Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 499/2021-T
Data da decisão: 2022-03-04  IRS  
Valor do pedido: € 40.184,22
Tema: IRS - Mais-valias imobiliárias. Valor de aquisição. Consolidação da propriedade com o usufruto.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Ana Paula Rocha, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído em 3 de novembro de 2021, decide o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
  1. Da tramitação processual
  1. A…, contribuinte fiscal n.º …, com domicílio no … – …, …, … Azeitão (doravante, a “Requerente”) veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º n.º 1 e do artigo 10.º n.º 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “Requerida” ou “AT”).
  3. A Requerente optou por não designar árbitro.
  4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD a 25 de agosto de 2021 e de imediato notificado à AT.
  5. Ao abrigo do disposto no artigo 6.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo a signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  6. A 15 de outubro de 2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas b) e c) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  7. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º n.º 1 alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído a 3 de novembro de 2021.
  8. Por despacho arbitral proferido a 4 de novembro de 2021 nos termos do artigo 17.º do RJAT, a Requerida foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional, querendo. Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o Processo Administrativo.
  9. A 3 de dezembro de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta e o Processo Administrativo referente à reclamação graciosa deduzida pela Requerente e melhor identificada no probatório.
  10. Considerando que as Partes não invocaram matéria de exceção nem requereram a produção de prova testemunhal ou pericial, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo, da celeridade, da simplificação e da informalidade processuais previstos nos artigos 19.º e 29.º n.º 2 do RJAT, prosseguindo o processo com alegações escritas facultativas e sendo designado o dia 21 de fevereiro de 2022 como prazo máximo provável para a prolação da decisão arbitral.
  11. As Partes nada opuseram relativamente à dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo ambas apresentado alegações escritas onde reiteraram os argumentos e a fundamentação que haviam invocado no Pedido de Pronúncia Arbitral e na Resposta, respetivamente. Nesta sede, a Requerente veio ainda juntar a decisão arbitral proferida no Processo n.º 167/2021-T, entretanto já publicada no site do CAAD, não se tendo a Requerida oposto a tal junção.
  12. A data limite para a prolação da decisão arbitral foi posteriormente adiada através dos despachos do Tribunal Arbitral proferidos a 17 e a 28 de fevereiro de 2022, em respeito pelo disposto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT.

 

  1. Objeto do pedido

O Pedido de Pronúncia Arbitral submetido pela Requerente tem por objeto o indeferimento expresso da reclamação graciosa deduzida contra os atos de liquidação de IRS n.ºs 2020 ... e 2020 ... e os atos de liquidação dos correspondentes juros compensatórios n.ºs 2020 ... e 2020 ..., todos referentes ao exercício de 2016, tendo ainda por objeto, em termos finais ou últimos, aqueles mesmos atos tributários de liquidação, cuja anulação parcial a Requerente pretende, pelo valor total agregado de EUR 40.184,22.

Em concreto, entende a Requerente que tais atos padecem de vício de violação de lei, devendo:

a) ser declarada a ilegalidade e anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;

b) ser declarada a ilegalidade parcial das liquidações supra referidas, devendo as mesmas ser parcialmente anuladas quanto ao imposto e juros compensatórios liquidados em excesso, no montante global de EUR 40.184,22, por referência aos rendimentos da categoria G de IRS apurados na sequência da alienação onerosa de imóveis realizada pela Requerente no ano de 2016.

Atendendo a que os imóveis alienados em 2016 foram anteriormente adquiridos a título gratuito pela Requerente, a sua pretensão impugnatória assenta na questão de saber qual o valor de aquisição a considerar para efeito do cálculo daquelas mais-valias imobiliárias, especificamente no que concerne ao valor de aquisição a atribuir ao momento de consolidação integral do direito de propriedade dos imóveis com o respetivo usufruto, momento esse que ocorreu em 2014 em virtude do falecimento da anterior usufrutuária daqueles bens.

A Requerente pede ainda a condenação da Requerida na restituição do imposto e dos juros compensatórios pagos em excesso, até à data, no contexto do plano prestacional definido para pagamento das liquidações adicionais de imposto supra referidas, requerendo ainda o reconhecimento do seu direito a juros indemnizatórios, calculados desde a data de cada pagamento até ao respetivo reembolso integral.

