Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 498/2016-T
Data da decisão: 2016-12-15  Selo  
Valor do pedido: € 41.458,80
Tema: IS – verba 28.1 da TGIS.
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Decisão Arbitral

 

            I – Relatório

 

            1.1. A…, S.A. (doravante aqui designada por «requerente»), com o NIF … e sede na …, ..., …-… Lisboa, não concordando com os actos de liquidação de Imposto de Selo (IS), referentes aos exercícios de 2014 e 2015, apresentou, a 5/8/2016, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do art. 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por «RJAT»), e dos arts. 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a “declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de imposto do selo referidos com a consequente anulação das liquidações de Imposto de Selo em análise; a restituição do imposto indevidamente pago; [e o pagamento de] juros indemnizatórios [...] sobre as importâncias indevidamente liquidadas e pagas.”

 

            1.2. A 4/11/2016 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

1.3. A AT foi citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT. A AT apresentou a sua resposta em 6/12/2016, tendo argumentado, em síntese, no sentido da total improcedência do pedido da ora Requerente.

           

1.4. Por despacho de 9/12/2016, o Tribunal considerou, ao abrigo do art. 16.º, al. c), do RJAT, ser dispensável a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, e que processo estava pronto para decisão. Assim, o Tribunal fixou a prolação da decisão arbitral para 15/12/2016.

 

1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

           

II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vem a ora Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “a principal questão em análise tem a ver com a interpretação da [...] Verba 28 [da TGIS] que, segundo a [Requerente], não pode ser aplicada ao terreno para construção em causa, não obstante ter edificação prevista (mas ainda não autorizada) para habitação. Neste sentido, o lote de terreno em referência não está sujeito a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS, já que é impossível apurar, à data relevante dos factos, o VPT correspondente à parte do referido terreno alocada à habitação”; b) “os fundamentos que levaram ao projecto de indeferimento carecem de sustentabilidade legal [dado que] [...] esta taxa apenas deveria [ser aplicada] aos prédios urbanos com a afectação habita[cional]. Se assim não fosse, não teria o legislador tido a necessidade de especificar a afectação”; c) “a alteração introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2014, a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, apenas torna inequívoco, para o futuro, que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da TGIS (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros)”; d) “não resulta inequivocamente, nem da letra, nem do espírito da lei, que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger, no seu âmbito de incidência objectiva, os terrenos para construção (para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais), como resulta hoje do texto da verba 28.1 da TGIS. A realidade que se pretendeu tributar foi, afinal, e em linguagem corrente (não obstante a imprecisão terminológica da lei com a expressão «os prédios (urbanos) habitacionais»), a das «casas» e não quaisquer outras realidades”; e) “o terreno em análise não tem qualquer edificação autorizada ou prevista, constando apenas no alvará de loteamento a [...] autorização prevista para vários fins, nomeadamente o habitacional, e ainda não existe, para o efeito, um VPT alocado às áreas destinadas a cada um dos aludidos fins, não estando, assim, sujeitos a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS, já que é impossível apurar, à data relevante dos factos, o VPT correspondente à parte do referido terreno alocada à habitação”; f) “um terreno para construção [...] não satisfaz, por si só, qualquer condição para, como tal, ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal [...], não podendo extrair-se que na mesma esteja contida uma potencialidade futura, inerente a um prédio que porventura venha a ser edificado nesse terreno”; g) “apesar de já existir um VPT total definido, não há, contudo, um VPT atribuído a cada um dos fins para os quais o mesmo tem autorização prevista para construção, designadamente um VPT para a área destinada a habitação, um VPT para a área destinada a comércio e serviços e um VPT para a área destinada a parqueamento”; h) “não sendo possível [...] apurar o montante correspondente ao VPT específico da parte que, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS, seria eventualmente sujeita a IS, serão ilegais os actos de liquidação de IS mencionados acima, por referência a 2014 e 2015, dos quais resultou imposto a pagar no montante de 41.458,80€”; i) “o terreno para construção tem apenas uma autorização prevista para vários fins, nomeadamente o habitacional, e ainda não existe, para o efeito, um VPT alocado às áreas destinadas a cada um dos aludidos fins, [razões pelas quais] o referido terreno não está sujeito a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS”.  

