Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 496/2014-T
Data da decisão: 2015-04-02  Selo  
Valor do pedido: € 3.237,49
Tema: IS – Verba 28 TGIS
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 496/2014-T

                                                                                            

Autor/Requerente: A...

Requerido: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT)

 

1. Relatório

Em 16-07-2014, a A..., contribuinte fiscal n.º …, aqui representada por …, na qualidade de Cabeça de Casal, contribuinte fiscal n.º …, residente na Avenida …, Algés, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à declaração de ilegalidade de atos tributários de liquidação de imposto de selo da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, relativos aos andares e divisões com utilização independente do prédio urbano em propriedade total sito na Avenida ...,, da freguesia de Arroios, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da referida freguesia, a saber,

i.          Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 253,18, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-1D;

ii.         Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 253,18, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-2D;

iii.        Liquidação n.º 2014 ..., no valor de 259,62 €, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-2E;

iv.        Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 253,18, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-3E;

v.         Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 259,62, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-3E;

vi.        Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 255,66, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-4D;

vii.       Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 262,16, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-4E;

viii.      Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 264,70, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-5E;

ix.        Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 253,18, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-6D;

x.         Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 264,70, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-6E;

xi.        Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 232,09, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-7D;

xii.       Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 238,77, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-7E;

xiii.      Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 182,50, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-8E;

Todas as referidas liquidações têm data de 17-03-2014.

A Requerente peticiona a declaração de ilegalidade dos supra referidos atos de liquidação do Imposto de Selo e a condenação da AT no pagamento das custas do processo.

A Requerente alega, para tanto, que o imóvel a que se referem as liquidações de Imposto de Selo, cuja legalidade se discute, é um prédio em propriedade total, composto por 17 andares e divisões susceptíveis de utilização independente, dos quais 16 estão afetos a habitação, sendo que nenhum dos andares e divisões tem um VPT igual ou superior a € 1.000.000, não se verificando, na sua perspetiva, o pressuposto legal de incidência da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

Foi designado como árbitro único, em 03-09-2014, Ricardo Marques Candeias. Em conformidade com o previsto no art. 11.º, 1, c), RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 02-10-2014.

Notificada para o efeito, a AT apresentou resposta a 13-11-2014. Esgrima que o valor patrimonial relevante para efeitos de incidência de imposto é o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda que sejam suscetíveis de utilização independente, por não se encontrar o prédio constituído em propriedade horizontal.

Requereu ainda a AT a dispensa da realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT e respectivas alegações orais.

Notificada para juntar o PA, a requerida informou que não existe PA referente às liquidações em causa nos autos.

Notificadas para se pronunciarem a respeito da proposta de dispensa da realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT e dispensa de alegações orais, a AT e a Requerente nada disseram ou requereram.

Por despacho de dia 17-03-2015, o tribunal notificou a Requerente para esclarecer se efectuou o pagamento das liquidações em causa nos presentes autos e, em caso afirmativo, juntar aos autos suporte documental de tais pagamentos. A Requerente nada disse ou requereu.

O tribunal arbitral entendeu, face aos elementos carreados para os autos, e inexistindo exceções a dirimir, não ser necessária a realização da reunião prevista bem como a produção de alegações. Consequentemente, em 27-03-2015 foi fixada para prolação da decisão o dia 02-04-2015.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 1 e 2, do RJAT, e art. 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). O processo não enferma de nulidades e não foram suscitas questões prévias que cumpra apreciar.

 

2. Dos factos

Analisada a prova documental produzida pela Requerente, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

a) O prédio urbano sito na Rua Avenida ..., n.º, da freguesia de Arroios, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da referida freguesia faz parte do acervo da herança representada pela cabeça de casal, ora requerente;

b)         O prédio encontra-se em propriedade total.

c)         É constituído por 17 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sem se encontrarem em regime de propriedade horizontal;

d)        A AT liquidou a 17-03-2013 o Imposto de Selo relativo ao ano de 2013, referente a parte dos andares ou divisões com utilização independente existentes no prédio supra identificado, no valor correspondente a 1% do seu valor patrimonial tributário, da seguinte forma:

i.          Liquidação n.º 2014 ...7, no valor de € 253,18, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-1D, relativo ao ano de 2013, cujo VPT é de €132.913,12;

ii.         Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 253,18, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-2D, cujo VPT é de €132.913,12;

iii.        Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 259,62 , relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-2E cujo VPT é de €136.293,59;

iv.        Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 253,18, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0... cujo VPT é de €132.913,12;

v.         Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 259,62, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-3E cujo VPT é de €136.293,59;

vi.        Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 255,66, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-4D cujo VPT é de €134.220,98;

vii.       Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 262,16, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-4E, cujo VPT é de €137.634,69;

viii.      Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 264,70, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-5E, cujo VPT é de €138.964,71;

ix.        Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 258,13, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-6D, cujo VPT é de €135.517,75;

x.         Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 264,70, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-6E, cujo VPT é de €138.964,71;

xi.        Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 232,09, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-7D, cujo VPT é de €121.848,74;

xii.       Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 238,77, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-7E, cujo VPT é de €125.354,19;

xiii.      Liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 182,50, relativa ao prédio descrito no artigo matricial U-0...-8E, cujo VPT é de €63.874,12;

e)         O prazo limite de pagamento terminava em 30-04-2014.

