Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 496/2020-T
Data da decisão: 2022-02-28  IVA  
Valor do pedido: € 352.969,08
Tema: IVA – IVA - Taxa reduzida; Sumos naturais integrados em prestações de serviços de alimentação e bebidas. Art. 18.º CIVA e verbas 3.1 da Lista II e 1.11 da Lista I.
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SUMÁRIO:

Atenta a exclusão das prestações de serviços de bebidas - sumos e néctares - da verba 3.1 da Lista II e o não enquadramento dessas prestações de serviços em qualquer outra verba da Lista I e II, aplica-se o disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA às operações em causa, sendo as mesmas passíveis de IVA à taxa normal em vigor, e não à taxa reduzida ou à taxa intermédia.

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 28 de Setembro de 2020, A..., S.A., NIPC..., e B..., S.A, NIPC..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos respectivos actos de autoliquidação de IVA das Requerente, relativos aos meses de Maio a Dezembro de 2017, e aos meses de Março a Dezembro, no valor total de € 352.969,08, bem como dos actos de indeferimento das reclamações graciosas e recursos hierárquicos que tiveram tais actos como objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:

i.             a ilegalidade das autoliquidações por erro nos pressupostos de facto e de direito, pela diferença entre o produto da taxa normal de 23% sobre o volume de vendas de sumos e néctares de frutos em regime eat in nas lojas sob as insígnias «A...» e «B...» e o mesmo produto sobre esse volume de vendas à taxa de 6%;

ii.            Subsidiariamente, a ilegalidade dos mesmos actos tributários por erro nos pressupostos de facto e de direito, pela diferença entre o produto da taxa normal de 23% sobre o volume de vendas de sumos e néctares de frutos em regime eat in nos espaços das Requerentes e o mesmo produto sobre esse volume de vendas à taxa de 13%.

 

3.            No dia 29-09-2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 13-11-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 18-12-2020.

 

7.            No dia 02-02-2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            As Requerentes são duas sociedades pertencentes ao Grupo C..., sediado em Portugal, e com mais de 225 anos de experiência no negócio alimentar (distribuição alimentar e retalho especializado), sendo que é no sector de distribuição alimentar que se concentra a sua principal actividade, constituindo mais de 95% das vendas consolidadas.

2-            No domínio do retalho especializado, a A..., S.A. (“A...”) é uma empresa cujo objecto social consiste na «exploração de estabelecimentos de bebidas e cafetaria, bem como a concessão ou cessão a terceiros de tal exploração seja por que forma for, nomeadamente através de contrato de franquia, licença, agência».

3-            O CAE principal desta sociedade é o 56301 - «Cafés», estando ainda registada para o exercício de outras actividades, correspondentes ao CAE 47291 - «Comércio a retalho de leite e de derivados, em estabelecimentos especializados», ao CAE 56304 - «Outros estabelecimentos de bebidas sem espectáculos» e ao CAE 56106 - «Confecção de refeições prontas a levar para casa».

4-            Constituída em 2001, à data dos factos, a A... operava a cadeia de quiosques e cafetarias sob a insígnia «A», com 21 pontos de venda espalhados pelo território nacional.

5-            Inicialmente a rede «A... » apareceu ligada ao conceito de quiosques de café, situados dentro das lojas do Grupo C..., tendo posteriormente evoluído para o mercado de cafetaria do bairro.

6-            Em tais espaços, realizava (e realiza), como actividade principal, a venda de produtos e prestação de serviços de cafetaria, entre os quais se inclui a venda de sumos e néctares de frutos, seja em regime de eat in, seja de take away.

7-            O regime de eat in traduz-se na disponibilização de um local específico, devidamente equipado (designadamente com mesas e cadeiras), para o consumo de produtos de padaria, confeitaria e cafetaria, bem como refeições, sem serviço de mesa.

8-            O regime take away consiste na venda e entrega, nos estabelecimentos da A..., de refeições e/ou daqueles mesmos produtos para consumo fora das suas instalações.

9-            Já a B..., S.A (“B...”) tem como escopo societário a «produção e comércio de produtos alimentares e não alimentares, incluindo medicamentos não sujeitos a receita médica e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo, a exploração de centros comerciais, a prestação de serviços e ainda o de importações e exportações».

