Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 49/2015-T
Data da decisão: 2015-09-21  IUC  
Valor do pedido: € 101.048,25
Tema: IUC – Incidência subjectiva e presunções legais
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Decisão Arbitral

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 49/2015 – T

Tema: IUC – Incidência subjectiva e presunções legais

 

 

            I – Relatório

 

            1.1. A…, S.A., com sede na Rua …, lote …, Lisboa (doravante designada por «Requerente»), tendo sido notificada das liquidações oficiosas de IUC e respectivos juros compensatórios, relativas aos anos de 2013 e 2014, no montante somado de €101.048,25, apresentou, em 29/1/2015, um pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.º 1, al. a), ambos do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a “declaração de ilegalidade dos referidos actos de liquidação oficiosa de IUC e JC”.

 

            1.2. Em 13/4/2015 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Colectivo.

 

            1.3. Nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, como parte Requerida, para apresentar resposta, nos termos do referido artigo, em 13/4/2015. A AT apresentou a sua resposta em 12/5/2015, tendo argumentado, em síntese, no sentido da total improcedência do pedido da Requerente. Solicitou, ainda a dispensa de prova testemunhal, bem como a dispensa da reunião prevista no art. 18.º do RJAT e da produção de alegações orais ou escritas.

 

            1.4. Em 26/5/2015, a ora Requerente apresentou requerimento solicitando a junção aos presentes autos da Decisão Arbitral n.º 688/2014-T, proferida a 20/5/2015, “processo também relativo à Requerente e no qual se discutia matéria igual à dos presentes autos, à semelhança do sucedido com o douto Acórdão proferido no processo n.º 250/2014-T, cuja cópia já foi junta ao RI.” 

 

1.5. Também em 26/5/2015, a Requerida apresentou requerimento na sequência do requerimento apresentado pela ora Requerente “[esclarecendo que] relativamente ao afirmado pela Requerente no art. 153.º da petição inicial, bem como no requerimento sob resposta, a decisão arbitral proferida no processo n.º 250/2014 apenas lhe foi parcialmente favorável”.

            1.6. Por despacho datado de 14/8/2015, o presente Tribunal considerou ser dispensável a reunião do art. 18.º do RJAT e a produção de prova além da documental já constante dos autos, e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 21/9/2015 para a prolação da decisão arbitral.

           

            1.7. Em 28/8/2015, a ora Requerente veio solicitar, novamente, a produção de prova testemunhal, por considerar que a realização da mesma seria relevante para a apreciação e a decisão de mérito. Em 7/9/2015, a ora Requerente juntou comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

            1.8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente (v. arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do RJAT), o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias (vd. arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3), configurando-se legítimas.

 

