Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 496/2015-T
Data da decisão: 2016-03-30  Selo  
Valor do pedido: € 17.991,80
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS; propriedade vertical; juros indemnizatórios; inconstitucionalidade
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

1.      Relatório

 

 

A - Geral

 

 

1.1.            A…, S.A., sociedade anónima com sede na rua…, n.º…, …, em Lisboa, com o capital social de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número único de matrícula e de pessoa colectiva … (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou, no dia 28.07.2015, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, a declaração de ilegalidade de seis actos tributários de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014, referentes à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (de ora em diante “TGIS”), relativos a prédio de que é proprietária, como adiante melhor se verá e, por outro, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de prestações tributárias.

 

1.2.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro Nuno Pombo, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

1.3.            Por despacho de 25.08.2015, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. B… e Dra. C… para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

1.4.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 21.10.2015.

 

1.5.            No dia 26.10.2015 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo que pudesse existir e, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

1.6.            No dia 18.11.2015 a Requerida apresentou a sua resposta, requerendo a dispensa da apresentação do processo administrativo e da realização da reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (de ora em diante, “RJAT”).

 

 

B – Posição da Requerente

 

 

1.7.            A Requerente é proprietária do prédio urbano em regime de propriedade vertical sito na…, n.ºs … a …, em Lisboa, freguesia de…, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo…, com 12 (doze) pisos e 7 (sete) divisões com utilização independente, a que corresponde a caderneta que a Requerente anexa ao seu pedido como documento n.º 1, cujo teor se tem por reproduzido (de ora em diante, o “Prédio”).

 

1.8.            O Prédio tem vários andares e divisões susceptíveis de utilização independente, nem todos afectos a habitação.

 

1.9.            A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo (de ora em diante designado “IS”) que se encontram mencionadas no artigo 3.º do pedido de pronúncia arbitral (anexadas como documentos n.ºs 2 a 7 ao dito pedido, cujos teores se têm por reproduzidos), as quais se basearam no art.º 1.º do Código do Imposto do Selo (de ora em diante o “CIS”), na verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, cujas datas limite de pagamento se reportam ao final do mês de Abril de 2015, respeitantes à primeira prestação do IS incidente sobre os andares e divisões susceptíveis de utilização independente consideradas pela Requerida como afectas a habitação.

 

1.10.        A Requerente, no dia 30.04.2015, procedeu ao pagamento da primeira prestação do tributo que lhe era exigido pelas liquidações a que acima se fez referência, como se comprova pelos documentos anexos ao requerimento de pronúncia arbitral com os n.ºs 2 a 7 e, no dia 16.07.2015 procedeu também ao pagamento da segunda prestação, como se comprova pelos documentos juntos aos autos com os n.ºs 9 a 14, cujos teores se têm por reproduzidos, pelo que igualmente pede lhe seja reconhecido o direito a perceber juros indemnizatórios, calculados desde a data em que essas prestações foram pagas até ao reembolso efectivo dos montantes indevidamente exigidos.

 

1.11.        Nenhuma das partes ou andares com afectação habitacional tem um valor patrimonial tributário (de ora em diante “VPT”) superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).  

 

1.12.        Sustenta a Requerente que se impunha a autonomização dos andares ou fracções susceptíveis de utilização independente para efeitos de liquidação de IS, não resultando da lei a correspondência do VPT de um prédio composto por várias fracções independentes à soma do VPT dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, até porque, nos termos do n.º 3 do art.º 12.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”, sendo consequentemente objecto de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) separada. 

 

1.13.        No entender da Requerente, o Prédio é materialmente idêntico a um prédio em regime de propriedade horizontal, não havendo justificação legal para um tratamento diferenciado, que, a haver, estará ferido de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade, da justiça, da legalidade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.

 

1.14.        Pretendendo a lei tributar imóveis de elevado valor (de luxo), não se compreende as razões que levam a Requerida a aplicar a verba 28.1 da TGIS a fracções avaliadas em muito menos do que € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

 

 

C – Posição da Requerida

 

 

1.15.        A Requerida expressa o entendimento de que a interpretação que faz a Requerente da verba 28.1. da TGIS não tem correspondência com a respectiva letra.