 

  1. Síntese da posição das Partes
  1. Síntese da posição da Requerente:

Como fundamentos do Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente vem, em síntese, invocar e defender o seguinte:

  • Em 2016, o artigo 45.º n.º 1 do Código do IRS referia que “Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito: a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo; b) O valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido”.
  • Neste contexto, entende a Requerente que a norma do Código de Imposto do Selo que importa analisar é a norma prevista no n.º 6 do respetivo artigo 13.º que, tendo sido aditada pela Lei 60-A/2005, de 30/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2006), veio determinar que nas situações em que a propriedade de um imóvel seja transmitida separadamente do usufruto, o imposto devido pelo adquirente, em consequência da consolidação da propriedade com o usufruto, incide sobre a diferença entre o valor patrimonial tributário constante da matriz e o valor da nua-propriedade considerado na respetiva liquidação.
  • Para a Requerente, a referência daquela norma legal ao “valor da sua propriedade considerado na respectiva liquidação” corresponde ao “valor da nua propriedade considerado na liquidação de Imposto do Selo à data em que tal liquidação foi realmente efectuada (ou, não o tendo sido por ter havido lugar a isenção, deveria ter sido efectuada), isto é, no caso em apreço: em 1992 e em 2007 quanto à fracção designada pela letra “E” e, bem assim, em 1992 quanto à fracção designada pela letra “C””, na medida em que “no momento da extinção do usufruto por morte do usufrutuário e consequente consolidação do direito de propriedade, não há lugar a qualquer liquidação de Imposto do Selo sobre a aquisição da nua propriedade em si mesma, pois esta não é, nesse momento em concreto, objecto de qualquer transmissão, gratuita ou onerosa”.
  • Assim, e afastando-se da discussão relativa à questão de saber “se o n.º 6, do artigo 13.º do Código do Imposto do Selo, por si só, basta para sujeitar a Imposto do Selo a consolidação da nua propriedade com o usufruto, em virtude da extinção deste direito parcelar por morte do usufrutuário”, defende a Requerente que tal norma não contém “qualquer ficção legal relativa a uma eventual transmissão da nua propriedade que exige que, nesse momento (o da consolidação do direito de propriedade) a AT ficcione, por sua vez, uma liquidação de Imposto do Selo sobre essa ficcionada transmissão”.
  • No caso concreto, e atendendo a que os valores que serviriam de base à liquidação de imposto ascendem a EUR 15.720,78 quanto à fração E (sendo EUR 1.498,53 relativos à aquisição de parte da propriedade do imóvel ocorrida em 1992 e EUR 14.222,25 relativos à aquisição da parte remanescente da propriedade do imóvel ocorrida em 2007) e a EUR 1.862,59 quanto à fração C, entende a Requerente que os valores a considerar para efeitos de aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 13.º do Código do Imposto do Selo são os seguintes:

       (i) Quanto à fração E: VPT à data da consolidação expurgado do valor da propriedade considerado na respetiva liquidação, ou seja, EUR 202.680,00 – EUR 15.720,78 = EUR 186.959,22;

       (ii) Quanto à fração C: ¼ do VPT à data da consolidação (considerando que a Requerente apenas alienou 25% desta fração) expurgado do valor da propriedade considerado na respetiva liquidação, ou seja, EUR 50.670,00 – EUR 1.862,59 = EUR 48.807,41.

  • Assim, e em termos globais, defende a Requerente que o valor total de aquisição a considerar relativamente à fração E ascende a EUR 202.680,00 (EUR 1.498,53 + EUR 14.222,25 + EUR 186.959,22) e que o valor total de aquisição a considerar relativamente à fração C ascende a EUR 50.670,00 (EUR 1.862,59 + EUR 48.807,41), aos quais deve ainda ser aplicado o correspondente coeficiente de correção monetária (conforme previsto no artigo 50.º, n.º 1, do Código do IRS) e, no caso da fração E, adicionado o montante relativo aos encargos com a valorização do imóvel (nos termos do disposto no artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS), os quais não foram colocados em causa pela AT.
  • Consequentemente, entende a Requerente que fica “devidamente comprovado o apuramento de um saldo negativo no âmbito da categoria G no que respeita às operações de venda dos imóveis aqui em causa, pela ora requerente, no ano de 2016, não pode[ndo] assim haver lugar ao pagamento de qualquer imposto nem de quaisquer juros compensatórios correspondentes”, resultando claro que “as liquidações de IRS e correspondentes juros compensatórios aqui em causa são parcialmente ilegais, por ilegalidade da atuação e conclusões a que a AT chegou”, “por violação dos artigos 45.º, n.º 1, e 51.º, alínea a), do Código do IRS, e do artigo 13.º, n.º 6, do Código do Imposto do Selo, na redacção aplicável em 2016, e por violação, ainda, do princípio da capacidade contributiva (artigo 104.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), da legalidade, do princípio da imparcialidade, do princípio do inquisitório, e do princípio da verdade material”.