f)         O valor patrimonial total do prédio é de € 1.667.698,43.

g)         A Requente foi notificada para proceder ao pagamento das referidas notas de liquidação, no valor total de € 3.237,49.

 

A convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos, concretamente os pontos a), b), c) e f) resultam do teor da caderneta predial junta aos autos e os pontos d), e), f), e g) resultam das notas de liquidação juntas.

Constatou-se na factualidade alegada pela Requerente na petição inicial, nomeadamente na descrição das notas de liquidação e respectivos valores, algumas imprecisões na descrição dos valores, que se entendem serem devidos a meros lapsos de cálculo, que foram devidamente esclarecidos, através da soma dos valores das liquidações que constam do documento 1 junto (alínea d) dos factos provados), e do valor atribuído à ação pela própria Requerente, que tem correspondência direta com aquele: € 3.237,49.

Para a decisão da causa não se provaram outros factos com relevância.

A requerente não alegou e não demonstrou o pagamento das notas de liquidação cuja ilegalidade peticiona.

 

3.         Do Direito

São estes os factos que importa apreciar. Vejamos então.

A Requerente vem alegar na sua petição inicial que a “a sujeição a Imposto do Selo dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da verba 28 da TGIS, efectuada pelo artigo 4º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro (…).

Doutro passo, resulta das normas transitórias constantes do artigo 6º daquela mesma Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, que o facto tributário se considera verificado a 31 de Outubro de 2012 e que o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras do Código do Imposto Municipal sobre imóveis por referência ao ano de 2011.

Porém, a Lei n.º 55-A/201, de 29 de Outubro nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de “prédio com afectação habitacional”.

No entanto o artigo 67º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”.

Defende a Requerente que ”A norma de incidência refere-se, pois, a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.”.

Continua a Requerente, argumentando que” Daqui se conclui que, na ótica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio.

De facto, para o legislador, a situação do prédio (em propriedade vertical ou em propriedade horizontal) não releva, pois que nenhuma referencia ou distinção é efectuada entre uns e outros”.

A Requerente continua a sua argumentação, na ótica da determinação do valor relevante para a incidência do Imposto do Selo sobre os prédios em propriedade horizontal, referindo que:”(…)das próprias liquidações emitidas, resulta que o valor de incidência é o correspondente ao VPT de cada uma das divisões e a liquidação individualizada sobre a parte do prédio correspondente a essa mesma divisão.”.

Concluindo, neste conspecto, argumentando que: ”Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, então haverá também que atender a este critério para a definição da regra da incidência do novo imposto.

Assim, só haveria lugar a incidência do novo imposto do Selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a 1.000.000 EUR.

Não podia, assim, a Autoridade Tributária considerar como valor de referência para a incidência do imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI, e este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba 28 da TGIS.

O critério defendido pela Autoridade Tributária, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, não encontra sustentação legal e é contrario ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em, sede de imposto do Selo.”.

Mais conclui que: ”(…) A adopção do critério defendido pela Autoridade Tributária viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal”.

Termina a Requerente, propugnando pela admissão do pedido arbitral, e pela procedência do pedido e pede a declaração da ”ilegalidade dos actos de liquidação de imposto do selo relativos ao ano de 2012 no valor total de 3.237,49 e a condenação da Autoridade Tributária ao pagamento das custas resultantes do processo arbitral.”.

Por seu lado a AT vem contrapor a posição da Requerente, fundamentando a sua pretensão no facto de o prédio desta se encontrar em regime de propriedade total e a concentração em cada prédio de habitações independentes não ser susceptível de desencadear a incidência do imposto de selo sobre cada uma delas.

No entendimento da AT “A requerente é proprietária de um prédio em regime de propriedade total ou vertical. Da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, só as fracções autónomas em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios - n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI. (…).

Encontrando-se o prédio de que é proprietária, em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribui a qualificação de prédio.”.

Argumenta a AT no sentido de que Determina o CIMI, para o qual a citada verba remete, que no regime da propriedade horizontal as fracções constituem prédios. Não estando o prédio submetido a este regime, juridicamente as fracções são partes susceptíveis de utilização independente, sem que haja partes comuns.”.

