Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 496/2021-T
Data da decisão: 2022-06-22  IVA  
Valor do pedido: € 393.531,36
Tema: IVA - Regime tax free regulado pelo Decreto-Lei n.º 295/87, de 31 de julho, no quadro da Diretiva 69/169/CEE do Conselho de 28-05-1969.

*Anulação da decisão arbitral recorrida no segmento impugnado, pelo Acórdão do STA – Processo n.º 104/22.9BALSB de 18.01.2023.
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SUMÁRIO:

I - O regime tax free (ou free tax) regulado pelo Decreto-Lei n.º 295/87, de 31 de julho, no quadro da Diretiva 69/169/CEE do Conselho 28-05-1969, na versão vigente entre 20-03-1987 e 22-12-1988, é aplicado a viajantes que saem do espaço da União Europeia e consiste na isenção de IVA de que beneficiam cidadãos viajantes, com residência habitual fora do território da União, nas aquisições de bens que não tenham carácter comercial, designadamente por apresentarem natureza ocasional e que se destinem exclusivamente a mercadorias reservadas ao uso pessoal ou familiar dos viajantes ou se destinem a oferta, não devendo traduzir, quer pela sua natureza, quer pela quantidade, qualquer preocupação de ordem comercial.

II – Não preenchem os requisitos necessários à isenção de IVA no regime tax free, as aquisições feitas por residente em Hong Kong, que é sócio e administrador da sociedade B... Ltd., que adquiriu em Portugal, a empresa portuguesa de comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia, no período que entre 28-01-2016 e 14-12-2016, pelo menos uma vez em cada mês, 115 relógios, sendo 108 da marca ...; transações essas cujo valor, acrescido de IVA, resultou no total de 1.594.168,00 €, tendo os pagamentos e reembolsos do IVA sido efetuados através da identificada empresa do titular das faturas e por uma outra sua empresa.

III – não obsta à asserção constante do ponto anterior, a exibição das faturas das aquisições emitidas pela Requerente e carimbadas pelas instâncias aduaneiras de saída do território da UE.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Manuel Luís Macaísta Malheiros (presidente), Eva Dias Costa e Nuno Maldonado Sousa (relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26-10-2021, acordam no seguinte:

1.Relatório

A..., Lda., com sede na ..., ..., Loja ..., pessoa coletiva n.º..., doravante designada como “Requerente”, requereu a constituição de tribunal arbitral ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do regime jurídico da arbitragem em matéria tributária constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral onde peticionou (i) a anulação do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou previamente; (ii) a anulação dos atos de liquidação de IVA n.ºs 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., referentes aos períodos tributários de janeiro a dezembro de 2016, os atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2020... a 2020..., referentes aos períodos tributários de janeiro a dezembro de 2016, respetivamente; e (iii) o reembolso do montante de imposto indevidamente pago no montante de € 393 531,36, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor.

É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada apenas por “AT” ou por “Requerida”.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 23-08-2021 e foi notificado à Requerida na mesma data.

Os árbitros já identificados e signatários manifestaram a aceitação das suas funções no prazo legal. Em 07-10-2021 as partes foram notificadas da designação dos árbitros e não manifestaram intenção de a recusar, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 26-10-2021. Em 18-04-2022 foi proferido por este Tribunal despacho de prorrogação do prazo para a decisão, pelo período de dois meses, com termo inicial em 28-04-2022.

A Requerida apresentou resposta em 30-11-2021, que concluiu afirmando que o pedido de pronúncia arbitral não deve proceder devendo a AT ser absolvida de todos os pedidos. Foi nessa altura junto pela Requerida e foi devidamente incorporado nos autos, o processo administrativo digitalizado, composto por quatro ficheiros.

Em 26-01-2022 foi realizada reunião do Tribunal Arbitral com as partes e nessa diligência foi produzida prova testemunhal proposta pela Requerente e tomadas declarações de parte pelo sócio-gerente da Requerente, ... . Sequente à reunião foram apresentadas alegações escritas, sucessivamente pela Requerente e pela Requerida, que mantiveram as posições assumidas nos articulados.

2.Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, em subordinação com as normas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo regime e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades nem há questões prévias que devam ser resolvidas.

3.Decisão sobre a matéria de facto

3.1.Factos alegados pelas partes

Ficaram assentes os seguintes factos que foram alegados pelas partes ou que constam do RIT, como fundamento dos atos impugnados:

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas, com o capital social de € 74.819,69, que tem como atividade o comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia. (PPA,1.º; PA1, p. 40)
  2. A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária de âmbito parcial incidente sobre o IVA do período tributário de 2016, titulado pela Ordem de Serviço n.º OI2019... . (PPA,14.º: PA1, p. 39)
  3. Por ofício datado de 20-10-2019 a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária no qual a Administração Tributária considerou que existiram regularizações indevidas de IVA a favor da empresa, por errónea aplicação do regime de Tax Free, tendo proposto efetuar correções no montante total de € 337.427,78. (PPA, 16.º: respetivo doc. 5)
  4. Por discordar do entendimento constante do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária da Administração tributária, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia. (PPA, 18.º: respetivo doc. 6)
  5. Por ofício expedido em correio registado em 10-11-2020, a Requerente foi notificada para os termos do Relatório de Inspeção Tributária, elaborado com base no do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária. (PPA, 18.º: doc. 7; PA1, p. 30)
  6. No RIT[1], para além do mais, consta do parecer da Coordenadora da Equipa, que mereceu parecer favorável da Chefe de Divisão, com poderes que lhe foram subdelegados pelo Diretor de Finanças Adjunto (PA1, p. 34 e p. 33[2]):

No âmbito da análise externa, realizada, ao exercício de 2016, foram apuradas situações passíveis de correção. As irregularidades traduziram-se em correções de natureza meramente aritmética em sede de IVA, por infração aos Artºs.14º, 27º e 78º, todos do CIVA, as quais se encontram descritas e quantificadas no ponto III, do relatório.

 

Descrição

Montante

IVA em falta – Regularização Indevida

337.427,78 €

As correções respeitam a regularizações indevidas efetuadas a favor do sujeito passivo, nomeadamente:

•   € 298.096,46 - por não reunirem as condições para a isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, respeitante às faturas emitidas ao cliente C... .

•   € 39.331,32 - por não ter na sua posse, em conformidade com o estipulado no artº 78º nº 5 do CIVA, prova de que o adquirente foi reembolsado do imposto pelo que se consideraram indevidas as suas deduções.

 

  1. C... consta como destinatário das faturas emitidas pela Requerente, juntas como documento n.º 8 do PPA, que pela sua extensão e detalhe aqui se dão por reproduzidas, identificadas sumariamente no quadro seguinte: (PPA, 22.º: respetivo doc. 8).

 

  1. C... é residente em Hong Kong, China. (PPA, 23.º: PA, p. 127)
  2. Após o recebimento de cópia das faturas carimbadas pelas estâncias aduaneiras, a atestar a saída dos bens do território da União Europeia, a Requerente desencadeou o procedimento tendente a reembolsar o IVA suportado por C... na aquisição dos bens e regularizar o valor reembolsado, em seu favor, mediante preenchimento do campo 40 da declaração periódica. (PPA, 23.º: PA1. Pp. 43-44)
  3. No RIT consignou-se a base da ação inspetiva da seguinte forma, para além de tudo o mais que consta do documento (PA1, p. 42):

II.3.5 - Transferências transfronteiras

Conforme foi referido no capítulo 11.2, a ação inspetiva teve por base os dados da declaração Modelo 38 - Declaração de Operações Transfronteiras, através da qual as instituições de crédito e sociedades financeiras comunicam à Autoridade Tributária e Aduaneira, as transferências financeiras que tenham como destinatário, entidade localizada em país, território ou região com regime de tributação privilegiada mais favorável, em cumprimento do nº 2 do artigo 63°-A da Lei Geral Tributária.

No exercício de 2016 a sociedade A..., Lda., NIF ..., consta na declaração Modelo 38, a qual contém a seguinte informação:

 

Quadro 6 - Informação da Declaração Modelo 38 - Ano 2016

 

Sujeito passivo

 

 

Entidade declarante

 

 

Entidade e País Beneficiários

 

Montante das Transferências

 

NIF

NIF

Nome

Designação

Código/

País

D…, SA

F…, SA

Suíça

4.402.210,22 €

 E…, SA

B… Ltd

H Kong

271.399,64 €

 

Total

4.673.609,86 €

 

 

  1. No RIT, para além do mais, consignou-se a descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas, relativas ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), e às respetivas regularizações a favor do sujeito passivo, nos seguintes termos (PA1, pp. 43-44):

III.1- Imposto sobre o Valor Acrescentado - IVA

III.1.1       - Regularizações de IVA a favor do Sujeito Passivo

Os valores inscritos no campo 40 - Regularizações a favor do Sujeito Passivo, no montante total de 681.820,17 €, respeitam essencialmente a regularizações no âmbito do Regime do Decreto-Lei 295/87 de 31/07, conforme se verifica no Quadro 7.

(…)

Com os elementos da contabilidade e com os dados obtidos do ficheiro SAFT da faturação, foi possível determinar as vendas para o Mercado Externo no montante de 4.414.883,49 €, as quais representam cerca de 73% das vendas totais e efetuar a sua repartição por produto, conforme consta no Quadro 8.

 

Quadro 8 – Vendas para o Mercado Externo – Repartição por tipo de produto

 

 

 

Produto

Mercado Externo

Artigo 14° nº1 a) do CIVA

Artigo 14°

do RITI

Artigo 14° nº 1 b) do CIVA - "Tax Free"

Total

"Tax Free" sem intervenção da soc. G…

 

"Tax Free" com

intervenção da

soc. G...

 

Total

1

2

3

4

5

6=4+5

7=2+3+6

Relógios – marca…

1.375.726,98

152.602,02

2.517.008,99

303.894,32

2.820.903,31

4.349.232,31

Relógios - Várias marcas

2.039.29

 

2020.176,13

40.118,69

60.294,82

62.334,11

Artigos de ourivesaria

 

 

 

3.317,07

3.317,07

3.317,07

Totais

1.377.766,27

152.602,02

2.537.185,12

347.330,08

2.884.515,20

4.414.883,49

 

 

Os dados do Quadro 8 foram extraídos do Quadro A do Anexo onde estão discriminadas todas as faturas e contém o detalhe destas vendas (págs. 3 a 8 do Anexo).

 

Do Quadro 8 destacam-se as vendas efetuadas com isenção de IVA prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 14º do CIVA, no total de 2.884.515,20€ (2.537.185,12€ + 347.330,08€), que representam cerca de 48% do total das vendas.

 

A alínea b) do nº 1 do artigo 14° do CIVA estabelece que estão isentas do imposto, as transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade por um adquirente sem residência ou estabelecimento em território nacional ou por um terceiro por conta deste.