10-         O CAE principal desta sociedade é o 47111 - «Comércio a retalho em supermercados e hipermercados», estando ainda registada para o exercício de outras actividades, nomeadamente e para o que aqui interessará, as actividades correspondentes ao CAE 56106 - «Confecção de refeições prontas a levar» e ao CAE 56107 - «Restaurantes, n.e.».

11-         Constituída em 1979, à data dos factos estava presente em 300 localidades, explorava a retalho 422 supermercados sob a insígnia « B... », incluindo 4 «D... ».

12-         Em tais lojas, a B... concentra, para além do mais, dois tipos de actividades: a actividade de venda a retalho de produtos alimentares e não alimentares (supermercado); e as actividades de restauração, take-away e cafetaria, que compreendem a venda de produtos para consumo de alimentação e bebidas, incluindo sumos e néctares de frutos.

13-         O negócio de venda de refeições em regime take away da B... é independente do negócio de venda de refeições em regime de eat-in.

14-         Na zona de restauração das lojas «B... », a actividade que aí decorre é a prestação de serviços de alimentação e bebidas – a la carte ou «menus» – para consumo dentro dos estabelecimentos comerciais.

15-         Tal área destina-se somente à prestação de serviços de alimentação e bebidas para consumo in house, não registando quaisquer vendas no regime de take-away.

16-         As refeições prontas a consumir vendidas em regime take-away são disponibilizadas ao cliente numa «zona take-away» existente dentro dos espaços, tratando-se de áreas de negócios distintas, com sistemas de facturação e preços distintos, tendo por base os mesmos ou distintos produtos alimentares.

17-         Em sede de IVA, ambas as Requerentes são sujeitos passivos enquadrados no regime normal mensal (nos meses de Março a Dezembro de 2017), que efectuam transmissões de bens e prestações de serviços em que liquidam imposto às taxas reduzida, intermédia e normal.

18-         No âmbito das actividades anteriormente descritas, as Requerentes liquidaram imposto à taxa normal de IVA de 23% sobre um conjunto alargado de sumos e néctares de frutos que, sem surpresas, são vendidos diariamente pelas Requerentes nos seus espaços para consumo eat in – seja nos quiosques e cafetarias sob a insígnia «A...», seja nas zonas de restauração e cafetarias com marca «B... » –, tais como sumo de laranja natural (cujas laranjas são espremidas no local e sem adição de quaisquer outros ingredientes ou aditivos), sumos de frutas diversas, servidos em pacote ou em garrafa e, bem assim, outros néctares de fruta, em conformidade com o Ofício-Circulado n.º 30181, de 6 de Junho de 2016, confirmado por informações vinculativas que lhe seguiram.

19-         Tais produtos são adquiridos nessas instalações por centenas de consumidores numa base diária – em serviço a la carte (com escolha específica de cada elemento), ou em contexto de menu (consumidos juntamente com outros artigos, no menu de pequeno-almoço, lanche ou almoço), para consumo fora (take-away) ou dentro dos próprios estabelecimentos (eat in) –, e todos estes sumos têm sido, pelas Requerentes, sujeitos à taxa geral de 23% quando consumidos para eat in.

20-         A A... comercializa (e comercializava, à data dos factos), entre outros, o designado «menu pequeno-almoço», disponível entre as nove da manhã e o meio-dia, oferecendo-o aos seus clientes pelo preço de € 2,50, com IVA incluído.

21-         Neste menu, os consumidores podiam optar por um pão de trigo, malte ou de cereais ou um croissant e escolher o recheio que bem entenderem (queijo, fiambre, misto, compota, queijo e compota ou chocolate); podiam ainda beber cappuccino, latte A... simples, meia de leite, copo de leite ou um sumo de laranja natural, estando incluído café.

22-         No «menu pequeno-almoço» disponível para levar/take-away, o sumo de laranja natural foi tributado à taxa reduzida de imposto (6%); e o consumidor final pagou € 2,50 pela totalidade do «menu».

23-         Já no «menu pequeno-almoço» para consumir dentro das lojas «A... », o mesmo sumo de laranja natural foi tributado à taxa normal de imposto (23%) e o consumidor final pagou os mesmos € 2,50 pelo «menu» em regime eat- in.

24-         Em ambas as modalidades, o consumidor pagou sempre € 2,50 pelo menu, independentemente da taxa de IVA aplicada e discriminada na factura simplificada, normalmente sem estar acompanhada do número de identificação fiscal do adquirente, passando-se o mesmo, com as devidas adaptações, para outros serviços a la carte, em que o sujeito passivo aumenta a sua margem no take-away, enquanto suporta o diferencial das taxas de IVA em confronto com a diminuição dessa mesma margem no serviço de restauração e bebidas.