            II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vem a ora Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “é óbvio que o IUC não visa tributar os importadores de veículos, como é o caso da Requerente, pela simples razão de que não são estes os utilizadores dos veículos que o imposto pretendeu onerar – na medida em que a Requerente, na sua actividade de importador das viaturas, não produz qualquer «custo ambiental e viário», não sendo o «poluidor-pagador» que o legislador pretendeu tributar”; b) “o IUC não pretende nem pretendeu onerar os importadores ou comerciantes de viaturas – outrossim os utilizadores”; c) “a Requerente, enquanto importador nacional dos veículos da marca «B», não causa qualquer «desgaste de bens públicos» em decorrência da sua actividade – não é o utilizador dos veículos”; d) “Do disposto nos artigos 3.º, n.º 1, e n.º 2, e 6.º, n.º 1, do CIUC, extrai-se que o IUC incide sobre o proprietário ou adquirente com reserva de propriedade à data da matrícula do veículo – presumindo-se que o proprietário (ou adquirente com reserva de propriedade) nessa data é aquele em nome do qual o veículo está então registado ou matriculado”; e) “os veículos em questão, discriminados na lista ora anexa como doc. 2906 [...], não eram propriedade da Requerente nas datas das respectivas matrículas, contrariamente ao presumido pela AT”; f) “nas datas de matrícula destes veículos, já a Requerente os havia vendido a terceiros (aos sobreditos concessionários), conforme se demonstra a partir das cópias das respectivas facturas de venda”; g) “por conseguinte, as liquidações oficiosas aqui impugnadas, relativas a estes veículos, são ilegais, quer por erro nos pressupostos de facto, quer por vício de violação de lei, designadamente do disposto nos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, a) e d), 3.º, 4.º, 6.º e 11.º do CIUC”; h) “embora o IUC seja devido pelos proprietários dos veículos – no caso, à data da matrícula, por se tratar do IUC relativo ao ano da matrícula – é Jurisprudência unânime do CAAD que as pessoas em nome de quem os veículos estejam matriculados ou registados podem ilidir a (mera) presunção legal de propriedade que decorre dessa matrícula ou registo automóvel [...] permitindo ao interessado alegar e provar que, apesar dessa presunção derivada do registo, não é o efectivo proprietário dos veículos nas datas consideradas nos registos oficiais”; i) “do exposto, resulta também a unanimidade de entendimento no sentido de que o artigo 3.º, n.º 1, do CIUC estabelece uma presunção legal iuris tantum (e não iure et de iure) – ou seja, susceptível de prova em contrário”; j) “a Requerente beneficia da presunção de veracidade e boa fé de que gozam os documentos apresentados para prova da transmissão da propriedade dos veículos-como é o caso das facturas de venda das viaturas aqui juntas (cfr. Artigo 75.º, n.º 1, da LGT); l) “por meio das facturas de venda que aqui se juntam, a Requerente demonstra que vendeu os veículos em questão antes da data da matrícula dos mesmos”; m) “todas as facturas de venda em causa são do conhecimento oficioso da AT, porque oportunamente comunicadas à AT via SAF-T (cfr. Artigo 74.º, n.º 2, da LGT) [...] pelo que a AT tem conhecimento oficioso da data das vendas das viaturas em questão, bem como dos clientes finais das mesmas”; n) “alguns dos veículos em questão, claramente uma minoria [...], eram propriedade da Requerente nas datas da atribuição das matrículas, tendo contudo sido vendidos nos 60 dias posteriores às datas da atribuição das matrículas”; o) “esses casos estão evidenciados na listagem que aqui se junta como doc. 2907, representando 60 veículos, os quais correspondem, nas liquidações aqui impugnadas, um total de IUC e JC liquidado pela AT de €4.718,10”; p) “[tais] veículos, discriminados na lista ora anexa como doc. 2907 [...], foram vendidos pela Requerente até ao 60.º dia subsequente às datas das matrículas [...] conforme se demonstra a partir das cópias das respectivas facturas de venda [...], cuja referência vem especificada, por veículo, na listagem aqui junta como doc. 2907”; q) “contrariamente ao entendimento da AT, no ano da matrícula do veículo a Requerente não pode ser sujeito passivo do IUC quando demonstra que, apesar de ser a proprietária do veículo na data da sua matrícula, vendeu-o dentro do prazo de 60 dias subsequente a essa data de matrícula – é isso que se pode deduzir do disposto, entre outros, nos artigos 17.º e 18.º do CIUC”; r) “o CIUC é claro ao determinar que, no ano da matrícula, o imposto apenas se torna exigível decorrido o prazo concedido para registo – 60 dias contados da data da atribuição da matrícula (cfr. Artigo 42.º, n.º 2, do Regulamento de Registo Automóvel)”, s) “[no caso das] viaturas vendidas pela Requerente no período de 60 dias após a data da matrícula, [as respectivas liquidações] padecem de vício de violação de lei, designadamente do disposto nos sobreditos artigos 17.º e 18.º do CIUC”; t) “as liquidações aqui impugnadas padecem [...] de vício de violação dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, consagrados no artigo 58.º da LGT”; u) “as liquidações aqui impugnadas não explicitam os valores de IUC concretamente exigidos relativamente a cada veículo [...] apenas explicitam a demonstração da liquidação de juros compensatórios”; v) “o procedimento [...] adoptado pela AT atenta contra direitos fundamentais do contribuinte, fazendo a correcção em apreço padecer de um elementar vício de forma – falta ou vício de fundamentação legalmente exigida – o que gera a sua anulabilidade (cfr. Artigos 268.º, n.º 3, da CRP, 77.º, n.º 2, da LGT, 99.º, c), do CPPT, 124.º, 125.º e 135.º do CPA)”; x) “na factualidade [...] descrita não se vislumbra qualquer comportamento censurável da Requerente – de modo que não são devidos quaisquer juros compensatórios”; z) “dado que as liquidações aqui impugnadas foram pagas, para além da devolução dos tributos indevidamente pagos, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, por erro de facto e de direito da AT na emissão das liquidações, nos termos do artigo 43.º da LGT.”        