 

Esta isenção foi objeto de regulamentação, no que respeita a transmissão de bens para fins privados transportados a bagagem pessoal de adquirentes residentes em países não pertencentes à Comunidade Europeia, pelo Decreto-Lei 295/87, de 31 de julho, cujo regime é vulgarmente conhecido por "Tax Free", o qual transpôs para o direito interno português, as disposições da Diretiva 69/169/CEE.

 

O Decreto-Lei 295/87, determina as formalidades a cumprir para que se verifique a isenção prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 14° do CIVA, pelo que importa analisar as condições referidas neste diploma para que possa ser aplicada aquela isenção.

 

  1. No RIT, para além do mais, retrataram-se do seguinte modo os procedimentos praticados pela Requerente (PA1, p.45, RIT):

Procedimentos praticados pela sociedade

1 - A sociedade A..., exigiu do adquirente no ato da venda o valor do imposto, conforme está previsto no artº 5° do referido Decreto-Lei, tendo inscrito o valor da venda na declaração periódica do IVA no campo 3 e o imposto liquidado no campo 4.

 

Deste modo, nestas vendas, a isenção foi concedida através do mecanismo do reembolso do IVA, também previsto no artigo 5º daquele Decreto-Lei.

 

2 - O reembolso do IVA, foi efetuada de duas formas:

- Reembolso ao cliente pela! sociedade de intermediação financeira, G... Lda., NIF ..., com a qual a entidade celebrou contrato para o serviço de restituição do imposto.

Neste caso a sociedade G... reembolsa ao adquirente o Imposto cobrado pela sociedade A... e fatura-o posteriormente a esta sociedade.

- Reembolso direto ao cliente pela sociedade A..., Lda., quando não há intervenção da sociedade G... .

 

3 - A regularização do IVA a lavor do Sujeito Passivo é efetuada no campo 40:

- Após a receção da fatura da sociedade G..., nos casos em que o IVA foi reembolsado ao adquirente p:or esta sociedade.

O montante desta regularização foi de 85.033,27€, conforme consta no Quadro 7.

- Após a receção da fatura devidamente carimbada pela estância de saída do território aduaneiro da Comunidade Europeia, nos casos do reembolso direto ao adquirente pela sociedade A..., Lda.

O montante desta regularização foi de 584.943,80€, conforme consta no Quadro 7.

 

  1. No RIT, para além do mais, descreveram-se da seguinte forma as vendas efetuadas no regime Tax Free, sem intervenção da sociedade G... Lda., efetuadas ao cliente C... (PA1, pp.46-48, RIT):

III.1.1.1    - Vendas efetuadas ao abrigo do regime do Decreto-Lei 295/87 "Tax Free" sem intervenção da sociedade G...

 

1 - Vendas efetuadas ao cliente C...

Foram efetuadas vendas a clientes não residentes ao abrigo do regime do Decreto-Lei 295/87 de 31/07, vulgarmente conhecido por "Tax Free", no montante de 2.537.185,12€, com isenção de IVA.

Este montante corresponde às vendas efetuadas, sem intervenção da sociedade C..., a 51 cidadãos, sendo que 51% daquele montante, corresponde a vendas efetuadas apenas a um cliente,  C..., cidadão de Hong Kong, no montante de 1.296.071,55 €, tituladas pelas faturas identificadas no Quadro 9.

 

Quadro 9 – Faturas emitidas a C...

 

 

 

N" FT

 

Data

 

Qt.

 

Valor Bruto

 

Descontos

Valor sem

IVA

IVA

Liquidado

Total da fatura

 

Obs.

 

1

 

2

3

4

5

6 =4- 5

7-6x23%

8=6+7

9

1

9111416

28-01-2016

8

125.772,36

25.408,13

100.364,23

23,083,77

123.448,00

(1) (2) (3)

2

9111448

16-02-2016

8

140.406,50

33.247,97

107.158,54

24.646,46

131.805,00

(1)(3)

3

9111449

16-02-2016

2

6.113,82

1.528,45

4.585,37

1.054,63

5.640,00

(1) (3)

4

9111479

15-03-2016

8

115.162,60

25.105,68

90.056,91

20.713,09

110.770,00

(1) (3)

5

9111480

15-03-2016

2

5.869,92

1.467,48

4.402,44

1.012,56

5.415,00

(1) (3)

6

9111515

19-04-2016

8

127.398,37

28.333,26

99.065,03

22.784,97

121.850,00

(1) (3)

7

9111542

23-05-2016

10

134.146,34

28.674,85

105.471,56

24.258,44

129.730,00

(1) (3)

8

9111576

23-06-2016

9

138.170,73

29.113,83

109.056,91

25.083,09

134.140,00

(1) (3)

9

9111603

14-07-2016

8

111.544,72

22.512,19

89.032,52

20.477,48

109.510,00

(1) (3)

10

9111643

17-08-2016

2

13.658,54

0,00

13.658,54

3.141,46

16.800,00

(1) (3)

11

9111644

17-08-2016

7

103.373,93

25.065,03

78.308,95

18.011,05

96.320,00

(1) (3)

12

9111676

14-09-2016

1

13.658,54

3.414,64

10.243,90

2.356,1O

12.600,00

(1) (3)

13

9111677

14-09-2016

8

133.699,19

33.951,17

99.747,96

22.942,04

122.690,00

(1) (3)

14

9111678

14-09-2016

3

23.211,38

0,00

23.211,38

5.338,62

28.550,00

(1) (3)

15

9111719

19-10-2016

2

16.219,51

0,00

16.219,51

3.730,49

19.950,00

(1) (3)

18

9111720

19-10-2016

8

156.382,11

38.211,34

118.170,72

27.179,28

145.350,00

(1) (3)

17

9111756

16-11-2016

3

23.089,43

0,00

23.089,43

5.310,57

28.400,00

(1) (3)

18

9111757

16-11-2016

9

116.284,55

28.130,04

88.154,46

20.275,54

108.430,00

(1) (3)

19

9111788

14-12-2016

2

16.300,81

0,00

16.300,81

3.749,19

20.050,00

(2) (4)

20

9111790

14-12-2016

7

135.203,25

35.430,96

99.772,37

22.947,63

122.720,00

(1) (4)

Totais

116

1.656.666,60

369.696,02

1.296.071,54

298.096,46

1.694.168,00

 

(1) Fatura paga pela sociedade H... Limited

(2) Fatura paga pela sociedade B...Ltd

(3) Reembolso do IVA efetuado para a sociedade B...  Ltd. em 2016

(4) Reembolso do IVA efetuado para a sociedade B... Ltd em 2017

 

Estas vendas apresentam as seguintes caraterísticas:

- As vendas estão tituladas por 20 faturas, emitidas entre 28-01-2016 e 14-12-2016, correspondendo a uma data por cada mês;

- Em 15 faturas foram concedidos descontos no montante de 359.595,02 € que corresponde a um desconto de 23%;

- Foram vendidos a este cliente 115 relógios, sendo 108 da marca ...;

- Em todas as faturas consta um carimbo aposto pela estância de saída do território aduaneiro da Comunidade Europeia, neste caso do Reino Unido, a qual certifica a exportação, em cumprimento do art. 3° nº 2 do Decreto-Lei 295/87 de 3107;

- As faturas emitidas em nome do cidadão C..., foram pagas por duas sociedades, com sede em Hong Kong, indicadas na coluna 9 do Quadro 9, pelos montantes indicados no Quadro 10.

 

Quadro 10 - Titulares do pagamento das faturas

Titulares do pagamento das faturas

 

Valor Liquido

IVA

Montante c/ IVA

H…

1.261.595,12

290.166,88 €

1.551.762,00 €

B… Ltd

34.476,42

7.929,58 €

42.406,00 €

Total

1.296.071,54

298.096,46 €

1.594.168,00 €

- A devolução do IVA foi efetuada à sociedade B... Ltd, no montante de 271.399,64 €.

 

O restante valor do IVA de 26.696,82 € (298.096,46€ - 271.399,64€) respeita às faturas nºs 9111788 e 9111790 datadas de 14-12-2016 que não foi reembolsado no ano de 2016;

 

As faturas e os documentos comprovativos do recebimento e da devolução do IVA, constam nas págs. 9 a 60 do Anexo.

 

Face às caraterísticas destas vendas foi solicitado à sociedade para:

- Justificar o desconto de 23% nas vendas efetuadas a este cliente;

- Indicar a razão para o pagamento das faturas não ser efetuado pelo próprio, mas ser efetuado quase na totalidade pela sociedade H... e indicar a razão para que o reembolso do IVA tenha sido efetuado a outra sociedade distinta, a sociedade B...

- Esclarecer a relação do cliente C... com aquelas duas sociedades.

 

(Págs. 61 a 63 do Anexo):

 

Em resposta, a sociedade referiu o seguinte, conforme consta no e-mail recebido em 28-04-2020 (págs. 65 e 66 do Anexo):

 

Quanto aos descontos:

- Em termos de desconto comercial, foi feito com o cliente C..., um acordo de 23%, o que lhes permitiu chegar a mercados a que não tinham acesso, permitindo-lhes vender determinado tipo de peças de elevado valor que dificilmente conseguiriam vender a clientes nacionais;

- Aquele cliente estabeleceu esta parceria com a sociedade com base naquele desconto, bem como pelo facto de sendo residente em Hong Kong, beneficiar da Isenção do IVA na Exportação.

 

Quanto às sociedades:

- O cliente C... e a sua esposa são os donos da firma B... LTO, tendo enviado como comprovativo o documento que consta na pág. 67 do Anexo.

 

A devolução do valor do IVA é feita para esta sociedade por indicação do cliente, dado ser a sua empresa em Hong Kong;

 

As faturas foram emitidas em seu nome apenas pelo facto do próprio assim o ter solicitado, visto que era ele próprio que levantava presencialmente os produtos na loja, uma vez que só assim poderia beneficiar da Isenção do IVA na Exportação;

 

O pagamento das faturas foi feito, na maioria das vezes, através da sociedade H..., pois era através desta sociedade que ele efetuava a conversão cambial de Hong Kong de Dólares para Euros.

 

 

  1. No anexo ao RIT, para além do mais, consta a resposta da Requerente à questão que lhe foi apresentada pela AT, referidas no ponto anterior, de “Indicar a razão para o pagamento das faturas não ser efetuado pelo próprio, mas ser efetuado quase na totalidade pela sociedade H... e indicar a razão para que o reembolso do IVA tenha sido efetuado a outra sociedade distinta, a sociedade B... Ltd.” cujo teor integral é o seguinte (PA1, pp.125-126, RIT, anexo):

Relativamente à segunda questão colocada o cliente C... é o dono, juntamente com a sua esposa, da firma B... LTD (documento em anexo). A devolução do valor do IVA é feita para esta sociedade por indicação do cliente, visto tratar-se de ser a sua empresa em Hong Kong. O pagamento das facturas foi feito, na maioria das vezes, através da sociedade H... pois era através desta sociedade que ele efectuava a conversão cambial de Hong Kong Dólares para Euros. As facturas foram emitidas em seu nome apenas pelo facto do próprio assim o ter solicitado, visto que era ele próprio que levantava presencialmente os produtos na nossa loja. Só assim poderia beneficiar da Isenção do IVA na Exportação.

