Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 491/2017-T
Data da decisão: 2018-04-16  IRC  
Valor do pedido: € 147.118,96
Tema: IRC – Tributação autónoma – Bónus.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Mariana Vargas e Hélder Faustino, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 01 de Setembro de 2017, A…– Sucursal em Portugal, contribuinte n.º…, com sede na Rua …, …-… Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC n.º 2017…, referente ao exercício de 2013, e respectivos juros compensatórios, no montante total de € 147.118,96.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:
    1. A interpretação da expressão “diferimento (...) por um período mínimo de três anos” tal como efetuada pela AT é ilegal por violar o artigo 88.º n.º 13, alínea b) do Código do IRC, bem como o artigo 11.º n.º 1 da LGT e demais normas jurídicas relativas à interpretação da lei;
    2. Os bónus e outras remunerações variáveis pagas aos dois responsáveis pelo estabelecimento estável não estão sujeitos a tributação autónoma por inexistência de norma de incidência que expressamente preveja a tributação dos responsáveis dos estabelecimentos estáveis, assim violando a proibição de integração analógica prevista no artigo 11.º n.º 4 da LGT e o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º n.º 2 da CRP e no artigo 8.º n.º 2 da LGT;
    3. Não é devida tributação autónoma no período de 2013, uma vez que a tributação autónoma incide sobre o pagamento das remunerações e não sobre a sua contabilização;
    4. No conceito de encargos contabilizados com remunerações variáveis, não cabe uma provisão constituída em 2013, fiscalmente não dedutível, sobre bónus a pagar em 2014, como é o caso em análise, violando igualmente o artigo 88.º n.º 13, alínea b) do Código do IRC.

 

  1. No dia 01-09-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 03-11-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 23-11-2017.

 

  1. No dia 10-01-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT, prazo esse prorrogado até ao termo do prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. O Requerente é um estabelecimento estável em Portugal de uma instituição de crédito com sede no Luxemburgo, B…, S.A., que, por sua vez, é detida a 100% pelo C… (Suisse), S.A..
  2. Para efeitos fiscais, o Requerente encontra-se sujeito ao pagamento de IRC, e é tributado pelo lucro real.
  3. O Requerente está obrigado a possuir contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, estando enquadrado no regime geral para a determinação do lucro tributável.
  4. O Requerente entregou a declaração de rendimentos Modelo 22, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º e 120.º do CIRC, relativa ao exercício de 2013.
  5. Em 2013, o Requerente registou uma provisão para bónus aos responsáveis pelo estabelecimento estável em Portugal, no valor de € 377.631,37, relativamente ao exercício de 2013, bónus esses que se destinavam a ser pagos nos anos subsequentes, nos seguintes termos:

 

 

 

 

  1. A remuneração anual paga aos referidos responsáveis, no ano de 2013 foi a seguinte:

 

 

  1. No campo 365 do Quadro 10 da Modelo 22 referida no ponto 4, o referido valor de € 377.631,37 não foi sujeito a tributação autónoma.
  2. O valor referido não foi reconhecido como custo fiscal no ano em 2013, tendo sido acrescido na declaração Modelo 22 de 2013.
  3. Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2016…, o Requerente foi sujeito a uma acção inspectiva interna, de âmbito parcial em sede de IRC, incidente sobre o período de 2013.
  4. Por e-mail de 3 de fevereiro de 2017, o Requerente forneceu a seguinte explicação aos serviços da AT:

O montante referente ao acréscimo de custos/provisão para bónus referente ao exercício de 2013, registado contabilisticamente na rubrica NCA #701, e respectivos encargos sociais registados na rubrica NCA #7020, conforme extractos contabilísticos em anexo, respeitam a uma provisão para bónus a pagar em anos seguintes, não existindo uma discriminação deste montante por colaborador, designadamente os valores referentes aos gestores/responsáveis pela Sucursal.

Tal como referido na primeira comunicação de 23/09/16 sobre este assunto, no final de cada exercício o Banco ainda não conhece os critérios de determinação do bónus a atribuir aos colaboradores referente ao exercício, uma vez que estes são definidos anualmente de forma mais ou menos discricionária pelo grupo. No entanto, é lançada uma estimativa/provisão na contabilidade pelo valor global que se consegue estimar, a qual é desconsiderada fiscalmente como custo no ano do seu registo contabilístico, deduzindo apenas aquando do respectivo pagamento.

