Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 489/2014-T
Data da decisão: 2015-03-19  IRC  
Valor do pedido: € 60.346,35
Tema: Benefício Fiscal – SIFIDE – Dedutibilidade dos encargos com despesas com o pessoal e despesas de funcionamento
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Decisão Arbitral

 

1.                   Relatório

 

1.1    A A…, S.A., Pessoa Colectiva nº …, com sede na …, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT”), sendo a “Requerida”, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).

 

A Requerente a pretende declaração de nulidade do Despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa da autoliquidação do IRC relativo ao exercício de 2010, no âmbito do Processo n.º …2013…, proferido pelo Director de Finanças de …, Adjunto, ou caso essa nulidade não proceda, a sua anulação, devendo considerar-se legítimo o crédito fiscal, no valor de € 60.346,35, associado ao benefício fiscal SIFIDE, incluído na declaração de rendimentos Modelo 22 de substituição, com referência ao exercício de 2010, apresentada a 13 de Março de 2013.

 

A Requerente pretende ainda o reembolso do imposto devido e o pagamento dos juros indemnizatórios, nos termos previsto no artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

1.2       Como fundamento do seu pedido, a Requerente expõe e alega em síntese que:

 

(a)           Em 02 de Junho de 2011, a Requerente submeteu, através de submissão electrónica, a declaração periódica de rendimentos (modelo 22) do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) referente ao exercício de 2010.

 

(b)           No exercício de 2010, que compreende o período de tributação de 01 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2010, a Requerente incorreu em despesas de Investigação e Desenvolvimento (I&D), consideráveis como elegíveis para efeitos do Sistema de Incentivos Fiscais à I&D Empresarial (SIFIDE), regulado pela Lei n.º 40/2005 de 3 de Agosto (doravante “Lei do SIFIDE”).

 

(c)           A 31 de Julho de 2012, a Requerente apresentou a sua candidatura junto da Comissão Certificadora do SIFIDE, relativamente às despesas incorridas a título de I&D, realizadas durante o ano de 2010.

 

(d)          A 13 de Março de 2013, a Comissão Certificadora do SIFIDE aprovou, por meio de decisão, a candidatura formulada pela Requerente, no âmbito da qual foi recomendado um crédito fiscal no montante de € 69.735,60.

 

(e)           A 28 de Maio de 2013, a Requerente submeteu declaração de rendimentos (Modelo 22) de substituição, com base no n.º 3 do artigo 122.º do Código do IRC, incluindo no Campo 355, do Quadro 10, o crédito fiscal recomendado pela Comissão Certificadora do SIFIDE, no valor € 69.735,60, apurando um montante de IRC a recuperar de € 32.311,57.

 

(f)            A 31 de Maio de 2013, a Requerente remeteu ao Serviço de Finanças de …, uma Reclamação Graciosa com base no erro na autoliquidação do imposto, requerendo a correcção da autoliquidação de IRC, relativa ao exercício fiscal de 2010, reconhecendo a existência de um crédito fiscal resultante do SIFIDE no montante de € 69.735,00.

 

(g)           A AT deu início a procedimento inspectivo, ao qual foi atribuído o número de Processo …2013…, emitindo Projecto de Relatório que concluía pela consideração como montante de benefício fiscal legítimo apenas o valor de €9.389,25.

 

(h)           A correcção ao crédito fiscal efectuada pela AT comportou a desconsideração de dois tipos de despesas incluídas para efeitos do apuramento do benefício fiscal em apreço: (i) a totalidade das despesas com o pessoal e (ii) a totalidade das despesas de funcionamento, com excepção de duas facturas no valor total de €790,00 relativos ao transporte dos separadores de via H2 para o local de realização de ensaios técnicos.

 

(i)             A Requerente exerceu o Direito de Audição sobre o Projecto de Deferimento Parcial da reclamação graciosa apresentada.

