Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 494/2014-T
Data da decisão: 2015-03-13  Selo  
Valor do pedido: € 37.174,75
Tema: IS – Partes de prédio suscetíveis de utilização independente; Verba nº 28.1 da TGIS
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 494/2014- T

Tema: IS – Partes de prédio suscetíveis de utilização independente – Verba nº 28.1 da TGIS

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 15.07.2014, o Requerente A, casado, titular do número de identificação fiscal …, residente na Avenida …, Cascais, na qualidade de cabeça de casal da herança de B, com o número de identificação fiscal …, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  dos seguintes atos tributários:

a) Liquidação correspondente ao documento nº 2014 …, da verba 28.1 TGIS para o ano de 2013, com a coleta de 2.823,20€, relativa ao 1.º Direito do artigo matricial urbano n.º …, freguesia das …, com o valor matricial de 282.320,00€, com data de liquidação de 17.03.2014 e data limite de pagamento da primeira prestação no valor de 941,08€ em 30 de Abril de 2014;

 

b) Liquidação correspondente ao documento nº 2014 …, da verba 28.1 TGIS para o ano de 2013, com a coleta de 2.812,30€, relativa ao 2.º Direito do artigo matricial urbano n.º …, freguesia das …, com o valor matricial de 281.230,00€, com data de liquidação de 17.03.2014 e data limite de pagamento da primeira prestação no valor de 937,44€ em 30 de Abril de 2014;

 

c) Liquidação correspondente ao documento n.º 2014 …, da verba 28.1 TGIS para o ano de 2013, com a coleta de 2.812,30€, relativa ao 3.º Direito do artigo matricial urbano n.º …, freguesia das …, com o valor matricial de 281.230,00€, com data de liquidação de 17.03.2014 e data limite de pagamento da primeira prestação no valor de 937,44€ em 30 de Abril de 2014;

 

d) Liquidação correspondente ao documento nº 2014 …, da verba 28.1 TGIS para o ano de 2013, com a coleta de 2.812,30€, relativa ao 4.º Direito do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 281.230,00€, com data de liquidação de 17.03.2014 e data limite de pagamento da primeira prestação no valor de 937,44€ em 30 de Abril de 2014;

 

e) Liquidação correspondente ao documento nº 2014 …, da verba 28.1 TGIS para o ano de 2013, com a coleta de 2.804,70€, relativa ao 5.º Direito do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 280.470,00€, com data de liquidação de 17.03.2014 e data limite de pagamento da primeira prestação no valor de 934,90€ em 30 de Abril de 2014;

f) Liquidação correspondente ao documento nº  2014 …, da verba 28.1 TGIS para o ano de 2013, com a coleta de 2.856,40€, relativa ao 2.º Esquerdo do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 285.640,00€, com data de liquidação de 17.03.2014 e data limite de pagamento a primeira prestação no valor de 952,14€ em 30 de Abril de 2014;

 

g) Liquidação correspondente ao documento nº  2014 …, da verba 28.1 TGIS para o ano de 2013, com a coleta de 2.856,40€, relativa ao 3.º Esquerdo do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 285.640,00€, com data de liquidação de 17.03.2014 e data limite de pagamento no valor de 952,14€ em 30 de Abril de 2014;

 

h) Liquidação correspondente ao documento nº  2014 …, da verba 28.1 TGIS para o ano de 2013, com a coleta de 2.856,40€, relativa ao 4.º Esquerdo do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 285.640,00€, com data de liquidação de 17.03.2014 e data limite de pagamento no valor de 952,14€ em 30 de Abril de 2014;

 

i) Liquidação correspondente ao documento nº  2014 …, da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (doravante TGIS) para o ano de 2013, com a coleta de 2.824,60€, relativa ao 5.º Esquerdo do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 282.460,00€, com data de liquidação de 17.03.2014, com data limite de pagamento da primeira prestação no valor de 941,54€ em 30 de Abril de 2014;

 

j) Liquidação correspondente ao documento nº  2014 …, da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (doravante TGIS) para o ano de 2013, com a coleta de 2.824,60€, relativa ao 5.º Esquerdo do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 282.460,00€, com data de liquidação de 17.03.2014, com data limite de pagamento da segunda prestação no valor de 941,53€ em 31 de Julho de 2014;