 

            2.2. Solicita a Requerente, “nos termos e com os fundamentos expostos [...]: 1 – A declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de imposto do selo referidos com a consequente anulação das liquidações de Imposto de Selo em análise; 2 – A restituição do imposto indevidamente pago; 3 – Juros indemnizatórios (n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT) sobre as importâncias indevidamente liquidadas e pagas.”

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que: a) “os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afectação habitacional no âmbito da respectiva avaliação, constando tal afectação das respectivas matrizes, estão sujeitos a Imposto de Selo”; b) “não existindo em sede de IS definição do que se entende por ‘prédio urbano’, ‘terreno para construção’ e ‘afectação habitacional’, é necessário recorrer subsidiariamente ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67.º, n.º 2, do CIS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10”; c) “na caderneta predial do imóvel, o tipo de prédio é «terreno para construção»”; d) “não podemos duvidar de que estamos face a ‘terreno para construção’, mais concretamente, perante lote de terreno para construção urbana, com as áreas de implantação do edifício e de construção perfeitamente definidas e identificadas nas cadernetas prediais urbanas, como aliás supra descrito”; e) “fiscalmente o imóvel é terreno para construção, nessa qualidade foi adquirido e assim está predialmente classificado e, por isso, é sem dúvida, lote de terreno para construção, mais exactamente prédio urbano com vocação habitacional. Não pode a Requerente desconhecer que a caderneta predial é claríssima ao definir, para o terreno para construção em causa, a respectiva área de implantação do edifício e de construção, assim perfeitamente definida e identificada. É, pois, patente a afectação habitacional do edifício”; f) “a determinação do VPT dos terrenos para construção tem como pressuposto a determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas, para o que se deve, nos termos do disposto no art. 38.º do CIMI, atender à afectação dessas mesmas edificações. Em consonância, resultando clara a aplicação do coeficiente de afetação para efeitos de apuramento do VPT dos terrenos para construção, é sintomático que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS (na redacção anterior) não pode ser ignorada”; g) “numa interpretação muito cingida à letra da lei, poderia retirar-se do texto o sentido que a requerente pretende dar-lhe, mas como a nossa jurisprudência tem declarado, não é essa a melhor interpretação da lei, sendo que, na tarefa hermenêutica, o elemento literal, constituindo ponto de partida e limite para extrair o sentido da norma, não constitui o elemento decisivo, nem sequer o mais importante, papel que está reservado à ‘unidade do sistema’, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do CC. Na verdade, na interpretação da lei, para além do referido elemento gramatical, há ainda que atender ao elemento lógico, exigindo este, designadamente, que se considere o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma (elemento teleológico), designadamente a fim de perscrutar a sua natureza e o seu âmbito temporal de relevância, e atender ao lugar que aí ocupa a norma interpretada (elemento sistemático), sendo que apenas da conjugação de todos esses elementos interpretativos surgirá o verdadeiro sentido daquela norma, cf. Baptista Machado, Introdução ao Discurso Legitimador, Almedina

1983, páginas 182 e 189”; h) “mant[êm-se] integralmente válida[s] e lega[is] as liquidações ora impugnadas, concluindo-se pela legalidade da[s] mesma[s].”

 

            2.4. Conclui a AT, pelo exposto, que “deve o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação controvertida ser julgado improcedente, absolvendo-se a AT do pedido.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

i) O prédio ora em causa encontra-se classificado como “terreno para construção” e foi avaliado com reporte a Dezembro de 2012, com o VPT de €2.072.940,00, conforme Doc. 2 apenso aos autos.

 

ii) O mencionado “terreno para construção” tem edificação autorizada para vários fins, para além do habitacional, sem haver, contudo, VPT específico em função da área respeitante a cada um dos diversos fins de utilização.

