Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 494/2015-T
Data da decisão: 2016-02-03  Selo  
Valor do pedido: € 11.813,30
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS. Prédios urbanos em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente
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DECISÃO ARBITRAL

 

            I. RELATÓRIO

1. No dia 28 de julho de 2015, a sociedade comercial A…, Lda., NIPC …, com sede na …, Lote…, …, …, … , (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e a anulação das liquidações de Imposto do Selo [Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, TGIS)] respeitantes ao ano de 2014 e ao prédio urbano inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da União das Freguesias de …, … e …, concelho de ..., distrito de Lisboa, propriedade da Requerente, objeto das notas de cobrança com os n.ºs 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015… e 2015…, relativas à primeira prestação, no valor total de € 3.937,84, e com os n.ºs 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015… e 2015…, relativas à segunda prestação, no valor total de € 3.937,73, sendo o valor total da coleta de € 11.813,30.

A Requerente juntou 3 (três) documentos e arrolou uma testemunha, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

1.1. No essencial e em breve síntese, a Requerente alegou o seguinte (que mencionamos maioritariamente por transcrição):

- É dona e legítima proprietária de um prédio urbano, em propriedade vertical, divido em três blocos, composto por 18 frações destinadas à habitação (6 em cada um dos blocos), 15 lojas comerciais e 2 divisões destinadas a serviços, todas com utilização independente;

- Todas as divisões daquele prédio foram objecto de avaliação individual, nos termos e para os efeitos do disposto no CIMI, tendo sido atribuído a cada uma das divisões destinadas à habitação valores patrimoniais tributários inferiores a € 70.000,00;

- Em 20 de março de 2015, foi a AT liquidou Imposto do Selo relativo ao ano de 2014 e respeitante a cada uma das referidas divisões afetas à habitação, no valor global de € 11.813,30; 

- A Requerente procedeu ao pagamento tempestivo da 1.ª prestação de imposto, no montante total de € 3.937,84, e da 2.ª prestação de imposto, no valor total de € 3.937,73;

- A AT considerou que a Requerente é sujeito passivo de Imposto do Selo, verba 28.1 da TGIS, por ser proprietária daquele prédio urbano com um valor patrimonial tributário de € 1.181.330,00, valor este ao qual chegou através da soma dos valores das várias divisões afetas à habitação;

- Para efeitos de sujeição ou não a Imposto do Selo, a AT não pode proceder à soma dos valores das divisões de que determinado sujeito é proprietário num prédio, pois o Imposto do Selo deverá incidir sobre os prédios cujo valor matricial exceda o montante de 1 milhão de euros, o que não é o caso de nenhuma das divisões com utilização independente detidas pela Requerente;

- Apesar de o prédio não estar constituído em regime de propriedade horizontal, deve ser para efeitos de sujeição ou não a Imposto do Selo, tratado como tal, uma vez que todas a divisões constituem verdadeiras fracções autónomas, por serem divisões com utilização independente;

- Não resulta da análise conjugada dos arts. 2.º a 6.º do CIMI que seja feita qualquer distinção entre prédios constituídos em propriedade horizontal ou total, não se vislumbrando qualquer razão para não se incluir na definição de prédio constante do n.º 1 do art. 2.º do CIMI as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em propriedade total;

- A interpretação feita pela AT não é conforme à lei e à Constituição, por violação do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP), bem como do disposto no art. 104.º, n.º 3, da CRP;      

- Os atos de liquidação impugnados são ilegais, por violarem a norma de incidência prevista na verba 28.º da TGIS.

A Requerente remata o seu articulado inicial peticionando o seguinte:

«1 – A declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos tributários de liquidação do Imposto de Selo sobre propriedade imobiliária, no valor de 11.813,30€, bem como a anulação das respectivas guias de pagamento referentes às primeiras e segundas prestações já emitidas, e terceiras prestações, caso venham a ser emitidas.  

2 – A condenação da requerida a devolver todos os valores pagos, acrescidos dos juros que se vencerem, desde a data do pagamento das liquidações até ao reembolso efectivo das referidas quantias.»

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 14 de agosto de 2015.

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 28 de setembro de 2015, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 13 de outubro de 2015.

6. No dia 12 de novembro de 2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual, para além de deduzir matéria de exceção, impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente e concluiu pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida não juntou documentos, nem requereu a produção de quaisquer outras provas.

Na mesma ocasião, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).