 

  1. Síntese da posição da Requerida:

Na sua Resposta, veio a Requerida defender-se por impugnação, invocando e defendendo, em síntese, o seguinte:

  • “O conteúdo do direito de propriedade consta do artigo 1305º do Código Civil (CC), nos termos do qual e com observância dos limites legalmente impostos, ao proprietário assistem de forma plena os direitos ou faculdades de uso, fruição, e disposição dos bens que lhe pertencem”, sendo “lícita a decomposição daquele direito real, num ou em vários dos direitos reais menores ou limitados legalmente previstos, decorrência do princípio da tipicidade plasmado no artigo 1306º do CC, sob epígrafe, numerus clausus”.
  • “No que concerne ao usufruto, o artigo 1476º, nº 1 do CC elenca nas suas alíneas, as causas de extinção, sendo que, na sua alínea b) é estipulado que a reunião do usufruto e da nua propriedade na mesma pessoa determina a extinção do usufruto”, não sendo “assim possível a coexistência daqueles dois direitos, individualmente considerados, na titularidade da mesma pessoa, porquanto a sua reunião tem como consequência, inevitavelmente, a expansão do direito de propriedade e a concomitante extinção do direito de usufruto”, “sendo que, apesar de tal, é necessário voltar a quantificar o usufruto e a nua-propriedade”.
  • Para a Requerida, existe no direito fiscal um conceito de transmissão cujo conteúdo e sentido assume um relevo económico, o qual não se identifica com o conceito matriz do direito civil. A este respeito, os n.ºs 2 e 3 do artigo 11.º da “Lei Geral Tributária (LGT) esclarecem que quando o Código fala de transmissão gratuita está a usar o seu conceito de transmissão, não o conceito de transmissão de outros ramos do direito e, designadamente do direito civil”.
  • Neste contexto, sendo o Código do IRS omisso, deve aplicar-se, por força do artigo 2º, alínea b) da LGT, o estabelecido no artigo 13º, nº 4 do Código do Imposto do Selo, que por sua vez remete para as regras do IMT, nomeadamente o artigo 13º deste Código, tendo sido precisamente ao abrigo destas disposições legais que foi efetuada a liquidação relativa ao usufruto no processo administrativo, nos seguintes termos:

Assim, e considerando que à data da aquisição das frações C e E:

. Os imóveis tinham um valor patrimonial de EUR 202.680,00

. A usufrutuária tinha mais de 85 anos, a que corresponde uma percentagem a deduzir de 10%”, a AT concluiu nos seguintes termos:

(1) Quanto à fração E:

Em primeiro lugar, e por aplicação do artigo 13.º n.º 4 do Código do Imposto do Selo, entende a AT que o valor da nua-propriedade ascende a EUR 182.412,00, sendo este valor calculado a partir do VPT do imóvel, ao qual é expurgado do valor do usufruto, ou seja, EUR 202.680,00 – (EUR 202.680,00 x 10%) = EUR 202.680,00 – EUR 20.268,00 = EUR 182.412,00.

Feita esta consideração, entende depois a AT que a aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 13.º do Código do Imposto do Selo determina que o valor de aquisição do imóvel a considerar no ano de 2014 corresponda à diferença entre o VPT e o valor da nua-propriedade determinado nos termos anteriormente descritos, ou seja, EUR 202.680,00 – EUR 182.412,00 = EUR 20.268,00.

(1) Quanto à fração C:

Em primeiro lugar, e por aplicação do artigo 13.º n.º 4 do Código do Imposto do Selo, entende a AT que o valor da nua-propriedade ascende a EUR 182.412,00, sendo este valor calculado a partir do VPT do imóvel, ao qual é expurgado do valor do usufruto, ou seja, EUR 202.680,00 – (EUR 202.680,00 x 10%) = EUR 202.680,00 – EUR 20.268,00 = EUR 182.412,00.

Feita esta consideração, entende depois a AT que a aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 13.º do Código do Imposto do Selo determina que o valor de aquisição do imóvel a considerar no ano de 2014 corresponda à diferença entre o VPT e o valor da nua-propriedade determinado nos termos anteriormente descritos, ou seja, EUR 202.680,00 – EUR 182.412,00 = EUR 20.268,00, correspondendo à quota-parte da adquirente o montante de apenas EUR 5.067,00”.

  • Para a Requerida, “a parte final do nº 6 do artigo 13º do Código do Imposto do Selo, deve, naturalmente ser entendida de que será tida em conta a fração do valor patrimonial correspondente à diferença entre o seu montante e o conceito de valor da propriedade que, nos casos de figuras parcelares do direito da propriedade, o nº 4 deste mesmo artigo 13º do Código do Imposto do Selo manda importar do Código do IMT”, valor esse “a determinar nos termos das regras 7ª e 8ª do nº 4 do artigo 12º e alíneas a) e b) do artigo 13º do Código do IMT, regime este que foi tido em conta na produção da liquidação ora contestada pela Requerente”,
  • Isto porque, para a Requerida, “se a norma do artigo 13º, nº 6 do Código do Imposto do Selo é reveladora de algo, é que na extinção do usufruto vê o legislador uma transmissão gratuita, porquanto estatui que o imposto (do Selo) incide sobre a diferença entre o valor patrimonial tributário do prédio constante da matriz e o valor da sua propriedade considerado na respetiva liquidação”.
  • Conclui, por fim, a Requerida pela impossibilidade de atribuição, a 10% do valor do imóvel, do montante de € 186 959,22 quanto à fração autónoma E e de EUR 48 807,41 quanto à fração C, “tendo em conta que o valor patrimonial tributário de ambos os imóveis era de € 202 680,00”, não se verificando “a existência de qualquer das ilegalidades apontadas pela Requerente à liquidação controvertida”.