 

iii) As liquidações de IS aqui em causa, no valor total de €41.458,80, dizem respeito aos exercícios de 2014 e 2015, conforme a descrição em detalhe que se segue: 1) docs. n.º 2015…, 2015… e 2015…, relativos às três prestações em que foi dividida a liquidação de IS referente ao ano de 2014, emitidos ao abrigo da verba n.º 28 da TGIS, no montante global de €20.729,40, e relativos ao prédio com o artigo matricial U… da freguesia do … (…-…), conforme Doc. 1 apenso aos autos; 2) docs. n.º 2016… e 2016…, relativos às duas prestações em que foi dividida a liquidação de IS referente ao ano de 2015, emitidos ao abrigo da verba n.º 28 da TGIS, relativos ao mesmo prédio acima referido, também conforme Doc. 1 apenso aos autos.

 

iv) Os actos de liquidação de IS supra referidos resultaram da aplicação da taxa de 1%, prevista na Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) - Verba 28.1, ao VPT (de €2.072.940,00) do mencionado prédio.

 

v) Por discordar dos mesmos, a Requerente apresentou pedido de reclamação graciosa da liquidação em 25/11/2015 (vd. Doc. 3). A 14/4/2016, foi notificada do projecto de decisão de indeferimento, não tendo exercido o direito de audição prévia previsto no art. 60.º da LGT.

 

vi) Inconformada com a decisão final (de 20/5/2016) de indeferimento da reclamação graciosa, a ora Requerente interpôs o presente pedido a 5/8/2016.

 

3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos presentes autos.

           

            IV – Do Direito

 

Decorrem, do acima exposto, as invocações: i) de ilegalidade das liquidações por estas incidirem sobre um “terreno para construção” que, não obstante ter edificação prevista para habitação, não tem edificação autorizada; e ii) de ilegalidade das liquidações em causa por “o terreno para construção te[r] apenas uma autorização prevista para vários fins, nomeadamente o habitacional, e ainda não exist[ir], para o efeito, um VPT alocado às áreas destinadas a cada um dos aludidos fins”. No final, tratar-se-á da questão dos juros indemnizatórios [iii)].

 

Vejamos, então.

 

i) e ii) Em face das questões expostas, far-se-á eco, sem mais desenvolvimentos e a título introdutório, da análise de direito que consta da DA proferida no proc. n.º 467/2015-T, de 4/2/2016, na feitura da qual se participou como membro do respectivo júri colectivo (e ainda por se considerar que inexistem razões para, no caso dos autos ora em análise, alterar o sentido dessa análise preliminar).

 

Assim, e para a resolução das questões elencadas, importa ter presente a evolução e o enquadramento da referida verba 28, quer antes, quer depois da alteração determinada pelo art. 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (que é a redacção aplicável ao presente caso).

 

«Nesse sentido, torna-se útil a referência ao Acórdão do STA de 9/4/2014 (proc. n.º 1870/13), que, tal como outros arestos do STA – e.g.: Acórdão de 9/4/2014 (proc. n.º 48/14); Acórdãos de 23/4/2014 (proc. n.os 270/14, 271/14 e 272/14); Acórdão de 25/11/2015 (proc. 1338/15) – faz uma análise histórica e cronológica detalhada da evolução e enquadramento da verba 28 ora em análise:

“O conceito de «prédio (urbano) com afectação habitacional» não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é um função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

 

Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros)”.» [Fim de citação.]

 

Em síntese, daqui se depreende que: 1) com a nova redacção da verba 28.1 da TGIS, dada pelo art. 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (aplicável aos presentes autos, por se tratar de imposto dos anos de 2014 e 2015), alargou-se, de forma inovadora, o âmbito de incidência objectiva da norma, ao incluir-se, de forma explícita, os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais; 2) a aplicação da referida redacção é inequívoca, não deixando lugar a dúvidas, atento o elemento literal da norma.

