Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 500/2014-T
Data da decisão: 2015-02-23  Selo  
Valor do pedido: € 339.210,28
Tema: IS – verba 28; terreno para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

REQUERENTE: A - ..., S.A em representação de B - ... e outros

REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

Acórdão Arbitral[1]

 

 

Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos e Dr. Alberto Amorim Pereira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 25 de Setembro de 2014, acordam no seguinte:

 

 

I - RELATÓRIO

 

 

A)    As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral

 

 

1.      B - ....  (“B”), com o NIF …, C. (“C”), com o NIF …, D (“D”), com o NIF …, e E – ... (“E”), com o NIF …, todos com sede na Avenida … Lisboa, representados nos autos pela sociedade gestora A - ..., S.A., com o NIF … e igualmente com sede na Avenida … Lisboa, doravante designada “Requerente”, apresentaram o presente pedido arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março e requereram a constituição de tribunal arbitral colectivo para decisão do presente pedido arbitral.

 

2.      A Requerente apresenta o seu pedido com vista à declaração da ilegalidade de 45 atos de liquidação de Imposto do Selo, referentes ao ano de 2013, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo (“TGIS”), que juntou em anexo ao pedido arbitral. As liquidações impugnadas respeitam aos seguintes:

a)         Prédio inscrito sob o artigo matricial …, da freguesia …, concelho de … e distrito do Porto (cf. Documentos 1 a 3);

b)         Prédio inscrito sob o artigo matricial …, da freguesia …, concelho de … e distrito do Porto (cf. Documentos 4 a 6.

c)         Prédio inscrito sob o artigo matricial …, da união das freguesias de … e …, concelho de … e distrito de Lisboa (cf. Documentos 7 a 9);

d)        Prédio inscrito sob o artigo matricial …, da união das freguesias de … e …, concelho do … e distrito de Setúbal (cf. Documentos 10 a 12);

e)         Prédio inscrito sob o artigo matricial …, da união das freguesias de … e …, concelho do … e distrito de Setúbal (cf. Documentos 13 a 15);

f)         Prédio inscrito sob o artigo matricial …, da união das freguesias de … e …, concelho do … e distrito de Setúbal (cf. Documentos 16 a 18);

g)         Prédio inscrito sob o artigo matricial …, da união das freguesias de … e …, concelho do … e distrito de Setúbal (cf. Documentos 19 a 21);

h)         Prédio inscrito sob o artigo matricial …, da união das freguesias de … e …, concelho do … e distrito de Setúbal (cf. Documentos 22 a 24);

i)          Prédio inscrito sob o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de … e distrito do Porto (cf. Documentos 25 a 27);

j)          Prédio inscrito sob o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de … e distrito de Lisboa (cf. Documentos 28 a 30);

k)         Prédio inscrito sob o artigo matricial …, da freguesia de ..., concelho de ... e distrito de Lisboa (cf. Documentos 31 a 33);

l)          Prédio inscrito sob o artigo matricial …, da freguesia de ..., concelho de ... e distrito de Lisboa (cf. Documentos 34 a 36);

m)        Prédio inscrito sob o artigo matricial …, da freguesia de ..., concelho de ... e distrito de Lisboa (cf. Documentos 37 a 39);

n)         Prédio inscrito sob o artigo matricial …, da freguesia da …, concelho e distrito do Porto (cf. Documentos 40 a 42),

o)         Prédio urbano inscrito sob o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de … e distrito do Funchal (Cfr. Documentos 43 a 45).

 

3.      As liquidações impugnadas, que se dão por integralmente reproduzidas, constam dos documentos nºs 1 a 45, juntos em anexo ao pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 23/07/2014. A Requerente conclui o seu pedido arbitral peticionando a anulação das impugnadas liquidações de imposto.

 

4.      Apresentado o pedido de constituição do Tribunal Arbitral em 23/07/2014, o mesmo foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº 1, do artigo 6º do RJAT, foram designados, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo.