 

(j)             Através do Ofício n.º …, datado de 21-04-2014, emitido pela Direcção de Finanças de … – Serviço de Finanças de …, a Requerente foi notificada da decisão final írelativa ao processo …2013…, a qual mantinha na íntegra a decisão proferida no âmbito do Projecto de Decisão, aceitando-se o benefício fiscal de apenas €9.389,25.

 

(k)           Com esta decisão a AT revogou, ainda que de forma implícita, a decisão da Comissão Certificadora do SIFIDE, reapreciando os projectos que já tinham sido alvo de certificação por um órgão administrativo competente para o efeito.

 

(l)             A Comissão Certificadora do SIFIDE não faz uma mera recomendação, a Comissão certifica qualitativa e quantitativamente as acções de I&D.

 

(m)         Ainda que se entenda que a AT tem competências de fiscalização sobre as declarações emitidas pela Comissão Certificadora do SIFIDE, ao abrigo do disposto no art. 7.º do EBF, apenas a Comissão pode revogar a sua decisão.

 

(n)           O acto de correcção é, portanto, nulo, por usurpação de poderes.

 

(o)           Argumenta ainda que a decisão final de deferimento parcial proferida pela AT é omissa quanto às razões de facto que levaram a AT a concluir que a Requerente não trouxe nada de novo aquando do exercício de audição prévia, bem quanto as razões pelas quais os elementos não podem ser considerados, pugnando pela sua ilegalidade, por violação do dever de fundamentação previsto no artigo 77.º da LGT. 

 

(p)           Sem prescindir, no que se refere à legitimidade dos gastos – custos com o pessoal - incluídos pelo Requerente para efeitos do benefício fiscal em apreço, que não foram aceites pela AT, a Requerente alega:

 

                                i.            No que concerne ao registo de horas não existe nenhuma norma ou regulamento que imponha ou defina a forma como as horas devem ser registadas;

 

                              ii.            Não se pode desde logo concluir, como fez a AT, que as horas contabilizadas pela Requerente não são aceitáveis porque na “time sheet” não é possível verificar as horas numa base diária;

 

                            iii.            A inexistência de registos diário das horas só poderia ser aceite como fundamento para a correcção efectuada pela AT, se a lei impusesse esse mesmo registo como condição, ou como forma de prova obrigatória, para que as horas fossem aceites, o que não acontece no caso em apreço;

 

                            iv.            A AT não apresenta qualquer prova que permita demonstrar ou suspeitar que as horas apresentadas pela Requerente não são reais, já a Requerente claramente demonstrou que as horas registadas são horas efectivas despendidas em acções de I&D.

 

(q)           Por sua vez, no que se refere à legitimidade dos gastos – despesas de funcionamento - incluídos pelo Requerente para efeitos do benefício fiscal em apreço, que não foram aceites pela AT, a Requerente alega que:

 

                                i.            A metodologia utilizada pela Requerente – método dos duodécimos - corresponde às boas práticas, razão pela qual também é a metodologia normalmente é utilizada para efeitos do benefício em apreço;

 

                              ii.            Considerando que muitas vezes as empresas não utilizam a especialização mensal, a metodologia utilizada pela Requerente ao atender a valor de custos anuais, diminui o risco de enviesamento dos valores apurados;

 

                            iii.            Independentemente da questão de saber qual a metodologia mais correcta, a verdade é que a AT não pode desconsiderar todos os custos, porque não aceita a metodologia;

 

                            iv.            Se a AT acha que a metodologia utilizada não é a mais correcta, então impõe-se-lhe que efectua a correcção seguindo a metodologia que no seu entender é a devida;

 

                              v.            No que respeita à questão do critério da selecção das despesas que foram directa ou indirectamente imputadas aos projectos de I&D, as despesas que estão directamente relacionadas com os projectos foram consideradas na totalidade, as despesas que não estavam, ainda que indirectamente, relacionadas com os projectos não foram consideradas, como é o caso da publicidade, das comissões, dos artigos para oferta etc;