 

  1. Saneamento
    1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. os artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, o artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março e o artigo 16.º n.º 5 da LGT).
    2. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 5.º, do n.º 1 do artigo 6.º e do n.º 1 do artigo 11.º, todos do RJAT.
    3. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado dentro do prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, contado a partir da notificação do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada pela Requerente.
    4. A cumulação de pedidos relativos à liquidação do mesmo imposto e por referência ao mesmo exercício fiscal é legalmente admissível ao abrigo do disposto no artigo 3.º n.º 1 do RJAT.
    5. Não existem exceções a apreciar e o processo não enferma de nulidades.
    6. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

3. Matéria de Facto

3.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. No dia 12 de Maio de 2016, a Requerente alienou a fração autónoma destinada a habitação, designada pela letra “E”, segundo andar direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ..., com o Valor Patrimonial Tributário de EUR 202.680,00 (duzentos e dois mil, seiscentos e oitenta euros), pelo preço total de EUR 300.000,00 (trezentos mil euros) – cfr. a escritura de compra e venda junta ao PPA como documento n.º 8;
  2. A aquisição da propriedade do imóvel referido em 1. deu-se em três momentos temporais distintos:
  • A 4 de maio de 1992, a Requerente adquiriu parte da nua propriedade, por óbito da sua mãe – cfr. o documento n.º 10 e a pág. 4 do documento n.º 7 juntos com o PPA;
  • A 14 de março de 2007, e através de escritura pública em que foi constituída a propriedade horizontal e partilhada a propriedade do prédio em causa, a Requerente adquiriu a parte remanescente da nua propriedade – cfr. o documento n.º 11 e a pág. 4 do documento n.º 7 juntos com o PPA;
  • A 3 de outubro de 2014 deu-se a consolidação da propriedade plena em virtude do falecimento da usufrutuária daquele imóvel, avó da Requerente, que, à data do óbito, tinha mais de 85 anos – cfr. a pág. 8 do Doc. n.º 7 junto com o PPA.
  1. Em 2014, o Valor Patrimonial Tributário do imóvel referido em 1. ascendia a EUR 202.680,00 – cfr. a caderneta predial do imóvel junta ao PPA como Doc. n.º 12 e a pág. 8 do Doc. n.º 7.
  2. No dia 27 de dezembro de 2016, a Requerente alienou ¼ (isto é, 25%) da fração autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “C”, 1.º andar direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... e inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo ..., com o Valor Patrimonial Tributário correspondente à parte transmitida de EUR 50.670,00 (cinquenta mil seiscentos e setenta euros), pelo preço de EUR 47.250,00 (quarenta e sete mil duzentos e cinquenta euros) – cfr. escritura pública de compra e venda junta ao PPA como Doc. n.º 9 e a p. 4 do documento n.º 7;
  3. A aquisição da propriedade do imóvel referido em 4. deu-se em dois momentos temporais distintos:
  • A 4 de maio de 1992, a Requerente adquiriu parte da nua propriedade do prédio por óbito de sua mãe – cfr. o documento n.º 10 e a pág. 4 do documento n.º 7 juntos com o PPA;
  • A 3 de outubro de 2014 deu-se a consolidação da propriedade plena daquela parcela do imóvel detido pela Requerente em virtude do falecimento da usufrutuária, sua avó, que à data do óbito tinha mais de 85 anos – cfr. a pág. 8 do Doc. n.º 7 junto com o PPA.
  1. Em 2014, o Valor Patrimonial Tributário do imóvel referido em 4. ascendia a EUR 50.670,00, isto é, ¼ do VPT total da referida fração, que correspondia a EUR 202.680,00 – cfr. a pág. 9 do Doc. n.º 7 junto com o PPA.
  2. A 27 de Agosto de 2018, a Requerente apresentou a respetiva declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2016, na qual declarou como valor de aquisição global da fração E o montante de EUR 202.680 e como valor de aquisição global da fração C o montante de EUR 50.670 – cfr. pág. 4 do Doc. n.º 7 junto com o PPA e os artigos 20.º e 21.º do PPA.
  3. Na sequência da entrega da referida declaração Modelo 3 de IRS, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2018 5005516267, da qual não resultou imposto a pagar nem a receber – cfr. pág. 4 do Doc. n.º 7 junto com o PPA.
  4. Posteriormente, a AT procedeu a correções ao Anexo G da referida declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2016, tendo preenchido duas declarações oficiosas de correção e procedido à emissão de liquidações adicionais de imposto nos seguintes termos – cfr. Docs. n.º 1, 2, 3 e 4 juntos com o PPA e as pp. 2, 5 e 6 do Doc. n.º 7:
  1. A primeira declaração oficiosa de correção apresentou o seguinte teor:

 

Na sequência desta primeira declaração oficiosa de correção, a AT emitiu a liquidação de IRS n.º 2020 ... e, bem assim, a liquidação dos correspondentes juros compensatórios n.º 2020 ..., tendo sido apurado um montante total de imposto e juros compensatórios a pagar de EUR 38.907,49;

  1. A segunda declaração oficiosa de correção apresentou o seguinte teor:

 

Na sequência desta segunda declaração oficiosa de correção, a AT emitiu a liquidação de IRS n.º 2020 ... e, bem assim, a liquidação dos correspondentes juros compensatórios n.º 2020 ..., tendo sido apurado um montante total de imposto e juros compensatórios a pagar de EUR 40.184,22 (apurando-se, em acerto de contas, o valor remanescente a pagar pela Requerente, tomando em consideração as liquidações precedentes referidas em (i)).

  1. Os valores de aquisição determinados pela AT por referência aos anos de 1992 e 2007 tiveram por base a escritura de habilitação de herdeiros celebrada em 1992, a escritura de propriedade horizontal e partilha celebrada em 2007 e os VPT dos imóveis – cfr. p. 37 do 1.º Volume do Processo Administrativo junto aos autos.
  2. A Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de IRS e as liquidações de juros compensatórios referidas no ponto 9, tendo a reclamação graciosa dado entrada na Direção de Finanças de Setúbal a 22 de fevereiro de 2021 – cfr. o documento n.º 5 junto com o PPA.
  3. Por carta registada com aviso de receção recebida a 27 de maio de 2021, a Requerente foi notificada do Ofício n.º … de 26 de maio de 2021 da Direção de Finanças de Setúbal, nos termos do qual foi expressamente indeferida a reclamação graciosa por si apresentada, mantendo-se os fundamentos do projeto de indeferimento sobre o qual não foi apresentado o correspondente direito de audição – cfr. os documentos n.º 6 e 7 juntos com o PPA.
  4. Para cobrança coerciva dos valores devidos na sequência da notificação das liquidações de imposto e juros compensatórios referidas no Ponto 9., foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …2021… e Apensos, tendo a AT aceitado o pedido de pagamento em prestações da quantia exequenda formulado pela Requerente – cfr. os documentos n.º 15 e 16 juntos com o PPA.

 

3.2 Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

  1. Motivação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria de facto provada da não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT). Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e) do RJAT).

Os factos dados como provados fundam-se no acervo documental junto aos autos e na posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados.

 

4. Do Direito

4.1. Questões a decidir

Em face do Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela Requerente e da Resposta apresentada pela AT, a questão a decidir no presente Processo Arbitral é a de saber qual o valor de aquisição a considerar para efeito do cálculo de mais-valias imobiliárias, em sede de IRS, de bens imóveis adquiridos a título gratuito e alienados pela Requerente em 2016, estando concretamente em causa o valor a atribuir à consolidação integral do direito de propriedade dos imóveis ocorrida na esfera da Requerente em 2014 na sequência do óbito da anterior usufrutuária de tais bens imobiliários.

Para a correta delimitação da análise a realizar quanto a este thema decidendum, importa salientar que:

  • A Requerente não veio impugnar os valores de aquisição dos imóveis que foram considerados pela AT por referência às operações ocorridas em 1992 e em 2007 (quer no que respeita ao seu valor, quer no que respeita à sua forma de cálculo), impugnando apenas concretamente, como se disse já, o valor a atribuir à consolidação integral do direito de propriedade dos imóveis ocorrida na esfera da Requerente em 2014, na sequência do óbito da anterior usufrutuária de tais bens imobiliários;
  • Não está também em causa nos presentes autos a questão de saber se, para efeitos de Imposto do Selo, a extinção do usufruto por morte do usufrutuário deve ou não conduzir à existência de um novo facto tributário em sede daquele imposto (discussão que a Requerente afastou no Rodapé 3 da página 16 do PPA); e que
  • Face às datas parcelares de aquisição dos imóveis e à data de extinção do usufruto, todas elas posteriores ao ano de aprovação do Código do IRS (v.g., 1989), não está também em causa nos presentes autos a apreciação da norma transitória prevista no artigo 5.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

Decidindo-se em sentido favorável à Requerente, importa ainda analisar o pedido de condenação da Requerida na restituição do imposto e dos juros compensatórios pagos em excesso até à data e o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a juros indemnizatórios.