6.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta (que mencionamos maioritariamente por transcrição):

A Requerida começa por invocar a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, esgrimindo a seguinte argumentação:

- O Tribunal Arbitral é materialmente incompetente, face ao disposto no art. 2.º do RJAT, para apreciar a legalidade de uma prestação do ato de liquidação, que não é em si nenhum ato tributário, não havendo qualquer dúvida, até pelo valor do processo e por todos os documentos a ele juntos, que a Requerente impugna, exclusivamente, as notas de cobrança que constituem as 1.ªs e 2.ªs prestações do imposto relativo ao imóvel;

- Pelo que se verifica a manifesta incompetência material do Tribunal Arbitral, devendo a exceção invocada ser julgada procedente.

            Posteriormente, a Requerida entra na defesa por impugnação, argumentando o seguinte que aqui destacamos:

            - O que está aqui em causa são liquidações que resultam da aplicação direta da norma legal, que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária;

            - O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2º, n.º 1, do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que, no regime de propriedade horizontal, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio, pelo que decorre da análise do preceito normativo que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, vários prédios;

            - Quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o valor patrimonial tributário que serve de base ao seu cálculo, será indiscutivelmente o valor patrimonial tributário que a Requerente define como «valor global do prédio»;

            - Estando correta a liquidação e sendo devido o imposto apurado, não são devidos os juros indemnizatórios, desde logo por não existir qualquer erro imputável aos Serviços, que se limitaram a atuar, como deviam, no estrito cumprimento da norma legal;

            - Carece de sustentação legal a tese defendida pela Requerente, pois muito embora a liquidação do Imposto do Selo, nas situações previstas na verba nº 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações, a saber, aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente) para efeitos de Imposto do Selo releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme o disposto no n.º 4 do art. 2.º do CIMI;

            - O vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito deve ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correta aplicação da lei aos factos;

            - Não se vislumbra como é que a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade, pois a previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação a este princípio, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, ou entre prédios com afetação habitacional e prédios com outras afetações,

- A propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados, sendo que o legislador pode submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária;

- Não se pode concluir por uma alegada discriminação em violação do princípio da igualdade quando, na verdade, estamos perante realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente;

- Nestes termos, mantêm-se integralmente válidas e legais as notas de cobrança do Imposto do Selo, verba 28 da TGIS, 1.ª e 2.ª prestações, ora impugnadas.

            7. Notificada para o efeito, a Requerente pronunciou-se quanto à matéria de exceção alegada pela Requerida na sua Resposta, pugnando pela improcedência da exceção que foi arguida.

Na mesma ocasião, a Requerente prescindiu da inquirição da testemunha por si arrolada.

8. Em 23 de novembro de 2015, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

9. Em 25 de novembro de 2015, a Requerente veio requerer a ampliação do pedido, em virtude de, posteriormente à apresentação do pedido de pronúncia arbitral, ter procedido ao pagamento da terceira prestação, no montante total de € 3.937,73, do Imposto do Selo respeitante às liquidações acima identificadas e objeto das notas de cobrança com os n.ºs 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015…, 2015… e 2015… .   

10. Notificadas para o efeito, ambas as Partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.     

***

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

            Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos de liquidação de Imposto do Selo, sendo peticionada a anulação de cada um deles – em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto – radicadas na propriedade da Requerente sobre um prédio urbano em propriedade vertical com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente – e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito – in casu, da verba 28.1 da TGIS (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).

            Admite-se a ampliação do pedido, por se mostrarem preenchidos os pressupostos para tal estatuídos no art. 265.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, uma vez que a ampliação requerida constitui evidente desenvolvimento do pedido primitivo, no qual, aliás, já foi feita referência às “terceiras prestações” de Imposto do Selo.

*

            II.1. DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL EM RAZÃO DA MATÉRIA

            A Requerida arguiu esta exceção, invocando o seguinte argumento nuclear:

«O Tribunal Arbitral é materialmente incompetente, face ao disposto no art. 2.º do RJAT, para apreciar a legalidade de uma prestação do acto de liquidação, que não é em si nenhum acto tributário, não havendo qualquer dúvida, até pelo valor do processo e por todos os documentos a ele juntos, que a Requerente impugna, exclusivamente, as notas de cobrança que constituem as 1.ªs e 2.ªs prestações do imposto [do Selo, respeitante ao ano de 2014,] relativo ao imóvel.».

