. A Requerida termina a sua resposta afirmando que “o facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. ao consistir na propriedade, de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do C.I.M.I., seja igual ou superior a € 1.000.000, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente”.

48. Portanto a Requerida entende que as liquidações por si promovidas resultam de uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, pedindo, dessa forma, que a pretensão aduzida pela Requerente seja julgada improcedente.

C) Apreciação do tribunal

49. No entendimento do presente tribunal, e tendo em consideração o quadro jurídico previamente apresentado, a proposição normativa essencial a ter em consideração para a decisão do caso é a que resulta da Verba n.º 28 da TGIS.

50. Refira-se, igualmente, que, aos olhos do tribunal arbitral, a questão decidenda prende-se, exclusivamente, com matéria de direito, nomeadamente compreender, para efeitos da aplicação da aludida verba, como se apura o VPT relevante.

51. Em primeiro lugar, esclareça-se que é claro, à letra da lei, que o VPT a considerar, para efeitos da aplicação da Verba n.º 28 da TGIS, só pode ser o que é apurado no âmbito do Código do IMI.

52. É, aliás, isto que nos diz, ipsis verbis, a referida verba “(…) cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00” (sublinhado nosso).

53. Assim sendo, atente-se, uma vez mais, ao que decorre do artigo 2.º, n.º 4 do Código do IMI que nos diz que “para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.

54. Reforçado, não obstante, pelo artigo 12.º, n.º 3 do mesmo Código, o qual estabelece que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

55. Conclui-se, assim, que, para efeitos do cálculo do IMI a pagar, o VPT é considerado, individualmente, para cada andar ou parte susceptível de utilização independente.

56. E se este é o método de apuramento seguido para o IMI, terá necessariamente que ser o modelo igualmente aplicado no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS, nos termos que supra se explanaram.

57. Não obstante, e caso as dúvidas suscitadas ainda subsistam, o presente tribunal apoia-se em algumas decisões arbitrais previamente proferidas, que abordaram o assunto em análise.

58. Assim, primeiramente, atentemos na decisão n.º 50/2013-T, de 29 de Outubro, que dispõe o seguinte.

59. “A Lei n.º 55-A/2012 nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de «prédio com afectação habitacional». No entanto o artigo 67.º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI».

A norma de incidência refere-se, pois, a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.

Consultado o CIMI verifica-se que o seu artigo 6º apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (…)

Daqui podemos concluir que, na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio. Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

(…)

Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente»” (sublinhado nosso).

60. Ou seja, tendo em consideração que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, para efeitos do Código do IMI, segue as mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não parece, ao presente tribunal, que exista qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo.

61. Neste contexto, se a lei exige, relativamente ao IMI, a emissão de notas de liquidação individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, exigirá, nos mesmos termos, relativamente à regra de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.

62. Pelo que, o IS, no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS, só poderia incidir em determinada fracção se esta, eventualmente, tivesse um VPT superior a €1.000.000,00.

63. E, mais se diga, que foi esse inclusive o entendimento adoptado pela ATA.

64. Com efeito, esta (ATA) também emitiu notas de liquidação individualizadas, referentes a cada um das fracções susceptíveis de utilização autónoma, demonstrando que, na sua opinião, as aludidas fracções, apesar de juridicamente não constituídas em propriedade horizontal, seriam, para todos os efeitos, independentes entre si.

65. Todavia, olvidou a ATA que não poderia, em virtude do enquadramento previamente vertido, proceder ao somatório dos VPTs individuais das fracções previamente mencionadas, almejando um valor que já caísse na base de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.

66. Isto quando o próprio legislador estabeleceu uma regra diferente no âmbito do Código do IMI que, tal como previamente referido, é o código aplicável às matérias não reguladas no Código do IS, no que se refere à Verba n.º 28 da TGIS.