 

5.       A nomeação foi aceite e as partes, notificadas da aceitação, não recusaram a designação, nos termos previstos nas alíneas a) e b), do nº1, do artigo 11º, do RJAT, conjugado com o disposto nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228º, da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 25 de Setembro de 2014.

 

6.      Em 2/10/2014, foi a Requerida “AT” notificada, nos termos do disposto no artigo17º do RJAT, para apresentar resposta no prazo legal, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2, artigo 17º, do RJAT. A 3/11/2014 AT juntou aos autos a sua Resposta.

 

7.      Por despacho arbitral proferido em 3/ 11/2014 foram as partes notificadas da dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, por se tratar de matéria exclusivamente de direito, não se verificando qualquer controvérsia quanto à matéria de facto, não existirem excepções cujo conhecimento do tribunal tenha sido requerido e, por último, ter sido requerida a dispensa pela ATA, com a apresentação da resposta.

 

8.      Foi fixado prazo para apresentação de alegações pelas partes, que as apresentaram em 14/11/2015. O processo prosseguiu para decisão final. Por despacho de 03/02/2015, foi alterada a data inicialmente fixada, por lapso, passando a fixar-se a data para proferir a decisão arbitral até 24/03/2015.

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE

 

9.      A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade e consequente anulação, dos actos de liquidação de Imposto de Selo, referentes ao ano de 2013, no montante global de €339.210,28 com referência aos prédios urbanos supra descritos, os quais se qualificam como terrenos destinados a construção, com fundamento no disposto no art. 10º, nº1 e 2 do RJAT. Os prédios e as respectivas liquidações de imposto encontram-se devidamente identificados nos documentos nºs 1 e 45, que aqui se dão por reproduzidos.

 

10.  Fundamenta o seu pedido na ilegalidade da liquidação de imposto de selo por considerar, em síntese, que os prédios em causa enquanto terrenos para construção não devem ser considerados como "prédios com afectação habitacional", nos termos e para os efeitos do disposto na verba 28.1 da Tabela geral ao Código do imposto de Selo, na versão introduzida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

11.  Assim, as liquidações impugnadas, emitidas ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS, são ilegais, por violação do disposto nos artigos 2º, nº 4, 23º, nº 7 e 44º, nº 5 do Código do Imposto do Selo e do disposto nos artigos 6.º, 41.º e 45.º do Código do IMI. Alega ainda que a entrada em vigor da Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2014) alterou a redacção da verba 28.1 da TGIS, reconheceu implicitamente que até ao dia 1/01/2014, não havia norma de incidência que permitisse a cobrança de imposto de selo no caso dos terrenos para construção. Isso mesmo se extrai da nova redacção daquele normativo legal, a saber: “28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do Código do IMI.”

 

Invoca, ainda, numerosa jurisprudência arbitral e do Supremo Tribunal Administrativo, em reforço da posição que sustenta nos presentes autos.

 

 

B)    – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

 

12.  A Requerida alega na sua resposta, em síntese, que não assiste razão à Requerente. A Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA), defende na sua resposta a legalidade das liquidações por entender que as mesmas obedecem à letra da lei e que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações deve ser julgado improcedente, com a sua absolvição do pedido.

Defende que a afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, prevista nos artigos 41º e 45º do CIMI. Invoca ainda outros argumentos em torno do conceito de prédio habitacional, como melhor consta da resposta apresentada que se dá por integralmente reproduzida.

 

Conclui, pela improcedência do pedido arbitral, pugnando pela legalidade dos actos tributários impugnados e pela absolvição da Requerida no pedido.

 

 

 

 

D) DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

13.  O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

14.  As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se devidamente representadas (artigos 4º e 10º, nº 2, do DL nº 10/2011 e artigo 1º, da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março).

 

15.  A legitimidade da ora Requerente enquanto entidade gestora dos fundos imobiliários proprietários dos imóveis referenciados nos autos, resulta dos poderes que assume enquanto entidade gestora e representante dos mencionados fundos e está devidamente fundamentada nos autos.