 

1.16.        Defende a Requerida que nos prédios em regime de propriedade total não existem fracções autónomas a que a lei fiscal possa atribuir a qualificação de prédio.

 

1.17.        Sustenta ainda a Requerida estar impedida de interpretar a verba 28.1 da TGIS de forma diversa do que fez, já que qualquer outra interpretação violaria “a letra e o espírito” da referida verba e “o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”, uma vez que “cabe à lei – Lei da Assembleia da República e Decreto-Lei autorizado – estabelecer os elementos essenciais da incidência dos impostos”.

 

 

D – Conclusão do Relatório

 

 

1.18.        Por despacho de 21.3.2016, o tribunal arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (de ora em diante, “RJAT”), uma vez que as partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, que se previa pudesse ter lugar até ao dia 30.03.2016, razão pela qual o tribunal arbitral não viu necessidade de consultar o processo administrativo, cuja dispensa de apresentação foi, aliás, oportunamente peticionada pela Requerida.

 

1.19.        No dia 24.03.2016 a Requerente pediu fosse admitida a junção aos autos dos documentos de cobrança referentes à terceira prestação do IS, o que ora se defere.

 

1.20.        O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

1.21.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

1.22.        A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que os actos de liquidação contestados assentam na mesma base factual e apelam à aplicação das mesmas regras de direito, sendo igualmente de aceitar, em tese, o pedido de indemnização formulado porquanto o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade das liquidações postas em crise.

 

1.23.        O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas Partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

 

2.      Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

2.1.1.      A Requerente é proprietária do prédio urbano em regime de propriedade vertical sito na…, n.ºs … a…, em Lisboa, freguesia de…, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo…, com 12 (doze) pisos e 7 (sete) divisões com utilização independente (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

 

2.1.2.      O Prédio tem um VPT total de € 1.975.890,00 (um milhão novecentos e setenta e cinco mil oitocentos e noventa euros) – (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

 

2.1.3.      Nenhum dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente tem um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

 

2.1.4.      A Requerida, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS ao Prédio, procedeu à soma aritmética dos valores patrimoniais de cada um dos andares ou divisões com afectação habitacional, excepcionando, pois, os andares sem essa afectação habitacional, fixando em € 1.799.180,00 (um milhão setecentos e noventa e nove mil cento e oitenta euros) o “Valor Patrimonial do Prédio – total sujeito a imposto” (docs. n.ºs 2 a 7, juntos com o pedido de pronúncia arbitral);

 

2.1.5.      A Requerente foi notificada das liquidações de IS a que se refere o art.º 3.º do pedido de pronúncia arbitral, relativa à primeira prestação do imposto que lhe era exigido (docs. n.ºs 2 a 7, juntos com o pedido de pronúncia arbitral);

 

2.1.6.      No dia 30.04.2015, a Requerente procedeu ao pagamento de € 5.997,28 (cinco mil novecentos e noventa e sete euros e vinte e oito cêntimos) respeitante à primeira prestação do tributo que lhe era exigido, e cujo prazo de pagamento terminava no final do mês de Abril de 2015 (docs. n.ºs 2 a 7, juntos com o pedido de pronúncia arbitral);

 

2.1.7.      No dia 16.07.2015, a Requerente procedeu ao pagamento de € 5.997,26 (cinco mil novecentos e noventa e sete euros e vinte e seis cêntimos) referente à segunda prestação do tributo que lhe era exigido, e cujo prazo de pagamento terminava no final do mês de Julho de 2015 (docs. n.ºs 9 a 14, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).  

 

2.1.8.      No dia 16.11.2015, a Requerente procedeu ao pagamento de € 5.997,26 (cinco mil novecentos e noventa e sete euros e vinte e seis cêntimos) concernente à terceira prestação do tributo que lhe era exigido, e cujo prazo de pagamento terminava no final do mês de Novembro de 2015 (docs. juntos com o requerimento apresentado pela Requerente no dia 24.03.2016).