67. Resumindo, o critério estabelecido pela ATA de considerar o valor do somatório dos VPT individuais atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, servindo-se do facto de que o prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra, aos olhos do presente tribunal, sustentação legal, sendo, nomeadamente, contrário ao critério aplicável em sede de IMI e, por remissão (nos termos mencionados supra), em sede de IS.

68. Neste contexto, considera o presente tribunal que o critério defendido pela ATA viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, e, bem assim, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.

69. Paralelamente, note-se que o artigo 12º, n.º 3 do Código do IMI não efectua qualquer distinção quanto ao regime dos prédios que se encontrem em propriedade horizontal ou vertical.

70. Como tal, e uma vez que se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto, a ATA não pode tratar situações materialmente iguais de forma diferente.

71. A este respeito, veja-se aquilo que foi dito a propósito deste tema na Decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 132/2013-T, de 16 de Dezembro, entendimento que o presente tribunal acolhe.

“Com efeito, não faz sentido distinguir na lei aquilo que a própria lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).

Acresce que distinguir, neste contexto, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e em propriedade total seria uma «inovação» sem um suporte legal associado, até porque, como se tem aqui afirmado, nada denuncia, nem na verba n.º 28, nem no disposto no CIMI, uma justificação para essa particular diferenciação.

Note-se, exemplarmente, o que diz o artigo 12.º, n.º 3, do CIMI: cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.

O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afectação habitacional, possua um VPT superior a €1.000.000,00.

Fixar como valor de referência para a incidência do novo imposto o VPT global do prédio em causa, como pretendia a ora requerida, não encontra base na legislação aplicável, que é o CIMI, dada a remissão feita pelo citado artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS.

(…)

Acresce, ainda, que admitir a diferenciação de tratamento poderia produzir resultados incompreensíveis do ponto de vista jurídico e atentatórios dos objectivos que o legislador dizia ter para aditar a verba n.º 28. A título exemplificativo, suponha-se a seguinte hipótese, que parece plausível à luz da interpretação que foi feita pela ora requerida: um cidadão que é proprietário de um prédio constituído em propriedade total destinado a habitação, sendo o valor global das unidades autónomas igual ou superior a €1.000.000,00 e o VPT de cada uma inferior a €1.000.000,00, sujeita-se a uma tributação anual de 1% desse valor (como sucedeu na situação em análise); já um outro cidadão que detenha um prédio com as mesmas exactas características do anterior mas que tenha sido constituído em propriedade horizontal, sendo, igualmente, o valor global das fracções autónomas igual ou superior a €1.000.000,00 e o VPT de cada uma inferior a €1.000.000,00, não será sujeito a tributação nos termos da mencionada verba n.º 28.

Por outro lado, poder-se-ia perguntar: se tais fracções têm o mesmo proprietário, por que é que não faz sentido agregar, para efeitos de tributação, os respectivos VPTs? A resposta pode ser ilustrada através de uma outra hipótese: um cidadão que é proprietário de um prédio em propriedade horizontal, em que cada uma das suas 20 fracções possui um VPT inferior a €1.000.000,00, seria sujeito a tributação se – caso se admitisse tal agregação – o VPT global ultrapassasse aquele valor; já um outro cidadão com idênticas 20 fracções distribuídas por 5, 10 ou 20 prédios não estaria sujeito a qualquer tributação nos termos da referida verba n.º 28.

Se esta linha de raciocínio faz sentido – justificando-se, portanto, a não agregação dos VPTs das fracções de prédios em propriedade horizontal –, não se vê razão plausível para que a mesma não seja aplicada às unidades autónomas de prédios em propriedade total.

Observando, agora, o caso em análise, constata-se que os VPTs dos andares (unidades autónomas) do prédio com afectação habitacional variam entre (…), pelo que qualquer um deles é inferior a €1.000.000,00.

Daqui se conclui, em resultado do que foi referido, que sobre os mesmos não pode incidir o IS a que se refere a verba n.º 28 da TGIS, sendo, portanto, ilegais os actos de liquidação impugnados pelo requerente" (sublinhado nosso).