 

16.  Quanto à cumulação de pedidos pretendendo-se a apreciação conjunta da ilegalidade das 45 liquidações de Imposto de Selo, relativas ao ano de 2013, apesar de constituírem actos autónomos, verificando-se os pressupostos exigidos pelo disposto no nº 1, do artigo 3º, do RJAT e artigo 104º do CPPT, é de admitir a cumulação. Assim, aceita-se no mesmo pedido arbitral a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade de todos os actos tributários de liquidação de imposto de selo dada a identidade do imposto, apesar de versarem sobre prédios distintos, porquanto a entidade Requerente é a mesma e a apreciação dos actos tributários em causa depende da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da aplicação das mesmas regras de direito.

 

17.  O processo não enferma de nulidades que o invalidem e não foram suscitadas excepções que obstem ao julgamento do mérito da causa, pelo que o Tribunal está em condições de proferir a decisão arbitral.

 

II. QUESTÃO A DECIDIR

 

18.  Atendendo às posições das Partes assumidas nos argumentos apresentados, ao Tribunal cumpre decidir a questão de saber se é ou não conforme à lei em vigor no ano em que ocorreram os factos tributários que deram origem às liquidações a incidência de imposto do selo, nos termos previstos na verba 28.1 contidas na Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) ao caso concreto dos prédios urbanos identificados nos autos, caracterizados como terrenos para construção, devidamente descritos nos autos.

 

 

III – MATÉRIA DE FACTO

 

A)    Factos provados

 

19.  Como matéria de facto relevante para a decisão a proferir, o Tribunal considera provados os seguintes factos:

a)      A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à gestão dos fundos imobiliários proprietários dos imóveis referenciados nas liquidações de imposto de selo impugnadas nos autos;

b)      Os Fundos aqui representados pela sociedade gestora Requerente, no âmbito da sua atividade, são proprietários de diversos prédios, incluindo prédios habitacionais, comerciais e terrenos para construção;

c)      No ano de 2013 os fundos foram notificados dos atos liquidação de Imposto do Selo de 2013 sub judice, referentes a prédios inscritos na matriz como “terrenos para construção” e emitidos ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, a saber:

 

a.      O Fundo designado por “B” foi notificado dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo n.º 2014 …, n.º 2014 … e n.º 2014 …, no montante total de € 10.621,83, reportados ao ano 2013 (1.ª, 2.ª e 3.ª prestações) e referentes ao prédio inscrito na matriz sob o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de … e distrito do Porto; foi igualmente notificado dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo n.º 2014 …, n.º 2014 … e n.º 2014 …, no montante de € 11.811,89, reportados ao ano 2013 (1.ª, 2.ª e 3.ª prestações), referentes ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de ... e distrito do Porto – Cfr., respectivamente, documentos nºs 1 a 3 e 4 a 6 juntos em anexo à PI.

 

b.      O Fundo designado por “C” foi notificado dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo a seguir discriminados:

 

                                                              i.      liquidações n.º 2014 …, n.º 2014 … e n.º 2014 …, referentes ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo matricial …, da união das freguesias de … e …, concelho de … e distrito de Lisboa;

                                                            ii.      liquidações n.º 2014 …, n.º 2014 … e n.º 2014 … referentes ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo matricial …;

                                                          iii.      liquidações n.º 2014 …, n.º 2014 … e n.º 2014 …, referentes ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo matricial …;

                                                          iv.      liquidações n.º 2014 …, n.º 2014 … e n.º 2014 …, referentes ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo matricial …;

                                                            v.      liquidações n.º 2014 …, n.º 2014 … e n.º 2014 …, referentes ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo matricial …;

                                                          vi.      n.º 2014 … e n.º 2014 … e  n.º 2014 …, referentes ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo matricial …, todos (ii a vi) da união das freguesias de ... e …, concelho do ... e distrito de Setúbal;

                                                        vii.      liquidações nº n.º 2014 …, n.º 2014 … e n.º 2014 …, referentes ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de … e distrito do Porto;

                                                      viii.       liquidações n.º 2014 …, n.º 2014 … e n.º 2014 …, referentes ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo matricial …;

                                                          ix.      n.º 2014 … e liquidações n.º 2014 … e n.º 2014 …, referentes ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo matricial …;

                                                            x.       liquidações n.º 2014 …, n.º 2014 … e n.º 2014 …, referentes ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo matricial …;

                                                          xi.      liquidações n.º 2014 …, n.º 2014 … e n.º 2014 …, referentes ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo matricial …, todos (vii a xi) da freguesia de ..., concelho de ... e distrito de Lisboa - Cfr. respectivamente, documentos nºs 7 a 39 juntos em anexo à PI.