 

4.2. Do valor a atribuir à consolidação da propriedade dos imóveis alienados pela Requerente com o respetivo usufruto

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, já em vigor no ano de 2016, constituem mais-valias sujeitas a tributação em sede deste imposto os ganhos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

Nestas situações, a alínea a) do n.º 4 daquela norma legal determina que o ganho sujeito a imposto é constituído “pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso” sendo que, sempre que a aquisição tenha ocorrido a título gratuito, o respetivo valor deve ser determinado nos termos previstos no artigo 45.º do Código do IRS, cujo n.º 1 dispõe que:

Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:

a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo;

b) O valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido.

Do exposto decorre que para a determinação do valor de aquisição dos imóveis em causa nos presentes autos importa analisar o disposto no artigo 13.º do Código do Imposto do Selo, por ser esta a disposição legal que disciplina a forma de quantificação do valor tributável a atribuir a bens imóveis nas transmissões gratuitas sujeitas a este imposto. Assim, verifica-se que na data de alienação dos imóveis detidos pela Requerente – i.e., em 2016 – era a seguinte a redação da referida norma legal na parte que interessa à decisão da causa (nosso destacado):

1. O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.

(…)

4. Na determinação dos valores patrimoniais tributários de bens imóveis ou de figuras parcelares do direito de propriedade, observam-se as regras previstas no CIMT para as transmissões onerosas.

(…)

6. Quando a propriedade for transmitida separadamente do usufruto, o imposto devido pelo adquirente, em consequência da consolidação da propriedade com o usufruto, incide sobre a diferença entre o valor patrimonial tributário do prédio constante da matriz e o valor da sua propriedade considerado na respectiva liquidação. (Aditado pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro)

(…)

Ora, como interpretar as duas normas em confronto – a saber, o n.º 4 e o n.º 6 da disposição legal acabada de transcrever – nas situações em que existe uma aquisição parcelar gratuita de imóveis ao longo do tempo, como no caso vertente no presente processo arbitral?

Para o momento da aquisição da nua-propriedade, i.e., do direito de propriedade expurgado do usufruto, vale o disposto no n.º 4 do artigo 13.º do Código do Imposto do Selo. Nestes casos, a 7.ª regra do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT determina que “o imposto é calculado sobre o valor da nua-propriedade, nos termos da alínea a) do artigo 13.º, ou sobre o valor constante do ato ou do contrato, se for superior”. E sendo de aplicar a regra prevista nesta alínea a) do artigo 13.º, haverá então que considerar como valor tributável o montante da propriedade plena deduzido das percentagens que o artigo estabelece em função da idade do usufrutuário (sendo que, nos casos em que o usufrutuário tenha mais de 85 anos, o valor a deduzir é de 10%).

Para o momento em que aquela propriedade “finalmente” se consolida com o usufruto, o legislador veio aditar expressamente ao Código do Imposto do Selo, em 2005, a norma prevista no n.º 6 do respetivo artigo 13.º, aí prevendo especificamente quais os valores a considerar nesse momento. E neste contexto, como interpretar a parte final da norma, quando aí se dispõe que o imposto deve incidir sobre a diferença entre o VPT do imóvel constante da respetiva matriz e “o valor da sua propriedade considerado na respectiva liquidação”?

Segundo entendemos, nos casos em que o usufruto se extingue por morte do usufrutuário e a propriedade se consolida na esfera do radiciário, a única liquidação de Imposto do Selo especificamente relativa à propriedade do imóvel é a liquidação que foi emitida aquando da aquisição de tal propriedade (isto é, a liquidação ocorrida em momento anterior).

Assim o é na medida em que, desde logo, essa é a solução que encontra apoio na interpretação literal e sistemática do texto da lei, na medida em que no n.º 6 do artigo 13.º do Código do Imposto do Selo o legislador não se refere à necessidade de calcular o valor do usufruto à data da respetiva consolidação com o direito de propriedade nem remete expressamente para o disposto no n.º 4 daquele artigo 13.º (como que obrigando à realização de uma liquidação ficcional, à data atual, onde fosse calculado o valor do usufruto de acordo com as regras previstas especificamente para as situações em que o mesmo é transmitido separadamente do direito de propriedade – como, em rigor, fez a AT no caso vertente). Ao invés, o legislador remete, de forma clara e especifica, para uma liquidação já existente, relativa ao momento de aquisição da propriedade do imóvel e em que o valor desta mesma propriedade foi (ou devia ter sido, nos casos de isenção) especificamente determinado/quantificado para efeitos do cálculo do Imposto do Selo.