 

                            vi.            As despesas que são essenciais para actividade produtiva da Requerente foram consideradas como estando indirectamente relacionadas com a I&D, sendo que o valor da sua imputação corresponde à percentagem das horas gastas nos projectos sobre as horas tais anuais;

 

                          vii.            Ou seja, apenas 1% das despesas consideradas indirectamente relacionadas com os projectos foram consideradas como elegíveis para efeitos de SIFIDE;

 

                        viii.            A Requerente para poder desenvolver actividades de I&D tem que estar a funcionar e tem que produzir, razão pela qual os gastos gerais necessários à actividade da Requerente também devem ser imputados às actividades de I&D e não sendo possível quantificar que parte dessas despesas corresponde à actividade de I&D, a sua imputação faz-se forma proporcional;

 

(r)            Concluindo pela procedência do pedido de pronúncia arbitral, anulando-se o indeferimento da Reclamação da Autoliquidação, e consequentemente corrigindo-se a autoliquidação através da consideração do crédito fiscal, pela totalidade, bem como a correspondente correcção ao IRC e reembolso do imposto devido, acrescido do pagamento dos juros indemnizatórios nos termos previsto no artigo 43º da LGT.

 

1.3       A Autoridade Tributária e Aduaneira contestou alegando em síntese que:

 

(a)           Relativamente à alegada incompetência da AT, porquanto, segundo a Requerente, ao fiscalizar o benefício atinente ao SIFIDE, a AT estaria a imiscuir-se nas competências da Comissão Certificadora, não assiste qualquer razão à Requerente.

 

(b)           O SIFIDE consiste num benefício fiscal automático e misto, não carecendo de reconhecimento prévio e sendo constituído por elementos objectivos e subjectivos.

 

(c)           A declaração emitida pela entidade que “certifica” o SIFIDE –, nomeada por despacho do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, apenas recomenda a atribuição de um crédito fiscal num determinado valor.

 

(d)          À Comissão Certificadora SIFIDE cabe tão só a emissão de uma declaração de conformidade de determinadas despesas com acções de investigação e desenvolvimento e a recomendação da sua aceitação enquanto benefício fiscal.

 

(e)           Um determinado conjunto de valores, relativo a despesas tidas como elegíveis pela Comissão Certificadora, não deixa, por essa circunstância, de poder ser aferido (quantitativamente, não qualitativamente) pela AT no âmbito dos poderes que lhe são conferidos, designadamente, pelas normas do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

(f)            Cabe à AT, nos termos da lei, a competência para controlar a verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais, ao qual o SIFIDE não constitui nem podia constituir, naturalmente, uma excepção.

 

(g)           No que se refere à ilegitimidade dos gastos – custos com o pessoal - incluídos pelo Requerente para efeitos do benefício fiscal em apreço, a AT alega em síntese que:

 

                                i.            A Requerente não logrou demonstrar, nem no âmbito do procedimento inspectivo, nem tão pouco agora, no âmbito do presente processo arbitral, que as horas registadas correspondem a horas efectivas despendidas em projectos de I & D;

 

                              ii.            Tal não é comprovável por qualquer documento apresentado, designadamente, os “time sheets” mensais apresentados pela Requerente;

 

                            iii.            Discorda quando a Requerente afirma que «não tinha qualquer vantagem em que as horas registadas não correspondessem às horas efectivamente gastas», na medida em que as despesas com pessoal foram determinadas a partir do custo efectivo que cada colaborador directamente envolvido no projecto teve para a empresa, multiplicando-se, para o efeito, o n.º de horas que cada colaborador imputou a cada projecto pelo custo horário que cada um tem para a empresa,

 

                            iv.             O que, por conseguinte, influencia o montante das despesas de funcionamento, não só porque a Requerente imputa os gastos partindo do n.º de horas imputados ao projecto, como também porque o limite objectivo à consideração da elegibilidade das despesas de funcionamento é estabelecido por uma percentagem dos custos com pessoal;