 

3.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.

 

 

3.      Matéria de direito

 

3.1. Questões a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, duas: 

a)      A de saber se um prédio constituído em propriedade total ou vertical, mas com andares ou divisões com utilizações independentes, é um “prédio com afectação habitacional” para efeitos da aplicação do art.º 1.º do CIS e da verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro; e

b)      A de esclarecer se, caso se julgue procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações contestadas, a Requerente, no âmbito do presente processo arbitral poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente às quantias por si entregues para satisfação do imposto por esta ilegalmente exigido.

 

3.2.      A verba 28.1 da TGIS

 

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, entre várias alterações que promoveu ao CIS, aditou, pelo seu art.º 4.º, a verba 28 à TGIS, que conta com a seguinte redacção:

 

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1%;

 

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.»

 

 

 

Como se constata, a verba 28.1 refere-se a “prédios com afectação habitacional”. Ora, não só este conceito não surge definido em qualquer disposição do CIS, como tão-pouco é usado no CIMI, diploma para que expressamente remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28.

 

3.3. A “propriedade vertical” e a aplicação da verba 28.1 da TGIS

 

Sem prejuízo do interesse, não apenas dogmático, da fixação do sentido e do alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional”, forçoso é, antes do mais, dar resposta à questão de saber se, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, podem ser somados os VPT de cada um dos andares ou divisões com utilização independente de um determinado edifício e dados como estando afectos a habitação, como fez a Requerida relativamente ao Prédio (excepcionando as partes afectas a fim diverso, que não habitacional).

 

a)      A matriz predial de imóveis em propriedade total ou vertical e a cobrança do Imposto Municipal sobre Imóveis

 

Importa desde já esclarecer que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição predial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”, conforme se pode ler no n.º 2 do art.º 12.º do CIMI. Também o IMI, nos prédios sujeitos ao regime da propriedade total, dá relevo típico a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente (art.º 119.º, n.º 1 do CIMI).

 

Ou seja, resulta claro que o legislador, no CIMI, não pretendeu ater-se ao rigor da forma jurídica dos direitos reais incidentes sobre os prédios, mas antes à utilização que lhes é dada, nomeadamente nos casos em que um prédio, juridicamente falando, é composto por diferentes andares ou partes susceptíveis de utilização independente.

 

Dir-se-á, não sem razoabilidade, que o legislador, para efeitos de tributação em sede de IMI, optou por conferir autonomia, independência, a cada uma das partes ou a cada um dos andares de um único prédio, desde que umas e outros se mostrem de utilização independente, ao ponto de prever a inscrição individualizada na matriz de cada uma dessas partes independentes e de impor à tributação em sede de IMI uma cobrança também ela autónoma. Mau grado a existência jurídica de um único prédio, é o próprio legislador que não apenas recomenda como impõe a consideração autónoma de cada uma das partes independentes, para efeitos de tributação do património.

 

b)     A aplicação da verba 28.1 da TGIS a cada uma das partes independentes

 

Se é assim para o IMI, como se procurou demonstrar, não pode deixar de ser assim também para o IS, nomeadamente para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS.

 

Aliás, este problema, caso o imposto, IMI ou IS, fosse puramente proporcional, não existiria ou seria inócuo, porquanto o somatório das partes haveria de corresponder necessariamente ao todo. Não é esse, porém, o caso dos autos.

 

Como se viu, o IS a que faz apelo a verba 28.1 da TGIS só se mostra devido relativamente aos prédios com afectação habitacional e, nestes, apenas aos que apresentem um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

 

Não se vê razão para a desconsideração da autonomia de cada uma das partes susceptíveis de utilização independente do Prédio, nem se pode concluir que, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, se impõe uma unidade que sendo indiscutível em termos de direitos reais o não é em sede de tributação sobre o património imobiliário.