Relativamente.ao percurso efectuado pelo próprio aquando das suas deslocações à Europa não sabemos da forma como o mesmo se deslocava. No entanto, pensamos que pelo facto de não haver voos directos de Lisboa para Hong Kong e tendo o Reino Unido uma relação privilegiada com Hong Kong é natural que o mesmo entre e saia da Europa por este país.

 

  1. No RIT, para além do mais, a propósito das vendas efetuadas ao abrigo do regime do Decreto-Lei 295/87 Tax Free sem intervenção da sociedade G..., Lda. ao cliente C... concluiu-se que (PA1, pp.49, RIT):

Dadas as caraterísticas das vendas efetuadas ao cliente C... e tendo em conta os esclarecimentos prestado pela sociedade, atrás descritos, deve concluir-se que os bens adquiridos por aquele cliente se destinam a fins comerciais, tendo por base os seguintes fundamentos:

- Foi feito com o cliente um acordo com um desconto comercial de 23%, tendo sido estabelecida uma parceria com base naquele desconto;

- O montante das vendas é elevado, 1.655.666,60€ sem IVA, sendo de 359.595,02€ o montante dos descontos comerciais concedidos;

- A quantidade de artigos adquiridos é também elevada, 115 relógios, sendo 108 da mesma marca ...;

- A devolução do IVA foi efetuada para a sociedade B..., Ltd, com sede em Hong Kong, da qual é proprietário o cliente C... e esposa.

- Foi referido pela sociedade que as faturas foram emitidas em seu nome apenas pelo facto do próprio assim o ter solicitado, visto que era ele próprio que levantava presencialmente os produtos na loja, uma vez que só assim poderia beneficiar da Isenção do IVA na Exportação.

 

Desta afirmação pode presumir-se que as aquisições se destinavam à sociedade B..., Ltd, sendo as faturas emitidas em nome do seu sócio C... .

 

Com os fundamentos descritos, concluiu-se que as vendas efetuadas a este cliente, se destinaram a fins comerciais.

 

Assim, embora estando a exportação certificada pela aposição de carimbo nas faturas pela estância de saída do território aduaneiro da Comunidade Europeia, neste caso o Reino Unido, face ao dispo to no artº 1° nºs 1 e 2 do Decreto-Lei 295/87 de 31/07, considera-se não estarem reunidas as condições para a isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do C'IVA, relativamente às faturas emitidas ao cliente C..., tendo por base os fundamentos atrás descritos.

 

Face ao exposto, considera-se indevida a regularização do IVA a favor do Sujeito Passivo no campo 40, relativa às faturas emitidas ao cliente C..., no montante de 298.096,46€, discriminado por período no Quadro 12.

 

  1. No RIT, para além do mais, descreveram-se da seguinte forma os procedimentos seguidos nas vendas efetuadas no regime Tax Free, sem intervenção da sociedade G... Lda., efetuadas a outros clientes não residentes (PA1, pp.50-51, RIT):

2 – Vendas efetuadas a outros clientes não residentes

Conforme foi descrito nos procedimentos praticados pela sociedade, após a receção da fatura devidamente carimbada pela estância de saída do território aduaneiro da Comunidade Europeia, a sociedade regulariza a seu favor o IVA no campo 40 das declarações periódicas do IVA e efetua o reembolso direto ao cliente, quando não há intervenção da sociedade G... .

 

Relativamente às vendas tituladas pelas faturas identificadas no Quadro 11, em que não houve intervenção da sociedade G..., a prova do reembolso do IVA recolhida na sociedade foram Cheques ao Portador.

 

 

Quadro 11 - Faturas cujo reembolso do IVA está titulado por Cheques ao Portador

 

 

 

 

Nº FT

 

Data da FT

 

Titular da Fatura

 

Valor Líquido

 

Valor do IVA

 

Valor Total

 

Data Cheque

Nº Doc. (Fatura)

Nº Doc. (Cheque)

 

1

9111390

08-01-2016

I…

5.926,83€

1.363,17€

7.290,00 €

20-01-2016

1125

1117

 

2

9111432

04-02-2016

J…

5.853,66 €

1.346,34€

7.200,00 €

09-03-2016

2147

4116

 

3

9111434

08-02-2016

K…

8.333,33 €

1.916,67 €

10.250,00 €

28-03-2016

2163

3123

 

4

9111497

01-04-2016

L…

6.097,56 €

1.402,44 €

7.500,00 €

20-04-2016

4110

4071

 

5

9111561

09-06-2016

M…

23.195,12€

5.334,88€

28.530,00 €

12-07-2016

6130

7081

 

6

9111634

08-08-2016

N…

4.065,04€

934,96€

5.000,00 €

17-10-2016

9124

10115

 

7

9111674

13-09-2016

J…

9.430,89€

2.169,11 €

11.600,00 €

26-09-2016

9127

9068

 

8

9111690

22-09-2016

O…

7.804,88 €

1.795,12€

9.600,00 €

03-10-2016

9135

10117

 

9

9111694

26-09-2016

J…

6.869,92 €

1.580,08 €

8.450,00 €

31-10-2016

9136

12234

 

 

10

9111725

24-10-2016

M…

8.943,09€

2.056,91 €

11.000,00 €

14-11-2016

10130

11099

 

 

11

9111738

07-11-2016

K…

6.788,62€

1.561,38€

8.350,00 €

21-12-2016

11151

12144

 

 

12

9111739

07-11-2016

P…

22.764,23 €

5.235,77 €

28.000,00 €

14-12-2016

11155

12230

 

 

13

9111795

15-12-2016

Q…

 

 

54.932,51 €

12.634,49€

67.567,00 €

16-02-2017

12157

8141

 

 

 

Totais

171.005,68 €

39.331,32 €

210.337,00 €

 

                             
 

 

No decurso do procedimento inspetivo, foram solicitados à sociedade os seguintes elementos e esclarecimentos:

- Justificação da utilização de Cheque ao Portador para devolução do IVA a não residentes;

- Apresentar prova do reembolso do IVA aos clientes, em cumprimento do artº 78° nº 5 do CIVA, relativamente às faturas indicadas no Quadro 11.

 

(Pág. 63 do Anexo).

 

Em resposta referiu o seguinte:

"Quanto aos cheques ao portador, que eram por nós levantados no Banco, destinavam­ se a efetuar o pagamento do valor do IVA aos clientes a quem cobrámos este mesmo valor aquando da emissão das faturas. Eram os próprios clientes, que nos informavam da sua vinda a Lisboa já com a respetiva fatura certificada pela Alfândega e nos solicitavam que o pagamento fosse feito em numerário."

 

"Quanto à prova do reembolso do IVA enviamos, em anexo, cópias de todos os cheques ao portador." (Pág. 65 do Anexo).

 

  1. No RIT, para além do mais, a propósito das vendas efetuadas ao abrigo do regime do Decreto-Lei 295/87 Tax Free sem intervenção da sociedade G..., Lda., efetuadas a outros clientes não residentes concluiu-se que (PA1, p.51, RIT):

Tendo em conta o que foi referido, nomeadamente, quanto ao levantamento dos Cheques ao Portador ser efetuado pela própria empresa, considera-se que não existe prova de que os adquirentes foram os efetivos beneficiários desses cheques, ou seja, de que foram reembolsados do imposto.

 

Nos termos do artº 78° nº 5 o CIVA, quando o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto sofrerem retificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efetuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respetiva dedução.

 

Deste modo, embora estando a exportação certificada, pela aposição de carimbo nas faturas, pelas estâncias de saída do território aduaneiro da Comunidade Europeia, a inexistência de prova do reembolso do IVA aos adquirentes, face ao disposto no artº 78º nº 5 do CIVA, considera-se indevida a regularização do IVA a seu favor no montante total de 39.331,32€, discriminado por período no Quadro 12.

 

As cópias das Faturas e dos Cheques[3] ao Portador constam nas págs. 69 a 94 do Anexo.

 

  1. No RIT, para além do mais, consignou-se o seguinte “resumo das correções” (PA1, pp. 51-52):

Com os dados dos Quadros 9 e 11, resumem-se e determinam-se no Quadro 12, os montantes da regularização indevida do IVA, por período, no total de 337.427,78 €.

 

As regularizações foram relistadas na conta 243418 - Regularizações a favor da empresa e indicam-se no Quadro 12 os nºs dos documentos contabilísticos

 

Quadro 12 - Regularização Indevida - Campo 40

Período

C…

Outros Clientes

Total

Quadro 9

Quadro 11

Doc. lnt

Valor do IVA

Doc. lnt

Valor do IVA

2016 01

1127

23.083,77

1125

1.363,17€

24.446,94 €

2016 02

2145/2146

25.701,09

2147/2163

3263,01

28.964,10 €

2016 03

3137/3138

21.725,65

 

 

21.725,65 €

2016 04

4105

22.784,97

4110

1.402,44 €

24.187,41 €

2016 05

5122

24.258,44

 

 

24.258,44€

2016 06

6126

25.083,09

6130

5.334,88 €

30.417,97 €

2016 07

7123

20.477,48

 

 

20.477,48 €

2016 08

8112/8113

21.152,51

9124

934,96 €

22.087,47 €

2016 09

9131/9132/9133

30.636,76

9127/9135/9136

5.544,31 €

36.181,07€

2016 10

10125/10126

30.909,77

10130

2.056,91 €

32.966,68 €

2016 11

11162/11163

25.586,11

11151/11155

6.797,15 €

32.383,26 €

2016 12

12158/12159

26.696,82

12157

12.634,49 €

39.331,31 €

Totais

 

298.096,46

 

39.331,32

337.427,78 €

 

 

 

  1. A AT efetuou e enviou à Requerente os atos de liquidação de IVA n.ºs 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., referentes aos períodos tributários de janeiro a dezembro de 2016, respetivamente, no valor total de € 337.428,01 (PPA, 29: doc. 2 da mesma peça).
  2. A AT efetuou e enviou à Requerente os atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2020... a 2020..., referentes aos períodos tributários de janeiro a dezembro de 2016, respetivamente, no valor total de € 56.303,35. (PPA, 29: doc. 3 da mesma peça)
  3. A AT efetuou e enviou à Requerente as Demonstrações de Acerto de Contas n.ºs 2020 ... a 2020 ... das quais resulta um valor, a pagar, no montante global de € 393 531,36. (PPA, 29: doc. 4 da mesma peça)
  4. Por discordar das correções efetuadas pela Administração Tributária, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, nos exatos termos que dela constam e que pela sua extensão e detalhe aqui se dão por reproduzidos, documento que deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa ... em 08-01-2021. (PPA, 30.º: respetivo doc. 9; PA2, pp. 2-206).
  5. Na sua reclamação graciosa a Requerente declarou ter diligenciado a obtenção de documentação dos clientes indicados para demonstrar que os valores do IVA lhes foram reembolsados e remeteu a discriminação para o documento que então juntou sob o n.º 8. (PPA, 30.º: doc. 8, inserido no PA2, pp. 2-206, em especial a pp. indicadas).