De maneira que, numa interpretação literal e sistemática do preceito, cremos que o valor da propriedade do imóvel considerado na respetiva liquidação não pode ser senão o valor determinado e considerado na liquidação de Imposto do Selo que foi emitida (ou deveria ter sido) na sequência da aquisição total ou parcial da nua-propriedade do imóvel, pois que é essa liquidação que concretamente respeita e se refere a tal momento aquisitivo. Neste contexto, importa considerar que a consolidação da propriedade plena não é mais do que a união da nua-propriedade com o direito ao usufruto, tendo a aquisição (propriamente dita) do imóvel ocorrido na data em que, na esfera do proprietário, se constituiu tal direito, pelo que terá de ser essa data que, para efeitos de IRS, prevalecerá.

Por outro lado, esta é também a solução que, em termos de substância económica, permite agora considerar o valor do usufruto que, tendo sido anteriormente subtraído ao valor da propriedade do imóvel ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 13.º do Código do IMT, é agora “finalmente” consolidado com tal propriedade. Considerando que a aquisição da propriedade aconteceu no passado e que no momento da consolidação apenas falta pagar o imposto referente à parcela do direito de usufruto que onerava o imóvel até então (como que procedendo à “regularização” do valores que estavam em falta), a operação que cumpre realizar no momento presente é a que consiste em expurgar ao VPT atual do imóvel o valor da propriedade que lhe foi atribuído aquando da respetiva aquisição (se e na medida em que o valor do contrato não seja superior).

Por fim, esta solução encontra ainda apoio doutrinal e jurisprudencial entre nós.

Francisco Pinto Fernandes e Manuel Faustino, antigos Diretores de Serviços da DGCI, in “Transmissão separada da propriedade e do usufruto, a título gratuito, em sede de ISSD e de Selo e repercussões em sede de IRS (mais-valias)”, Revista de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 434, Janeiro-Dezembro de 2015, pp. 105-142 referem que “no que concerne à transmissão gratuita da nua-propriedade, há lugar, de imediato, à incidência do imposto, servindo de base à liquidação o valor atual da nua-propriedade, conforme o n.º 4 do artigo 13.º do CIS e, por remissão, a regra 7ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT. Deixou, pois, de verificar-se o diferimento da liquidação do imposto para o momento em que se verificasse a consolidação [como acontecia no seio do Imposto sobre as Sucessões e as Doações]. Poderá, porém, nesse momento [da consolidação] ter-se ainda que pagar imposto. Mas já não se trata do imposto suscetível de imputar-se à originária transmissão da nua-propriedade” (pp. 117 e 118). Existem, pois, “duas liquidações de imposto. Uma na data da constituição da nua-propriedade. Outra, na “consolidação”, pela diferença entre o VPT inscrito à data na matriz e o valor por que foi feita a liquidação anterior. Deixou, pois, de ser necessário recorrer à analogia e a alguma criatividade para determinar, para quem assim o entenda, o valor atual do usufruto, mesmo nos casos em que este se extingue”. Em particular, entendem os Autores que tais raciocínios de analogia e criatividade não fazem sentido porque não existiam (durante a vigência do Imposto sobre as Sucessões e as Doações), “continuam a não existir, nem faz sentido que existam, regras que determinem o valor de um usufruto radicalmente extinto. E cujo (anterior) titular, já morto, deixa por natureza de ter um elemento essencial para o efeito, que é a idade” (pp. 140 e 141) – nosso sublinhado.

Por sua vez, António Santos Rocha e Eduardo Martins Brás, in “Tributação do Património, IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados)”, Almedina, Fevereiro de 2018, págs. 701 e 702 referem que “no que diz respeito à aquisição da nua-propriedade de forma gratuita”, o imposto devido pelo adquirente em consequência da consolidação da propriedade com o usufruto “incide sobre a diferença entre o valor patrimonial tributário, que o prédio, então tiver, e o valor da nua-propriedade considerado na respetiva liquidação”.

Também assim se decidiu na recente decisão arbitral proferida a 29 de novembro de 2021 no âmbito do Processo n.º 167/2021-T, na qual se pode ler que da leitura atenta do disposto no n.º 6 do artigo 13.º do Código do Imposto do Selo se conclui “que, em face da sua parte final, é inequívoco que o legislador considera que já houve uma ou mais liquidações antes da consolidação e que esta respeita à aquisição da nua propriedade (total ou parcial)”. “Salvo melhor opinião, não há, pois, necessidade de determinar novo valor do usufruto conforme o nº 4 do artº 13º para comparar com o VPT constante da matriz à data da consolidação e apurar a diferença, porque a lei expressamente manda considerar nesse momento o valor do usufruto que foi utilizado nas liquidações respetivas. Ou dizendo de outro modo, no momento da consolidação o valor sobre o qual incide o imposto devido é calculo obedecendo ao nº 6 daquele artigo e não ao nº 4 porque a esse já recorremos nas liquidações parcelares anteriores, quando diz que o imposto “…incide sobre a diferença entre o valor patrimonial tributário constante da matriz (à data- acrescentamos nós) e o valor da sua propriedade considerado na respetiva liquidação” e, como tem sido entendido, no nº 6 não há qualquer regra de incidência que necessita do recurso ao nº 4. Esta disposição é taxativa e a liquidação a que a lei se refere é a que já foi efetivada aquando da aquisição da nua propriedade, isto é, sobre valores já conhecidos, não havendo necessidade de os determinar com pretende a AT”.