 

                              v.            Assume, portanto, tal registo de horas um papel determinante na imputação dos custos aos projectos e, por conseguinte, no valor recomendado a título de benefício fiscal;

 

                            vi.            A AT constatou que os “time sheet” utilizados pela Requerente (i) não indicam o n.º de horas dedicadas por dia; (ii) não indicam as actividades e as tarefas em concreto realizadas por cada trabalhador em cada momento; (iii) não foi explicada a forma como foram determinadas as horas imputadas nem como foram feitos os registos dessas horas; e (iv) as agendas que a Requerente, no âmbito do procedimento inspectivo, invocou estarem associadas a cada máquina e que registariam as actividades empreendidas continham omissões, não obstante a imputação respectiva de horas.

 

(h)           Por sua vez, no que se refere à ilegitimidade dos gastos – despesas de funcionamento - incluídos pelo Requerente para efeitos do benefício fiscal em apreço, a AT alega em síntese que:

 

                                i.            A Requerente contabilizou gastos anuais de um projecto que apenas começou a 24/01 e a 14/04, não utilizando uma lógica de duodécimos, logo a contabilidade, assim realizada, não reflecte as operações efectivamente realizadas, o que desde logo se impunha dado que a Requerente tem a obrigação de ter contabilidade organizada;

 

                              ii.            Existem despesas consideradas pelo Requerente cujo nexo de causalidade se verificou não existir com referência aos projectos de I&D;

 

                            iii.            Mesmo relativamente aos casos em que o nexo de causalidade existe (tal como sucede com a electricidade e as rendas), a sua imputação foi feita de modo expressivo, incluindo no seu todo montantes que não estão relacionados com os projectos;

 

(i)             Concluindo, pela improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, com as devidas e legais consequências.

 

1.4       O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem, não foram arguidas excepções e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostraram-se legítimas e a Requerente está regularmente representadas por Advogado, cumpre, pois, apreciar e decidir.

 

2.         Matéria de Facto

 

2.1.      Factos que se consideram provados

 

(a)           Em 02 de Junho de 2011, a Requerente submeteu, através de submissão electrónica, a declaração periódica de rendimentos (modelo 22) do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) referente ao exercício de 2010.

 

(b)           No exercício de 2010, que compreende o período de tributação de 01 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2010, a Requerente incorreu em despesas de Investigação e Desenvolvimento (I&D), consideráveis como elegíveis para efeitos do Sistema de Incentivos Fiscais à I&D Empresarial (SIFIDE), regulado pela Lei n.º 40/2005 de 3 de Agosto (doravante “Lei do SIFIDE”).

 

(c)           A 31 de Julho de 2012, a Requerente apresentou a sua candidatura junto da Comissão Certificadora do SIFIDE, relativamente às despesas incorridas a título de I&D, realizadas durante o ano de 2010.

 

(d)          A 13 de Março de 2013, a Comissão Certificadora do SIFIDE aprovou, por meio de decisão, a candidatura formulada pela Requerente, no âmbito da qual foi recomendado um crédito fiscal no montante de € 69.735,60.

 

(e)           A 28 de Maio de 2013, a Requerente submeteu declaração de rendimentos (Modelo 22) de substituição, com base no n.º 3 do artigo 122.º do Código do IRC, incluindo no Campo 355 do Quadro 10 o crédito fiscal recomendado pela Comissão Certificadora do SIFIDE, no valor € 69.735,60, apurando um montante de IRC a recuperar de € 32.311,57.

 

(f)            O crédito fiscal recomendado pela Comissão Certificado SIFIDE, resulta da aprovação de dois projectos de I & D, designados “3H2 – Separadores de Via H2” e “5EAA, Estudo e Análise de Aditivos (EAA)”.