            A Requerente pronunciou-se sobre esta exceção, pugnado pela respetiva improcedência, nos seguintes termos que aqui importa destacar:

            «A requerente em toda a sua peça processual de forma clara pugna pela ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto de Selo relativos ao ano de 2014, das 18 divisões para habitação do imóvel em apreço.

            Veja-se a esse propósito, designadamente, o conteúdo do art. 8.º da p. i., em que a requerente refere e discrimina as 18 notas de liquidação e os seus montantes; e fundamentalmente o conteúdo do pedido formulado pela requerente.

A requerente pede ao Tribunal a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos tributários de liquidação do Imposto de Selo sobre a propriedade imobiliária, no valor total de 11.813,30€.

            E também consequentemente a anulação das respectivas guias de pagamento referentes às primeiras e segundas prestações já emitidas, e terceiras prestações, caso venham a ser emitidas.

            Requerendo ainda a devolução de todos os valores pagos acrescidos dos juros legais.»

            Tendo em conta que o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (art. 13.º do CPTA aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT) e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso (art. 16.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), importa apreciar, primacialmente, a exceção dilatória suscitada pela Requerida sobre a incompetência do tribunal arbitral.

A competência dos tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD é, desde logo, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, o qual estatui o seguinte:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a)      A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b)      A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.”

Relativamente à liquidação de Imposto do Selo, resultante da aplicação da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS, o n.º 7 do artigo 23.º do CIS, na redação que lhe foi dada pelo artigo 3.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, dispõe que: “Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”. Ora, a expressão “o imposto é liquidado anualmente” indicia que é efetuada uma única liquidação anual, embora a mesma possa ser dividida, para efeitos de pagamento – e apenas para este efeito –, em prestações, como decorre do disposto nos arts. 44.º, n.º 5 do CIS e 120.º do CIMI.

Assim, não existem tantas liquidações quantas as prestações em que a coleta de imposto deva ser paga, pois a divisão de uma liquidação em prestações não passa de uma mera técnica de arrecadação de receitas. Como é referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 205/2013-T (disponível em www.caad.org.pt/tributario/decisoes), “da circunstância do valor da liquidação [de Imposto do Selo] poder ser pago em várias prestações, não decorre que existam três liquidações (…) tratando-se, diferentemente, de uma liquidação que pode ser paga em várias prestações”.

Com efeito, como tem vindo a ser reiteradamente afirmado em diversas decisões de tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD (neste sentido, entre outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 205/2013-T, 408/2014-T, 726/2014-T, 736/2014-T, 90/2015-T e 137/2015-T, disponíveis em www.caad.org.pt/tributario/decisoes), “a liquidação de imposto é só uma e só ela constituirá um acto lesivo, susceptível de ser objecto de uma única impugnação, pelo que, quando a lei prevê o seu pagamento em várias prestações, escalonadas no tempo, a anulação do acto tributário terá consequências relativamente a todas elas, fazendo cessar a obrigação de pagar ou impondo a obrigação de restituição dos montantes de imposto já pagos pelo sujeito passivo, bem como o ressarcimento da situação através do pagamento de juros indemnizatórios, tudo a cargo da Autoridade Tributária.

            O que a lei não prevê, nem em sede arbitral, nem em sede de processo de impugnação judicial é a pretensão anulatória de pagamento de prestações de imposto isoladas uma vez que tal efeito decorrerá apenas da anulação do acto tributário de liquidação que, como vimos, consiste na quantificação do montante total a pagar e que é apenas e tão só um único acto tributário.” (decisão arbitral proferida no processo n.º 90/2015-T).

            Dito isto. Compulsado o pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista dilucidar aquele que é o objeto deste processo, afigura-se meridianamente evidente que a Requerente visa com a respetiva instauração a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo relativos ao ano de 2014 e respeitantes ao sobredito imóvel, indicando, nessa conformidade, como valor da utilidade económica do pedido o valor global daquelas liquidações de Imposto do Selo (€ 11.813,30).

Assim, muito embora a Requerente associe os atos tributários de liquidação às três prestações de Imposto do Selo, procedendo à junção das respetivas notas de cobrança, o certo é que ela não circunscreve o objeto do pedido de pronúncia arbitral a nenhuma das prestações de imposto em particular, mas sim às liquidações do imposto consideradas no seu cômputo global. Com efeito, a Requerente remata o seu articulado inicial peticionando a «declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos tributários de liquidação do Imposto do Selo sobre propriedade imobiliária, no valor de 11.813,30€, bem como a anulação das respectivas guias de pagamento referentes às primeiras e segundas prestações já emitidas e terceiras prestações, caso venham a ser emitidas».