 

c.       O Fundo designado por “D” foi notificado dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo n.º 2014 …, n.º 2014 … e n.º 2014 …, reportados ao ano 2013 (1.ª e 2.ª prestações) e referentes ao prédio inscrito na matriz sob o artigo matricial …, da freguesia da …, concelho e distrito do Porto – Cfr. documentos nºs 40 a 42, juntos em anexo à PI.

 

d.      O Fundo designado por ”E” foi notificado dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo n.º 2014 …, n.º 2014 … e n.º 2014 …, referentes ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de … e distrito do Funchal – Cfr. documentos nºs 43 a 45 juntos em anexo à PI.

d)     As liquidações de Imposto do Selo em apreço são todas referentes ao ano 2013, e resultam (alegadamente) da aplicação do artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo, conjugada com a verba 2.28 da respetiva Tabela Geral e com o artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

e)      Resulta das respectivas cadernetas prediais juntas aos autos como documentos nºs 46 a 60, que os prédios objeto das liquidações de Imposto do Selo impugnadas estão inscritos na matriz como “terrenos para construção”.

f)       Os Fundos aqui representados pela sociedade gestora Requerente procederam ao pagamento dos atos tributários referentes às 1.ªs prestações de imposto, no valor total de € 113.069,82 – cfr. Documentos 61 a 75;

g)      Todas as liquidações de imposto de selo impugnadas tinham como data limite para pagamento o dia 30/04/2014 e totalizam globalmente o valor de €339.210,28, como resulta dos documentos nºs 1 a 45 juntos aos autos pela Requerente;

h)      Os Prédios urbanos descritos nos presentes autos não tinham, em 2013, qualquer construção edificada.

i)        Em 23-07-2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral (sistema informático do CAAD), para impugnação da liquidação de imposto.

 

B)    Factos não provados

 

20.  Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.

 

C)     Fundamentação da matéria de facto provada

 

21.  Os factos provados, nos termos supra descritos, têm por base a prova documental que as Partes juntaram ao presente processo e baseiam-se nos documentos indicados para cada um dos pontos, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas.

 

 

IV – MATÉRIA DE DIREITO

 

22.  Fixada a matéria de facto, importa conhecer da única questão de direito em discussão nos presentes autos, correspondendo, em síntese, à questão da ilegalidade suscitada pela Requerente no presente pedido arbitral.

 

Cumpre decidir.

 

23.  A questão que é objecto da presente acção é a de saber se um terreno destinado a construção urbana para "habitação, serviços e/ou comércio” se insere no âmbito de incidência do n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), na sua redacção inicial, ou seja na versão introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2012 (Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.)

 

24.  Sobre esta questão, é já muito abundante a jurisprudência do CAAD (muita da qual vem invocada no presente pedido arbitral), sendo unânime o seu entendimento. Ao que acresce, com o também salienta a Requerente, também a jurisprudência recente e conhecida do STA veio a pronunciar-se no mesmo sentido.

 

Apesar disso importa analisar o quadro jurídico de referência para fundamentar a correcta análise desta questão, apesar da sua semelhança com muitos outros casos já decididos

 

25.   A tributação em sede de imposto de selo de prédios urbanos com afectação habitacional foi introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro (LOE) que efectuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, a qual apresenta a seguinte redacção:

 

“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1 %;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5 %. “

 

26.  Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras atinentes à liquidação do imposto previsto naquela verba:

 

“1 – Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral:

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

2 – Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano.

3 – A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infracção tributária, punida nos termos da lei.”