 

l) Liquidação correspondente ao documento nº  2014 …, da verba 28.1 TGIS para o ano de 2013, com a coleta de 2.856,40€, relativa ao 4.º Esquerdo do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 285.640,00€, com data de liquidação de 17.03.2014 e data limite de pagamento da segunda prestação no valor de 952,13€ em 31 de Julho de 2014;

 

m) Liquidação correspondente ao documento nº  2014 …, da verba 28.1 TGIS para o ano de 2013, com a coleta de 2.856,40€, relativa ao 3.º Esquerdo do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 285.640,00€, com data de liquidação de 17.03.2014 e data limite de pagamento da segunda prestação no valor de 952,13€ em 31 de Julho de 2014;

 

n) Liquidação correspondente ao documento nº  2014 …, da verba 28.1 TGIS para o ano de 2013, com a coleta de 2.856,40€, relativa ao 2.º Esquerdo do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 285.640,00€, com data de liquidação de 17.03.2014 e data limite de pagamento a segunda prestação no valor de 952,13€ em 31 de Julho de 2014;

 

o) Liquidação correspondente ao documento nº  2014 …, da verba 28.1 TGIS para o ano de 2013, com a coleta de 2.804,70€, relativa ao 5.º Direito do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 280.470,00€, com data de liquidação de 17.03.2014 e data limite de pagamento da segunda prestação no valor de 934,90€ em 31 de Julho de 2014;

 

p) Liquidação correspondente ao documento nº  2014 …, da verba 28.1 TGIS para o ano de 2013, com a coleta de 2.812,30€, relativa ao 4.º Direito do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 281.230,00€, com data de liquidação de 17.03.2014 e data limite de pagamento da segunda prestação no valor de 937,43€ em 31 de Julho de 2014;

 

q) Liquidação correspondente ao documento nº  2014 …, da verba 28.1 TGIS para o ano de 2013, com a coleta de 2.812,30€, relativa ao 3.º Direito do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 281.230,00€, com data de liquidação de 17.03.2014 e data limite de pagamento da segunda prestação no valor de 937,43€ em 31 de Julho de 2014;

 

r) Liquidação correspondente ao documento nº  2014 …, da verba 28.1 TGIS para o ano de 2013, com a coleta de 2.812,30€, relativa ao 2.º Direito do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 281.230,00€, com data de liquidação de 17.03.2014 e data limite de pagamento da segunda prestação no valor de 937,43€ em 31 de Julho de 2014;

 

s) Liquidação correspondente ao documento nº  2014 …, da verba 28.1 TGIS para o ano de 2013, com a coleta de 2.823,20€, relativa ao 1.º Direito do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 282.320,00€, com data de liquidação de 17.03.2014 e data limite de pagamento da segunda prestação no valor de 941,06€ em 31 de Julho de 2014;

 

t) Liquidação de  Imposto de Selo correspondente ao documento n.º 2014 …, prevista no artigo 6º, nº 1 da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro,  com a coleta de 584,59€, relativa ao 1.º direito artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 73.073,33€, com data de liquidação de 07.03.2014 e data limite de pagamento em 31 de Agosto de 2014;

 

u) Liquidação  de  Imposto de Selo correspondente ao documento nº  2014 …, prevista no artigo 6º, nº 1 da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro,, com a coleta de 692,91€, relativa ao 1.º Esquerdo do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 86.614,29€, com data de liquidação de 07.03.2014 e data limite de pagamento em 31 de Agosto de 2014;

 

v) Liquidação de Imposto de Selo correspondente ao documento nº  2014 …, prevista no artigo 6º, nº 1 da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a coleta de 1.096,31€ relativa ao 2.º direito do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 137.038,68€, com data de liquidação de 07.03.2014 e data limite de pagamento em 31 de Agosto de 2014;

 

x) Liquidação de Imposto de Selo correspondente ao documento nº  2014 …, prevista no artigo 6º, nº 1 da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro,, com a coleta de 313,84€, relativa ao 2.º Esquerdo do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 39.230,00€, com data de liquidação de 07.03.2014 e data limite de pagamento em 31 de Agosto de 2014;