 

Atentos a letra e o espírito da lei, não se vislumbra que seja intenção do legislador fazer aplicar a verba 28.1 da TGIS a cada uma das partes de um prédio quando apenas do somatório de todas elas resulta um VPT igual ou superior ao da bitola legal. 

 

c)      A ratio legis da verba 28.1 da TGIS

 

O que se deixa dito acima não ignora o confessado propósito do proponente da alteração legislativa já referida. A interpretação que aqui se acolhe está de harmonia com o que parece ter sido a inequívoca intenção do Governo, autor da proposta que resultou nesta intervenção legislativa.

 

Aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[1]:

 

“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”     

 

Ora, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresentou esta proposta de lei referindo, sem tibiezas, a expressão “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, note-se. 

 

Assim, mau grado a infelicidade da técnica legislativa adoptada, resulta com meridiana clareza que a verba 28.1 da TGIS não pode ser interpretada no sentido de nela estarem abrangidos cada um dos andares, divisões ou partes susceptíveis de utilização independente quando apenas do respectivo somatório resulta um VPT igual ou superior ao que prevê a mesma verba. Na verdade, nenhuma das “casas” do Prédio a que vimos fazendo referência, apresenta, de per se, valor igual ou superior a 1 milhão de euros.

 

d)     Conclusão

 

Pelo exposto, é entendimento do tribunal arbitral que está ferida de ilegalidade a liquidação de IS com base na verba 28.1 da TGIS relativamente a cada um dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente do Prédio, por não poder a mencionada verba ser interpretada no sentido de poder ela ser aplicada a andares ou partes susceptíveis de utilização independente de um prédio em propriedade total ou vertical, quando apenas do somatório de cada um desses andares ou partes se logra obter um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), não ultrapassando o VPT de cada um dos ditos andares ou partes essa fasquia legal.  

 

O entendimento do tribunal arbitral rejeita o juízo de inconstitucionalidade invocado pela Requerida. É sabido que cabe à lei – lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei autorizado – a fixação dos elementos essenciais da incidência dos impostos. Contudo, o entendimento acolhido pelo tribunal arbitral não descura o princípio da legalidade previsto no n.º 2 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa, porque, como se procurou demonstrar pelos argumentos apresentados supra, a solução que se advoga resulta de disposições normativas que não enfermam de qualquer inconstitucionalidade orgânica.

 

3.4. Dos juros indemnizatórios

 

A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.

 

Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Encontramos manifestações desse princípio no n.º 1 do art.º 43.º da Lei Geral Tributária e no art.º 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

Assim, tendo a Requerente pago, total ou parcialmente, o tributo que pelas liquidações reclamadas lhe era exigido, tem ela direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento até ao seu integral reembolso. 

 

3.5. Questão prejudicada: inconstitucionalidade invocada pela Requerente

 

A Requerente suscitou a questão da inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, com a redacção que lhe foi dada pelo mesmo diploma, caso ela fosse interpretada no sentido de que o IS ali previsto poderia incidir sobre cada um dos andares ou partes independentes do Prédio.

 

Uma vez que o tribunal arbitral não acolheu o entendimento da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS ao caso vertente, surge prejudicada e processualmente inútil a apreciação dessa questão e a de quaisquer outros vícios de que possam enfermar as contestadas liquidações.

 

 

4.      Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação das liquidações impugnadas, com todas as consequências legais, desde logo o reembolso à Requerente de todos os montantes por ela pagos, relativamente às liquidações ora anuladas;

b)      Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, sendo eles contados desde a data do pagamento de cada uma das três prestações relativas aos tributos ora declarados indevidos até ao seu integral reembolso.

 

 

5.      Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º- A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 17.991,80 (dezassete mil novecentos e noventa e um euros e oitenta cêntimos).

 

 

6.      Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

 

Lisboa, 30 de Março de 2016

 

 

O Árbitro

 

 

 (Nuno Pombo)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, obedecendo à ortografia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] V. DAR I Série n.º 9/XII -2, de 11 de Outubro, pág. 32.