 

 

27.  Na referida verba 28.1 e nas subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, o legislador utilizou o conceito de “prédio com afectação habitacional”, o qual não encontra referência em nenhum outro diploma legislativo, pelo que se impõe a concretização do mesmo, por recurso aos cânones de interpretação da norma jurídica.

Assim, importa em primeiro lugar, ter em conta que o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) é mencionado em várias normas do Código do Imposto do Selo introduzidas por aquela Lei e é indicado como diploma de aplicação subsidiária relativamente ao tributo previsto na referida verba n.º 28, como sucede nos artigos 2.º, n.º 4, 3.º, n.º 3, alínea u), 5.º, alínea u), 23.º, n.º 7, e 46.º e 67.º do CIS. Porém, em nenhum destes normativos é utilizado um conceito com aquela designação.

 

28.  Já a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, alterou aquela verba n.º 28.1, dando-lhe a seguinte redacção:

“28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1 % “

 

Tal formulação aplica-se, naturalmente, apenas a partir de 1 de Janeiro de 2014, mas diga-se antecipadamente que em nada veio ajudar a esclarecer a qualificação do conceito em presença. Porém, não há dúvida que contribuiu para clarificar, ainda que implicitamente, que a versão anterior não contemplava a tributação deste tipo de prédios, ou seja, dos terrenos para construção, razão pela qual o legislador alterou o seu conteúdo.

 

29.  Importa, contudo verificar o contributo possível a extrair dos conceitos de prédios utilizados no CIMI, nos seus artigos 2.º a 6.º.

 

Assim, segundo o artigo 2º do CIMI, entende-se por prédio:

“1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 – Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”

 

30.  Acrescenta o artigo 3.º, que se entende por prédios rústicos:

 

1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.

3 – São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º

4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.”

 

31.  Já o artigo 4.º qualifica como prédios urbanos “todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”

 

E o artigo 6.º indica as espécies de prédios urbanos, nos termos seguintes:

 

1 – Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção; (sublinhado nosso)

d) Outros.

 

2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

 

3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos. (Redacção da Lei n.º 64-A/08, de 31-12)

 

4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.”

 

32.  Face ao quadro legal supra exposto, e considerando as regras sobre a interpretação das normas jurídicas, nomeadamente as resultantes do artigo 11º da Lei Geral Tributária[2] (LGT) impõe- se concluir que os princípios gerais da interpretação das leis, para que remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, são estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, que estabelece o seguinte:

 

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

33.  Assim, importa determinar o sentido e alcance do conceito de «prédio com afectação habitacional», tarefa fundamental para a interpretação e correcta aplicação do normativo contido na verba 28 e 28.1 da TGIS. Como se vê pelo supra exposto o CIMI, não utiliza na classificação dos prédios que adopta o conceito de «prédio com afectação habitacional». Também não se encontra este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.

Seguindo o raciocínio já prosseguido em decisões arbitrais anteriores, nomeadamente nas proferidas nos processos nºs 53/2013-T, 144/2013- T, 202/2014-T, 306/2014 –T e 328/2014 – T (entre outros) “na falta de correspondência terminológica exacta do conceito de «prédio com afectação habitacional» com qualquer outro utilizado noutros diplomas, podem aventar-se várias hipóteses interpretativas.”

 

34.  O ponto de partida da interpretação daquela expressão «prédios com afectação habitacional» é, naturalmente, o texto da lei, sendo com base nele que há que reconstituir o «pensamento legislativo», como impõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT.

Ora, o conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.

 

35.  A entender-se que a expressão «prédio com afectação habitacional» coincide com a de «prédios habitacionais», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção com afectação habitacional, exigidos por aquele n.º 2, do artigo 6.º, para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».

 

36.  Por isso, bastaria adoptar-se a interpretação de que «prédio com afectação habitacional» significa «prédio habitacional», e as liquidações cuja declaração de ilegalidade é requerida seriam ilegais, por não haver qualquer edifício ou construção. No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito. Pelo que, não assiste razão à AT nesta matéria no que vem alegado na sua resposta.