 

 

 

 

Página

do PA2

Nº FT

 

Data da FT

 

Titular da Fatura

 

Valor do IVA

 

Valor Total

 

 

172

9111390

08-01-2016

M…

1.363,17€

7.290,00 €

 

 

157

9111432

04-02-2016

J…

1.346,34€

7.200,00 €

 

 

169

9111434

08-02-2016

K…

1.916,67 €

10.250,00 €

 

 

154

9111497

01-04-2016

L…

1.402,44 €

7.500,00 €

 

 

174

9111561

09-06-2016

M…

5.334,88€

28.530,00 €

 

 

159

9111674

13-09-2016

J…

2.169,11 €

11.600,00 €

 

 

161

9111694

26-09-2016

J…

1.580,08 €

8.450,00 €

 

 

 

176

9111725

24-10-2016

M…

2.056,91 €

11.000,00 €

 

 

 

167

9111738

07-11-2016

K…

1.561,38€

8.350,00 €

 

 

 

164

9111795

15-12-2016

Q…

12.634,49€

67.567,00 €

                     
 

 

  1. A Requerente foi notificado por ofício datado de 17 de maio de 2021, da proposta de decisão de indeferimento da reclamação graciosa e dos respetivos fundamentos e exerceu o seu direito de audição prévia no dia 2 de junho de 2021. (PPA, 31.º e 32.º: respetivos docs. 10 e 11).
  2. A Requerente foi notificada por ofício datado de 12 de julho de 2021, da prolação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa. (PPA, 33.º: respetivo doc. 1).
  3.  Nos dias 2, 3, 4, 7, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17 e 18 de dezembro de 2020 a Requerente procedeu ao pagamento do montante liquidado no total de € 393 531,36 (PPA, 155.º: respetivo doc. 13).

3.2.Factos instrumentais que resultam da instrução da causa

  1.  Os cheques ao portador, cujas fotocópias foram apresentadas para justificar a restituição do IVA aos clientes foram levantados pela Requerente ou por seus colaboradores (PA1, pp. 125-126).

3.1.Fundamentação do julgamento da matéria de facto

Toda a matéria de facto está devidamente documentada nos autos, por ter sido junta pela Requerente ao seu PPA ou por constar do processo administrativo. Note-se que nenhum documento foi impugnado pelas partes. O Tribunal considerou esses documentos idóneos e suficientes para responder afirmativamente no julgamento da matéria de facto. Indica-se em cada facto a peça em que ele foi alegado e o documento que o prova.

Foi produzida prova testemunhal e declarações de parte pela Requerente, que ajudaram à compreensão global do funcionamento das operações subjacentes aos atos impugnados.

A reprodução de parte do RIT na seleção da matéria de facto assente não pretende isolar qualquer dos seus elementos como “facto” no sentido processual, que o não tem. Como está em causa a anulação de atos tributários, com base na invocada ilegalidade nos seus fundamentos, os elementos do RIT funcionam afinal como pressupostos (ou premissa menor) a que este Tribunal terá de aplicar o direito (ou premissa maior).

3.2.Factos não provados

Em 21.º do PPA a Requerente sustenta que C... é um cliente da Requerente, tendo adquirido, pessoalmente, relógios que transportou consigo para Hong Kong. É sempre complexo decidir se esta afirmação constitui questão de facto ou questão de direito, consoante se entenda que o termo “cliente” tem o significado popular de frequentador da loja ou se é empregue na sua aceção jurídica, i.e., de sujeito da relação comercial e também da relação jurídico-tributária. Crê-se que neste caso concreto, o vocábulo só pode ser entendido com o sentido técnico jurídico de sujeito da relação comercial de compra e venda. Em consequência não se considera provada, por não ter natureza factual, a afirmação que consta de 21.º do PPA.

Não constam dos autos os documentos que a Requerente, na sua reclamação graciosa, declarou ter obtido dos clientes indicados para demonstrar que os valores do IVA lhes foram reembolsados: (veja-se PA2, pp. 2-206, em especial pp. 154-174).

 

 

 

 

 

Página

do PA2

Nº FT

 

Data da FT

 

Titular da Fatura

 

Valor do IVA

 

Valor Total

 

 

 

9111634

08-08-2016

N…

934,96€

5.000,00 €

 

 

 

9111690

22-09-2016

O…

1.795,12€

9.600,00 €

 

 

 

 

9111739

07-11-2016

P…

5.235,77 €

28.000,00 €

                     
 

 

4.O direito

4.1.Os fundamentos do pedido da Requerente

A Requerente sustenta o seu pedido (i)  na falta de fundamentação dos atos que deram lugar às liquidações; (ii) na aplicabilidade do regime tax free às transações protagonizadas por C...; (iii) por a AT não ter ilidido a presunção de veracidade de que gozam as declarações dos contribuintes e ter violado o princípio do inquisitório. Subsidiariamente afirma ainda que as vendas a C... sempre estariam isentas de imposto. Sustenta também o seu pedido relativamente à anulação de correções a transações com “outros clientes” no valor de € 39.331,32 na existência de prova documental e nas regras do ónus da prova. A Requerente fundamenta o seu pedido de anulação das liquidações de juros na sua inconsequência face à procedência do seu pedido principal e na falta de verificação do pressuposto de que o retardamento na liquidação do imposto se deve a facto que lhe seja imputável, como exige o artigo 35.º, n.º 1, da LGT.  Como consequência da total procedência do seu pedido, que sustenta, a Requerente peticiona o reembolso do imposto pago e o recebimento de juros indemnizatórios.

Relativamente à falta de fundamentação e incongruência do RIT que originou as liquidações impugnadas, omitindo o dever de indicar os factos de forma clara e coerente e de sustentar as suas conclusões com as correspondentes disposições legais (39.º, 42.º, 43.º do PPA), considerando que violam as normas do artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 77.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e do artigo 153.º do Código do Procedimento Administrativo. Na tese da Requerente era necessário que esta, enquanto contribuinte destinatário da decisão, ficasse, minimamente, ciente do iter volitivo da Administração Tributária no que concerne à determinação do imposto em falta, pelo que a violação destes requisitos da decisão implica a respetiva ilegalidade (49.º do PPA). Considera ainda que a Administração Tributária limitou-se a elencar meros juízos conclusivos e que esses elementos não representam a fundamentação legalmente exigida e que, em todo o caso, evidenciam um profundo alheamento da realidade prática deste tipo de operações (52.º do PPA). Afirma também que a AT não fundamenta o que se deve entender, em concreto, por natureza comercial das operações, para que possa, nessa medida, concluir pelo incumprimento do regime especial de IVA previsto para este tipo de operações (53.º do PPA).

Na perspetiva dos elementos de prova, a Requerente considera que forneceu à Administração tributária elementos que demonstram o preenchimento dos requisitos previstos no Decreto-lei n.º 295/87 de 31 de julho, designadamente, o reconhecimento do direito à isenção conferido pelas estâncias aduaneiras competentes (54.º do PPA) e que caberia à Administração tributária a prova dos factos de que resulte a efetiva natureza comercial das operações que conduz à inaplicabilidade do regime, não sendo suficiente o mero levantamento de indícios quanto à atividade desenvolvida pelo cliente da Requerente.

Quanto à ilegalidade da recusa de aplicação do regime tax free às transações protagonizadas por C..., a Requerente considera que a AT cometeu erro de aplicação do direito, designadamente das normas dos artigo 146.º, n.º 1, alínea b) e 147.º  da Diretiva 2006/112 CE de 28 de novembro (“Diretiva IVA”) e das normas do artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 285/87 de 31 de julho (PPA, artigos 62.º-67.º). Sustenta a Requerente que liquidou imposto aquando da compra dos bens por C... tendo, posteriormente, desencadeado o processo de reembolso e regularização previsto no regime de “Tax Free”, e para que esse reembolso fosse feito ao adquirente dos bens, que era consumidor final não residente na UE (PPA, 71.º e 72.º) e que todas as transações objeto de correção foram, validamente, sancionadas pelos serviços aduaneiros competentes, tendo sido garantida, mediante carimbo aposto nas faturas emitidas, a isenção de IVA prevista para as aquisições de bens sendo que , na sua interpretação, as obrigações quanto à verificação dos requisitos da isenção, em especial, quando o sujeito passivo opte pela liquidação de imposto no ato de venda dos bens, recaem sobre as estâncias aduaneiras responsáveis pela aposição da certificação de transação isenta (72.º-75.º do PPA). Invoca em benefício da sua interpretação o Oficio-Circulado n.º 30139/2012 de 28 de dezembro de 2012, da Direção de Serviços do IVA, que nada refere quanto à obrigatoriedade de verificação dos demais requisitos constantes no referido diploma legal que prevê a isenção de imposto (78.º do PPA) e a Circular da DGAIEC n.º 6/2010 de 14 de janeiro de 2010. Sintetizando, a Requerente entende que face aos vários dispositivos e instruções em vigor que “tendo a transação efetuada sido validada pela avaliação efetuada na estância aduaneira de saída, que reconhece, mediante a aposição de carimbo dos serviços, a possibilidade de isenção dos bens adquiridos e, por si, verificados, não pode, agora, em momento posterior vir ser negada, à Requerente, a dedução do imposto reembolsado” (84.º do PPA).

A Requerente sustenta a ilegalidade das liquidações na violação da norma do artigo 75.º da LGT, que presume verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei. Afirma também que foi violado o princípio do inquisitório, por não ter feito as diligências necessárias ao apuramento da descoberta da verdade material.

A Requerente afirma ainda que as vendas a C... sempre estariam isentas, porque beneficiariam do regime de isenção previsto para as exportações de bens nos termos do artigo 146.º, n.º 1 alínea a) da Diretiva IVA e nas disposições do artigo 14.º, n.º 1 do Código do IVA, pois, tendo os bens transacionados sido transportados para fora do território da Comunidade por C..., esta operação sempre seria suscetível de ser qualificada como exportação para território exterior à UE e isenta de imposto nos termos gerais (104.º-108.º do PPA).

A Requerente sustenta  a falta de razão para a regularização relativa a outros clientes pela existência de documentação que atesta o efetivo reembolso do IVA a esses clientes (documentos juntos ao PPA com o n.º 12) e por falta de cumprimento do ónus da prova visto que, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, entendendo que tendo a Administração Tributária suscitado dúvidas quanto à conformidade das declarações da Requerente, é sobre a AT que recai o ónus de demonstrar que não havia, efetivamente, sido reembolsado o valor de IVA liquidado e, posteriormente, regularizado, referente às transações com os clientes elencados no Relatório de Inspeção e que, na dúvida sempre vigoraria o princípio que favorece o contribuinte em caso de dúvida, como prevê o artigo 100.º, n.º 1 do CPPT (119.º-120.º do PPA).