Assim, contrariamente ao que refere a AT, o objeto do pedido de pronúncia arbitral são os atos tributários de liquidação e não cada uma das prestações de Imposto do Selo individualmente consideradas.

Nestes termos, sem necessidade de maiores considerações, é julgada improcedente a arguida exceção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, para apreciar a pretensão formulada neste processo.

*

            Não há outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO                      

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

Nesta parametria, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

a) No ano de 2014, a Requerente era proprietária do prédio urbano, em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sito na …, Blocos…, …, União das Freguesias de …, …, concelho de ..., distrito de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo… . [cf. Doc. n.º 1 junto à P. I. (factualidade aceite por acordo)]

b) O referido prédio urbano é constituído por 5 (cinco) pisos e 35 (trinta e cinco) andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, dos quais 18 (dezoito) são afetos a habitação, tendo-lhe sido atribuído, em 2014, um valor patrimonial tributário total de € 1.540.550,00 [cf. Doc. n.º 1 junto à P. I. (factualidade aceite por acordo)].  

c) Cada um dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente que integram aquele mesmo prédio urbano têm um valor patrimonial tributário próprio, apurado nos termos do Código do IMI, sendo que aos andares ou divisões com utilização independente afetos a habitação foram atribuídos, em 2014, os seguintes valores patrimoniais tributários unitários, todos inferiores a € 1.000.000,00 [cf. Doc. n.º 1 junto à P. I. (factualidade aceite por acordo)]:

Andar ou divisão com utilização independente

Valor patrimonial tributário (€)

B1-1D

67.190,00

B1-1E

62.310,00

B1-2D

67.340,00

B1-2E

62.460,00

B1-3D

65.010,00

B1-3E

60.220,00

B2-1D

65.950,00

B2-1E

65.950,00

B2-2D

66.390,00

B2-2E

66.390,00

B2-3D

65.010,00

B2-3E

65.010,00

B3-1D

68.070,00

B3-1E

68.810,00

B3-2D

68.810,00

B3-2E

66.390,00

B3-3D

65.010,00

B3-3E

65.010,00

d) Em 20 de março de 2015, a AT efetuou as seguintes liquidações de Imposto do Selo, no montante total de € 11.813,30, todas reportadas ao ano de 2014 e referentes aos andares ou divisões com utilização independente afetos a habitação, integrados no prédio urbano supra identificado no facto provado a) [cf. fls. 9 do PA (factualidade aceite por acordo)]:

 

Andar ou divisão com utilização independente

N.º Liquidação

Matéria Coletável

(€)

Taxa

Coleta

(€)

B1-1D

67.190,00

1,00%

671,90

B1-1E

62.310,00

1,00%

623,10

B1-2D

67.340,00

1,00%

673,40

B1-2E

62.460,00

1,00%

624,60

B1-3D

65.010,00

1,00%

650,10

B1-3E

60.220,00

1,00%

602,20

B2-1D

65.950,00

1,00%

659,50

B2-1E

65.950,00

1,00%

659,50

B2-2D

66.390,00

1,00%

663,90

B2-2E

66.390,00

1,00%

663,90

B2-3D

65.010,00

1,00%

650,10

B2-3E

65.010,00

1,00%

650,10

B3-1D

68.070,00

1,00%

680,70

B3-1E

68.810,00

1,00%

688,10

B3-2D

68.810,00

1,00%

688,10

B3-2E

66.390,00

1,00%

663,90

B3-3D

65.010,00

1,00%

650,10

B3-3E

65.010,00

1,00%

650,10

e) Na sequência das liquidações de Imposto do Selo referenciadas no facto provado d), a Requerente foi notificada dos documentos únicos de cobrança que seguidamente se discriminam, no montante total de € 11.813,30, [cf. Docs. n.ºs 2 e 3 juntos à P. I., documento junto ao requerimento de 25/11/2015 e fls. 10 do PA (factualidade aceite por acordo)]:

 

Andar ou divisão com utilização independente

Identificação do documento

Data limite de pagamento

Prestação

Valor a pagar (€)