 

 z) Liquidação de Imposto de Selo correspondente ao documento nº 2014 …, prevista no artigo 6º, nº 1 da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a coleta de 622,21€, relativa ao 3.º direito do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 77.776,27€, com data de liquidação de 07.03.2014 e data limite de pagamento em 31 de Agosto de 2014;

 

aa) Liquidação de Imposto de Selo correspondente ao documento nº 2014 …, prevista no artigo 6º, nº 1 da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a coleta de 413,53€, relativa ao 3.º esquerdo do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 51.691,55€, com data de liquidação de 07.03.2014 e data limite de pagamento em 31 de Agosto de 2014;

 

bb) Liquidação de Imposto de Selo correspondente ao documento  n.º 2014 …, prevista no artigo 6º, nº 1 da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro,, com a coleta de 2.885,06€, relativa ao 4.º direito do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 360.632,43€, com data de liquidação de 07.03.2014 e data limite de pagamento em 31 de Agosto de 2014;

 

cc) Liquidação de Imposto de Selo correspondente ao documento nº  2014 …, prevista no artigo 6º, nº 1 da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a coleta de 167,60€, relativa ao 4.º esquerdo do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 20.949,91€, com data de liquidação de 07.03.2014 e data limite de pagamento em 31 de Agosto de 2014;

 

dd) Liquidação de Imposto de Selo correspondente ao documento nº  2014 …, prevista no artigo 6º, nº 1 da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a coleta de 4.179,44€, relativa ao 5.º direito., do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 522.429,74€, com data de liquidação de 07.03.2014 e data limite de pagamento em 31 de Agosto de 2014;

 

ee) Liquidação de Imposto de Selo correspondente ao documento nº  2014 …, prevista no artigo 6º, nº 1 da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a coleta de 760,66€, relativa ao 5.º esquerdo do artigo matricial urbano n.º ..., freguesia das ..., com o valor matricial de 95.082,80€, com data de liquidação de 07.03.2014 e data limite de pagamento em 31 de Agosto de 2014.

 

O Requerente peticionou no pedido de constituição de Tribunal Arbitral, também, juros indemnizatórios, que entende serem devidos, por ter pago os montantes correspondentes às liquidações respeitante ao ano de 2013 e supra referidas nas alíneas a) a s).

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 1.10.2014.

 

3. Por despacho arbitral de 6.01.2015, na sequência de requerimento da Requerida que mereceu a concordância do Requerente, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, atenta a sua desnecessidade.

 

4. Os fundamentos apresentados pelo Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

i) A AT não tem qualquer fundamento legal para liquidar aquele imposto de selo à face da verba 28.1 da respetiva tabela, na redação dada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro pois que o prédio dos autos encontra-se matricialmente descrito nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 12.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante CIMI), nos termos do qual: “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.” tendo  sido  avaliado de acordo com o disposto no artigo 7-º, n.º 2, al. b) do CIMI, segundo o qual: “O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior determina-se: (…) b) Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.”

ii) A Requerida  atendeu ao valor resultante da soma de 13 dos fogos do prédio dos autos, apurando o montante de 3.580.110,00€, ao qual relativamente ao imposto de selo de 2011, liquidado em 2012, deduziu o VPT das duas lojas e do rés-do-chão do prédio, com licença camarária para a atividade comercial, obtendo como resultado o montante de 1.464.519,00€ e -Relativamente ao imposto de selo do ano de 2013, liquidado em 2014, deduziu o VPT das duas lojas e do r/c e do 1.º esquerdo do prédio, com licença camarária para a atividade comercial, obtendo como resultado o montante de 2.545.860,00€ e, na medida em que este resultado ultrapassa o valor de um milhão de euros, entendeu que o prédio ficava sob a incidência objetiva da aludida verba 28.1 da TGIS mas foi com base no VPT de cada uma das unidades do prédio que efetuou as liquidações dos autos, ora impugnadas.

iii) Para efeitos de IMI e da verba 28.1 da TGIS, o que releva é a autonomia traduzida num valor patrimonial autónomo, se superior a € 1.000.000, cumulada com o requisito da afetação desse fogo à habitação e não ao uso comercial e nenhuma das liquidações sub juditio, ora impugnadas, teve por base um valor acima de 1.000.000,00€ (um milhão de euros).