 

            2.2. Vem a ora Requerente, em síntese, solicitar ao Tribunal Arbitral: “a anulação das liquidações de IUC e JC aqui impugnadas, com a consequente restituição da totalidade dos tributos indevidamente pagos; o reconhecimento do direito da Requerente a juros indemnizatórios, nos termos legais; e a condenação da Requerida no pagamento das despesas da presente lide.”   

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação: a) que “da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorrem, inequivocamente, do art. 6.º do CIUC, as situações jurídicas que geram o nascimento da obrigação de imposto, ou seja, a atribuição de matrícula ou o registo em território nacional”; b) que “o registo inicial de propriedade de veículos admitidos (como é o caso dos autos), tem por base o requerimento respectivo e a prova do cumprimento das obrigações fiscais relativas ao veículo. Ou seja, a emissão de certificado de matrícula implica a apresentação de uma DAV por parte da Requerente e o pagamento do correspondente ISV e origina, automaticamente, o registo da propriedade do veículo ao abrigo do art. 24.º do RRA em nome da entidade que procedeu à sua importação e pedido de matrícula, ou seja, a Requerente”; c) que, nos “termos do art. 24.º do RRA, o importador figura no registo como primeiro proprietário do veículo e nesse sentido é, de acordo com o estatuído no art. 3.º e art. 6.º, ambos do CIUC, sujeito passivo de imposto”; d) que “a atribuição, à Requerente, de um certificado de matrícula consubstancia, nos termos do disposto no art. 6.º do CIUC, o facto gerador do imposto, pelo que, tendo a Requerente solicitado a emissão de certificado de matrícula [e] encontrando-se o mesmo registado em nome desta, encontram-se reunidos os pressupostos do facto gerador do IUC, bem como da sua exigibilidade, sendo a Requerente sujeito passivo do imposto”; e) que “o legislador tributário não ficcionou que o imposto seria devido pelo proprietário do veículo que se encontrasse registado nos 60 dias a que alude o n.º 2 do art. 42.º do RRA, o qual seria pago nos 30 dias posteriores nos termos do art. 17.º do CIUC. E muito menos ficcionou que os importadores, não obstante procedam à venda dos veículos antes da atribuição do certificado de matrícula, possam assim ver excluída a incidência subjectiva de IUC. O que o legislador consagrou é que o facto gerador do imposto é aferido pela matrícula ou pelo registo, consagrando expressamente o art. 24.º do RRA que tendo sido pago o ISV e pedida a matrícula, fica automaticamente o veículo registado em nome do importador, ou seja, da Requerente”; f) que “independentemente de a Requerente proceder à venda do veículo para os seus concessionários antes da atribuição da matrícula, tal facto, à luz do facto gerador consignado no Art. 6.º do CIUC, é manifestamente inócuo, na medida em que o legislador consagrou expressamente que o facto gerador é atestado pela atribuição da matrícula”; g) que “pese embora a Requerente alegue que na data da atribuição da matrícula já vendeu os veículos aos seus concessionários, tal facto é irrelevante para efeitos de aplicação do disposto no art. 6.º do CIUC”; h) que “o entendimento propugnado pela Requerente com vista a afastar a incidência subjectiva e tributação do IUC não tem acolhimento legal e viola os princípios constitucionais da legalidade e justiça tributária, da capacidade contributiva, da igualdade, da certeza e da segurança jurídicas”; i) que “as facturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois aquele documento não revela por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte do pretenso adquirente”; j) que “as notificações em causa obedeceram a todos os requisitos legais estabelecidos, designadamente revelando com clareza e com suficiência todos os elementos relevantes para o cálculo do imposto devido, explicitando todo o processo lógico e jurídico de cada um dos actos, inexistindo, assim, o apontado e alegado vício formal”; l) que “os elementos apresentados pela Requerente em sede de procedimento tributário não foram passíveis de afastar o facto e a prova relevantes de ser a mesm, na data da exigibilidade dos impostos, a proprietária dos veículos e a devedora do imposto, de acordo com o registo automóvel e com o Código do IUC, pelo que se refuta a tese apresentada pela Requerente de não terem sido efectuadas diligências por parte da Autoridade Tributária”; m) “[o pagamento de juros compensatórios pelo atraso no IUC está] previsto no art. 35.º da LGT, não podendo deixar de se considerar negligentemente imputável à Requerente a alegada desactualização do registo da propriedade dos veículos e o retardamento das liquidações de imposto”; n) que “o IUC é liquidado de acordo com a informação registal oportunamente transmitida pelo Instituto dos Registos e Notariado [pelo que] o IUC não é liquidado de acordo com informação gerada pela própria Requerida. [...] a Requerida limitou-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita e, paralelamente, a seguir a informação registal que lhe foi fornecida por quem de direito”; o) que “deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral”; p) “que “não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços [pelo que] não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos juros indemnizatórios”; q) “nem no [RJAT], nem no Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, consta qualquer eventual pagamento de «despesas da lide», nem da parte da Autoridade Tributária, nem por parte dos Requerentes.”