72. Um último ponto que interessa destacar (não obstante o prévio enquadramento ser bastante para reconhecer a ilegalidade dos actos de liquidação praticados pela ATA), assenta no entendimento preconizado, quer pelo legislador quer pelo próprio governo, aquando do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS.

73. A este respeito, foquemo-nos agora na decisão arbitral proferida no âmbito do processo
n.º 48/2013-T, de 9 de Outubro, que analisa, de forma extensiva, o objectivos subjacentes ao aditamento da aludida verba.

74. “A Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí que da mesma não é possível retirar a intenção do legislador.

Tal lei da Assembleia da República teve origem na proposta de lei nº 96/XII (2ª), a qual, na exposição de motivos fala na introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.

Na exposição de motivos da referida proposta de lei, é dito que, «estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa».

Nessa exposição de motivos é ainda dito que, além do agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, é criada uma taxa em sede de imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.

Ou seja, em tal exposição de motivos, também não é clarificado o que se entende por prédios urbanos com afectação habitacional.

Na sua intervenção na Assembleia da República, na apresentação e discussão da referida proposta de lei, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou o seguinte:

«O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.

No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.

Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.

Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.

Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.

Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de sectores da sociedade portuguesa.

Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.

Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013»”.

75. De seguida, cumpre reunir as conclusões que permitam, sem margem para dúvidas, decidir sobre o tema em discussão (ou seja se, para efeitos da aplicação da Verba n.º 28 da TGIS, nos casos em que um prédio com várias fracções autónomas, susceptíveis de utilização independente, não se encontre constituído em propriedade horizontal, o VPT relevante é apurado mediante o somatório dos VPTs individuais, ou, alternativamente, é individualmente considerado).

76. Neste sentido, refira-se, em primeiro lugar que a presente temática está, desde logo por força do artigo 67.º, nº 2 do Código do IS, sujeita às normas do Código do IMI, “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.

77. Como tal, e como já tantas vezes se mencionou, no entendimento do presente tribunal, o mecanismo para o apuramento do VPT relevante para efeitos da aludida verba, é o que se encontra estatuído no Código do IMI.

78. Ora, o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI estabelece que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

79. Desvalorizando o legislador, nos termos anteriormente mencionados, qualquer prévia constituição de propriedade horizontal ou vertical.

80. Com efeito, para este (legislador), o que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

81. Refira-se que a própria ATA parece concordar com o critério exposto, razão pela qual as liquidações que a própria emite são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada um dos andares e as liquidações individualizadas.

82. Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.

83. Assim, só haveria lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a
€ 1.000.000,00.

84. Não podendo a ATA considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio (i.e., o somatório de todas as fracções com afectação habitacional), quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de IMI (e, tal como anteriormente mencionado, este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28 da TGIS).

85. Em conclusão, o regime jurídico actual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, pelo que a actuação da ATA traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.

86. De facto, não pode a ATA distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103º da Constituição da República Portuguesa, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.

87. No caso em apreço, o prédio em causa encontra-se constituído em propriedade vertical e contém 17 fracções com utilização independente (das quais 16 têm afectação habitacional), como ficou provado supra.

88. Dado que nenhuma dessas fracções, individualmente consideradas, tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência.

IV. Decisão

89. Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal e anular as liquidações de IS supra mencionadas, por referência a 2013, das quais resultou imposto a pagar no montante de € 11.118,40, respeitante à tributação de prédios urbanos com VPT igual ou superior a €1.000.000, nos termos do disposto na Verba n.º 28 da TGIS, devendo a Requerente ser reembolsada da quantia já paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT;

B) Condenar a Requerida nas custas do processo.

V. Valor do processo

90. Fixa-se o valor do processo em € 11.118,40, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

VI. Custas

91. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 17 de Março de 2015

 

O Árbitro

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(Sérgio Santos Pereira)