 

37.  Porém, uma interpretação mais aprofundada do sentido a dar ao conceito em presença conduz à conclusão de que «afectação», neste contexto, significa «acção de destinar alguma coisa a determinado uso». E, se tivermos em linha de conta os objectivos definidos na declaração de princípios proferida na Assembleia da República sobre a intenção do legislador introduzir uma tributação sobre as “casas de luxo”, não há dúvida que o propósito ou ratio legis subjacente é a de tributar o “uso” do prédio considerado na plenitude do grau de conforto por ele proporcionado. Refere a este propósito Baptista Machado[3] o seguinte: “quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio ou a sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento”.

 

38.  A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência tributária, e nesta sede o Imposto de Selo afigura-se como um imposto de textura difícil e identidade confusa, deparando o intérprete com frequentes e sucessivas dificuldades, pelo que o fio condutor terá de ser, em primeira linha, o princípio da unidade do sistema jurídico, tentando impor alguma coerência de aplicação.

 

39.  Nesta linha de pensamento, não podemos dispensar o recurso à Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012. Nesta exposição de motivos é patente a preocupação do Governo de reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento e o seu empenho em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho.

 

40.  Neste contexto, não existindo outras coordenadas interpretativas o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Ora, tendo em conta o significado das palavras “afectação” e “afectar”, que são “dar destino” ou “aplicar”, a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios que estão já a ser utilizados como habitação, não podendo abranger os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, possam eventualmente estar a estes destinados, como sucede com os terrenos para construção habitacional.

 

41.  Acresce que, se impõe ainda esclarecer quando é que se pode considerar um prédio como afectado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num alvará de loteamento ou por acto de licenciamento ou semelhante, ou quando a efectiva atribuição desse destino é concretizada. O confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta no sentido de ser necessária uma “afectação efectiva.”[4]

Assim, um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, face ao disposto no n.º 2, do artigo 6.º do CIMI, um prédio habitacional, porquanto é o próprio legislador que considera como tal os “edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, se pretendesse reportar-se também aos prédios apenas licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto não teria utilizado a expressão “prédios com afectação habitacional”.

 

42.  Nestes termos, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente pelo legislador teve em vista alcançar uma realidade distinta, pelo que, “prédio com afectação habitacional”, não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim, tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim.

Note-se que no caso dos presentes autos o prédio em causa, caracteriza-se como terreno para construção, sendo que, da Certidão junta aos autos pela Requerente como documento nº 2, é possível extrair que na área edificativa na qual se insere este lote/talhão de terreno, já se encontra esgotada a capacidade de edificação. Pelo que, embora se trate de um terreno para construção, com aptidão para construção de habitação, esta não passa de mera potencialidade, cuja concretização dependerá de obter a necessária licença de construção a qual não se afigura, face à informação constante dos presentes autos, sequer viável.

Por isso mesmo o único sentido possível para a expressão “afectação” é a de tratar-se de uma “afectação efectiva”. Veja-se que o artigo 3.º do CIMI, relativamente aos prédios rústicos, faz referência aos que “estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas”, que evidencia que a afectação é concreta, efectiva. Como se vê, ainda, pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afecto a ela, o que evidencia que o pressuposto de uma afectação efectiva.

 

43.  Acresce ainda que, a intenção legislativa de não estender o âmbito de incidência a terrenos construção foi expressamente referida pelo Governo ao apresentar no Plenário da Assembleia da República a Proposta de Lei 96-XII ao dizer, pela voz do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a saber:  “Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013.” (sublinhados nossos).

 

44.  A referência expressa a “casas” como alvo da incidência do novo tributo não deixa margem para dúvidas sobre a intenção legislativa. Por outro lado não se encontra na discussão da referida proposta de Lei qualquer referência a “terrenos para construção”.

 

45.  No que concerne ao argumento aduzido pela Requerida, extraído do disposto no artigo 45.º do CIMI, diga-se que o mesmo não tem qualquer relação com o conceito aqui em apreço nem com a classificação de prédios, limitando-se a consagrar a regra aplicável para efeitos de determinação do valor patrimonial do prédio, consagrando os factores de ponderação relevantes para esse efeito. Na verdade, o que se pondera aí, ao fazer referência ao «edifício a construir» é a ponderação do destino do terreno, que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI, não implica afectação e ocorre antes desta.