 

2.4. A AT conclui, por fim, que “deverá ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se a entidade Requerida do pedido.”

 

            III – Factualidade Provada e Não Provada

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) A Requerente é uma sociedade importadora, em exclusivo, de todos os veículos da marca B para o mercado nacional, tendo por objecto social o comércio de automóveis, respectivas peças e acessórios.

 

            ii) Uma vez importados, os veículos são imediatamente vendidos aos concessionários da marca, alguns deles integrantes do mesmo grupo económico, os quais, por sua vez, os vendem aos clientes finais utilizadores dos mesmos.

 

            iii) Considerando que as viaturas foram vendidas aos concessionários antes da data da matrícula das mesmas, as facturas de venda não contém as respectivas matrículas mas antes os números de «chassis» dos veículos vendidos aos concessionários, conforme resulta do teor das facturas apresentadas pela ora Requerente.  

 

            iv) Em momento anterior ao ano e mês da tributação do imposto em causa, as viaturas em causa foram objecto de venda a terceiros, não sendo, assim, propriedade da Requerente, conforme se demonstra pela leitura das cópias das facturas de venda dos veículos aos ex-locatários, constantes dos docs. apensos à p.i. (os quais, dada a sua extensão, se consideram aqui reproduzidos). A requerente apresentou, ainda, cópias de contratos de locação financeira e cópias dos extractos contabilísticos, relativamente a cada um dos clientes. Os elementos indicados corporizam meios de prova com força bastante e adequados para ilidir a presunção fundada no Registo.

 

            v) Ainda que inconformada, a ora Requerente procedeu ao pagamento integral das liquidações de IUC e juros compensatórios aqui em causa, relativas aos anos de 2013 e 2014, no valor total de €101.048,25 (vd. a listagem das liquidações impugnadas, anexa à p.i. da ora Requerente e que, dada a sua extensão, também se considera aqui reproduzida).

 

            vi) Não conformada com as referidas decisões, a ora Requerente apresentou o presente pedido arbitral em 29/1/2015.

           

            3.2. Não há factos dados como não provados, uma vez que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.

 

            IV – Fundamentação da Factualidade Provada

 

4. Os factos considerados provados estão baseados nos elementos probatórios supra mencionados e anexos nas reclamações graciosas (constantes do PA), que aqui se deram por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

 

            V – Fundamentação: A Matéria de Direito

 

            5.1. Resumo das Posições das Partes

 

A ora Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

 

- As 41 viaturas a que respeitam o IUC liquidado e ora em causa, não eram, à data, dos factos tributários (hiato temporal de 2013 e 2014) propriedade da ora Requerente, conforme documentos n.os 1924 a 2902, cujo teor se dá como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais; factos que permitem constatar que a mesma não pode ser sujeito passivo do imposto, vedando-lhe, assim, qualquer responsabilidade subjectiva pelo seu pagamento;

- A Requerente fundamenta a sua posição no facto de que os 37 veículos automóveis tributados terem sido vendidos a terceiros em período anterior a 2013 e 2014, transferindo-se a sua propriedade para os ex-locatários (cfr. as facturas de venda supra referenciadas e juntas às Reclamações Graciosas constantes do PA, que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais);

- Acrescenta, ainda, a ora Requerente que não se considera sujeito passivo do IUC referente aos restantes 4 veículos, dado que estes estavam inseridos nos contratos de locação financeira, nos termos do n.º 2 do art. 3.º do CIUC, sendo os referidos locatários equiparados a locatários.