Tudo ponderado, concluímos que para efeitos de cálculo do valor de aquisição de imóveis adquiridos a título gratuito em sede de IRS (como decorre da delimitação ao thema decidendum exposto em 4.1.), o disposto no n.º 6 do artigo 13.º do Código do Imposto do Selo deve ser calculado através da subtração do valor da propriedade considerado nas respetivas liquidações ao VPT do imóvel, VPT esse que ascendia, em 2014, ao montante de EUR 202.680 (conforme o Facto 3 e o Facto 6 da matéria provada). No caso dos autos, considerando que não houve lugar à liquidação de Imposto do Selo no momento da transmissão gratuita da propriedade em virtude de isenção aplicável às transmissões gratuitas entre avós/pais/netos, importa considerar o valor que serviria de base a tal liquidação (tal como dispõe o artigo 45.º do Código do IRS) o qual, não havendo sido impugnado no presente processo, como se disse já, foi fixado pela Requerida AT nos seguintes montantes (Factos n.º 9 e 10):

- Quanto à fração E: 1.498,53 quanto a 1992 e EUR 14.222,25 quanto a 2007, num total de EUR 15.720,78;

- Quanto à fração C: EUR 1.862,59 quanto a 1993.

Assim, o valor de aquisição referente à consolidação da propriedade com o usufruto ocorrida em 2014 ascende aos montantes considerados pela Requerente, a saber:

- Fração E: 202.680 – 15.720,78 = EUR 186.959,22

- Fração C: (202.680 / 4) – 1.862,59 = EUR 48.807,41

Nesta senda, a interpretação da AT no que respeita à determinação do valor de aquisição do usufruto em virtude da morte da usufrutuária, consubstanciado numa forma de cálculo que leva a considerar a existência de um pretensa nova transmissão carecida de determinação do valor para liquidação de Imposto do Selo nos termos do n.º 4 do artigo 13.º do Código deste imposto, enferma do vício de violação de lei pelo que, tanto a decisão da reclamação graciosa que manifestamente se fundamenta nesta interpretação como, consequentemente, a liquidação de IRS e a liquidação de juros compensatórios que a tomou como pressuposto (pois que os juros compensatórios “constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente”, conforme referiu a decisão arbitral datada de 29 de abril de 2019 e proferida no âmbito do processo n.º 405/2018-T) não podem subsistir na ordem jurídica, devendo ser anulados e substituídos por outros que considerem tais valores.

 

4.3. Da restituição dos montantes pagos e do pedido de juros indemnizatórios

Na sequência da anulação das liquidações impugnadas nos precisos termos acabados de descrever (i.e., no que diz respeito aos valores de aquisição a considerar relativamente ao momento de consolidação da propriedade dos imóveis com o respetivo usufruto), tem a Requerente direito a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente nos termos previstos nos artigos 100.º da LGT e 24.º n.º 1 do RJAT, tendo ainda direito ao pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º n.º 1 da LGT, o qual estabelece que tais juros são devidos quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afeta a legalidade dos atos tributários anulados é de considerar imputável à Requerida, que praticou aqueles atos sem o necessário suporte factual e legal. Tem, pois, a Requerente direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento das quantias indevidas até ao seu reembolso.

 

5 – DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados, decide-se:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral em conformidade com o exposto e, em consequência, anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e anular os atos tributários impugnados (liquidação de imposto e de juros compensatórios);

b) Julgar procedente o pedido de restituição dos valores indevidamente pagos até à data, bem como o pedido de atribuição de juros indemnizatórios relativos a tais valores;

c) Condenar a Autoridade Tributária no pagamento das custas do processo.

 

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Valor: De harmonia com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A n.º 1 alínea a) do CPPT e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de EUR 40.184,22 (quarenta mil, cento e oitenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos).

 

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Custas: Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em EUR 2.142,00, as quais ficam a cargo da Requerida ao abrigo do disposto nos artigos 12.º n.º 2 e 22.º n.º 4 do RJAT e no artigo 527.º n.º 1 e 2 do CPC.

 

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Notifique-se.

 

 

Lisboa, 4 de março de 2022.

O Árbitro,

 

 

Ana Paula Rocha