25-         Fora do menu, e em take away o sumo de laranja natural era vendido a € 2,00 (com IVA a 6% incluído) [€ 1,89 de preço sem IVA]; e no contexto de refeição in house, o mesmo sumo de laranja natural era comercializado por € 2,00 (com IVA a 23% incluído) [€ 1,63 de preço sem IVA].

26-         Fora do menu, em take-away um néctar de frutos, como seja o Compal, era vendido a € 1,60 (com IVA a 6% incluído) [€ 1,51 de preço sem IVA]; e no contexto de refeição in house, o mesmo Compal era comercializado por € 1,60 (com IVA a 23% incluído) [€ 1,30 de preço sem IVA].

27-         Ou seja, o consumidor final pagava o mesmo preço pelo mesmo produto, sendo a margem do sujeito passivo que aumentava/diminuía consoante o imposto aplicável.

28-         Esta fixação do preço com IVA incluído é transversal a todos os produtos consumidos nas ditas zonas de restauração.

29-         As Requerentes apresentaram, e foram indeferidos:

i.             o RH ...2019... interposto do acto de indeferimento expresso da RG ...2019..., referente a IVA entendido como indevidamente liquidado pela B... no consumo de sumos e néctares de frutos, num total de € 24.304,46, relativo ao mês de Março de 2017;

ii.            o RH ...2019... interposto do acto de indeferimento expresso da RG ...2019..., referente a IVA entendido como indevidamente liquidado pela B... no consumo de sumos e néctares de frutos, num total de € 287.446,48, relativo aos meses de Abril a Dezembro de 2017; e

iii.           o RH ...2019... interposto do acto de indeferimento expresso da RG ...2019..., relativos aos meses Maio a Dezembro de 2017, referente a IVA entendido como indevidamente liquidado pela A... no consumo de sumos e néctares de frutos, num total de € 41.218,14, relativos aos meses Maio a Dezembro de 2017.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

Conforme se indicou já, as Requerentes pretendem, em suma, que seja reconhecido:

i.             a ilegalidade das autoliquidações por erro nos pressupostos de facto e de direito, pela diferença entre o produto da taxa normal de 23% sobre o volume de vendas de sumos e néctares de frutos em regime eat in nas lojas sob as insígnias «A...» e «B... » e o mesmo produto sobre esse volume de vendas à taxa de 6%;

ii.            subsidiariamente, a ilegalidade dos mesmos actos tributários por erro nos pressupostos de facto e de direito, pela diferença entre o produto da taxa normal de 23% sobre o volume de vendas de sumos e néctares de frutos em regime eat in nos espaços das Requerentes e o mesmo produto sobre esse volume de vendas à taxa de 13%.

Ambas as questões se reconduzem, em primeiro lugar, a apurar se as vendas de sumos e néctares de frutos em regime eat in nos espaços das Requerentes, devem ser tributadas à taxa normal, ou, antes, a alguma das taxas reduzidas, cumprindo apurar, nesse caso, então, qual.

Como questões adicionais, foram ainda colocadas pela Requerida as questões de saber se, caso se conclua pela aplicação de alguma das taxas reduzidas, as autoliquidações poderão ser anuladas, uma vez que as facturas contendo o IVA declarado não foram rectificadas, e por, na opinião daquela, o imposto ter sido repercutido nos clientes das Requerentes, constituindo a restituição do mesmo a estas, uma situação de enriquecimento sem causa.

Vejamos, então.

 

***

                Questões análogas às que ora se apresentam a decidir, forma já apreciadas por tribunais arbitrais em matéria tributária, constituídos sob a égide do CAAD, nomeadamente nos processos arbitrais n.ºs 607/2018-T, 139/2020-T e nº 302/2020-T .

                Na primeira daquelas decisões, entendeu-se, em suma, que “Não se verificando a cumulação d[o]s requisitos (dos artigos 29.º, n.º 7, 97.º, n.º 3, e 78.º, n.º 1 todos do CIVA), inexistem fundamentos legais para a anulação das autoliquidações em questão, que se verificam efetuadas em conformidade com as normas que a regulam.”.