 

Atentos os factos apresentados, conclui a Requerente que não lhe pode ser imputada a propriedade dos referidos veículos, não podendo ser sujeito passivo do imposto, face à letra e espírito do artigo 3.º do Código do Imposto Único de Circulação (doravante designado por CIUC) e que a tributação, nesta sede, não pode apenas incidir sobre quem conste no registo como proprietário dos veículos, havendo que considerar os seus efectivos proprietários.

 

A ora Requerida procedeu à junção do PA e apresentou Resposta, da qual se retira que, no seu entender, os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de Lei, tendo-se pronunciado pela improcedência das pretensões da requerida e pela manutenção dos actos de liquidação questionados, defendendo, sumariamente, que:

 

- Os sujeitos passivos do IUC são as pessoas que figuram no registo como sendo os proprietários dos veículos, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, o que no caso sub judice se verifica quanto à Requerente;

- O registo dos veículos em nome de determinada pessoa corporiza a posição desta como sujeito passivo da obrigação fiscal de IUC;

- É notoriamente errada a interpretação que a Requerente faz do preceituado no artigo 3.º do CIUC, na medida em que incorre numa “interpretação enviesada da letra da lei” e na adopção “de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, visando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal”, seguindo a Requerente uma “interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo, em apreço e, bem assim em todo o CIUC”.

 

5.2. Questões Decidendas

 

Face ao exposto nos números anteriores, relativamente à exposição escrita das partes, e aos argumentos aí apresentados, as principais questões a decidir são as seguintes: a) A impugnação feita pela ora Requerente relativa à liquidação material dos actos de liquidação, respeitante aos anos de 2013 e 2014, e referente ao IUC sobre os veículos supra referenciados no PA; b) A alegada errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do IUC liquidado e cobrado, o que constitui a questão central a decidir no presente processo; e c) O valor jurídico do registo dos veículos automóveis.

 

O pedido objecto deste processo é a declaração de anulação dos actos de liquidação do IUC relativo aos veículos automóveis melhor identificados no processo, a condenação da AT ao reembolso do montante do imposto relativo a tais liquidações no valor de €101.048,25 e a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o mesmo montante.

 

Segundo o entendimento da AT, basta que, no registo, o veículo conste como sendo propriedade de determinada pessoa para que essa pessoa seja o sujeito passivo da obrigação tributária.

 

A matéria de facto está fixada (como consta do ponto 3.1. supra), importando, agora, determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas, supra identificadas, sendo certo que a questão central em causa nos presentes autos, quanto à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT, consiste em saber se o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, relativo à incidência subjetiva do imposto único de circulação, consagra ou não uma presunção ilidível.

 

Tudo analisado e, tendo em conta, por um lado, as posições das partes em confronto e, considerando, por outro lado, que a questão central a decidir é a de saber se o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC consagra ou não uma presunção legal de incidência tributária, cumpre, neste contexto, apreciar e proferir decisão.

 

5.3. A Questão relativa à Alegada Errada Interpretação e Aplicação da Norma de Incidência Subjetiva do IUC

 

Considerando ser pacífico o entendimento, na doutrina, de que na interpretação das leis fiscais valem plenamente os princípios gerais de interpretação os quais serão, apenas e naturalmente, limitados pelas excepções e particularidades ditadas pela própria Lei, objecto de interpretação. Trata-se de um entendimento que tem vindo a merecer acolhimento nas Leis Gerais Tributárias de outros países e que veio também a ter assento no artigo 11.º da nossa Lei Geral Tributária, o que vem, aliás, sendo frequentemente sublinhado pela jurisprudência.

           

É consensualmente aceite que tendo em vista a apreensão do sentido da lei, a interpretação procura, a priori, reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, o que significa, interpretar o seu sentido literal, valorando-o e aferindo-o à luz de outros critérios, intervindo os designados elementos de natureza lógica, racional ou teleológicos e de ordem sistemática.