A Requerente sustenta a ilegalidade da liquidação de juros na ausência de fundamentação, que vicia o ato nos termos já aludidos, na violação das normas dos artigos 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 342.º, n.º 1, do Código Civil e na Ilustre jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo nesse sentido.

4.2.A posição da Requerida

A Requerida sustenta que os atos tributários estão devidamente fundamentados (12.º  - 25.º da R-AT[4]); que improcede a apontada falta na produção de prova na reclamação graciosa (28.º-51.º da R-AT); que as transações efetuadas com o cliente C... estão devidamente caracterizadas no RIT, e perante essa caracterização há que concluir que os bens adquiridos não se destinavam a fins privados mas antes a fins comerciais e que por isso não beneficiam de isenção nos termos do regime invocado (53.º-68.º da R-AT); que essas transações nunca poderiam ser qualificadas como exportações, nos termos da norma do artigo 14.º, n.º 1, alínea c) do CIVA porque esse dispositivo não é aplicado quando o transporte é feito pelo adquirente e sempre haveria que dar cumprimento a documentação aduaneira, exigida para esse tipo de operações, designadamente a "Certificação de saída para o expedidor/exportador", em cumprimento das normas do artigo 29º, nºs 8 e 9 do CIVA (69.º -75.º da R-AT).

Relativamente à matéria da prova da efetiva entrega aos adquirentes do IVA reembolsado pela Requerente através do mecanismo próprio, a Requerida considera que cheques ao portador, levantados no banco pela própria empresa, não provam que os compradores em causa tenham sido beneficiários dessas importâncias ou que tenham sido reembolsados, pois a prova há de ser feita em obediência à norma do artigo 78.º, n.º 5[5] do CIVA (76.º-81.º R-AT) e que o ónus da prova da restituição do imposto aos compradores, num imposto indireto, como é o IVA, cabe a quem o repercute, que no caso é a Requerente, invocando a seu favor o contributo da doutrina e da jurisprudência (76.º-91.º da R-AT).

No que concerne aos juros compensatórios a Requerida afirma não assistir razão à Requerente por estar devidamente fundamentada a sua liquidação no RIT, em local que identifica e sustenta a existência de culpa, que considera ser um conceito de direito, que se retira da matéria de facto, como tem sido entendido pela jurisprudência, frisando que, a necessidade de fundamentação se basta quando estejam em causa atos ou omissões de que derive o atraso na liquidação do imposto devido ou de parte dele, em que o comportamento ilícito e culposo do contribuinte se encontra descrito no próprio relatório de inspeção tributária (92.º-107.º da R-AT). Conclui pela improcedência do pedido.

4.3.Questões a resolver

Levando em consideração os poderes conferidos a este Tribunal, aos factos e pressupostos apurados e às soluções de direito plausíveis, importa resolver as seguintes questões:

  1. Saber se as transações protagonizadas por C... estão abrangidas pelo regime tax free.
  2. Saber se a restituição do IVA das transações com os outros clientes identificados cumpriu com as formalidades legais, designadamente a documentação da restituição, de modo a permitir que a Requerente obtenha o correspondente crédito de IVA.
  3. Na medida em que as respostas às questões anteriores sejam negativas, determinar se há lugar à liquidação de juros moratórios a satisfazer pela Requerente, à Requerida.
  4. Na medida em que as duas primeiras questões tenham resposta afirmativa, determinar se devem ser pagos pela Requerida à Requerente juros indemnizatórios, computados sobre as quantias pagas a título de imposto e juros compensatórios.

4.4.O regime Free Tax

Antes de mais e até por razões de ordem terminológica, importa deixar expresso em que se consubstancia o regime free tax (ou tax free) e a que tributação ou sua isenção nos referimos quando usamos esse termo.

Todo o sistema do imposto sobre o valor acrescentado radica em normas vigentes na União Europeia, cuja aplicabilidade na ordem jurídica portuguesa é pacífica por via constitucional e que não cabe aqui analisar.

O regime foi inicialmente tratado na Diretiva 69/169/CEE do Conselho, de 28-05-1969, que procurou a harmonização das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às franquias dos impostos sobre consumos específicos cobrados na importação no tráfego internacional de viajantes. Esta regulamentação considerou desejável, mesmo antes de pretendida harmonização, que a população dos Estados-membros tomasse mais fortemente consciência da realidade do mercado comum e que, para o efeito, fossem tomadas medidas destinadas a uma maior liberalização do regime tributário das importações no tráfego de viajantes entre os Estados-membros e com esse propósito considerou que o os impostos sobre as importações não comerciais deviam evoluir no sentido do seu desagravamento.  Esta diretiva foi sucessivamente atualizada e, na versão consolidada vigente entre 20-03-1987 e 22-12-1988[6], regulava no seguinte sentido, para o que releva para o caso sub judicio:

Artigo 2.º

  1. É aplicável uma isenção dos impostos sobre o volume de negócios e dos impostos sobre consumos específicos cobrados na importação relativamente às mercadorias contidas na bagagem pessoal de viajantes provenientes de Estados-membros da Comunidade, sob condição de que, satisfaçam as condições previstas nos artigos 9.o e 10.o do Tratado e que tenham sido adquiridas nas condições gerais de tributação do mercado interno de um dos Estados-membros, e desde que se trate de importações sem carácter comercial e o valor global das referidas mercadorias não exceda trezentos e cinquenta ECUs, por pessoa.

 

(…)

 

Artigo 3.º

 Para efeitos da aplicação da presente directiva:

1. O valor dos objectos pessoais importados temporariamente ou reimportados após a sua exportação temporária não é tomado em consideração na determinação da franquia prevista nos artigos 1.º e 2.º .

2. São consideradas sem carácter comercial as importações que:

a) Apresentem natureza ocasional e

 b) Respeitem exclusivamente a mercadorias reservadas ao uso pessoal ou familiar dos viajantes ou se destinem a oferta, não devendo traduzir, quer pela sua natureza, quer pela quantidade, qualquer preocupação de ordem comercial.

3. Entende-se por bagagem pessoal o conjunto de bagagem que o passageiro pode apresentar no serviço de alfândega no momento da sua chegada, bem como a que apresente posteriormente no mesmo serviço, desde que justifique ter sido registada como bagagem acompanhada, no momento da partida, junto da companhia que assegurou o transporte.

Não constituem bagagem pessoal os reservatórios portáteis que contenham combustível. Todavia, relativamente aos meios de transporte a motor, é admitido em regime de isenção o combustível contido nos referidos reservatórios portáteis, cuja quantidade não ultrapasse 10 litros, sem prejuízo das disposições nacionais em matéria de detenção e de transporte de combustível.

 

(…)

Artigo 6.º

1.  Os Estados-membros adoptarão as medidas adequadas para evitar a concessão de desagravamentos fiscais relativamente a entregas efectuadas a viajantes, cujo domicílio, residência habitual ou centro da actividade profissional se encontre situado num Estado--membro e que beneficiem do regime previsto na presente directiva.

2. Sem prejuízo do regime aplicável às vendas efectuadas nos balcões de venda sob o regime aduaneiro dos aeroportos e às vendas a bordo de aviões, os Estados-membros tomarão as medidas necessárias no que respeita às vendas no estádio do comércio a retalho de modo a permitir, nos casos e nas condições indicadas nos n.ºs 3 e 4, o desagravamento dos impostos sobre o volume de negócios relativamente às transmissões de mercadorias transportadas nas bagagens pessoais dos viajantes que saem de um Estado-membro. Não pode ser concedido qualquer desagravamento relativamente aos impostos sobre consumos específicos.

3. Relativamente aos viajantes cujo domicílio ou residência habitual se situe fora da Comunidade, cada Estado-membro tem a faculdade de estabelecer os limites e as condições de aplicação do desagravamento.

No que diz respeito aos viajantes cujo domicílio, residência habitual ou centro da actividade profissional se situe num Estado-membro, o desagravamento só será aceite em relação aos objectos cujo valor unitário, incluindo impostos, atinja um montante superior ao montante fixado no n.º 1 do artigo 2.º

 

Os Estados-membros têm a faculdade de excluir do âmbito do desagravamento os respectivos residentes.

4. O desagravamento está sujeito:

a) Relativamente aos casos referidos no primeiro parágrafo do n.º 3, à apresentação de uma cópia de factura ou de um documento justificativo que a substitua, visado pela alfândega do Estado-membro de exportação, certificando a saída de mercadoria;

b) Relativamente aos casos referidos no segundo parágrafo do n.º 3, à apresentação de uma cópia da factura ou de um documento justificativo que a substitua, visado pela alfândega do Estado-membro de importação definitiva ou por qualquer outra autoridade desse Estado-membro competente, em matéria de imposto sobre o volume de negócios que prove que o imposto sobre o volume de negócios foi ou será aplicado

5. Para efeitos da aplicação do disposto no presente artigo, entende- -se por:

— domicílio ou residência habitual, o local referido a esse título no passaporte, no bilhete de identidade ou, na falta destes, em qualquer documento de identificação reconhecido como válido pelo Estado- -membro de exportação;

 — objecto, um bem ou grupo de bens que constitua normalmente um todo.

 

Para o tema que nos interessa, registe-se que através do artigo 6.º, n.ºs 3, 4 e 5, por referência ao artigo 1.º, n.º1 e ao artigo 2.º, n.º 1,  Portugal ficou com a faculdade de estabelecer os limites e as condições de aplicação do desagravamento dos impostos sobre o volume de negócios e dos impostos sobre consumos específicos, na medida em que se trate de transações sem carácter comercial, relativamente às mercadorias contidas na bagagem pessoal de viajantes, cujo domicílio ou residência habitual se situe fora da Comunidade. A faculdade ficou, contudo, condicionada às regras de aplicação geral da Diretiva e à amplitude concedida para a regulamentação nacional. De entre as regras de aplicação geral, são de referir as normas do artigo 3.º, n.º 2, que estabelecem as características necessárias para que as mercadorias transportadas e objeto da isenção, não tenham carácter comercial, designadamente apresentarem natureza ocasional e que se destinem exclusivamente a mercadorias reservadas ao uso pessoal ou familiar dos viajantes ou se destinem a oferta, não devendo traduzir, quer pela sua natureza, quer pela quantidade, qualquer preocupação de ordem comercial. Quanto à amplitude do desagravamento, não foram impostas quaisquer restrições, mas foram impostos procedimentos uniformizados para todos os Estados-membros, no artigo 6.º, n.º 4 e n.º 5, designadamente a certificação da saída do território das mercadorias e da sua sujeição a imposto e que a aferição do domicílio ou residência habitual fosse feita através dos documentos de identificação típicos.