Neste sentido, o valor inscrito no campo 752 do quadro 07 da declaração modelo 22 de 2013 refere-se ao acréscimo de custos/provisão para bónus a pagar em anos seguintes e os respectivos encargos com segurança social, reconhecidos contabilisticamente na rubrica de balanço NCA #5285 em 2013, conforme pode ser verificado através dos extractos contabilísticos em anexo.”.

  1. Do Relatório de Inspecção Tributária (RIT) consta, para além do mais, que:
    1. Relativamente ao montante global dos bónus/remunerações variáveis atribuídos em 2013, conforme resulta do quadro 2, o sujeito passivo procedeu ao pagamento de € 185.039,37 (€ 117.600,00 + € 67.439,37) em 2014 tendo diferido o pagamento de cerca de 51% dessa remuneração, no montante de €192.591,99, em partes iguais, para os anos de 2015, 2016 e 2017. Ora do exposto não resulta que se encontre cumprido o requisito de delimitação negativa de incidência previsto na parte final da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC «... salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de 3 anos...» uma vez que apenas o montante de € 64.197,33 (a pagar em 2017 e que corresponde a cerca de 17% do montante dos bónus atribuídos em 2013), foi pago após o decurso do período de 3 anos”;
    2. uma vez que o sujeito passivo não cumpriu o requisito acima exposto da delimitação negativa de incidência prevista na parte final da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, que lhe permitia beneficiar da exclusão da tributação autónoma, as remunerações variáveis atribuídas em 2013 estão sujeitas a tributação à taxa de 35% totalizando € 132.170,98 (€ 377.631,37 x 35%)”;
    3. o sujeito passivo reconheceu contabilisticamente em 2013, na conta #7020 – Remuneração de empregados, o montante de €1.089.100,00, referente a provisões para bónus a pagar em anos seguintes, dos quais, conforme informação prestada pelo sujeito passivo, o montante de €377.631,37 (Anexo 1) corresponde a bónus atribuídos aos gestores/responsáveis pelo estabelecimento estável”;
    4. uma vez que a tributação autónoma opera sobre gastos ou encargos e não sobre pagamentos, deverá a mesma ser aplicada no período a que o encargo diz respeito e não naquele em que o pagamento ocorre”.
  2. Na sequência da referida inspecção, o Requerente foi notificado do Relatório de Inspecção Tributária, no qual a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) entendeu existir IRC em falta no montante de €132.170,98 “devido à falta de tributação autónoma sobre as remunerações variáveis atribuídas em 2013 aos gestores/responsáveis pelo estabelecimento estável, face ao disposto na al. b) do n.º 13 do art.º 88 do CIRC”.
  3. Na sequência do Relatório de Inspecção Tributária acima referido, o Requerente foi posteriormente notificado da liquidação n.º 2017…, no montante total de € 147.118,96, correspondente ao montante de IRC considerado em falta (€132.170,98), acrescido de juros compensatórios no valor de €14.947,99.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Em especial, o facto a que se reporta o ponto 8 dos factos dados como provados tem em consideração a comunicação a que alude o ponto 10, e a documentação junta com aquela, bem como a posição da AT em sede inspectiva e em sede arbitral que nunca contestou fundadamente tal facto.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

            Em causa no presente processo arbitral está a aplicação da tributação autónoma prevista no artigo 88.º/13/b) do CIRC aplicável, cujo teor é o seguinte:

“São tributados autonomamente, à taxa de 35 %: (...)

b) Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25 % da remuneração anual e possuam valor superior a € 27 500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50 % por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.”.

A norma em causa foi introduzida no CIRC pela Lei n.º 3-B/2010, de 28-04, que aditou ao artigo 88.º daquele Código o n.º 13 em questão, que veio estrear uma nova tributação autónoma, desta vez sobre os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou compensações, quando se verifique a cessação de funções ou rescisão de um contrato de gestor, administrador ou gerente, ou relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas àqueles, nas circunstâncias ali definidas.

Esta tributação autónoma, julga-se, não se identifica directamente com nenhum dos tipos da mesma tributação que existiam à data.