 

A respeito da interpretação da lei fiscal há que considerar a jurisprudência, por ex., dos Acórdãos do STA de 5/9/2012, proc. n.º 0314/12 e de 6/2/2013, proc. n.º 01000/12, quanto à importância do disposto no art. 9.º do Código Civil (CC), enquanto elemento fundamental da hermenêutica jurídica. Nesse sentido, deve ter-se presente que:

 

i) Dispõe o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”.

ii) A formulação usada no referido artigo socorre-se da expressão ”considerando-se”, o que suscita a questão de saber se, a tal expressão  pode ser atribuído um sentido presuntivo, equiparando-se à expressão “presumindo-se”, trata-se de expressões frequentemente utilizadas com sentidos equivalentes.

 

iii) Ensina Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e do Processo Tributário, Anotado e Comentado, volume I, 6.ª Edição, Área Editora S.A., Lisboa, 2011, p. 589, que, em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela  expressão “presume-se” ou por expressão semelhante, aí se mencionando diversos exemplos dessas presunções, referindo-se a que consta no artigo 40.º, n.º 1, do CIRS, em que se usa a expressão “presume-se” e a que consta no artigo 46.º, n.º 2, do mesmo Código, em que se faz uso da expressão “considera-se”, enquanto expressão com um efeito semelhante àquela e, consubstanciando, igualmente, uma presunção.

 

iv) Na formulação legal exarada no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, se consagrou uma presunção, revelada pela expressão “considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão ”presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão.

 

v) O uso da expressão “considerando-se” mais não visou do que o estabelecimento de uma aproximação mais vincada e nítida entre o sujeito passivo do IUC e o efectivo proprietário do veículo, o que está em sintonia com o reforço conferido à propriedade do veículo, que passou a constituir o facto gerador do imposto, nos termos do artigo 6.º do CIUC.

 

vi) A relevância e o interesse da presunção em causa – que historicamente foi revelado por intermédio da expressão “presumindo-se” e que agora se serve da expressão “considerando-se” – reside na verdade e na justiça que, por essa via, se confere às relações fiscais e que corporizam valores fiscais fundamentais, permitindo tributar o real e efectivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário. Se o caso, assim não fosse considerado, não se admitindo e relevando a apresentação de elementos probatórios destinados à demonstração de que o efectivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo e, que inicialmente, e em princípio, se supunha ser o verdadeiro proprietário, aqueles valores seriam objectivamente postergados.

 

vii) Há a considerar, também, o princípio da equivalência, inscrito no artigo 1.º do CIUC, que tem subjacente o princípio do poluidor-pagador e, concretiza a ideia nele inscrita de que quem polui deve, por isso, pagar. O referido principio tem assento constitucional, na medida em que representa um corolário do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa, tendo, também, assento no Direito Comunitário, seja ao nível do direito originário, artigo 130.º-R do Tratado de Maastrich (Tratado da União Europeia), onde o aludido principio passou a constar como suporte da Política Comunitária no domínio ambiental e que visa responsabilizar quem contribui com os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, de forma a que sejam assumidos pelos seus proprietários-utilizadores, como custos ambientais e viários, que só eles devem suportar, contextualizando, assim, o princípio do “poluidor-pagador”.

 

Atentos os argumentos supra descritos, importa salientar que os já referidos elementos de interpretação, sejam os relacionados com a interpretação literal, apoiada nas palavras legalmente utilizadas, sejam os respeitantes aos elementos lógicos de interpretação, de natureza histórica ou de ordem racional, apontam, todos eles, no sentido de que a expressão “considerando-se” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se”, devendo, assim entender-se que o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC consagra uma presunção legal que, face ao artigo 73.º da LGT, onde se estabelece que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, será necessariamente ilidível, o que significa que os sujeitos passivos são, em princípio, as pessoas em nome de quem tais veículos estejam registados. Serão, pois, estas pessoas, identificadas nestas condições, a quem a AT se deve, necessariamente, dirigir.

 

Mas serão, apenas, em princípio, dado que, no quadro de audição prévia, de carácter obrigatório, face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, a relação tributária poderá ser reconfigurada, seja validando-se o sujeito passivo inicialmente identificado ou redireccionando-se o procedimento no sentido daquele que for, afinal, o verdadeiro e efectivo, sujeito passivo do imposto em causa.