B1-1D

2015 …

30.04.2015

1.ª

223,98

B1-1D

2015…

31.07.2015

2.ª

223,96

B1-1D

2015…

30.11.2015

3.ª

223,96

B1-1E

2015…

30.04.2015

1.ª

207,70

B1-1E

2015…

31.07.2015

2.ª

207,70

B1-1E

2015…

30.11.2015

3.ª

207,70

B1-2D

2015…

30.04.2015

1.ª

224,48

B1-2D

2015…

31.07.2015

2.ª

224,46

B1-2D

2015…

30.11.2015

3.ª

224,46

B1-2E

2015…

30.04.2015

1.ª

208,20

B1-2E

2015…

31.07.2015

2.ª

208,20

B1-2E

2015…

30.11.2015

3.ª

208,20

B1-3D

2015…

30.04.2015

1.ª

216,70

B1-3D

2015…

31.07.2015

2.ª

216,70

B1-3D

2015…

30.11.2015

3.ª

216,70

B1-3E

2015…

30.04.2015

1.ª

200,74

B1-3E

2015…

31.07.2015

2.ª

200,73

B1-3E

2015…

30.11.2015

3.ª

200,73

B2-1D

2015…

30.04.2015

1.ª

219,84

B2-1D

2015…

31.07.2015

2.ª

219,83

B2-1D

2015…

30.11.2015

3.ª

219,83

B2-1E

2015…

30.04.2015

1.ª

219,84

B2-1E

2015…

31.07.2015

2.ª

219,83

B2-1E

2015…

30.11.2015

3.ª

219,83

B2-2D

2015…

30.04.2015

1.ª

221,30

B2-2D

2015…

31.07.2015

2.ª

221,30

B2-2D

2015…

30.11.2015

3.ª

221,30

B2-2E

2015…

30.04.2015

1.ª

221,30

B2-2E

2015…

31.07.2015

2.ª

221,30

B2-2E

2015…

30.11.2015

3.ª

221,30

B2-3D

2015…

30.04.2015

1.ª

216,70

B2-3D

2015…

31.07.2015

2.ª

216,70

B2-3D

2015…

30.11.2015

3.ª

216,70

B2-3E

2015…

30.04.2015

1.ª

216,70

B2-3E

2015…

31.07.2015

2.ª

216,70

B2-3E

2015…

30.11.2015

3.ª

216,70

B3-1D

2015…

30.04.2015

1.ª

226,90

B3-1D

2015…

31.07.2015

2.ª

226,90

B3-1D

2015…

30.11.2015

3.ª

226,90

B3-1E

2015…

30.04.2015

1.ª

229,38

B3-1E

2015…

31.07.2015

2.ª

229,36

B3-1E

2015…

30.11.2015

3.ª

229,36

B3-2D

2015…

30.04.2015

1.ª

229,38

B3-2D

2015…

31.07.2015

2.ª

229,36

B3-2D

2015…

30.11.2015

3.ª

229,36

B3-2E

2015…

30.04.2015

1.ª

221,30

B3-2E

2015…

31.07.2015

2.ª

221,30

B3-2E

2015…

30.11.2015

3.ª

221,30

B3-3D

2015…

30.04.2015

1.ª

216,70

B3-3D

2015…

31.07.2015

2.ª

216,70

B3-3D

2015…

30.11.2015

3.ª

216,70

B3-3E

2015…

30.04.2015

1.ª

216,70

B3-3E

2015…

31.07.2015

2.ª

216,70

B3-3E

2015…

30.11.2015

3.ª

216,70

           

f) As liquidações de Imposto do Selo discriminadas no facto provado d) resultaram da aplicação da verba 28.1 da TGIS a todos e cada um dos andares ou divisões com utilização independente afetos a habitação ali referenciados, integrados no prédio urbano identificado no facto provado a) [cf. Docs. n.ºs 2 e 3 juntos à P. I. e documento junto ao requerimento de 25/11/2015 (factualidade aceite por acordo)].

            g) Em 27 de abril de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento tempestivo e integral dos valores correspondentes à 1.ª prestação das mencionadas liquidações de Imposto do Selo, no montante total de € 3.937,84. [cf. Doc. n.º 2 junto à P. I. (factualidade aceite por acordo)]. 

h) Em 15 de julho de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento tempestivo e integral dos valores correspondentes à 2.ª prestação das mencionadas liquidações de Imposto do Selo, no montante total de € 3.937,73. [cf. Doc. n.º 2 junto à P. I. (factualidade aceite por acordo)]. 

i) Em 24 de novembro de 2015, a Requerente procedeu ao pagamento tempestivo e integral dos valores correspondentes à 3.ª prestação das mencionadas liquidações de Imposto do Selo, no montante total de € 3.937,73. [cf. documento junto ao requerimento de 25/11/2015 (factualidade aceite por acordo)].

j) Em 28 de julho de 2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo – cf. sistema informático de gestão processual do CAAD.