Assim, não está em causa nenhum tipo de conduta potencialmente fraudulenta, como acontece com as tributações autónomas sobre despesas confidenciais e, em certa medida, com as tributações autónomas relativas a pagamentos a entidades sujeitas a regime fiscal mais favorável, nem está em causa a tributação de fringe benefits não tributados na esfera do beneficiário como acontece nas tributações autónomas sobre despesas de representação, encargos com veículos e ajudas de custo, já que os gastos ou encargos abrangidos pela nova tributação autónoma vão ser novamente tributados na esfera do beneficiário dos mesmos, não estando, igualmente, em causa, qualquer comportamento potencialmente fraudulento ou abusivo.

A tributação autónoma em questão, poderá colher algum precedente na tributação criada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, sobre a aquisição de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas de valor considerado elevado, por sujeitos passivos que apresentassem prejuízos fiscais nos dois exercícios anteriores àquele a que os encargos digam respeito, na medida em que se considere que tal tributação incorporou uma dimensão de desincentivo a despesas tidas por sumptuárias.

Com efeito, a tributação autónoma agora em causa, num cenário de plena crise económico-financeira, visou assumidamente, em primeira linha, moralizar de alguma forma a atribuição de indemnizações, compensações, bónus e outras remunerações variáveis a gestores, administradores ou gerentes, tidos por desproporcionados, desincentivando as empresas de incorrer naqueles gastos ou encargos, por via da sua tributação autónoma.

O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar sobre a constitucionalidade da tributação autónoma em causa[1], acabando por emitir um juízo positivo, essencialmente com base na seguinte argumentação:

  • trata-se, neste caso, de mecanismos de tributação autónoma que se afastam do desígnio inicial de combater a fraude e a evasão fiscais – como sucedia com as despesas não documentadas -, mas que poderão ainda enquadrar-se no objetivo de limitar despesas que poderão repercutir-se no rendimento coletável das empresas.”;
  • no n.º 13 do artigo 88.º, não está em causa a indeterminação dos beneficiários ou o risco de fuga ao pagamento do imposto devido pelo recebimento das importâncias que são despendidas pelas empresas, visto que os beneficiários são identificáveis e as verbas estão sujeitas à correspondente tributação em IRS. Não se trata, por isso, de medidas diretamente dirigidas ao combate à fraude e evasão fiscais, pretendendo-se antes reduzir, mediante a incidência do imposto, a vantagem fiscal que resulta para as empresas da realização de despesas que são dedutíveis mas não têm uma causa empresarial”;
  • o objetivo do legislador - como se referiu – é o de desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa”;
  • A lógica da tributação autónoma a que se referem as disposições do n.º 13 do artigo 88.º parece ser esta. A empresa revela disponibilidade financeira para atribuir aos seus gestores indemnizações excessivas e não contratualmente previstas e que não têm direta relação com o desempenho individual na obtenção de resultados económicos positivos. Nessa circunstância, o contribuinte deverá estar em condições de suportar um encargo fiscal adicional relativamente a esses mesmos gastos (que poderiam ser evitados) e que se destina a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria coletável por efeito da realização dessas despesas”;
  • o índice percentual mais elevado que é aplicável à realização de despesas (e que é suscetível de ser agravado no caso de empresas com prejuízo fiscal) é justificado justamente por se tratar de uma medida fiscal penalizadora do contribuinte e destinada a evitar a realização de despesas excessivas e desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial”;
  • a medida não é arbitrária e encontra fundamento material bastante na finalidade de desincentivar as empresas a realizar despesas relativas a indemnizações ou a remunerações variáveis que, sendo excessivas e não justificadas do ponto de vista empresarial, têm efeitos desfavoráveis para a obtenção da receita fiscal”.

Ou seja, e em suma, o Tribunal Constitucional encontrou fundamento material para a tributação autónoma em questão, nas seguintes circunstâncias:

  • aquela tributação tem por objectivo limitar despesas que poderão repercutir-se no rendimento colectável das empresas, ou seja, desincentivar a realização de despesas excessivas e não justificadas do ponto de vista empresarial, com efeitos desfavoráveis para a obtenção da receita fiscal na qual se repercutem negativamente, e reduzindo artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa;
  • pretende-se reduzir a vantagem fiscal que resulta para as empresas da realização de despesas que são dedutíveis mas não têm uma causa empresarial, destinando-se a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria colectável por efeito da realização dessas despesas;
  • trata-se de uma medida fiscal penalizadora do contribuinte e destinada a evitar a realização de despesas excessivas e desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial.