 

O contribuinte tem o direito de ser ouvido, mediante audição prévia (ver José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho, in Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 4. edição, Almedina, 2000, anotação 8 do artigo 100.º). A audição prévia – que naturalmente se há-de concretizar em momento imediatamente anterior ao procedimento da liquidação – corresponde à sede e à altura própria para, com certeza e segurança, se identificar o sujeito passivo do IUC.

 

5.4. Sobre o Valor Jurídico do Registo

 

Relativamente ao valor jurídico do registo, importa notar o que estabelece o n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12/2 (diversas vezes alterado, sendo a última por via da Lei n.º 39/2008, de 11/8), quando estatui que “o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”.

 

Por seu lado, o artigo 7.º do Código do Registo Predial, aplicável, supletivamente, ao registo de automóveis, por força do artigo 29.º do CRA, dispõe que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

 

O registo definitivo não constitui mais do que uma presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo ver-se, entre outros, os Acórdãos do STJ n.º 03B4369, de 19/2/2004 e n.º 07B4528, de 29/1/2008, também disponíveis em www.dgsi.pt.

 

Portanto, a função legalmente reservada ao registo é, por um lado, a de publicitar a situação jurídica dos bens (no caso ora em apreço, dos veículos) e, por outro lado, permite-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo – o qual não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador. O mesmo é dizer, os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários dos mesmos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele.

 

Neste contexto, cabe lembrar que, face ao disposto no n.º 1 do artigo 408.º do CC, a transferência de direitos reais sobre as coisas (no caso sub judice, veículos automóveis) é determinado por mero efeito do contrato, sendo que nos termos do disposto na alínea a) do artigo 879.º do CC, entre os efeitos essenciais do contrato de compra e venda, avulta a transmissão da coisa.

 

Face ao exposto, torna-se claro que o pensamento legislativo aponta no sentido de que no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC se consagra uma presunção “juris tantum”, consequentemente ilidível, permitindo, assim, que a pessoa que, no registo, está inscrita como proprietária do veículo, possa apresentar elementos de prova destinados a demonstrar que tal propriedade está inserida na esfera jurídica de outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida.

 

5.5. A Presunção do Artigo 3.º do CIUC e a Data em que o IUC é Exigível

 

5.5.1. A Presunção do Artigo 3.º do CIUC

 

A AT considera que a presunção que existe no n.º 1 do art. 3.º do CIUC é decorrente de uma interpretação contra legem, decorrente de uma leitura enviesada da letra da lei e, por isso, violadora da unidade do sistema jurídico. Contudo, e salvo o respeito devido, o entendimento da jurisprudência vai no sentido de que se deve considerar a existência de uma presunção legalmente ilidível, pelo que consequentemente serve os valores e interesses questionados, quer ao nível da justiça fiscal material, quer ao nível das finalidades ambientais visadas pelo IUC.

 

No referente à unidade do sistema jurídico é de relevar tudo o que foi supra citado, nomeadamente, sobre a ratio do artigo 1.º do CIUC, sobre as normas e princípios da LGT, sobre as normas pertinentes e aplicáveis ao registo de veículos automóveis, sobre a interpretação que melhor serve e alcança a mencionada unidade e assegura a conexão dessas mesmas normas, considerando-se a presunção legal que se encontra preceituado no artigo 3.º do CIUC.

 

5.5.2. A Data em que o IUC é Exigível

 

O IUC é um imposto de tributação periódica, cuja periodicidade corresponde ao ano que se inicia no acto da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, conforme o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º do CIUC, sendo exigível nos termos do n.º 3 do art. 6.º do referido Código.

 

Quanto à liquidação do IUC tributado à Requerente sobre os veículos supra referidos, relativa aos anos de 2013 e 2014, a mesma não se justifica porque, ao momento dos factos tributários, as viaturas já não lhe pertenciam – os 37 referidos veículos foram vendidos a terceiros antes dos anos de 2013 e 2014 (cfr. os documentos probatórios já supra citados e anexos às reclamações graciosas, constantes no PA e que aqui se dão, uma vez mais, por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais; e a situação dos quatro veículos que se encontravam ao abrigo de contratos de locação financeira, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do CIUC).