*

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

*

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos juntos aos autos e no processo administrativo.

*

III.2. DE DIREITO

§1. DA QUESTÃO SUB JUDICE

A questão essencial a resolver sobre o mérito do litigio atinente à pretensão de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo impugnadas prende-se com determinar se, para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS, nos casos de um prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, se deve atender ao valor total do prédio resultante da soma dos valores patrimoniais tributários dos diversos andares ou divisões com afetação habitacional, como subjaz às liquidações em causa, ou se se deve antes dar relevância ao valor patrimonial tributário da cada andar ou divisão com afetação habitacional, como invoca a Requerente, com a consequente violação de lei, por erro nos pressupostos, das liquidações de imposto controvertidas.

Para além da matéria atinente a este vício de violação de lei, a Requerente suscita ainda a questão da inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, por violação do princípio da igualdade.

No entanto, só importará apreciar esta questão se e na medida em que a interpretação e concretização da solução normativa resultante da mencionada verba envolva a subsunção à respetiva previsão legal da situação sub judice; se isso não se verificar, a apreciação da inconstitucionalidade da norma em apreço não assume relevância processual em ordem à resolução do litígio.   

Apreciando e decidindo.

O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, aditou à Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, a verba 28, a qual estatui o seguinte (redação resultante da alteração introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2014 (cf. artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31.12) e aplicável ao caso concreto):

“28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1          — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI— 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”

Como é salientado na decisão proferida no processo n.º 518/2014-T (disponível em www.caad.org.pt/tributario/decisoes), “as referências na verba 28 da TGIS a “prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000” e a “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI” implicam que esta norma possui um cariz fulcralmente remissivo, pelo que o conteúdo regulativo relevante depende da normatividade ad quam constante do CIMI.

Na verdade, seja quanto à incidência objectiva, com a remissão para o “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, seja quanto à fixação da matéria colectável, com a remissão para o “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, o teor regulativo desta verba 28 da TGIS resulta da devolução – nos termos de uma remissão geral – para o conjunto regulativo que se encontra no CIMI.”

Temos, então, que o CIMI define o conceito de prédio, determina os vários tipos de prédios e identifica as espécies dos prédios urbanos. 

Nos termos do artigo 2.º do CIMI, “prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico”

O n.º 4 do citado artigo 2.º prescreve expressamente que cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

Os prédios dividem-se em rústicos (artigo 3.º), urbanos (artigo 4.º) ou mistos (artigo 5.º), subdividindo-se, por seu turno, os prédios urbanos em quatro espécies: habitacionais; comerciais, industriais ou para serviços; terrenos para construção e outros (artigo 6.º).

Por sua vez, o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI esclarece que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”

Da análise conjugada dos referidos preceitos verifica-se que o CIMI não faz qualquer distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou total. Com efeito, pese embora o n.º 4 do artigo 2.º refira expressamente que as frações autónomas dos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal constituem, cada uma delas, um prédio, a verdade é que não exclui de tal classificação as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total ou vertical.

E, onde a lei não distinguiu, não pode o intérprete fazê-lo.

 Analisada, pois, a definição de prédio ínsita no n.º 1 do artigo 2.º do CIMI, não vislumbramos qualquer razão para aqui não incluir as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total, pois que estas constituem uma fração de território que faz parte integrante do património de uma pessoa singular ou coletiva e que tem valor económico.

Assinale-se que a cada uma dessas divisões ou frações é atribuído um valor patrimonial tributário.

Assente que está a classificação das divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total como prédios, nos termos e para os efeitos do CIMI, parece-nos evidente constituírem cada uma destas divisões, quando esse seja o fim a que se destinam, prédios habitacionais, o que ademais constitui matéria sobre a qual já se debruçou diversa jurisprudência arbitral e a que adiante se fará referência.

No caso dos autos, cada uma das divisões do prédio urbano em apreço são suscetíveis de utilização independente, sendo que 18 (dezoito) dessas divisões são afetas à habitação (cf. o facto provado b)). 