Reconheceu, ainda, o TC, que este caso de tributação autónoma se afasta do desígnio inicial de combater a fraude e a evasão fiscais.

Ressalvado o respeito devido ao alto Tribunal em causa, crê-se que o Acórdão referido não terá procedido a uma ponderação de todos os factores juridicamente relevantes para a tomada de decisão.

Com efeito, e desde logo, em desabono da coerência legislativa, o legislador não procedeu à consagração dos encargos em causa como não dedutíveis, no artigo 45.º do CIRC, então vigente, ou em qualquer outra norma.

Daí que, salvo melhor opinião, não se poderá validar a conclusão de que em causa estão, a priori, despesas desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial ou que não têm uma causa empresarial, já que, se assim fosse, estaria – à partida – afastada a sua dedutibilidade, nos termos dos, actuais, artigos 23.º e 23.º-A do CIRC, ou das correspondentes norma em redacções precedentes.

Note-se, aliás, e sempre ressalvado o respeito devido, que o TC acaba por assentar parcialmente o seu juízo numa contradição, que é a de considerar que estão em questão “despesas que são dedutíveis mas não têm uma causa empresarial”, já que, por definição, e conforme doutrina e jurisprudência pacíficas, as despesas que não têm causa empresarial, não são, por isso mesmo, dedutíveis.

Por outro lado, também não parece passível de validação o juízo, também fundamentante da decisão em apreço, segundo o qual se “pretende reduzir a vantagem fiscal que resulta para as empresas da realização de despesas (...) destinando-se a compensar a vantagem fiscal que resulta da redução da matéria colectável por efeito da realização dessas despesas”.

Com efeito, a própria taxa base instituída (35%) não só não se limitou a reduzir, ou sequer a neutralizar, a dedução do encargo (que correspondia, à data, a 25% - taxa normal de IRC), como penalizou adicionalmente em 10% a realização daquele.

Deste modo ficará demonstrado, claramente, julga-se, que não se está perante uma intenção de reduzir ou neutralizar a vantagem fiscal decorrente da dedução da despesa, mas, genuína e exclusivamente, de, como aí solidamente conclui o TC, penalizar o contribuinte tendo em vista evitar a realização das despesas em questão.

Ora, seria este, de facto, o fundamento de cuja constitucionalidade incumbiria ao TC aferir, ou seja, o de saber se é lícito ao legislador desincentivar a realização de gastos empresarialmente fundados (e como tal dedutíveis), tributando-os a uma taxa superior à taxa normal de imposto, sendo que o juízo a formular deveria ser expurgado da consideração de que estão em causa despesas excessivas e desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial, como se viu.

Com efeito, não fora a circunstância de a taxa da tributação autónoma em causa exceder a taxa normal máxima do IRC, poder-se-ia dizer que a aquela tributação autónoma comungava, ainda, algum dos fundamentos das tributações autónomas sobre encargos dedutíveis (despesas de representação, encargos com veículos e ajudas de custo), designadamente por ter subjacente o juízo de que, não obstante os encargos agora tributados poderem em parte ter uma justificação empresarial, esta ser mais duvidosa, na sua integralidade, nas situações em que se consagrou a nova tributação autónoma.

Dito de outro modo, concedendo o legislador que os encargos com indemnizações, compensações, bónus e outras remunerações variáveis a gestores, administradores ou gerentes, são necessários à manutenção da fonte produtiva, consideraria que, nas circunstâncias que determinou, tal empresarialidade não era integral.

Contudo, tendo o legislador consagrado uma taxa de tributação autónoma que excede a taxa de IRC aplicável ao sujeito passivo, externaliza, inequivocamente, uma intenção de penalizar fiscalmente os sujeitos passivos que incorram nos encargos objecto daqueles.

Assim, a questão que a Constituição convoca, nesta matéria, é se tal penalização é, ou não, materialmente fundada face aos princípios daquela.

Deixando aqui de lado bem fundados entendimentos de que aos impostos deverá ser alheia a finalidade sancionatória ou punitiva (reservada às infracções fiscais), sempre se dirá que, à partida, aquela finalidade penalizadora apenas se poderia justificar face à violação de deveres dos contribuintes (como acontece nas despesas confidenciais) e na medida necessária a dar satisfação a fundadas exigências de combate à fraude e evasão fiscais (como acontecerá nas referidas despesas confidenciais e, em certa medida, nos pagamentos a entidades sujeitas a regime fiscal mais favorável), situação que o julgador constitucional reconheceu, expressamente, não estar aqui em causa.