                Solução semelhante foi dada no processo arbitral n.º 139/2020-T, entendendo-se, também, que “não se demonstra nem alega a retificação dessas faturas e/ou a emissão de novas que espelhem o imposto à taxa de 6% ou 13% ou o reembolso das diferenças de taxas àqueles adquirentes (cfr. artigos 29º-1/c) e 7,36º, 78º-1, 97º-3, do CIVA, na redação à data).”.

                Não obstante, neste processo foi lavrada declaração de voto, onde se pode ler, para além do mais, que:

“Declaração de Voto de João Taborda da Gama

Votei o sentido da decisão. Contudo, pese o brilhantismo do acórdão, teria alcançado a mesma solução com base num processo argumentativo e fundamentação diferentes, que passo a expor de modo sucinto e conclusivo.

a)            A taxa de IVA aplicável

Entendo que em sede IVA a qualificação da operação precede a aplicação da taxa. Assim, sendo as operações em causa qualificadas como prestações de serviços (“serviço de alimentação e bebidas”, até nos termos do Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011), e sendo as prestações de serviços geralmente sujeitas à taxa normal de 23%, considero que a verba 3.1. da Lista II, ao excecionar da previsão as bebidas alcoólicas, os refrigerantes, os sumos e os néctares, faz renascer, quanto a estes elementos do serviço de alimentação e bebidas, a aplicação da regra geral aplicável às prestações de serviços (ou seja, a aplicação da taxa de 23%). Por outras palavras, não é pelo facto de a verba 3.1. prever uma taxa intermédia para as prestações do serviço de alimentação e bebidas, que a qualificação da operação é alterada quanto às componentes excecionadas, transfigurando-as em transmissões desses bens. Assim, não será de aplicar a taxa prevista para os “Sumos e néctares de frutos e de algas ou de produtos hortícolas e bebidas de cereais, amêndoa, caju e avelã sem teor alcoólico” (verba 1.11. da Lista I),  já que esta taxa se aplica às transmissões de bens.

Pode a técnica legislativa adotada em 2016 não ser a melhor, mas os elementos relativos à occasio legis são absolutamente claros em ter tido essa redação como objetivo minorar a perda de receita fiscal que a promessa política de “baixar o IVA da restauração” iria acarretar se cumprida na sua integralidade. Aliás, a sujeição à taxa normal da parte do preço da refeição relativo às bebidas referidas corresponde a uma interpretação corrente e, ao que se sabe, incontroversa da lei fiscal (pode por exemplo ver-se o Relatório da UTAU da Assembleia da República Relatório UTAO n.º 27/2020 Impacto económico-orçamental da Proposta de Alteração n.º 6C à POE/2021, novembro de 2020, que analisa uma Proposta de Lei do PCP que, precisamente, “pretende eliminar as exclusões inscritas na atual redação da Verba 3.1 da Lista II anexa ao Código do IVA, designadamente as referentes as bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias. Na situação atual, estas bebidas são tributadas à taxa normal” (p. 1)).

Teria, por tudo isto, decido o processo neste momento argumentativo, com base na interpretação e aplicação das taxas de IVA no sentido propugnado pela Administração Tributária.

Queria, contudo, adicionar três notas adicionais, sobre outros três pontos que não precisaria de analisar –  no iter cognoscitivo que teria seguido – mas que pela sua transversalidade, e por não me rever na fundamentação adotada, não posso deixar de apontar.”.

                Esta última orientação veio a ser seguida no acórdão arbitral proferido no processo nº 302/2020-T, onde se julgou, em suma, que:

“À face do exposto, não pode acolher-se o entendimento da Requerente, que constitui uma interpretação ab-rogante do artigo 18.º, n.º 1 do Código do IVA, desprovida de suporte legal, pois a prestação de serviços de bebidas não tem enquadramento em qualquer das verbas da Lista I e II e nas alíneas a) e b) do n.º 1 do citado artigo 18.º.

Nestes termos, atenta a exclusão das prestações de serviços de bebidas - sumos e néctares - da verba 3.1 da Lista II e o não enquadramento dessas prestações de serviços em qualquer outra verba da Lista I e II, conclui-se pela aplicação do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA às operações em causa, sendo as mesmas passíveis de IVA à taxa normal em vigor, e não à taxa reduzida ou à taxa intermédia, pelo que soçobra a pretensão da Requerente, não padecendo as autoliquidações de IVA, na parte impugnada, de vício invalidante, nem se identificando erro imputável aos serviços, nomeadamente no que se refere ao teor do Ofício-Circulado n.º 30181, de 6 de junho de 2016.”.