Foi neste ambiente que o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“CIVA”) regulou no seu artigo 14.º, n.º 1 a isenção de IVA, nos seguintes termos:

Artigo 14.º - Isenções nas exportações, operações assimiladas e transportes internacionais

1 - Estão isentas do imposto:

(…)

b) As transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade por um adquirente sem residência ou estabelecimento em território nacional ou por um terceiro por conta deste, ainda que, antes da sua expedição ou transporte, sofram no interior do País uma reparação, uma transformação, uma adaptação ou qualquer outro trabalho, efectuado por terceiros agindo por conta do adquirente, com excepção dos bens destinados ao equipamento ou abastecimento de barcos desportivos e de recreio, de aviões de turismo ou de qualquer outro meio de transporte de uso privado e dos bens transportados nas bagagens pessoais dos viajantes com domicílio ou residência habitual em outro Estado membro;

(…)

 

Esta isenção veio a ter disciplina própria, no Decreto-Lei n.º 295/87, de 31 de julho (“DL 295/87”), que isenta do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) as transmissões de bens para fins privados feitas a adquirentes sem residência no território nacional que os transportem na sua bagagem pessoal com destino ao estrangeiro e declara expressamente no seu  preâmbulo, que tem por finalidade regulamentar a citada norma do CIVA, obviamente dentro do quadro estabelecido na mencionada Diretiva 69/169/CEE do Conselho.

Entretanto a dita Diretiva 69/169/CEE do Conselho foi revogada com efeitos a partir de 01-12-2008 e substituída pela Diretiva 2007/74/CE do Conselho de 20-12-2007[7], relativa à isenção do imposto sobre o valor acrescentado e dos impostos especiais de consumo cobrados sobre as mercadorias importadas por viajantes provenientes de países terceiros. Esta diretiva deixou de regular a isenção fiscal das mercadorias pessoais transportadas pelos viajantes residentes em países terceiros, em saída do espaço da União. Apesar disso o regime do Decreto-Lei n.º 295/87, de 31 de julho manteve-se em vigor até 30-06-2017, quando foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 19/2017, de 14 de fevereiro (artigos10.º e 11.º, n.º 1), já depois da data dos factos em análise, que ocorreram em 2016.

Embora sem caráter vinculativo direto, foi, entretanto, publicada a Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28-11-2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, que só é diretamente aplicável aos cidadãos a partir da sua transposição para o direito nacional, o que, na matéria relativa aos autos, aconteceu através do Decreto-Lei n.º 19/2017, de 14 de fevereiro que estabelece um sistema eletrónico de comunicação dos dados dos viajantes e das respetivas aquisições que pretendam beneficiar da isenção de imposto sobre o valor acrescentado nas compras realizadas em Portugal e que entrou em vigor em 01-07-2017.

É agora possível afirmar que quando se refere o regime tax free (ou free tax) aplicado a viajantes que saem do espaço da União Europeia, nos estamos a referir à isenção de IVA de que beneficiam cidadãos viajantes, com residência habitual fora do território da União, nas aquisições de bens que não tenham carácter comercial, designadamente por apresentarem natureza ocasional e que se destinem exclusivamente a mercadorias reservadas ao uso pessoal ou familiar dos viajantes ou se destinem a oferta, não devendo traduzir, quer pela sua natureza, quer pela quantidade, qualquer preocupação de ordem comercial. O regime tax free em causa é regulado pelo Decreto-Lei n.º 295/87, de 31 de julho, no quadro da Diretiva 69/169/CEE do Conselho 28-05-1969, na versão vigente entre 20-03-1987 e 22-12-1988.

Este é, aliás, o quadro jurídico utilizado pela AT na fundamentação que consta do seu RIT, nada havendo a criticar-lhe no que concerne à determinação do regime aplicável.

4.5.Âmbito do julgamento

Parece importante deixar claro, que não cabem nas funções deste Tribunal Arbitral apreciar se um outro regime deveria ter sido aplicado ou se o tratamento de determinada questão deveria ter seguido determinado cânone, quando isso não seja indispensável ao âmbito da sua jurisdição, que é exclusivamente, neste caso, a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, como dispõe a norma do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. Como afirma Joaquim Freitas da Rocha[8] nos tribunais arbitrais “o controlo efetuado é um controlo exclusivamente de legalidade, não sendo admissível a fiscalização ou sindicância do mérito, conveniência ou oportunidade de concretas decisões tributárias”.

4.6.As transações protagonizadas por C...

Importa agora determinar se as transações protagonizadas por C... estão abrangidas pelo regime tax free.

Releva para o julgamento deste aspeto a seguinte matéria de facto, concatenada do RIT: (i) foram tituladas em nome de C... 20 faturas no período que decorreu entre 28-01-2016 e 14-12-2016, pelo menos uma vez em cada mês, correspondentes à compra de 115 relógios, sendo 108 relógios da marca ...; (ii) todas essas transações totalizaram o valor líquido de € 1.296.071,54, que acrescido de IVA de € 298.096,46, resultou no total a pagar de 1.594.168,00 €; (iii) C... é residente em Hong Kong, China, e é sócio e administrador da sociedade B... Ltd., como atesta o documento Register of Directors que lhe atribui essa qualidade e a respetiva morada nesse território; (iv) C... comprovou que enquanto viajante transportou os relógios adquiridos para território fora da União Europeia (“UE”), através da exibição das faturas das aquisições emitidas pela Requerente e carimbadas pelas instâncias aduaneiras de saída do território da UE e solicitou à Requerente que lhe restituísse o IVA suportado na aquisição, por dele estar isento nos termos da norma do artigo 1.º, n.º 1 do citado DL 295/87.

O regime jurídico aplicável, sucessivamente alterado por nove diplomas[9], regulava no seguinte sentido, transcrevendo-se as normas relevantes para pleno entendimento da redação que vigorava em 2016:

Artigo 1.º

 1 - São isentas de imposto sobre o valor acrescentado as transmissões de bens para fins privados feitas a adquirentes residentes em países não pertencentes à Comunidade Europeia que, no prazo de 90 dias, os transportem na sua bagagem pessoal com destino a um país não pertencente à CEE. (redação do Decreto-Lei n.º 82/94, de 14 de março)

2 - Consideram-se feitas para fins privados as transmissões dos bens que se destinem a ofertas, a uso próprio ou familiar do adquirente e que, pela sua natureza ou quantidade, não devam presumir-se adquiridos para fins comerciais.

3 - Consideram-se como não tendo residência no território nacional as pessoas que nele não permaneçam, em cada ano civil, mais de 180 dias seguidos ou interpolados.

4 - A comprovação da residência, obrigatoriamente exigida pelo vendedor e pelos serviços aduaneiros, será efectuada mediante apresentação do passaporte ou de outro documento de identidade oficialmente reconhecido como válido.

Artigo 3.º (redação do Decreto-Lei n.º 206/96, de 26 de outubro)

1 - As transmissões dos bens abrangidas por este diploma deverão ser documentadas por facturas passadas em forma legal, que deverão conter a anotação de documento comprovativo da entidade e da residência do adquirente.

2 - As facturas serão emitidas em três exemplares, destinando-se o triplicado ao vendedor e os restantes ao adquirente, que os apresentará na estância aduaneira de saída do território aduaneiro da Comunidade Europeia para confirmação da exportação e remeterá ao vendedor o original.

Artigo 8.º (redação do Decreto-Lei n.º 290/92 de 28 de dezembro)

Os sujeitos passivos terão direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, nos termos dos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA, sempre que os bens e serviços tenham sido utilizados para efeitos das suas transmissões de bens isentas ao abrigo do disposto nos artigos 6.º e 7.º

 

A fundamentação da liquidação de IVA relativamente ao valor do IVA restituído a C... e declarado pela Requerente a seu favor, nas sucessivas declarações periódicas é feita, em síntese, pelas seguintes razões: (i) o pagamento de todas as compras cujas faturas foram emitidas em nome de C... foi feito por transferências bancárias oriundas da sociedade H..., com sede em Hong Kong, exceto em duas situações em que o pagamento foi feito por transferência bancária da B... Ltd, empresa de que C... é sócio e diretor; (ii) a restituição do IVA foi feita por transferências bancárias ordenadas pela Requerente a favor da sociedade B... Ltd, empresa com quem C... tem o referido envolvimento; (iii) Quando a requerente foi questionada pela AT, no âmbito do procedimento de inspeção tributária, relativamente ao envolvimento das referidas sociedades, a Requerente informou expressamente que “as faturas foram emitidas em seu nome [de C...] apenas pelo facto do próprio assim o ter solicitado, visto que era ele próprio que levantava presencialmente os produtos na loja, uma vez que só assim poderia beneficiar da Isenção do IVA na Exportação”.

Com base nestes factos a AT concluiu “que os bens adquiridos por aquele cliente se destinam a fins comerciais” e que, apesar da exportação ter sido atestada por carimbo nas faturas, aposto pela instância aduaneira de saída, não estavam reunidos os pressupostos de isenção previstos no artigo 1° nºs 1 e 2 do DL 295/87.

Confrontem-se agora os fundamentos e as normas que constituíram alicerce das liquidações com os vícios que lhes são apontados pela Requerida.

Não nos parece que se possa afirmar que as liquidações efetuadas tenham falta de fundamentação, quer de facto, quer de direito. Como se sabe, nestas situações os fundamentos da liquidação constam do RIT que as antecede e que tem uma formação sucessiva, com intervenção do contribuinte, neste caso a Requerente, que teve oportunidade para prestar esclarecimentos, juntar documentos e contradizer argumentos. Os factos assentes em G), I), J), K), M) e O) apenas evidenciam a fundamentação mais ampla que consta do RIT, e em O) estão expressamente referidas as normas que a AT aplica para chegar à conclusão que também consta do mesmo ponto. Não se alcança em que tenham sido violadas as normas indicadas sobre o tema pela Requerente, designadamente o artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, o artigo 77.º da LGT ou o artigo 153.º do Código do Procedimento Administrativo. O Tribunal crê que a descrição que consta do RIT é perfeitamente inteligível por qualquer comerciante de mediana cultura e é totalmente transparente para uma sociedade comercial dotada de Contabilista Certificado e de Revisor Oficial de Contas. Padece de razão este argumento da Requerente.

A Requerente aponta ainda, aos fundamentos de direito, erro de interpretação das normas que aplicou e que não explicitou devidamente o que se deve entender “por natureza comercial das operações, para que possa, nessa medida, concluir pelo incumprimento do regime especial de IVA previsto para este tipo de operações” (53.º do PPA). Importa agora abordar a questão levantada numa dupla perspetiva: (i) saber se a fundamentação de direito é suficiente e, (ii) que interpretação devem afinal ter as normas invocadas, interpretadas no quadro jurídico em que coexistem.