 

(g)           Com os referidos projectos de I&D, a Comissão Certificadora SIFIDE considerou elegíveis despesas num total de € 126.862,30, assim descriminadas:

 

                                i.             despesas com pessoal no montante total de € 64.279,74, sendo €35.109,92 afectos ao projecto 3H2 e € 29.169,82 ao projecto 5EAA;

                              ii.            despesas de funcionamento no montante total de €34.482,56, sendo €18.668,84 afectos ao projecto 3H2 e € 15.813,72 ao projecto 5EAA; e

                            iii.            despesas com contratação de actividades de I&D no montante total de €28.100,00.

 

(h)           A 31 de Maio de 2013, a Requerente remeteu ao Serviço de Finanças de …, uma Reclamação Graciosa com base no erro na autoliquidação do imposto, requerendo a correcção da autoliquidação de IRC, relativa ao exercício fiscal de 2010, reconhecendo a existência de um crédito fiscal resultante do SIFIDE no montante de € 69.735,60.

 

(i)             A AT deu início a procedimento inspectivo – Processo n.º …2013… -, emitindo Projecto de Relatório que concluía pela consideração, como montante de benefício fiscal legítimo, do valor de € 9.389,25.

 

(j)             A Requerente exerceu o Direito de Audição sobre o Projecto de Deferimento Parcial da reclamação graciosa apresentada.

 

(k)           Através do Ofício …, datado de 21-04-2014, emitido pela Direcção de Finanças de … – Serviço de Finanças de …, a Requerente foi notificada da decisão da reclamação graciosa, na qual a AT:

                                i.            aceitou integralmente as despesas com contratação de actividades de I&D – que se referem aos testes com a verificação do cumprimento pelos separadores de normas europeia, no valor de € 28.100,00;

                              ii.            aceitou parcialmente as despesas de funcionamento – apenas no valor de €790, custo que se refere ao transporte dos separadores até ao local de ensaio; e

                            iii.            não aceitou quaisquer custos elegíveis com referência às despesas com pessoal;

aceitando, em consequência, o benefício fiscal de apenas € 9.389,25.

 

(l)             O valor dos gastos com o pessoal imputados a projecto de I&D foi apurado com base no custo efectivo que cada colaborador da Requerente despendeu em cada projecto de I&D.

 

(m)         O apuramento do valor deste encargo foi feito com recurso a “time sheets” individuais dos funcionários da Requerente.

 

(n)           Os “time sheets” da Requerente contêm a indicação das horas despendidas em cada projecto de I&D, por trabalhador envolvido, com periodicidade mensal e identificação do respectivo projecto de I&D.

 

(o)           A valoração do custo hora de cada colaboração aos projectos de I&D foi efectuada através do custo médio por hora de cada colaborador, ou seja, a Requerente dividiu o custo anual do trabalhador, pela fracção do número de horas total que o mesmo trabalhou no ano, dedicada ao projecto, conforme documentado pelas “time sheets”.

 

(p)           Os “time sheets” dos funcionários da Requerente eram objecto de controlo e validação pelos responsáveis do projecto de I&D e pelos respectivos funcionários que nele colaboravam.

 

(q)           O apuramento do valor com gastos de funcionamento que não foi aceite pela AT, foi efectuado com base no método de imputação indirecta, sendo que o valor da imputação corresponde à percentagem das horas gastas nos projectos de I&D, sobre as horas totais anuais de funcionamento da Requerente.

 

(r)            Para efeitos do apuramento do valor com os gastos de funcionamento, foram imputados a totalidade dos gastos anuais da Requerente, relativos ao exercício de 2010.

 

(s)            Os projectos de I&D considerados para efeitos da recomendação do crédito fiscal incluído na declaração da Comissão Certificadora SIFIDE tiveram início a 24 de Janeiro de 2010 e 14 de Abril de 2010.

 

(t)            Relativamente ao critério da selecção de despesas que foram indirectamente imputadas a projectos de I&D, foram consideradas contas de grau quatro, contas genéricas do Sistema de Normalização Contabilística.