 

*

                Como se referiu já, em causa nos presentes autos de processo arbitral, está a questão de apurar se os sumos e néctares de frutos fornecidos no âmbito de operações que se qualificam como prestação de serviços, têm, ou não, enquadramento na verba 3.1 da Lista II, porquanto aí se excepcionam os “sumos” sejam eles naturais, néctares de fruto ou não.

                Aqui, como no processo arbitral n.º 302/2020-T, cuja fundamentação se acompanhará de muito perto, e para a qual, no essencial, se remete, julga-se que a pretensão das Requerentes assenta num equívoco de princípio, que resulta da confusão entre as categorias, relevantes para a taxação em IVA, de operações reconduzíveis a “prestação de serviços” e as operações reconduzíveis a “transmissões de bens”.

                Efectivamente, esta é uma categoria simples, em que está em causa uma mera entrega de bens contra o pagamento de um preço, enquanto a segunda é uma categoria complexa, que pode integrar entregas de bens, mas cujo preço se reporta, igualmente, ao contexto e à forma em que tais bens são entregues e consumidos, formando o conjunto um todo indivisível.

                Transpondo isso para o caso concreto, será facilmente perceptível que uma coisa é a mera aquisição de um bem – no caso um sumo, natural, néctar de fruto, ou não – outra coisa é o consumo do mesmo num serviço, como seja o serviço de restauração. Efectivamente, é público e notório que, em maior ou menor medida, o consumo de um bem no contexto de prestação de serviços, implica um valor acrescentado derivado da prestação do serviço, o que leva a que, quando a entrega de bem(ns) e prestação do serviço constitua uma operação unitária, taxável enquanto tal.

                Isto mesmo é explicado exaustivamente na decisão arbitral do processo n.º 302/2020-T, onde, para além do mais, se pode ler que:

“A Requerente desconsidera a diferença fundamental entre os conceitos de transmissão de bens e prestações de serviços que qualificam diferentes realidades e que constituem conceitos autónomos de direito europeu objeto de tratamento em normas independentes. Uma prestação de serviços de bebidas fornecidas para consumo num estabelecimento de restauração não é uma situação comparável à venda de bebidas em take away, esta última enquadrada, para efeitos de IVA como uma transmissão de bens. No primeiro caso, como acima se referiu, existe uma componente predominante de serviço, no segundo, estamos perante uma simples transferência do produto, sem serviços de apoio associados e sem a manutenção e disponibilização de instalações para o seu consumo.

Tais operações não só apresentam características materiais distintas como têm enquadramento em diferentes categorias jurídico-tributárias – v. acórdãos do Tribunal de Justiça Faaborg-Gelting Linien, C-231/94, e CinemaxX, C-499/09 –, pelo que se conclui que a aplicação de taxas distintas não viola o princípio da neutralidade e da igualdade de tratamento, atenta a falta de comparabilidade das operações.”.

                No mesmo sentido, aponta o elemento histórico da interpretação, tal como explicado no voto de vencido do processo 139/2020T, já citado, onde se denota que:

“Pode a técnica legislativa adotada em 2016 não ser a melhor, mas os elementos relativos à occasio legis são absolutamente claros em ter tido essa redação como objetivo minorar a perda de receita fiscal que a promessa política de “baixar o IVA da restauração” iria acarretar se cumprida na sua integralidade. Aliás, a sujeição à taxa normal da parte do preço da refeição relativo às bebidas referidas corresponde a uma interpretação corrente e, ao que se sabe, incontroversa da lei fiscal (pode por exemplo ver-se o Relatório da UTAU da Assembleia da República Relatório UTAO n.º 27/2020 Impacto económico-orçamental da Proposta de Alteração n.º 6C à POE/2021, novembro de 2020, que analisa uma Proposta de Lei do PCP que, precisamente, “pretende eliminar as exclusões inscritas na atual redação da Verba 3.1 da Lista II anexa ao Código do IVA, designadamente as referentes as bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias. Na situação atual, estas bebidas são tributadas à taxa normal””.