Aliás, não fossem as divisões em causa nos presentes autos individualmente classificadas como “prédios” e não teria qualquer sentido ou lógica a elaboração, no caso, de uma liquidação do Imposto do Selo por cada uma dessas unidades.

É certo que a aplicação subsidiária do CIMI poderia inculcar a ideia de que só as frações autónomas, no regime de propriedade horizontal, é que são havidas como prédios à luz do disposto no artigo 2.º, n.º 4, do CIMI.

Todavia, se se atentar na redação do citado artigo 2.º, n.º 4, logo se verificará que o pressuposto da constituição do regime de propriedade horizontal apenas é necessário para efeitos de tributação em IMI.

Assinale-se, por outro lado, que, à luz do disposto no artigo 12.º, n.º 3, do CIMI, “cada andar ou parte do prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”.

Por outro lado ainda e no que diz respeito ao espírito da lei, importa referir que, conforme tem vindo a ser referido pela mais recente jurisprudência arbitral e que aqui se segue de muito perto, a introdução da verba 28 na TGIS teve como objetivo a tributação dos prédios urbanos de elevado valor com afetação habitacional, tributando a riqueza, exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície, de prédios urbanos de luxo, ou suas frações ou divisões autónomas, com afetação habitacional (cf. as decisões proferidas nos processos n.ºs 50/2013-T, 132/2013-T 132/2013-T, 181/2013-T, 182/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 100/20114-T, 238/2014-T, 290/2014-T, 428/2014-T, 518/2014-T, 707/2014-T e 756/2014-T, todas disponíveis em www.caad.org.pt/tributario/decisoes).

Aliás, conforme resulta da análise da discussão da proposta de Lei n.º 96/XII na Assembleia da República (DAR, I Série, n.º 9/XII/2, de 11.10.2012), a fundamentação da medida designada por taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as casas de valor igual ou superior a um milhão de euros.

Ora, se o objetivo da lei foi adequar a tributação em sede de Imposto do Selo à capacidade contributiva dos contribuintes, parece não revestir qualquer relevância a distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou vertical.

Manifestamente, não é por aí que se revela a maior ou menor capacidade contributiva, tanto mais que, como é sabido, a propriedade horizontal é um instituto jurídico relativamente recente, sendo certo que uma grande parte dos prédios antigos não se encontram sequer constituídos neste regime, apesar de, na prática, funcionarem como tal.

Ora, o princípio da prevalência da substância sobre a forma impõe que a AT deva valorizar a verdade material. E, no caso dos autos, a verdade material consiste na inexistência de qualquer diferença substantiva entre as divisões propriedade da Requerente e as frações de um prédio constituído em propriedade horizontal.

Ou, dito doutro modo: sendo a constituição da propriedade horizontal operação meramente jurídica e não factual, não se descortinam razões para diferenças de tributação nesta sede, porquanto o que relevará é sempre o valor individual de cada uma das frações, esteja ou não o prédio constituído no regime de propriedade horizontal.

Em face de tudo quanto ficou exposto, dúvidas não restam de que o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência do Imposto do Selo nos casos de prédios constituídos em regime de propriedade total, compostos por várias divisões com utilização independente, das quais algumas com afetação habitacional, é o valor patrimonial tributário de cada uma das divisões do prédio e não, como defendido pela Requerida, o valor patrimonial tributário global do prédio, correspondente à soma de todos os valores patrimoniais tributários das divisões que o compõem.

Assim, em conclusão, relativamente aos prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, deve atender-se exclusivamente ao valor patrimonial tributário próprio de cada andar ou divisão com afetação habitacional, constante da matriz, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS.

Afigura-se-nos que este sentido normativo atribuído à verba 28.1 da TGIS é o que melhor se coaduna com os princípios da igualdade e da capacidade contributiva (cf. arts. 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP), pois, numa perspetiva de capacidade contributiva, não existe diferença relevante entre a propriedade de um prédio com unidades independentes com certos valores patrimoniais tributários próprios e um prédio em propriedade horizontal com frações autónomas com os mesmos valores patrimoniais tributários próprios.

Acresce ainda que esta interpretação mostra-se “particularmente peremptória num caso como o presente em que o prédio em causa possui partes susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional e partes suscetíveis de utilização independente com afectação a serviços e a comércio (…).