 

2.2       Factos que não se consideram provados e respectiva fundamentação

 

Não há factos relevantes para a decisão que se consideram não provados.

 

2.3       Fundamentação da matéria de facto provada

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos aos autos, cuja autenticidade e correspondência não foram questionadas, bem como nos depoimentos prestados em audiência.

 

3. Matéria de Direito

 

            A primeira questão que a Requerente traz a este Tribunal para apreciar, prende-se com a questão de saber se a AT, ao não aceitar os créditos fiscais recomendados pelo SIFIDE, incorreu ou não em vício de usurpação de poder, imiscuindo-se em competência que, por lei, está confiada a outra entidade (a Comissão Certificadora do SIFIDE).

            Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, entende-se que não assiste qualquer razão, nesta matéria, à Requerente.

            Com efeito, como bem refere a AT, o SIFIDE consiste num benefício fiscal automático e misto, não carecendo de reconhecimento prévio e sendo constituído por elementos objectivos e subjectivos.

A declaração emitida pela entidade que “certifica” o SIFIDE –, nomeada por despacho do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, apenas recomenda a atribuição de um crédito fiscal num determinado valor, o que decorre, desde logo, da própria Lei nº 40/2005 de 3 de Agosto de 2005, que consagra como obrigação acessória a requisição da referida “certificação”, e impõe, para além do mais, concomitantemente, a posse de documento “que evidencie o cálculo do benefício fiscal”.

Continuando com o expendido pela AT, entende-se, assim, que um determinado conjunto de valores, relativo a despesas tidas como elegíveis pela Comissão Certificadora, não deixa, por essa circunstância, de poder ser aferido (quantitativamente, não qualitativamente) pela AT no âmbito dos poderes que lhe são conferidos, designadamente, pelas normas do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Caberá, assim, à AT, nos termos da lei (artigo 7.º do EBF), a competência para controlar a verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais, à qual o SIFIDE não será excepção.

Deste modo, não se descortina que se haja verificado o suscitado vício de usurpação de poder, devendo a correspondente alegação improceder.

 

*

Argumenta ainda a Requerente que a decisão final de deferimento parcial proferida pela AT, é omissa quanto às razões de facto que levaram a AT a concluir que a Requerente não trouxe nada de novo aquando do exercício de audição prévia, bem quanto as razões pelas quais os elementos não podem ser considerados, pugnando pela sua ilegalidade, por violação do dever de fundamentação previsto no artigo 77.º da LGT.

Como refere a AT, “o direito de audição exercido (...) foi detalhadamente analisado na Informação que sustenta o despacho definitivo de deferimento/indeferimento parcial, para onde se remete e a que correspondem as epígrafes III. Audição prévia, III.1 Perspectiva do Reclamante, e, ainda III. 2 Apreciação do Contraditório”.

Ora, como se escreveu no Ac. do STA de 10-02-2010, proferido no processo 01122/09, e disponível em www.dgsi.pt:

I - A fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.

II - Está suficientemente fundamentado o acto administrativo que, complementado com parecer para que remete, permite atingir esse objectivo.

Subscrevendo-se a jurisprudência transcrita, entende-se ser, também, de improceder esta alegação.

 

*

            Posto isto, cumpre apreciar a questão de fundo que se coloca no caso, que é a de saber se, de facto, a Requerente demonstrou todos os factos necessários para que lhe seja reconhecido o benefício fiscal que fez constar da sua declaração de substituição para o IRC de 2010, como era seu ónus (artigo 74.º/1 da LGT), ou não.

            Relativamente à questão de terem existido despesas em actividades elegíveis para o benefício fiscal do SIFIDE, não existem dúvidas nos autos, sendo tal facto consensual entre as partes.

            A questão que se coloca, é, então, relativamente à quantificação dessas despesas.