O regime tax free foi criado como medida para fomentar a consciência dos cidadãos da Comunidade Económica Europeia (“CEE”) para a criação do mercado único e na necessidade de desagravamento sobre transações não comerciais. É este o regime que resulta da versão inicial da Diretiva 69/169/CEE. Todas as suas normas eram dirigidas para o mercado interno que se pretendia solidificar em 1969. Só mais tarde, através da Diretiva 72/230/CEE do Conselho, de 12 de Junho de 1972, relativa à harmonização das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao regime dos impostos sobre o volume de negócios e dos impostos sobre consumos específicos aplicáveis no tráfego internacional de viajantes, é que foi introduzida a norma que concedeu aos Estados a faculdade de estabelecer os limites e as condições de aplicação do desagravamento fiscal. Embora fora do escopo inicial da Diretiva, foi agora concedida aos Estados a faculdade de criarem regimes de desagravamento fiscal para não residentes na CEE, na senda perseguida para os cidadãos Comunitários, devendo obviamente obedecer às suas linhas mestras, designadamente ausência de caráter comercial, entendendo-se como tal as operações que apresentem natureza ocasional, que respeitem exclusivamente a mercadorias reservadas ao uso pessoal ou familiar dos viajantes ou se destinem a oferta, não devendo traduzir, quer pela sua natureza, quer pela quantidade, qualquer preocupação de ordem comercial. Se bem entendemos esta disposição, o Conselho da CEE pretendeu desagravar do ponto de vista tributário as transações de particulares, sem que essas operações pudessem sequer trazer preocupações ao nível do reflexo na normal atividade comercial, que gozava, como goza hoje, de regras próprias. Crê-se por isso dever ser extremamente cautelosa a apreciação de cada operação e verificar se ela se contém dentro de parâmetros considerados comuns para os viajantes particulares, designadamente (i) uso pessoal; (ii) ocasionalidade; (iii) quantidade apropriada.

Este foi o quadro que foi transferido para o direito nacional e que em 2016 vigorava na versão várias vezes revista do DL 295/87, que incorpora forçosamente as preocupações já manifestadas na Diretiva. Nessa linha e numa perspetiva objetiva, este regime isenta de IVA as transmissões para fins privados, as transmissões dos bens que se destinem a ofertas, a uso próprio ou familiar do adquirente e que, pela sua natureza ou quantidade, não devam presumir-se adquiridos para fins comerciais (artigo 1.º, n.º 1 e n.º 2). Sabendo-se a raiz da isenção, é fácil encontrar os critérios que afirmam a natureza privada ou afastam a natureza comercial, são eles (i) o uso pessoal; (ii) a ocasionalidade; (iii) a quantidade, em qualquer caso próprias de viajantes, i.e. daqueles que transitam entre países em turismo, visitas familiares, por razões de saúde ou por motivos profissionais ou académicos. É evidente que não há métrica que defina a normalidade que não seja aquela que é definida pela estatística, mas isso nunca foi um problema para a ciência do direito, habituada a lidar com conceitos de natureza análoga, como são a negligência ou as várias modalidades que pode assumir o dolo. A normalidade é um padrão que cabe a cada um discernir e, em última análise cabe ao julgador aferir da justeza dessa avaliação.

Tenha-se presente que o regime de isenção do IVA para particulares não está sequer conciliado com os direitos e obrigações dos comerciantes, no comércio com países terceiros; quer dizer, a aquisição por um particular de uma peça dispendiosa pode proporcionar-lhe uma poupança em detrimento do Estado português, que não tem assegurada qualquer reciprocidade nos tributos sobre importações à saída de estados terceiros. Trata-se de uma disposição verdadeiramente excecional, destinada a desonerar o livre trânsito de pessoas e bens pessoais que a UE sempre propalou.

No caso concreto a AT considerou ter existido uma parceria entre a Requerente e C... (ou as suas empresas), que os montantes envolvidos são elevados e que o número de aquisições assume proporções elevadas, o que só por si faria duvidar da natureza privada das aquisições.

Acresce ainda que os fluxos financeiros foram feitos entre a Requerente e sociedades comerciais, sendo que uma delas é inclusivamente comerciante de relógios, como o próprio nome, B... Ltd, revela. A existência destes movimentos financeiros através do sistema bancário, com entidades empresariais era por si só indício suficiente para abalar a convicção de se tratar de uma operação de um viajante, com âmbito privado e essas operações bancárias são até muito difíceis de compatibilizar com as preocupações de segurança jurídica que a Requerente invoca (veja-se, em especial, 90.º e 91.º do PPA). Dito de outro modo, a existência das operações financeiras entre a Requerente, que é comerciante de relógios, e outras empresas que são também comerciantes e uma delas seguramente de relógios, eram por si só indícios suficientes para que a Requerente se apercebesse que as operações com a intervenção destas entidades não se enquadravam no regime tax free que aplicou aos negócios em causa. A identidade dos ordenantes ou beneficiários da movimentação das contas bancárias de uma sociedade comercial portuguesa como a Requerente, são sempre um sinal não negligenciável, quanto à identidade dos verdadeiros interessados nessas operações bancárias. Não parece haver, no caso dos autos, nenhuma fraude de que a Requerente tenha sido vítima, que lhe permita invocar a violação ao princípio da segurança jurídica (veja-se 90.º e 91.º do PPA), como parece ter acontecido no caso subjacente à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia que identifica. A Requerente tinha bem à vista todos os sinais necessários ao correto enquadramento tributário das operações e ignorou-os.

Ao fazer pagamentos destinados à B... Ltd. através da conta bancária da sociedade, a Requerente indiciou de forma marcante o verdadeiro titular das operações, até por que, como esclareceu a Requerente no RIT “As facturas foram emitidas em seu nome [de. C...] apenas pelo facto do próprio assim o ter solicitado, visto que era ele próprio que levantava presencialmente os produtos na nossa loja. Só assim poderia beneficiar da Isenção do IVA na Exportação”. Mas não pode beneficiar, pelo menos através deste regime, que se destina exclusivamente a operações que não tenham natureza comercial.

Crê-se que a aplicação do direito feita pela AT cumpre com os cânones próprios da interpretação jurídica e encontra-se suficientemente explicitada, como se alcança do facto O).

Não tem, também razão a Requerente neste argumento.

Insurge-se ainda a Requerente por a AT não ter ilidido a presunção de veracidade de que gozam as declarações dos contribuintes, em 98.º do PPA. Não se consegue alcançar a que declarações se refere afinal a Requerente pois o que está em causa não é uma declaração de facto, constituída pelo crédito a seu favor do IVA restituído à sociedade B... Ltd., mas antes a qualificação jurídica desse montante. A AT não põe nunca em causa a transferência do valor; dá-lhe é um diferente tratamento jurídico e como só a matéria de facto está sujeita a prova, não se vê fundamento para a reclamação da Requerente. Ainda em matéria probatória refira-se que a requerente não tem qualquer razão quando pretende sustentar que o reconhecimento do direito à isenção é conferido pelas estâncias aduaneiras competentes. Essas instâncias, nos termos da lei, atestaram que as mercadorias saíram do território da UE na bagagem pessoal do viajante e a sua função é só essa, como se alcança da norma do artigo 3.º, n.º 2 do DL 295/87 e a AT também não pôs em causa essa exportação, limitando-se a dar-lhe diverso enquadramento jurídico que, como se disse, parece correto.

Em conclusão, improcedem todos os argumentos da Requerente relativamente às liquidações de IVA em análise nesta secção pelo que deve o seu pedido improceder, nesta parte.

Não se aprecia aqui, por ausência de competência, a aplicabilidade do regime do IVA nas exportações dos comerciantes para países terceiros, nos termos já aludidos.

4.7.As transações efetuadas com outros clientes

A Requerida sustenta as liquidações relativas a outros clientes, identificados em P) da matéria assente, com a ausência de prova da restituição do IVA a esses clientes, como consta em Q), por entender que a existência de cheques ao portador, que até foram levantados pela própria empresa, não comprova e efetiva restituição do imposto, como exige o artigo 78.º, n.º 5 do IVA. Pode-se concordar com a fundamentação de facto e com a aplicação do direito feita nesta parte do RIT, mas essa concordância não conduz necessariamente à improcedência do pedido.

A Requerente sustenta a falta de razão para a regularização relativa a outros clientes pela existência de documentação que atesta o efetivo reembolso do IVA a esses clientes e tem razão, ao menos em parte.

Nestes autos são sindicados os atos de liquidação e os seus fundamentos e também é, como a Requerente peticionou, verificada a legalidade do indeferimento da reclamação graciosa. Ora, como se assentou em W), a Requerente invocou ter restituído o IVA cobrado a seus clientes e juntou os respetivos recibos subscritos por estes, documentos de prova, que não foram impugnados.

Embora nada haja a apontar ao RIT, enquanto fundamento da liquidação, na decisão da reclamação graciosa a AT deveria ter reconhecido a satisfação do requisito e em conformidade ter considerado a reclamação graciosa parcialmente procedente e devia ter emitido a documentação necessária à anulação ou restituição do imposto indevidamente cobrado e dos respetivos juros. Não procedendo desta forma atuou, neste particular, contra a lei, havendo que anular as liquidações enumeradas em W).

4.8.Os juros compensatórios

A AT liquidou à Requerente juros compensatórios, nos termos que constam dos documentos identificados em T).

Excluem-se da análise feita nesta secção os juros compensatórios calculados sobre as liquidações que vão ser anuladas. Se os impostos não são devidos, as correspondentes liquidações de juros são consequentemente anuladas, até porque, na verdade, os juros não têm autonomia relativamente à divida do tributo; integram-se nela como estatui a norma do artigo 35.º, n.º 8 da LGT e na decisão declarar-se-á a sua anulação.

A liquidação dos juros encontra-se fundamentada no RIT (veja-se PA1, pp. 57-58). Neste capítulo a AT invoca o regime que consta do artigo 96.º do CIVA e no artigo 35.º da LGT. Afirma também que a liquidação do imposto foi retardada e que esse retardamento lhe é imputável, pois decorreu da falta de cumprimento pela Requerente das obrigações tributárias que sobre ela impendiam, quer nas que emergem do CIVA, quer nas que resultam do DL 295/87, invocadas a propósito das próprias liquidações do IVA, apreciadas nas secções anteriores desta decisão. O RIT afirma claramente que o “retardamento da liquidação do IVA é imputável ao Sujeito Passivo, resultará da liquidação do IVA na sequência do incumprimento das normas atrás referidas, pelo que se considera existir responsabilidade do Sujeito Passivo pelo atraso da liquidação”. Com base neste raciocínio considera que é legítima “a emissão de liquidações de juros calculados sobre o imposto em falta (…)”.

Note-se que os próprios documentos que titulam as liquidações de juros de IVA contêm a fundamentação legal para o ato, referindo expressamente as normas que suportam o ato, remetendo para o artigo 96.º do CIVA e para o “artigo 35.º e/ou 44.º da LGT”.

A Requerente pede a anulação das liquidações de juros compensatórios por entender que “carece de ser devidamente demonstrado pela Administração Tributária em sede de fundamentação dos atos tributários de liquidação por esta promovidos: o pressuposto, previsto na lei, de que o retardamento da liquidação do imposto se deva a facto imputável ao contribuinte” (128.º do PPA) e que essa imputação deve ser feita a título de culpa (130.º do PPA).