Pelo que, a invocação da AT na sua resposta não colhe quanto ao propósito relevante para a questão a decidir nos presentes autos. O mesmo se diga do Acórdão do TCA Sul aí invocado, o qual se refere, isso sim, à questão do regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção, em nada relevando para a decisão em apreciação nos presentes autos.

 

46.  Por fim, é importante referir que a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, também contraria a posição aqui defendida pela ATA, pois não veio esclarecer o elemento lógico subjacente à redacção inicial da verba n.º 28.1, antes veio confirmar, indirectamente, a interpretação de que ela não abrangia os terrenos para construção.

Aliás, se a primitiva redacção da verba n.º 28.1 em análise, ao falar de “prédio com afectação habitacional” pretendesse abranger os edifícios e construções que constituíam “prédios habitacionais” e os terrenos para construção para que estivesse autorizada ou prevista habitação, então o natural deveria atribuir à nova redacção natureza interpretativa, à semelhança do que faz noutras disposições nela contidas, como por exemplo o artigo 177.º, n.º 7, relativamente às alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 17.º-A do Código do IRS.

 

47.  Por tudo o que se deixa exposto é entendimento deste Tribunal que a verba 28.1 não se aplica aos terrenos para construção, ainda que estes revelem potencialidade para construção de habitação. Importa referir que, sobre esta mesma questão foram já proferidas algumas decisões arbitrais, entre as quais se salientam as proferidas nos processos arbitrais nºs 42/2013 T, 48/2013-T, 53/2013- T, 144/2013-T, 180/2013 – T e 189/2013-T, 306/2014 – T e 328/2014 - T, entre outras.

Também o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre esta questão, nomeadamente, nos Acórdãos proferidos, em 9 e 23 de Abril de 2014 (nos quais foi relatora Isabel Marques da Silva) e 9 de Maio de 2014 (no qual foi relatora Dulce Neto). E, a este propósito, o acórdão do STA de 9 de Abril de 2014 (no qual se faz referência expressa à decisão arbitral nº 144/2013-T) conclui que “não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.”

 

48.  De acordo com o supra exposto, se a letra da lei – da Verba 28.1 da TGIS – (elemento gramatical) se não apresenta suficientemente clara para, sem sobressaltos, precisar o conceito de “prédio com afetação habitacional”, já o elemento lógico (“o elemento sistemático e a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”), para que aponta o n.º 1, do artigo 9º, do Código Civil, permite concluir, como tem vindo a ser concluído em diversas decisões arbitrais e, ainda, pelo Supremo Tribunal Administrativo nos supra citados Acórdãos que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afetação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redação originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro”, o que justifica, no caso sub juditio, a anulação das liquidações impugnadas, por erro nos pressupostos em que assentou a respectiva emissão.

 

 

Quanto à alegada violação de princípios constitucionais:

 

 

49.   Quanto à alegação do vício de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, a que alude a Requerente, entende este Tribunal, que a apreciação e decisão da questão decidenda se prende, exclusivamente, com a correcta interpretação da norma contida na verba 28.1 da TGIS, pelo que, estamos perante a violação clara da própria norma, como sobejamente se deixa demonstrado supra.

Face ao que fica dito, fica prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos de ilegalidade, nomeadamente, as invocadas inconstitucionalidades. Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Ora, em face da solução dada às questões relacionadas com o conceito de “prédio com afetação habitacional”, da qual decorre, sem necessidade de mais considerandos, a ilegalidade das liquidações impugnadas, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelas partes, nomeadamente a da invocada inconstitucionalidade da norma de incidência contida na Verba 28.1, da TGIS, por a mesma não ser passível da interpretação que, no caso, foi feita pela AT.

 

50.  Em consequência de tudo o que vem exposto, resulta que as liquidações impugnadas são ilegais, padecem de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na violação do disposto na verba nº 28.1 da TGIS, pelo que, devem ser objecto de anulação.