Conclui a AT que “Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes susceptíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a esta materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do artigo 12.º e consequentemente, nos termos do art. 12º, nº 3, do C.I.M.I., cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas na mesma matriz, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte.”.

Pugna ainda a AT pela inconstitucionalidade da interpretação feita pela Requerente da verba 28.1 da TGIS, no sentido de o VPT de que depende a sua incidência ser apurado por cada andar e não globalmente, ferindo o princípio da legalidade tributária.

Na sua perspetiva, importa dar ênfase ao diferente regime jurídico-civilístico atribuído à propriedade horizontal face à propriedade total, os quais consistirão, mesmo para efeitos fiscais, institutos jurídicos diferentes. Daí o diferente tratamento em termos de incidência da verba 28.1 da TGIS.

Posta uma breve descrição da palete argumentativa tecida pelas partes, vejamos então.

A questão decidenda prende-se com a de saber se a regra de incidência da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) é aplicável a prédios que não se encontram constituídos em propriedade horizontal. Com efeito, nesses casos questiona-se se a referida verba deverá incidir sobre o somatório do VPT atribuído aos diferentes andares, isto é, sobre o VPT total do prédio, ou, antes, sobre o VPT de cada andar com utilização económica independente do prédio.

Esta questão já foi objecto de vários acórdãos do CAAD, nomeadamente, os proferidos nos processos 132/2013-T, 14/2014-T, 30/2014-T e 88/2014-T, que seguiremos de perto.

A verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS) foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro. Ela estabelece o seguinte:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

Com o aditamento do n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (CIS), operado também pela referida Lei, estabeleceu-se que quanto “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”.

Por força desta remissão, reportando-se a norma de incidência da verba 28.1 TGIS a prédios urbanos, o conceito de prédio urbano será o resultante do CIMI.

O CIMI estabelece no art. 2.º, 1, o conceito de prédio. Define-o como “toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.

Já o art. 4.º do CIMI estabelece que são prédios urbanos “todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”.

Por sua vez, o art. 6.º, ibidem, procede à classificação das diversas espécies de prédios urbanos, distinguindo-os, no n.º 1 do referido artigo, em quatro subcategorias: “a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros”.

No n.º 2 do mesmo artigo encontramos o critério utilizado para essa distinção, considerando que os “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

Ora, verificamos que não decorre dos normativos legais do citado diploma qualquer classificação dos prédios urbanos que os distinga entre prédios em propriedade horizontal versus prédios em propriedade vertical.

Se o legislador os qualifica como uma mesma realidade jurídico-fiscal, claudicará sustentação legal à aplicação de diferentes regimes fiscais por força da natureza jurídico-civilística que um prédio urbano com afectação habitacional detenha.

É verdade que o art. 2.º, 4, do CIMI, determina que, "para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio". Porém, é também verdade que o mesmo não estabelece qualquer diferenciação entre as fracções autónomas dos prédios em propriedade horizontal estas e as partes do prédio com utilização independentemente da classificação enquanto prédios urbanos habitacionais.

Daqui resulta que o legislador pretendeu apenas, como fez, diferenciar os prédios urbanos considerando o seu destino normal, isto é, considerando o destino a que cada um deles está adstrito. Deste modo, obsta assim, do ponto de vista fiscal, a uma distinção que a lei civil prevê, entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical, não permitindo, contudo, que essa caracterização jurídica releve para aquilo que nos interessa, que é o âmbito de incidência do imposto, tanto do IMI como da verba 28.1 da TGIS, decorrente da mencionada remissão. 

Sendo assim, concluímos ser irrelevante, para efeitos de tributação, que o prédio esteja em propriedade vertical ou horizontal. É antes relevante a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização habitacional.

Aliás, atenta a intenção do legislador ao criar a verba 28 da TGIS e à aplicação que a AT lhe vem dando, considera-se que o critério por esta adotado quanto aos prédios em propriedade vertical não se adequa aos princípios da legalidade, igualdade e proporcionalidade fiscal, consagrados constitucionalmente no nosso ordenamento jurídico.

O princípio da igualdade fiscal deverá ser entendido no seu sentido material. Pelo que, a tónica deste princípio assentará sempre na capacidade contributiva de cada contribuinte. O mesmo é dizer que teremos um imposto igual para os que tiverem igual capacidade contributiva, e um imposto diferente para os que dispuserem de diferente capacidade contributiva. Certo é que, a diferença no imposto será proporcional à diferente capacidade contributiva. 