            Esta matéria, para que dúvidas não restem, é, ainda, abrangida pelo ónus probatório que, legalmente, impende sobre o pretendente ao benefício fiscal. Ou seja: àquele, para desfrutar do benefício que almeja, não basta demonstrar que levou a cabo uma actividade qualificada como de Investigação e Desenvolvimento, e que com ela teve custos, mas, igualmente, o concreto montante despendido, não lhe sendo lícito lamentar-se da justiça processual que o, eventual, incumprimento do ónus probatório que lhe assiste, acarrete. Em suma: pretendendo-se um benefício de determinado montante, devem-se reunir os elementos justificativos desse específico montante elegido, não bastando demonstrar a existência genérica de gastos elegíveis do ponto de vista do benefício, e subsequentemente escolher um método, mais ou menos aproximado de determinação concreta do mesmo, no que seria uma espécie de determinação do montante do benefício, por métodos indirectos.

            Não poderá, igualmente, nesta matéria, o aspirante ao benefício procurar uma inversão do ónus da prova, argumentando, em suma, que não estando previsto uma específica forma de cumprimento daquele ónus, caberá à contraparte demonstrar que a escolhida pelo pretendente ao benefício está incorrecta.

            Posto isto, como se viu já, a correcção efectuada pela AT comportou a desconsideração de dois tipos de despesas incluídas para efeitos do apuramento do benefício fiscal em apreço:

(a)    a totalidade das despesas com o pessoal;

(b)   a totalidade das despesas de funcionamento, com excepção de duas facturas no valor total de €790,00 relativos ao transporte dos separadores de via H2 para o local de realização de ensaios técnicos.

Vejamos cada uma daquelas situações.

 

*

            Relativamente à primeira das situações elencadas, apurou-se que:

-          O valor dos gastos com o pessoal imputados a projecto de I&D foi apurado com base no custo efectivo que cada colaborador da Requerente despendeu em cada projecto de I&D;

-          O apuramento do valor deste encargo foi feito com recurso a “time sheets” individuais dos funcionários da Requerente;

-          Os “time sheets” da Requerente contêm a indicação das horas despendidas em cada projecto de I&D, por trabalhador envolvido, com periodicidade mensal e identificação do respectivo projecto de I&D;

-          A valoração do custo hora de cada colaboração aos projectos de I&D foi efectuada através do custo médio por hora de cada colaborador, ou seja, a Requerente dividiu o custo anual do trabalhador, pela fracção do número de horas total que o mesmo trabalhou no ano, dedicada ao projecto, conforme documentado pelas “time sheets”;

-          Os “time sheets” dos funcionários da Requerente eram objecto de controlo e validação pelos responsáveis do projecto de I&D e pelos respectivos funcionários que nele colaboravam.

O procedimento indicado, afigura-se, em concreto, suficiente para que se considerem devidamente comprovados os gastos da Requerente na actividade de I&D que, inquestionavelmente levou a cabo.

Com efeito, nesta matéria, são fornecidos pela Requerente elementos objectivos (n.º de horas por cada trabalhador), e não meras “estimativas”, que, embora internos da Requerente, são aceitáveis sob um ponto de vista de normalidade, tendo em conta que se mostram validados por mais de uma fonte e foram suficientemente corroborados pela prova testemunhal apresentada.

Não se considera, assim, decisiva nesta matéria a circunstância de o registo de horas apresentado pela Requerente, ser mensal, e não diário, desde logo na medida em que nenhuma disposição legal ou regulamentar impunha um registo deste último tipo, e depois porque se entende que o fundamental será que os elementos disponibilizados sejam suficientemente credíveis para convencer razoavelmente da veracidade do declarado, e já não que permitam o controlo o mais fácil e preciso possível.

Não se reputa, deste modo, aceitável, aqui, o argumento que a AT retira da dificuldade de controle, decorrente da não evidenciação diária do número de horas de cada trabalhador. Com efeito, se, é certo, o registo apresentado pela Requerente não facilita tanto quanto poderia a tarefa fiscalizadora da AT, não a impossibilita, por um lado, nem, por outro, aquela Autoridade apresenta qualquer circunstância concreta que os ponha em causa, à parte uma cartesiana dúvida.