iv) As liquidações dos autos são não só ilegais como também inconstitucionais, por violarem o principio da Igualdade constitucionalmente consagrado, artigo 13.º da CRP,  o qual em sede de Direito dos Tributos, é concretizado pelo Princípio da Capacidade Contributiva, porque, se o prédio estivesse constituído em propriedade horizontal, a situação contributiva do prédio em si, bem como a de cada uma das partes que o compõem, não diminuiria a sua capacidade contributiva.

v) A distinção propriedade horizontal/propriedade vertical não pode ser critério de inclusão/exclusão de incidência do imposto de selo dos prédios/fogos com as mesmas unidades físicas, valor patrimonial igual e afetação dos mesmos espaços aos mesmos fins pelo que a aplicação da verba 28 da TGIS efetuada pela Requerida viola, assim, os princípios da Igualdade e da capacidade contributiva.

 

5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão do Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

i) A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS resulta da conjugação de dois factos, a saber, a afetação habitacional e o valor patrimonial de cada prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00.

ii) A situação do prédio do requerente subsume-se, linearmente, o que quer dizer, literalmente, na previsão da verba em causa pois só as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios - n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI pelo que, encontrando-se o prédio em causa em regime de propriedade total, não possui frações autónomas, às quais a lei fiscal atribui a qualificação de prédio pelo que o ora requerente, para efeitos de IMI e também de imposto selo, por força da redação da referida verba, não é proprietário de 9 frações autónomas, mas sim de um único prédio.

iii) Não podemos, pois, aceitar que se considere, que para efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao CIS, que as partes suscetíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das frações autónomas do regime da propriedade horizontal.

iv) Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes suscetíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a esta materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do artigo 12.º e consequentemente, nos termos do artigo 12º, nº 3, do C.I.M.I., cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas na mesma matriz, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte.

v) O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afeta igualmente a aplicação da verba 28º, nº 1, da Tabela Geral como resulta do facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas.

vi) Outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

vii) É, assim, inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado globalmente e não andar a andar ou andar ou divisão a divisão.

viii) Não se vislumbra como, por outro lado, como a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade e o da prevalência da verdade material referidos pelo requerente uma vez que  a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.

ix) A constituição da propriedade horizontal implica, é facto, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma nova avaliação mas o legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.

x) Essa discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal.   

 

6. Em 12.12.2014, o Requerente apresentou articulado superveniente alegando ter pago em 13.10.2014 as prestações tributárias supra identificadas nas als. t) a ee) do ponto 1, referentes às liquidações previstas no artigo 6º, nº 1 da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, requerendo a  ampliação do pedido e peticionado a restituição das quantias pagas, os respetivos juros indemnizatórios e ainda a devolução das custas pagas nos respetivos processos executivos instaurados em resultado do não pagamento voluntário dos montantes correspondentes às prestações tributárias em causa.

A Requerida, notificada, não se pronunciou, tendo o Tribunal admitido o articulado em causa e a ampliação peticionada.

 

7. As partes apresentaram alegações escritas nas quais, no essencial, mantiveram as suas posições.

 

8. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

II – A matéria de facto relevante

9. O tribunal considera provados os seguintes factos:

 

1.O requerente A, é cabeça de casal da herança indivisa de B, com o número de identificação fiscal  ….

2. Desta herança indivisa faz parte o prédio urbano sito …, freguesia de …, concelho de Lisboa, com o artigo matricial ..., da freguesia das … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº ….

3.O prédio em causa é composto por cave, 2 lojas, r/chão e seis andares, andares com utilização independente, nos termos seguintes:

a) A loja 32, o rés-do-chão e 1.º esquerdo com a licença de utilização n.º …, emitida pela Câmara Municipal de Lisboa em 20.11.1996 que os afeta ao uso comercial, bem como a loja 48 A destinada a uso comercial;

b) Os 1.º direito, 2.º direito, 3.º direito, 4.º direito, 5.º direito., 2.º esquerdo., 3.º esquerdo., 4.º esquerdo. e 5.º esquerdo., todos fogos autónomos e que mantêm a finalidade descrita no Auto de Vistoria para habitação e ocupação emitido à data da sua construção, em 9.11.1946, auto esse segundo o qual: “pode a licença de habitação ser concedida para 12 fogos, sendo 1 para porteira no último piso e a de ocupação para 1 ocupação desde dez de Novembro de mi novecentos e quarenta e seis. Verificaram também os peritos que este prédio estava desocupado e habitado no 1.º andar direito.”

c) O 6.º andar está atualmente devoluto e mantém na matriz o destino original para “casa

da porteira.” 