É que, em tal circunstancialismo, não consta da matriz nem é utilizado para efeitos de IMI um “valor patrimonial tributário” que corresponda ao somatório dos valores patrimoniais tributários das divisões de utilização independente com afectação habitacional (…). Com efeito, o que estabelece o CIMI, segundo o citado art. 7.º, n.º 2, al. b), e consta da matriz (…) é que o “valor do prédio” é “a soma dos valores das suas partes”, portanto, de todas as suas partes, seja qual for a respectiva afectação.

Em consequência, o “valor patrimonial do prédio – total sujeito a imposto” (…) em que assentam as liquidações impugnadas não possui correspondência com a categoria legal consagrada na verba 28 da TGIS do “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”.      

Insista-se, com efeito, que o CIMI apenas se reporta, conforme resulta do art. 7.º, n.º 2, al. b) acima citado, ao “valor do prédio” como soma de todas as suas partes objecto de avaliação autónoma, não legitimando, pois, configurar valores do prédio parcelares por atenderem apenas a certas partes economicamente independentes do prédio (aquelas que possuem afectação habitacional), desconsiderando as partes com outras afectações (para comércio, indústria ou para serviços). Em tal contexto, não se consubstancia o valor do prédio como previsto no art. 7.º, n.º 2, al. b) do CIMI, mas sim o valor do conjunto de certas partes do prédio, valor este que não é objecto de qualquer previsão nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (nem é valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI).

Adiante-se, por isso, que se considera que nas liquidações controvertidas se verifica a adopção, para efeitos da fixação da incidência da verba 28.1 da TGIS, de um valor patrimonial que não encontra acolhimento na lei.” (decisão arbitral proferida no processo n.º 518/2014-T, disponível em www.caad.org.pt/tributario/decisoes).

Nesta parametria, atenta a factualidade dada como provada, impõe-se reconhecer que nenhum dos andares de utilização independente com afetação habitacional do prédio em apreço, não constituído em regime de propriedade horizontal, possui um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00.

Consequentemente, uma vez que o valor patrimonial tributário de cada um dos indicados andares de utilização independente com afetação habitacional é inferior àquele valor a que se reporta a verba 28.1 da TGIS, segue-se que tais andares não se subsumem na norma de incidência tributária constante dessa verba 28.1, pelo que as liquidações controvertidas padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito quanto ao disposto na verba 28.1 da TGIS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.

Isto posto. Atenta a procedência da peticionada declaração de ilegalidade das liquidações controvertidas, por força do erro sobre os pressupostos de direito, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento da questão alegada pela Requerente sobre a inconstitucionalidade da verba 28.1. da TGIS. 

*

           

§2. DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

            A Requerente peticiona, ainda, a condenação da AT ao reembolso do imposto pago indevidamente, no montante de € 11.813,30, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

            O art. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que se deve entender, em conformidade com o disposto no art. 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, como abrangendo o pagamento de juros indemnizatórios, em consonância, aliás, com o disposto no n.º 5 do mesmo art. 24.º do RJAT.    

            O art. 43.º, n.º 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 4 do art. 61.º do CPPT que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

            No caso concreto, verifica-se que a ilegalidade das liquidações controvertidas, por erro nos pressupostos de direito, é imputável à AT por, naquelas liquidações de imposto, ter procedido à incorreta interpretação e aplicação da disposição constante da verba 28.1 da TGIS, pelo que a Requerente tem direito, em conformidade com o disposto nos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago – € 11.813,30 – e aos juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados desde as datas dos pagamentos das respetivas prestações – 27.04.2015, 15.07.2015 e 24.11.2015 (cf. factos provados g), h) e i)) –, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.      

***

 

IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar improcedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, em razão da matéria;

b)      Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, declarar ilegais e anular as liquidações de Imposto do Selo impugnadas nos presentes autos, no valor total de € 11.813,30, respeitantes ao ano de 2014 e ao prédio urbano inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da União das Freguesias de …, …, concelho de ..., distrito de Lisboa; 

c)      Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o valor total do imposto indevidamente pago – € 11.813,30 –, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde as datas em que os pagamentos das correspondentes prestações foram efetuados – 27.04.2015, 15.07.2015 e 24.11.2015 – até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos; 

d)      Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

*

VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 11.813,30.

*

CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, o montante das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

*

Lisboa, 3 de fevereiro de 2016.

 

O Árbitro,

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)