Neste contexto, crê-se que a única via a explorar no sentido de sustentar a regularidade jurídico-constitucional deste novo tipo de tributação autónoma agora em causa, será o enquadramento da mesma como tendo uma natureza estritamente extra-fiscal, no sentido sugerido por Pedro Casimiro Silva Santos[2], entendimento este que, tendo em conta a referida intervenção do Tribunal Constitucional, se perfilhará aqui.

 

*

            Aqui chegados, cumpre então descer ao caso concreto e aferir da legalidade do acto tributário sub iudice.

            Conforme exposto no Relatório da presente decisão, o Requerente aponta vários vícios ao acto tributário que contesta, geradores da anulabilidade do mesmo, não decorrendo do seu requerimento inicial qualquer relação de subsidiariedade entre eles.

            Deste modo, e ao abrigo do disposto no artigo 121.º do CPPT, proceder-se-á à apreciação da alegada violação do artigo 88.º n.º 13, alínea b) do Código do IRC aplicável, por no conceito de encargos contabilizados com remunerações variáveis, não caber uma provisão constituída em 2013, fiscalmente não dedutível nem deduzida, sobre bónus a pagar nos anos de 2014 e subsequentes.

            Conforme resulta dos factos dados como provados, e para o que ora releva:

  • Em 2013, o Requerente registou uma provisão para bónus aos responsáveis pelo seu estabelecimento estável em Portugal, no valor de € 377.631,37, relativamente ao exercício de 2013, bónus esses que se destinavam a ser pagos nos anos subsequentes, nos seguintes termos:

 

 

  • No campo 365 do Quadro 10 da Modelo 22 referida no ponto 4, o referido valor de € 377.631,37 não foi sujeito a tributação autónoma;
  • O valor referido não foi reconhecido como custo fiscal no ano em 2013, tendo sido acrescido na declaração Modelo 22 de 2013.

Resulta, assim, provado, que a provisão registada, relativa a bónus a pagar aos responsáveis pelo estabelecimento estável do Requerente em Portugal, não se repercutiu (negativamente) no apuramento da matéria tributável daquele estabelecimento.

A AT não contesta tal circunstância, quer em sede inspectiva quer em sede arbitral, não obstante na Resposta apresentada nos presentes autos ter feito constar que:

a tributação autónoma de 35% que incide sobre remunerações variáveis e bónus pagos pela Requerente segue o regime da especialização dos exercícios e deve ocorrer no ano de 2013, uma vez que nesse ano que:

- se constituiu a obrigação de pagar e/ou o direito a receber a quantia estipulada, por referência ao «cumprimento dos principais objectivos anuais» (artigo 108.º da p.i.)

- o gasto foi registado na contabilidade de 2010;

- o gasto assumiu relevância fiscal para apuramento do lucro tributável de 2010;

            Com efeito, a alegação transcrita derivará, crê-se, de lapso, evidenciado não só pela circunstância de se referir a que os bónus foram pagos pela Requerente, quando confessadamente não o foram, como pelas circunstâncias de se referir ao artigo 108.º da p.i., que não tem qualquer correspondência com o referido[3], e de fazer, nos dois últimos pontos, referência ao ano de 2010, quando está em causa o ano de 2013.

            De resto, a posição da Requerida nesta matéria, aparenta ir ao encontro da sustentada pela Requerente, podendo, por exemplo, ler-se na resposta daquela[4] que:

-“perante uma só realidade de facto (o gasto contabilizado), que, nos termos dos artigos 17.º, 18.º, n.º 1 e 23.º do CIRC, concorre para a formação tributável de um determinado ano fiscal, recai, para além disso, uma outra tributação, de natureza complementar, directamente sobre o valor contabilizado como gasto nas contas das empresas.”;

- “Não é a remuneração variável paga que é alvo de tributação autónoma, mas antes o gasto ou encargo que foi contabilizado (e relevado fiscalmente), pelo que é no momento dessa contabilização que deve operar a taxa de incidência presente no artigo 88.º, n.º 13, b) do CIRC.”;