4.A divisão que caracteriza o prédio leva a que, anualmente, a AT, para efeitos de IMI, proceda às operações legais de liquidação deste imposto, a partir do valor patrimonial tributário de cada uma das suas 13 unidades física e economicamente autónomas.

5. Todas estas 13 unidades físicas e economicamente autónomas, individualmente consideradas, têm um valor patrimonial tributário inferior a um milhão de euros.

6. A AT entendeu que o prédio está sob a incidência objetiva da verba n.º 28.1 da TGIS, uma vez que a soma do valor patrimonial de cada uma das suas aludidas unidades física e economicamente independentes ultrapassa a quantia de um milhão de euros.

7. No dia 24 de Abril de 2014, o Requerente procedeu ao pagamento das primeiras prestações das nove liquidações da verba 28.1 da TGIS relativas ao ano de 2013, no total de €8.486,26.

8. No dia 1 de Julho de 2014 procedeu ao pagamento das segundas prestações das nove liquidações da verba 28.1 da TGIS também relativas ao ano de 2013, no total de €8.486,17.

9. No dia 13.10.2014 o requerente procedeu ao pagamento das dez liquidações, efetuadas nos termos no artigo 6º, nº 1 da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro e para lá do valor do imposto pagou, também, custas respeitantes aos processos executivos instaurados por cada uma das liquidações de imposto de selo, nos seguintes termos:

i) Liquidação de Imposto de Selo n.º 2014 … com a coleta de 584,59€, custas no valor de 22,05€, num total de €606,64;

ii) Liquidação de Imposto de Selo n.º 2014 …, com a coleta de 692,91€, custas no valor de 22,05€, num total de 714,96€;

iii) Liquidação de Imposto de Selo n.º 2014 …, com a coleta de 1.096,31€ custas no valor de 29,90€, num total de 1126,21€;

iv) Liquidação de Imposto de Selo n.º 2014 …, , com a coleta de 313,84€, custas no valor de 19,10€, num total de332,94€;

v) Liquidação de Imposto de Selo n.º 2014 …, com a coleta de 622,21€, custas no valor de 22,05€, num total de 644,26€;

vi) Liquidação de Imposto de Selo n.º 2014 …, com a coleta de 413,53€, custas no valor de 19,10€, num total de 432,63€;

vii) Liquidação de Imposto de Selo n.º 2014 …, com a coleta de 2.885,06€, custas no valor de 53,18€, num total de 2.938,24€;

viii) Liquidação de Imposto de Selo n.º 2014 …, com a coleta de 167,60€, custas no valor de 19,10€, num total de 186,70€;

ix) Liquidação de Imposto de Selo n.º 2014 …, com a coleta de 4.179,44€, custas no valor de 69,81, num total de 4.249,25€;

x) Liquidação de Imposto de Selo n.º 2014 …, com a coleta de 760,66€, custas no valor de 25,38€, num total de 786,04€;

10. O prazo de pagamento voluntário destas liquidações havia expirado em 31.08.2014.

 

10. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, sendo de assinalar não ter sido manifestada pelas partes qualquer divergência relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

 

-III- O Direito aplicável

 

11.Estabelecia a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na redação à data dos factos, que fica sujeita a imposto de selo a propriedade de prédios com afetação habitacional com VPT igual ou superior a 1.000.000 euros, nos seguintes termos:

 

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1 000 000 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

 

12. O artigo 67º, nº 2 do CIS estabelece que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitante à verba nº 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.

 

13.Dispõe o artigo 2º, nº 4 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante CIMI) que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.

Estabelece ainda o artigo 92º do mesmo código:

“1-A cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde uma só inscrição na matriz.

2-Na descrição genérica do edifício deve mencionar-se o facto de ele se encontrar  em regime de propriedade horizontal.