Se bem entendemos a Requerente não está em causa a falta de fundamentação, mas o vício de esta ser insuficiente para justificar a imposição de juros pela liquidação ser feita mais tarde do que aconteceria se tivesse sido cumprido o calendário típico, por não ter sido possível ficar “minimamente ciente do iter volitivo”.

As liquidações de imposto apreciadas neste processo referem-se a duas situações distintas: (i) O IVA decorrente das transações tituladas por C...; (ii) o IVA decorrente de restituições de IVA feitas pela Requerente, sem que tenha cumprido a formalidade de comprovar documentalmente essas restituições. Nas duas situações, quer os fundamentos de facto quer as normas que disciplinam a situação encontram-se devidamente identificadas no RIT (veja-se PA1, pp.57-58). Como se deixou dito noutra passagem, a Requerente é uma sociedade comercial com Contabilista Certificado abrangido pelo Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados, aprovado pela Lei n.º 139/2015, de 7 de setembro, a quem cabe, em regime de exclusividade, assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal da Requerente e assinar, conjuntamente com o representante legal da Requerente, as respetivas demonstrações financeiras e declarações fiscais, nos termos das normas do artigo 10.º, n.º 1, alíneas b) e c), sendo que entende-se por regularidade técnica, a execução da contabilidade nos termos das disposições previstas nos normativos aplicáveis, incluindo, em especial, o envio nos termos legalmente definidos, da informação fiscal definida na legislação em vigor (n.º 3 do citado artigo 10.º). Tenha-se presente que a Requerente é uma pessoa coletiva e que a sua vontade é expressa por um órgão mas essa vontade forma-se através do conhecimento veiculado pelos colaboradores que também a compõem e se a lei impõe, como impõe, que a Requerente disponha de contabilidade organizada  de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor e deve estar organizada com recurso a meios informáticos (artigo 17.º, n.º 3 do CIRC) e tem de ser elaborada por Contabilista Certificado, nos termos do Estatuto referido, não é possível afirmar a falta de clareza dos factos e normas que fundamentam as liquidações, rigorosamente retratados no RIT. Não cabe a este Tribunal fazer qualquer apreciação ou juízo quanto ao desempenho das funções profissionais do Contabilista Certificado, porque não cabem na sua competência, nem vêm ao caso, mas cabe-lhe afirmar que, com os fundamentos de facto e de direito que constam do RIT, é cristalino o tal iter volitivo da AT. A Requerente não deveria ter declarado o direito ao reembolso do IVA das vendas que fez e ao fazê-lo influenciou a seu favor, o deve e o haver da sua conta de IVA, quer dizer, retardou a liquidação do imposto no seu quantitativo, que acabou por ser feito mais tarde, através das liquidações oficiosas promovidas pela AT. É consensual que a ignorância da lei não justifica a falta do seu cumprimento (artigo 6.º do Código Civil); se não é consensual é pelo menos evidente, que a falta de cumprimento atempado de uma obrigação declarativa periódica e rotineira, revela uma omissão de dever de cuidado que preenche, pelo menos, as exigências da negligência, que é nexo intelectivo de imputação do facto (a oportunidade e correção da declaração) ao agente (a Requerente), suficiente para que se justifique que suporte os juros compensatórios, que mais não são que o simples valor financeiro do tempo em que retardou a cobrança, computado nos termos da lei.

Aliás a jurisprudência que nos parece paradigmática em matéria de juros compensatórios está expressa no acórdão do STA de 23-09-1998[10], na parte que permitiu tirar o seguinte sumário, reproduzido na parte que interessa a esta situação:

(…)

X - Quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo, não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que em regra ou prima-facie, se liga ao carácter ilícito-típico do facto respectivo.

X - Por isso, demonstrado o enquadramento de uma conduta na previsão legal de um ilícito-típico, apurar a existência de culpa traduz-se em saber se a culpa se encontra excluída.

XI - Integrando a conduta do contribuinte a hipótese de uma infracção fiscal, deverá concluir-se pela existência de culpa por parte deste no retardamento da liquidação de imposto por ela gerado, se não se demonstrar que ela se encontra excluída.

 

Nada há a apontar à Requerida na liquidação dos juros compensatórios, calculados nos termos das normas citadas, excetuando-se aqueles que se mencionaram, referentes às liquidações de imposto que vão ser anuladas.

4.9.Reembolso do imposto indevidamente liquidado pela AT e pago pela Requerente e juros indemnizatórios

 

Assentou-se já em Z), W) e Y) que nos dias 2, 3, 4, 7, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17 e 18 de dezembro de 2020 a Requerente efetuou o pagamento dos impostos e juros; que a Requerente, na sua reclamação graciosa, juntou comprovativos de ter efetivamente restituído aos seus seguintes clientes o IVA suportado nas aquisições e do qual estavam isentos; e que por ofício de 12-07-2021 a Requerente foi notificada do indeferimento da sua reclamação graciosa:

 

 

 

 

Página

do PA2

Nº FT

 

Data da FT

 

Titular da Fatura

 

Valor do IVA

 

Valor Total

 

 

172

9111390

08-01-2016

I…

1.363,17€

7.290,00 €

 

 

157

9111432

04-02-2016

J…

1.346,34€

7.200,00 €

 

 

169

9111434

08-02-2016

K…

1.916,67 €

10.250,00 €

 

 

154

9111497

01-04-2016

L…

1.402,44 €

7.500,00 €

 

 

174

9111561

09-06-2016

M…

5.334,88€

28.530,00 €

 

 

159

9111674

13-09-2016

J…

2.169,11 €

11.600,00 €

 

 

161

9111694

26-09-2016

J…

1.580,08 €

8.450,00 €

 

 

 

176

9111725

24-10-2016

M…

2.056,91 €

11.000,00 €

 

 

 

167

9111738

07-11-2016

K…

1.561,38€

8.350,00 €

 

 

 

164

9111795

15-12-2016

Q…

12.634,49€

67.567,00 €

                     
 

 

No seu PPA (155.º a 163.º) a Requerente fundamenta o pedido que faz de juros indemnizatórios calculados sobre as quantias pagas, correspondentes a liquidações indevidas, de imposto e juros, invocando a norma do artigo 43.º, n.º 1 da LGT que regula o pagamento de juros aos contribuintes, calculados sobre o excesso de imposto, por erro imputável aos serviços, reconhecido em reclamação graciosa.

Como se deixou já expresso, o indeferimento da reclamação graciosa, cometeu, nesta parte a ilegalidade de não considerar sanada a falta de exibição dos comprovativos da restituição do IVA, então comprovada pela agora Requerente e então Reclamante. Há agora que corrigir essa injustiça, decretando (i) a restituição do imposto pago, que não era devido, relativo às liquidações identificadas em W); (ii) o pagamento de juros indemnizatórios à taxa aplicável aos juros compensatórios (artigo 43.º, n.º 4 da LGT), contados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (artigo 61.º, n.º 5 do CPPT, ex vi do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT). Aliás, o pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, sobre os impostos indevidamente cobrados, é uma decorrência da obrigação que recai sobre a AT de, na medida da procedência de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei, como dispõe a norma do artigo 100.º, n.º 1 da LGT.

  1. Decisão

Nos termos expostos este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral relativamente às liquidações de IVA e respetivos juros, das operações tituladas em nome de C...;
  2. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral relativamente às liquidações de IVA e respetivos juros, relativos aos clientes e transações identificadas na secção 4.9 deste acórdão e anulá-las e julgá-lo improcedente relativamente aos clientes e transações seguintes:

Nº da fatura

 

Data da fatura

 

Titular da Fatura

 

Valor do IVA

 

Valor Total

9111634

08-08-2016

N…

934,96€

5.000,00 €

9111690

22-09-2016

O…

1.795,12€

9.600,00 €

9111739

07-11-2016

P…

5.235,77 €

28.000,00 €

 

 

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral relativamente à apreciação da legalidade do indeferimento da reclamação graciosa, na parte em que a AT não decidiu nos termos que constam em b) e em c) deste dispositivo.
  2. Determinar a restituição do imposto e juros pagos, que não eram devidos, relativos às liquidações identificadas em W) da matéria assente.
  3. Julgar parcialmente procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios pela Requerida à Requerente, sobre as liquidações anuladas e identificadas em b) desta decisão, contados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.
  4. Condenar a Requerente e a Requerida no pagamento das custas, na medida do decaimento, calculado por referência ao valor das liquidações de IVA em causa, nos termos que constam do capítulo 7.
  1. Valor do processo

De harmonia com o disposto no art.º 306.º n.º 1 do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e ainda do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 393 531,36 (trezentos e noventa e três mil, quinhentos e trinta e um euros e trinta e seis cêntimos).

  1. Custas

O valor da taxa de arbitragem é fixado em € 6.426,00 (seis mil quatrocentos e vinte e seis euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, cabendo à Requerente suportar 94,23% e à Requerida suportar 5,77%, nos termos regulados da norma do artigo 527.º, n.º 2 do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de junho de 2022

 

Os árbitros

 

 

(Manuel Luís Macaísta Malheiros, árbitro presidente)

 

 

 

(Eva Dias Costa, árbitro vogal)

 

 

 

(Nuno Maldonado Sousa, árbitro relator)

 

 



[1] Neste documento utiliza-se o acrónimo “RIT” para designar o Relatório de Inspeção Tributária.

[2] Na referenciação do processo administrativo utiliza-se a numeração dos ficheiros pdf que o contêm e que estão incorporados nos autos.

[3] Os cheques, na cópia que se encontra no anexo do RIT, das linhas 6, 7, 8, 9, 11, 12 do quadro 11 não estão assinados pela Requerente, enquanto sacadora. O Cheque da linha 13 também não está assinado e foi emitido pelo valor (superior) de 13.345,06 €. Os cheques apenas estão reproduzidos na sua frente, não havendo qualquer referência ao seu verso. As cópias dos cheques referidos no quadro 12 encontram-se no PA1, pp. 131-156, anexo do RIT.

[4] Na redação deste documento utiliza-se a sigla R_AT para referenciar  a peça processual em que a Requerida responde ao pedido de pronúncia arbitral.

[5] “5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução.”

[6] Pode consultar-se a evolução legislativa, em todas as versões, em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A01969L0169-19870320 (acedido em 14-06-2022).

[7] Pode consultar-se em  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/pt/TXT/?uri=CELEX%3A32007L0074 (acedido em 14-06-2022).

[8] Joaquim Freitas da Rocha - “A desatualização do direito tributário. Em particular, a privatização do procedimento e a arbitrabgem”, in A arbitragem Administrativa e Tributária. Almedina, 2012, p. 112, Apud Jorge Lopes de Sousa – “Comentário ao regime jurídico da arbitragem tributária” in Guia da Arbitragem Tributária, coord. Nuno Villa-Lobos et al. Coimbra, Almedina, 2013, p. 95.

[10] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-08-1998, [Jorge Lopes de Sousa], proc. n.º 022612, acessível em www.dgsi.pt.