- “Resultando, assim, de um registo contabilístico, efectuado em determinado ano económico, e que assume relevância fiscal para o apuramento do lucro real das empresas.”;

- “o facto tributário associado às gratificações por aplicação de resultados, sobre que incide a tributação autónoma prevista no artigo 88.º, n.º 13, al. b) do CIRC, ocorre no momento em que a mesma é reconhecida para efeitos de IRC”;

- “Sendo a mesma relevada para efeitos de formação/determinação do resultado económico e fiscal apurado nesse período e não quando os benefícios são pagos.”;

- “os gastos que são contabilizados e que assumem relevância fiscal para apuramento do lucro tributável (ou do prejuízo fiscal) de um determinado ano são os mesmos que, depois de apurada a matéria colectável, se transformam em factos tributários, à luz do artigo 88.º do CIRC.”.

Ora, resulta dos autos que o suposto gasto gravado pela AT com a tributação autónoma em crise, não se repercutiu na matéria tributável do Requerente no exercício de 2013.

Com efeito, e como decorre dos factos provados, no decurso do procedimento inspectivo o ora Requerente informou a AT, para além do mais, que[5]:

no final de cada exercício o Banco ainda não conhece os critérios de determinação do bónus a atribuir aos colaboradores referente ao exercício, uma vez que estes são definidos anualmente de forma mais ou menos discricionária pelo grupo. No entanto, é lançada uma estimativa/provisão na contabilidade pelo valor global que se consegue estimar, a qual é desconsiderada fiscalmente como custo no ano do seu registo contabilístico, deduzindo apenas aquando do respectivo pagamento.

Neste sentido, o valor inscrito no campo 752 do quadro 07 da declaração modelo 22 de 2013 refere-se ao acréscimo de custos/provisão para bónus a pagar em anos seguintes e os respectivos encargos com segurança social, reconhecidos contabilisticamente na rubrica de balanço NCA #5285 em 2013, conforme pode ser verificado através dos extractos contabilísticos em anexo.”.

            Necessariamente que, não correspondesse à realidade o informado pelo Requerente, disporia a AT de todos os elementos para o demonstrar, designadamente a Declaração Modelo 22 do Requerente, por si referido, e os extractos contabilísticos de suporte, sendo certo, como se apontou já, que nem em sede inspectiva nem em sede arbitral a AT ensaia qualquer demonstração nesse sentido.

Verificando-se, portanto, que os montantes contabilisticamente provisionados pelo Requerente, relativos a bónus a atribuir aos responsáveis pelo seu estabelecimento estável, não foram relevados para efeitos do apuramento do lucro tributável deste, e no seguimento da argumentação da própria Requerida, acima transcrita, ter-se-á de ter por não preenchida a previsão do artigo 88.º/13 do CIRC aplicável.

Conclui-se, assim, pela verificação de erro de facto, e consequente erro de direito, no acto de liquidação sub iudice, que deverá, por isso, ser anulado, procedendo o pedido arbitral.

Não se verifica qualquer inconstitucionalidade na aplicação do Direito efectuada, ao contrário do que, genericamente, aventa a Requerida no final da sua resposta, tanto mais que tal aplicação é conforme, como se demonstrou, à interpretação propugnada pela própria Requerida.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

  1. Anular acto de liquidação de IRC n.º 2017…, referente ao exercício de 2013, e juros compensatórios no montante total de € 147.118,96;
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 147.118,96, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 16 de Abril de 2018

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Mariana Vargas)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Hélder Faustino)

 

 

 



[1] Cfr. Ac. n.º 197/2016, de 13-04-2016, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20160197.html.

[2]O Papel dos Impostos no Combate à Corrupção”, Universidade do Minho, disponível em http://hdl.handle.net/1822/21114.

[3] É o seguinte, o teor do ponto 108. do requerimento inicial: “Sem conceder em relação ao referido argumento, quando analisa a situação concreta do Requerente a AT afirma que “o sujeito passivo reconheceu contabilisticamente em 2013, na conta #7020 – Remuneração de empregados, o montante de €1.089.100,00, referente a provisões para bónus a pagar em anos seguintes, dos quais, conforme informação prestada pelo sujeito passivo, o montante de €377.631,37 (Anexo 1) corresponde a bónus atribuídos aos gestores/responsáveis pelo estabelecimento estável”.

[4] Sublinhados nossos.

[5] Sublinhados nossos.