 

 

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios:

 

51.  Encontram-se, pois, reunidos todos os requisitos para que, sendo anuladas as liquidações impugnadas, sejam restituídas à Requerente todas as quantias por si indevidamente pagas e a elas relativas, quer as referenciadas e comprovadas nos autos (cfr. Docs. 61 a 75) quer as que entretanto tenham ocorrido em cumprimento das liquidações impugnadas e anuladas pelo presente Acórdão arbitral, por tal restituição ser imprescindível ao restabelecimento da “situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, como é imposto pela alínea b) do n.º 1, do artigo 24.º, do RJAT.

 

52.  No que respeita ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, é patente que o processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2010). Assim, apesar de o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, utilizar a expressão “declaração de ilegalidade” como delimitativa da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, deverá entender-se que se compreende nessa competência todos os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o erro imputável aos serviços. Até porque, de entre os fundamentos da impugnação judicial, se contam, precisamente, a “errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários” (cfr. o artigo 99.º, alínea a), do CPPT), independentemente da sua autoria.

 

53.  Por outro lado, determina a já citada alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

 

54.  De igual modo, o artigo 100.º da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

 

55.  Ora, resulta, ainda, do disposto no n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

56.  Quanto ao erro imputável aos serviços pode consistir em erro sobre os pressupostos de facto, que ocorre sempre que haja “uma divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do ato”  ou em erro sobre os pressupostos de direito, quando “na prática do ato tenha sido feita errada interpretação ou aplicação das normas legais, como as normas de incidência objetiva e subjetiva (…)”  e “fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” .

57.  No caso em apreço, afigura-se manifesto que, declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo, por ter ficado demonstrada a errada aplicação da norma de incidência objetiva contida na verba 28.1, da TGIS, o que justifica a sua anulação, terá de reconhecer-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos, desde a data do pagamento de cada uma das prestações do imposto, conforme se estatui no n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT, já que tal ilegalidade é exclusivamente imputável à Administração Tributária, que praticou aqueles atos tributários sem o necessário suporte legal.

 

 

V - DECISÃO

 

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar a ilegalidade de todas as liquidações impugnadas;

b)      Declarar anulados os atos tributários que constituem o seu objeto, relativos às liquidações de Imposto do Selo acima identificadas, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito subjacentes;

c)      Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar os Fundos aqui representados pela Requerente do valor do Imposto do Selo pago, ou a pagar, pelos Fundos aqui representados relativamente às liquidações ora impugnadas;

d)     Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento aos Fundos aqui representados pela Requerente de juros indemnizatórios sobre os montantes efetivamente pagos, com juros indemnizatórios à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigo 35º-10 e 43º-1 e 5, da LGT, 61º, do CPPT, 559º, do Código Civil e da Portaria nº 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem), contados desde as datas dos pagamentos até à data do processamento da nota de crédito em que sejam incluídos, nos termos do artigo 61º-5, do CPPT.

 

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto no artigo 306º, nºs 1 e 2, do CPC, artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €339.210,28.

 

Custas: Nos termos do disposto no nº 4, do art.º 22º, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €5.681,93, a cargo da Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Registe e notifique-se. 

 

 

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2015

 

 

 

O Árbitro Presidente,

 

__________________________________

(José Poças Falcão)

 

 

 

 

O Árbitro,

 

 

______________________________

 

(Maria do Rosário Anjos)

 

 

 

 

O Árbitro,

 

 

_____________________________

(Alberto Amorim Pereira)

 



[1] A presente decisão é redigida de acordo com a ortografia antiga.

[2] Dispõe o Artigo 11.º da LGT, relativo à interpretação das normas tributárias, que:

“1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”

[3] Neste sentido, cfr. BAPTISTA MACHADO, J. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, últ. Ed. Almedina, página 182 e ss.

[4] Neste sentido, cfr. decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 53/2013 – T, 144/2013-T, 178/2013 – T, 285/2014 – T, entre outras.