 

Em relação ao ónus da prova, estipula o artigo 342.º, n.º 1, do CC, que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. Também o art. 346.º do CC (contraprova) determina, que, “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinados a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.” (Como afirma A. Anselmo de Castro, em Direito Processual Civil Declaratório, III, Almedina, 1982, p. 163: “recaindo sobre uma das partes ónus probatório, à parte contrária basta opor contraprova, sendo esta uma prova destinada a tornar duvidosa os factos alegados pela primeira”.)

 

Assim, no caso dos autos, o que a ora Requerente tem que provar, a fim de ilidir a presunção que decorre, quer do artigo 3.º do CIUC, quer do próprio Registo Automóvel, é que ela (Requerente) não era proprietária dos veículos em causa nos períodos a que dizem respeito as liquidações impugnadas. Ora, a mesma faz prova, segundo resulta dos presentes autos, que a propriedade dos veículos não lhe pertencia nos períodos a que as liquidações dizem respeito (cfr. documentos anexos às Reclamações Graciosas, constantes do PA, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).

 

5.6. Ilisão da Presunção

 

A Requerente alegou, com o propósito de afastar a presunção, não ser a proprietária dos veículos aquando da ocorrência dos factos tributários, oferecendo, para o devido efeito, os seguintes documentos [v. supra, ponto 3.1.iv)]: cópias das facturas de venda dos veículos aos ex-locatários; cópias dos contratos de locação financeira; cópias dos extractos contabilísticos, relativamente a cada um dos clientes.

 

Desta forma, a propriedade dos referidos veículos já não lhe pertencia, não podendo, por isso, usufruir da sua utilização desde data anterior àquela em que o IUC era exigível, corporizando aqueles documentos meios de prova com força bastante e adequada para ilidir a presunção fundada no registo, conforme o preceituado no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC (documentos, esses, que gozam, da presunção da veracidade prevista no n.º 1 do artigo 75.º da LGT). Resulta do exposto que, à data em que o IUC era exigível, quem detinha a propriedade dos veículos automóveis não era a ora Requerente

 

5.7. Outras Questões relativas à Legalidade dos Actos de Liquidação

 

Quanto à existência de outras questões atinentes à legalidade dos actos de liquidação, tendo em conta que está ínsito no estabelecimento da ordem de conhecimento dos vícios (vd. artigo 124.º do CPPT), conclui-se que, procedendo o pedido de pronúncia arbitral baseado em vícios que impedem a renovação das liquidações impugnadas, fica prejudicado, porque inútil, o conhecimento de outros vícios, não se justificando conhecer das demais questões suscitadas.

 

5.8. Reembolso do Montante Pago

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, e em conformidade com o aí estabelecido, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário, objecto da decisão arbitral, não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no artigo 100.º da LGT, aplicável ao presente caso ex vi do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, no qual se estabelece que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, correspondendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

 

O caso constante nos presentes autos suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas posto que – na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação referenciados neste processo – terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, seja a título do imposto pago, seja dos correspondentes juros compensatórios, como forma de alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

5.9. Do Direito a Juros Indemnizatórios

 

A declaração da ilegalidade e consequente anulação de um acto administrativo confere ao destinatário desse acto o direito à reintegração da situação em que o mesmo se encontraria antes da execução do acto anulado.

 

No âmbito da liquidação do imposto, a anulação do mesmo confere ao sujeito passivo o direito à restituição do imposto pago e, em regra, o direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

Pelo que tem a ora Requerente o direito a juros indemnizatórios sobre o montante de imposto pago, referente à liquidação anulada.

 

***

 

            VI – Decisão

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação do IUC, respeitante aos anos de 2013 e 2014, e referente aos veículos automóveis identificados no presente processo, anulando-se, consequentemente, os correspondentes actos tributários.

            - Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de 101.048,25 euros, acrescidos dos respectivos juros indemnizatórios, legalmente devidos, condenando-se a AT a efectuar estes pagamentos.

           

Fixa-se o valor do processo em €101.048,25 (cento e um mil e quarenta e oito euros e vinte cinco cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da AT, no montante de €3060,00 (três mil e setenta euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 21 de Setembro de 2015.

 

Os Árbitros

 

 

 

 

José Poças Falcão (Presidente)

 

 

 

 

Miguel Patrício

 

 

   

 

Maria de Fátima Alves Ribeiro

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.