3-Cada uma das fracções autónomas é pormenorizadamente descrita e individualizada pela letra maiúscula que lhe competir segundo a ordem alfabética.”

 

14. Por sua vez, estabelece o artigo 12º, nº 3 deste Código que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.[1]

Escrevendo sobre esta norma, dizem-nos J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas:  “Um exemplo que pode ilustrar esta situação é o caso de um prédio urbano, não constituído em propriedade horizontal e que seja composto por vários andares. Juridicamente este prédio constitui uma única unidade (…).

Porém, como cada uma destas unidades pode ser objecto de arrendamento ou de outra qualquer utilização por parte do respectivo titular, a matriz deve evidenciar essas unidades e deve ser atribuído valor patrimonial tributário a cada uma delas”.[2]

Afigura-se, assim, que o artigo 12º, nº 3 é aplicável às situações de prédios em condições de satisfazer os requisitos objetivos de submissão ao regime da propriedade horizontal, previstos no artigo 1415º do Código Civil, mas em que não verifica a existência de título constitutivo.

 

15. Relativamente a prédios urbanos em condições de satisfazer os requisitos objetivos de submissão ao regime da propriedade horizontal, em substância, a realidade económica objeto de tributação não deixa de ser a mesma  pelo facto de ter ocorrido, ou não, a prática do ato constitutivo da propriedade horizontal.

E, na perspetiva da tributação destas realidades, não se encontra no CIMI qualquer diferença substantiva de tratamento  dum imóvel em função da constituição da propriedade horizontal.

 

16. Efetivamente, no regime dos arts. 38º e seguintes do CIMI que regulam a determinação do valor patrimonial tributário dos imóveis não se deteta diferenciação substantiva entre imóveis constituídos em propriedade horizontal e imóveis com condições objetivas para tal, mas em que a submissão a tal regime não ocorreu[3], designadamente, tais circunstâncias não constam dos elementos majorativos ou minorativos previstos nas tabelas dos  artigos 43º, nº2 do código.

 

17. A questão essencial a solucionar o presente processo prende-se com a questão de saber se nos prédios com partes suscetíveis de utilização independente, mas não submetidas ao regime da propriedade horizontal, o imóvel será considerado como uma unidade para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS ou se serão consideradas individualmente as suas partes independentes.

 

18. No primeiro caso, o valor relevante para efeitos da subsunção à verba 28 será o resultante da consideração da totalidade das suas partes e, em coerência, deverá efetuar-se uma única liquidação, apenas relativamente ao imóvel, e não tantas liquidações quantas as partes ou andares suscetíveis de utilização independente.

 

19. No segundo caso, o valor a considerar para o efeito será o de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente à semelhança do que ocorre nas frações autónomas de prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, devendo efetuar-se tantas liquidações quantas as partes suscetíveis de utilização independente, mas apenas e tão só relativamente a partes suscetíveis de utilização independente cujo valor seja igual ou superior a 1000.000 €.

 

20. A AT efetuou tantas liquidações quantas as partes suscetíveis de utilização independente, procedimento que no nosso entender não se harmoniza com a sua própria  tese de que, nestes casos,  a realidade visada pela Verba 28 da TGIS é o imóvel na sua globalidade e  não cada uma  das suas partes autónomas.

 

21. A questão já foi apreciada em diversas decisões arbitrais[4], todas no sentido de considerar que o valor a considerar para o efeito será o de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente à semelhança do que ocorre nas frações autónomas de prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, solução que temos por correta.

 

22. Num primeiro momento interpretativo da verba 28 da TGIS, a expressão “prédio urbano”, em conjugação com o artigo 2º, nº 4 do CIMI, que atribui a qualidade de prédio urbano a frações autónomas no regime de propriedade horizontal e, aparentemente,  parece não a atribuir a parte suscetíveis de utilização independente, poderia apontar para a consideração do prédio como um todo.

 

23. Mas, ainda no âmbito do elemento literal, a verba aponta em sentido diverso ao referir “prédio com afetação habitacional”, na medida em que, nos casos de prédios suscetíveis de utilização independente, a afetação só pode ser determinada fração a fração [5] e não globalmente, na medida em que pode acontecer, e acontece com frequência neste tipo de imóveis, haver partes afetas a habitação e outras afetas a outros fins.