Este princípio é-nos imposto pela articulação do art. 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) com os arts. 103.º e 104.º do mesmo diploma.

Ora, o imposto estabelecido pela verba 28 da TGIS pretende harmonizar a repartição do esforço fiscal dos contribuintes, fazendo incidir este imposto sobre os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, que excedam € 1.000.000,00, por cada andar com utilização independente.

Com efeito, determinando o princípio da igualdade fiscal que se deve tratar fiscalmente de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente, não se justifica o tratamento diferenciado, para efeitos de tributação, dos andares de um prédio só pelo facto de o mesmo já se encontrar em propriedade horizontal, conquanto que esses andares tenham utilização independente.

E remetendo o CIS para o CIMI, consideramos que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes andares com utilização independente, deverá obedecer às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal.

Atente-se, desde logo, no disposto no n.º 3, do art. 12.º do CIMI, segundo o qual "cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário".

Fixar como valor de referência para a incidência do novo imposto o VPT global do prédio em causa, como pretende a AT, não encontra qualquer base na legislação aplicável e supra referida.

Aliás, a própria Requerida emitiu as notas de Liquidação que constam dos autos, sendo cada uma delas referente a cada uma das frações com utilização independente e afectação habitacional. Consta, inclusive, de cada delas particular referência ao VPT de cada fração, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS. Decorre daqui ter sido o imposto liquidado individualmente em relação a cada uma das partes com utilização independente e não considerando a soma dos VPT dos andares do prédio em propriedade total.

Face a todo o exposto, o critério legal a utilizar para definição da incidência do imposto estabelecido na verba 28.1 da TGIS terá de ser idêntico ao estabelecido para efeitos do IMI.

Como se pode ler na Decisão Arbitral proferida no processo 132/2013-T “não se vislumbra, nos trabalhos relativos à discussão da proposta de lei n.º 96/XII na Assembleia da República, a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada. Com efeito, justificou-se tal medida, apelidada de "taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor", com a necessidade de cumprir com os princípios da equidade social e da justiça fiscal, onerando mais significativamente os titulares de propriedades com elevado valor destinadas a habitação, e, nessa medida, fazendo incidir a nova "taxa especial" sobre as "casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros".

Prossegue ainda a referida decisão afirmando que “se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a «habitação» - seja ela «casa», «fracção autónoma» ou «parte de prédio com utilização independente» / «unidade autónoma» -, porque se supõe uma capacidade contributiva acima da média e, nessa medida, se justifica a necessidade de realização de um esforço contributivo adicional, pouco sentido faria passar a desconsiderar os apuramentos "unidade a unidade" quando só através do somatório dos VPTs das mesmas (porque detidas pelo mesmo indivíduo) é que se superaria o milhão de euros”.

Posto que, só assistiria razão à AT e, consequentemente, direito à liquidação do imposto em causa, se a algum dos andares com utilização independente correspondesse um VPT superior a € 1.000.000,00, o que não se verifica, pois o valor mais elevado corresponde apenas a € 138.964,71.

Depreende-se do que até aqui foi dito que a posição da AT é contrária à Lei e à Constituição, violando os princípios da legalidade e igualdade fiscal.

O prédio em causa encontra-se em propriedade total e contém 17 frações com utilização independente. Como se mostra provado, nenhum deles tem um VPT igual ou superior a €1.000.000,00. Observamos assim a não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na verba 28 da TGIS.

Em consequência do exposto, concluímos pela ilegalidade das liquidações de imposto de selo impugnadas pela Requerente. Deverá por isso a matéria colectável, que serve de base à norma de incidência da verba 28.1 da TGIS, ser o VPT determinado nos termos do CIMI, para cada um dos andares do prédio que sejam suscetíveis de utilização independente.

 

4. Decisão

Perante o supra descrito, decide-se julgar totalmente procedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo n.º 2014 ..., n.º 2014 ..., n.º 2014 ..., n.º 2014 ..., n.º 2014 ..., n.º 2014 ..., n.º 2014 ..., n.º 2014 ..., n.º 2014 ..., n.º 2014 ..., n.º 2014 ..., n.º 2014 ..., devendo as mesmas considerar-se nulas, com as necessárias consequências legais.

 

Valor do processo:

De acordo com o disposto nos arts. 306.º, 2, CPC, e 97.º-A, 1, a), CPPT, e 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da ação em € 3.237,49.

 

Custas:

Nos termos do artigo 22.º, 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00, devidas pela Autoridade Tributária.

 

Notifique.

 

Lisboa, 2 de abril de 2015.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do art. 131.º, 5, CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, 1, e), RJAT, com versos em branco e por mim revisto.

 

O árbitro singular

Ricardo Marques Candeias