 

            Contudo, alega a Requerente, no caso aqui em análise, que “o terreno em análise não tem qualquer edificação autorizada [...], constando apenas no alvará de loteamento a [...] autorização prevista para vários fins, nomeadamente o habitacional, e ainda não existe, para o efeito, um VPT alocado às áreas destinadas a cada um dos aludidos fins, não estando, assim, sujeitos a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS, já que é impossível apurar, à data relevante dos factos, o VPT correspondente à parte do referido terreno alocada à habitação”.

 

Com efeito, dada a nova redacção da verba 28 (que é a aplicável a estes autos), (a não concretização de) uma expectativa ou previsão de edificação para habitação não implica, per se, a aplicação do IS. A este respeito, assinala-se na citada DA n.º 467/2015-T, de 4/2/2016:

 

“A questão essencial que, [no contexto da nova redacção da verba 28.1 da TGIS, dada pelo art. 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12,] se coloca, é a saber se, fazendo uso das palavras da ora Requerente, «sem [...] aquela previsão ou expectativa de ‘edificação para habitação’ [...] concretizada», se poderá aceitar a aplicação do imposto do Selo aqui em análise [...]. Para responder à referida questão, afigura-se como particularmente útil a ponderação do seguinte:

 

«No que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.» [vd. ANTÓNIO SANTOS ROCHA / EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS – Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados). Coimbra, Almedina, 2015, p. 44].» [Fim de citação.]

 

Sucede, contudo, que o “terreno para construção” aqui em causa tem, como se disse no ponto ii) da factualidade provada, edificação autorizada para vários fins, além do habitacional, sem haver um VPT específico em função da área respeitante a cada um dos diversos fins de utilização – e esta condição é imprescindível para se poder avaliar se o VPT da específica área habitacional preenche os requisitos que se encontram estabelecidos na verba 28 da TGIS. Não havendo tal definição e não estando preenchida tal condição, afigura-se que assiste razão à ora Requerente.

 