Assim, o legislador ao referir “prédio com afetação habitacional”, no que respeita a prédios com andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, só poderá ter tido  em mente cada uma destas frações e não o prédio na sua globalidade.

 

24.Esta leitura do elemento literal está em completa harmonia com as normas do CIMI supra mencionadas, bem como dos demais elementos interpretativos, conforme demonstrado nas várias decisões do CAAD nesta matéria e a cuja jurisprudência se adere sem reservas.

 

25. Como se escreveu na decisão proferida no processo 50/2013-T:

a ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/22012 de 29 de outubro, e em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil, segundo o qual a interpretação da norma  jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.

Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.

A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”

 

26. A requerida sustenta, ainda, que é inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado globalmente e não andar a andar ou andar ou divisão a divisão.

 

Afigura-se-nos que não lhe assiste razão, pelo acima exposto e ainda porque  não se vislumbra  em que medida o princípio da legalidade possa interferir com a aplicação dos critérios interpretativos previstos no artigo 9º do Código Civil.

 

27. Por outro lado, entende-se que a interpretação que aqui se sustenta, na linha da jurisprudência arbitral pacífica supra mencionada é a que se harmoniza com os princípios constitucionais  da igualdade fiscal e  da capacidade contributiva, na medida em não seria aceitável face a estes princípios a tributação inequivocamente  desigual de realidades substancialmente idênticas, apenas pela razão formal de nuns casos ter ocorrido a constituição de propriedade horizontal e noutros não.

 

28. Na mesma linha, vai a consideração do princípio da coerência sistemática, que também seria afetada com a consideração destas realidades em sede de IMI com estatuto substancialmente idêntico à das frações de prédios formalmente constituídos em propriedade horizontal, ao invés do que sucederia em sede de imposto de selo, de acordo   com a solução sustentada pela Requerida.

 

29. Pelo exposto, considera-se que no caso de prédios urbanos com partes ou andares suscetíveis de utilização independente, o valor a considerar para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS é o valor patrimonial tributário de cada uma dessas partes independentes, só estando sujeitas a este imposto as partes suscetíveis de utilização independente cujo valor patrimonial tributário próprio seja superior a € 1.000.000.

 

30. No caso em apreço, sendo o valor patrimonial tributário de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente inferior àquele valor, as mesmas não se subsumem na norma de incidência tributária pelo que as liquidações sub judice padecem do vício de violação de lei, não podendo, em consequência, deixar de ser anuladas.

 

31. Veio ainda o Requerente pedir a condenação da Requerida a restituir as quantias pagas correspondentes às liquidações respeitantes ao ano de 2013 e a pagar juros indemnizatórios sobre tais montantes e ainda, no que se refere às liquidações previstas no artigo 6º, nº 1 da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, a restituição das quantias pagas, os respetivos juros indemnizatórios e ainda a devolução das custas pagas nos respetivos processos executivos instaurados em resultado do não pagamento voluntário dos montantes correspondentes às prestações tributárias em causa.

 

Vejamos.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora o artigoº 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.[6]

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se retira do artigoº 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigoº 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

 

Assim, o n.º 5 do artigoº 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.

 

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do ato é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, por sua iniciativa o praticou, como se viu, sem suporte legal.

 

Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.

 

Consequentemente, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre as quantias que pagou indevidamente.

 

Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução à presente decisão, nos termos do artigoº 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo aquela importância ao requerente, com juros indemnizatórios, à  à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigoº 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

32. As razões que se acabam de indicar para admitir a competência dos Tribunais Arbitrais para a prolação de decisões condenatórias no que respeita ao pagamento de juros indemnizatórios e ao reembolso das quantias pagas correspondentes às liquidações declaradas ilegais (competência que, aparentemente não decorreria do artigo 2º, nº 1 do RJAT) não têm, todavia, o alcance de atribuir ao tribunal poderes para condenar a Requerida ao pagamento de outras quantias que não decorram diretamente da declaração de ilegalidade da liquidação.