                No mesmo sentido, aponta também o elemento literal da interpretação, conforme já denotado na referida decisão arbitral do processo 302/2020T, uma vez que a verba 1.11 das Listas anexas ao Código do IVA destina-se a bens – “Sumos e néctares de frutos e de algas ou de produtos hortícolas e bebidas de cereais, amêndoa, caju e avelã sem teor alcoólico” – e não contempla a hipótese de serviços, não tendo a interpretação propugnada pelas Requerentes suporte na letra da lei (elemento gramatical), indispensável em matéria de incidência fiscal e taxas.

                Considera-se, então e assim, como naquela citada decisão arbitral, que são “as seguintes opções do legislador português:

a)            As prestações de serviços de alimentação e bebidas (artigo 4.º, n.º 1 do Código do IVA), enquadradas no direito europeu como serviços de restauração e de catering (artigo 6.º do Regulamento de Execução n.º 282/2011), são tributadas à taxa intermédia, com exclusão expressa das bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias  – artigo 18.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA e verba 3.1 da Lista II;

b)           As refeições prontas a consumir no regime de take away e as entregas ao domicílio, em ambos os casos enquadráveis como transmissões de bens (artigo 3.º, n.º 1 do Código do IVA), são tributáveis à taxa intermédia – artigo 18.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA e verba 1.8 da Lista II;

c)            As prestações de serviços de bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias, são tributadas à taxa normal, por delimitação negativa / exclusão da verba 3.1 da Lista II, com o consequente enquadramento no regime-regra do artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA (por não se subsumirem a qualquer outra verba, seja da Lista I, ou da Lista II);

d)           O fornecimento de bebidas sem serviços de apoio, qualificado como transmissão de bens, é tributado à taxa que lhes corresponder na Lista I ou II, ou à taxa normal se não tiverem cabimento em nenhuma das verbas ali previstas – artigo 18.º, n.º 1, alíneas, a), b) e c) do Código do IVA.”.

                Pelo que, aqui como ali, se julga que “atenta a exclusão das prestações de serviços de bebidas - sumos e néctares - da verba 3.1 da Lista II e o não enquadramento dessas prestações de serviços em qualquer outra verba da Lista I e II, conclui-se pela aplicação do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA às operações em causa, sendo as mesmas passíveis de IVA à taxa normal em vigor, e não à taxa reduzida ou à taxa intermédia, pelo que soçobra a pretensão da Requerente, não padecendo as autoliquidações de IVA, na parte impugnada, de vício invalidante, nem se identificando erro imputável aos serviços, nomeadamente no que se refere ao teor do Ofício-Circulado n.º 30181, de 6 de junho de 2016.”.

                Deste modo, e pelo exposto, forçoso é concluir que inexiste qualquer ilegalidade das autoliquidações por erro nos pressupostos de facto e de direito, pela diferença entre o produto da taxa normal de 23% sobre o volume de vendas de sumos e néctares de frutos em regime eat in nas lojas sob as insígnias «A...» e «B... » e o mesmo produto sobre esse volume de vendas, seja à taxa de 6%, seja à taxa de 13%.

                Nestes termos, deverá necessariamente o pedido arbitral improceder, confirmando-se os actos tributários objecto da presente acção arbitral na ordem jurídica, e absolvendo-se a requerida do pedido.

                Em função do decidido, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas nos presentes autos.

                Relativamente ao pedido de reenvio prejudicial, formulado pelas Requerentes, uma vez que, não só se verifica, no caso, que não se colocam dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente, quanto à margem de liberdade concedida pela Diretiva IVA aos Estados-Membros para fixarem taxas reduzidas nos serviços de alimentação e bebidas e nas transmissões de bens (artigo 98.º e Anexo III da Diretiva), e da alínea b), em relação ao princípio da neutralidade (igualdade de tratamento), como as possíveis respostas às perguntas sugeridas pelas Requerentes, como objecto do eventual reenvio prejudicial, em nada contenderiam com o decidido.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Não proceder ao reenvio prejudicial;

b)           Manter os actos de autoliquidação de IVA das Requerentes, relativos aos meses de Maio a Dezembro de 2017, e aos meses de Março a Dezembro, respectivamente, no valor total de € 352.969,08, bem como dos actos de indeferimento das reclamações graciosas e recursos hierárquicos que tiveram tais actos como objecto, absolvendo a Requerida do pedido;

c)            Condenar as Requerentes nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 352.969,08, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 6.120,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas Requerentes, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2022

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Cristina Aragão Seia)

 

O Árbitro Vogal

(Maria do Rosário Anjos)