No mesmo sentido, ver a seguinte Decisão Arbitral (respeitante a caso muito similar), com a qual se concorda inteiramente: “no caso em concreto, encontramos duas liquidações de IS respeitantes a terrenos para construção que possuem uma autorização expressa para construção, estando previsto que a sua área seja destinada a habitação, a comércio e serviços e ainda a parqueamento. Neste sentido, já existe um VPT total definido, por respeito a cada um daqueles prédios urbanos, não havendo, contudo, um VPT atribuído a cada um dos fins para os quais o mesmo tem licença para construção, designadamente um VPT para a área destinada à habitação, um VPT para a área destinada a comércio e serviços e um VPT para a área destinada a parqueamento. E, assim sendo, é desconhecido o VPT sobre o qual deverá incidir a verba 28.1 da TGIS, a qual refere que são sujeitos a IS, à taxa de 1%, os prédios habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, e cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000. Isto porque, no entendimento do presente tribunal, a referida norma estabelece que, nos casos em que determinado terreno para construção tenha edificação autorizada (que é a situação em crise) para habitação, é devido IS, mediante a verificação dos restantes requisitos (VPT superior a € 1.000.000). Todavia, como fazer, nos casos em que o terreno para construção tem uma edificação autorizada para vários fins, para além do habitacional? Não poderá certamente olvidar-se o princípio da tipicidade, que, aplicado ao direito fiscal, pressupõe que todos os impostos, bem como o seu campo de incidência, se encontrem plasmados na lei, tal como decorre da Constituição da República Portuguesa (“CRP”). No hipotético cenário dos terrenos para construção referidos supra, possuírem, à data da ocorrência do facto tributário, um VPT decomposto por fim a que sua edificação respeitaria, entende o presente tribunal que, tendo em consideração a vontade do legislador, poder-se-ia eventualmente aferir a sujeição do referido prédio a IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS. Com efeito, seria possível validar qual o VPT respeitante àquele fim e apurar se o mesmo era igual ou superior a € 1.000.000. Contudo, este não é o enquadramento da situação ora dissecada. De facto, à data dos factos relevantes, os terrenos para construção em causa tinham uma autorização expressa para a edificação, na qual se previa a área concedida aos diferentes fins aos quais os mesmos se destinariam. Todavia, os VPTs das áreas (divididas por fim específico) não se encontravam quantificados [...]. [Acresce que,] com base no que anteriormente se disse sobre o princípio da tipicidade, não pode a AT imiscuir-se nas matérias sobre as quais o legislador optou por não legislar, tendo, naturalmente, que estar vinculada à legalidade tributária (que impõe nomeadamente que os impostos se encontrem legal e expressamente delimitados). [...]. [...] o presente tribunal entende que não poderá seguir-se um critério que não se encontra legalmente previsto, para a sujeição, ou não, de determinado terreno para construção a IS, nos termos que decorrem da Verba n.º 28 da TGIS, que, no caso em concreto, passa por uma análise indireta e presuntiva por parte da AT. Em paralelo, e apesar de não ser expressamente referido pela Requerida, estabeleça-se, desde já, que uma alocação proporcional do VPT global do terreno para construção em função da área respeitante a cada um dos fins de utilização (comércio, habitação, entre outros), com vista a apurar o VPT do terreno que respeita à edificação para habitação, não deverá também ser aceite. De facto, não havendo um critério legalmente definido que preveja tal alocação, é manifestamente ilegal tal assunção, por força do que decorre do artigo 103.º da CRP, “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”. [...]. Situação diferente seria o caso em que um determinado terreno para construção já tinha definido um VPT específico para a área que seria destinada à edificação de habitação, uma vez que, como previamente se disse, com esse enquadramento seria possível aferir se encontravam-se preenchidos os pressupostos necessários para a aplicação da Verba n.º 28 da TGIS, nomeadamente se o referido VPT era igual ou superior a € 1.000.000. Não obstante, essa não é o enquadramento que cumpre ao presente tribunal apreciar. Em concreto, a Requerente recebeu as liquidações mencionadas supra, por respeito a dois terrenos para construção, os quais, apesar de terem uma licença para construção, não possuíam, à data, uma delimitação da parte do seu VPT que respeitaria à edificação habitacional. Neste contexto, e não sendo possível, dessa forma, apurar o montante correspondente ao VPT específico da parte que, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS, seria eventualmente sujeita a IS, não poderá ser consequentemente aceite o entendimento vertido pela AT.” (DA proferida no proc. n.º 480/2015-T, de 30/3/2016).

 

Em face do supra exposto, conclui-se que o prédio ora em causa não pode, à data dos factos, ser sujeito a IS, nos termos da verba 28.1 da TGIS (na sua redacção actual). A não verificação, no presente caso, do pressuposto legal de incidência implica, assim, a anulação dos actos de liquidação aqui impugnados.

 

iii) À luz do disposto no n.º 5 do artigo 24.º do RJAT – na parte em que se diz que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” –, tem-se entendido que tal norma permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais.

 

Justifica-se, pelo exposto, a análise do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.   

 

            São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (veja-se o artigo 43.º, n.º 1, da LGT).

 

            É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vd., por ex., os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30/5/2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Acórdão do STA de 10/4/2013, proc. 1215/12).

Ora, tendo havido, como decorre do que se disse nos pontos i) e ii), erro imputável aos serviços – o que determina a anulação das liquidações na ordem jurídica e a devolução do valor pago – conclui-se, em conformidade, pela procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.

 

***

 

            V – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular as liquidações de Imposto do Selo aqui em causa, determinando-se a devolução dos montantes indevidamente cobrados.

            - Julgar procedente o pedido também na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.

                       

 

Fixa-se o valor do processo em €41.458,80 (quarenta e um mil quatrocentos e cinquenta e oito euros e oitenta cêntimos), nos termos dos artigos 32.º do CPTA e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerida, no montante de €2142,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 15 de Dezembro de 2016.

 

 

O Árbitro,

 

 

 

(Miguel Patrício)

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.