O pagamento de custas pelo Requerente não decorreu diretamente  da prática dos atos de liquidação ilegais, mas da ausência do pagamento voluntário das prestações tributárias, sabendo-se que em procedimento e processo tributário vigora o princípio “solve et repete”, de acordo com o qual, ao contribuinte, nas palavras de Saldanha Sanches, “Exige-se-lhe o pagamento prévio do imposto, com a devolução subsequente da quantia indevida se vier a ganhar o litígio que tem com a administração fiscal, adquirindo, neste caso, o direito a receber juros indemnizatórios[7].Por outro lado, como é consabido, o contribuinte poderá, ainda, evitar a instauração a execução, prestando garantia nos termos do artigo 169º do Código de Procedimento e Processo Tributário (com o consequente direito a  indemnização caso a mesma venha a ser considerada indevida nos termos do artigo 53º da Lei Geral Tributária) ou obtendo a sua dispensa caso reúna os requisitos para o efeito, nos termos dos arts. 52º, nº 4 da Lei Geral Tributária e 170º do CPPT.

Assim sendo, mesmo que o Tribunal arbitral dispusesse de competência condenatória para a pretensão em causa, o pedido não poderia deixar de improceder uma vez que as custas em causa não derivam dos atos declarados ilegais mas sim do facto do Requerente não ter requerido a suspensão da execução, nem ter efetuado o pagamento no prazo legal.

Nestes termos improcede esta pretensão do Requerente.

 

 

 

-IV- Decisão

 

Assim, decide o Tribunal arbitral:

- Julgar procedente a impugnação declarando a ilegalidade e consequente anulação de todas as  liquidações em causa.

-Julgar totalmente procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;

-Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na anulação das liquidações supra indicadas e, em consequência restituir ao requerente os identificados montantes pagos com juros indemnizatórios à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem), desde a data do pagamento pelo requerente até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigoº 61.º, n.º 5, do CPPT);

-Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida a pagar as custas suportadas pelo Requerente respeitantes aos processos executivos.

  

 

 

Valor da ação: 37.174,75€ (trinta e sete mil, cento e setenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) nos termos do disposto no artigo 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

 

Custas pela Requerida, no valor de € 1836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros) nos termos do nº 4 do artigo 22º do RJAT.

 

 

Lisboa, CAAD, 13.03.2015

 

 

O Árbitro

 

 

                         (Marcolino Pisão Pedreiro)

 

 



[1] Também no sentido da consideração individualizada destas partes suscetíveis de utilização independente determina o artigo 119º, nº 1 do CIMI que o documento de cobrança do imposto conterá a “discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário".

Apontando também no mesmo sentido, o artigo 15º-O do Decreto-Lei nº 287/2003, de 20 de Novembro, aditado pela Lei 60-A/2011 de 30/11, referindo-se à coleta de IMI  para efeitos do regime de salvaguarda, menciona “ prédio ou parte de prédio  urbano objeto da avaliação geral”.

[2] OS IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO, O IMPOSTO DE SELO, Anotados e Comentados, Engifisco, 1ª Edição, 2005, págs. 159-160.

[3] Já assim era face ao Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Industria Agrícola  e ao  Código da Contribuição Autárquica.

Os ofícios circulados nºs 40012, de 23.12.1999 e 40.025, de 11.08.2000 (que se podem consultar em CÓDIGO DO IMPOSTO  MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS, Comentado e anotado, de Martins Alfaro, Áreas Editora, 2004, 589-592, na obra citado de Silvério Mateus e Corvelo de Freitas, pags 294-295 e 259-261, podendo  ainda hoje o segundo ser consultado no sítio da internet http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/oficios_circulados_contribuicao_autarquica.htm) explicitaram mesmo o entendimento de que a não ser em casos de reconstrução, modificação ou melhoramento do prédio que implique  alguma variação do valor tributável  a passagem ao regime da propriedade horizontal não dá origem a nova avaliação.

 

[4] Proferidas nos processos 50/2013-T, 132-2013-T, 18 1/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 248/13, que podem ser consultadas em https://caad.org.pt/.

[5] Usamos aqui a expressão no sentido de parte ou andar suscetível de utilização independente.

[6] Sobre esta questão veja-se Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária,  in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pags 110-116).

[7] MANUAL DE DIREITO FISCAL, Coimbra Editora, 3ª Ed., 2007, pag. 485.