Entende-se, assim, que os elementos apresentados pela Requerente permitem, em concreto, com a segurança necessária, concluir que aquelas horas de trabalho dos trabalhadores que indica terão sido empregues pela Requerente em I&D, e tiveram o custo que aquela indica.

Nota-se ainda que os elementos apresentados não invalidam, de todo, o controle do declarado pela AT. A mesma poderia, desde logo, para além de tentar apurar a falsidade material dos registos ou a ocorrência de fraudes, ouvir os trabalhadores devidamente identificados, conferir se as funções e qualificações dos mesmos eram adequadas às tarefas que a I&D postulava, cruzar com outros dados que obtivesse relativamente a registos de horas de outra actividades dos trabalhadores, contrastar o número de horas empregue por trabalhador em I&D com os necessários à actividade normal da empresa, entre muitas outras possibilidades, dirigidas a retirar credibilidade aos elementos apresentados pela Requerente.

            Neste contexto, considera-se, assim, deverem ser aceites, para efeitos do benefício fiscal SIFIDE declarado pela Requerente, os custos relativos a despesas com o pessoal.

 

*

            Quanto aos restantes custos em causa no presente processo, referentes a despesas de funcionamento, já o mesmo não se poderá dizer.

            Com efeito, nesta matéria, apurou-se que:

-          O apuramento do valor com gastos de funcionamento que não foi aceite pela AT, foi efectuado com base no método de imputação indirecta, sendo que o valor da imputação corresponde à percentagem das horas gastas nos projectos de I&D, sobre as horas totais anuais de funcionamento da Requerente.

-          Para efeitos do apuramento do valor com os gastos de funcionamento, foram imputados a totalidade dos gastos anuais da Requerente, relativos ao exercício de 2010;

-          Relativamente ao critério da selecção de despesas que foram indirectamente imputadas a projectos de I&D, foram consideradas contas de grau quatro, contas genéricas do Sistema de Normalização Contabilística.

Na prática, o que a Requerente fez, não dispondo de dados específicos sobre os concretos consumos e gastos directamente implicados pelas actividades de I&D, foi somar todos os seus gastos anuais, computar o número de horas que funcionou e, dentro deste, o que afectou àquelas actividades, imputando, proporcionalmente, os seus custos gerais a tais actividades.

Ora, sempre ressalvado o respeito por outras opiniões, entende-se aqui que não logrou, para lá da incontornável dúvida razoável, a demonstração de que, de facto, o valor que imputa como custos, nesta matéria, foi, de facto, o verificado.

Com efeito, e salvo melhor opinião, afigura-se que o método eleito para a afectação das despesas comuns (de funcionamento), não será aceitável porque parte de uma premissa indemonstrada que é a de que a actividade de I&D consumiu tais recursos na mesma proporção que as restantes.

Ora, não estando, como não está, feita essa demonstração, não poderá ser aceite o valor apresentado. E, não obstante ser evidente que tais despesas existiram, como face aos elementos de que o Tribunal dispõe não pode este, em obediência aos comandos legais, fixar qualquer outro, não podendo quedar-se num situação de non liquet, face ao artigo 8.º/1 do Código Civil, terá, por força das regras do ónus da prova, de desconsiderar-se a totalidade dos montantes relevados, nesta parte.

 

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Cumula a Requerente com o pedido anulatório do acto tributário objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade do acto de tributário impugnado, é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.

Não obstante, não se pode deixar de ter presente que a autoliquidação foi, em primeira linha, erroneamente efectuada pela própria Requerente.

Assim, como se escreveu no Ac. do STA de 30-09-2009, proferido no processo 0520/09, e disponível em www.dgsi.pt, “Há direito a juros indemnizatórios nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 43.º da LGT, quando a reclamação graciosa de um acto de autoliquidação é decidida favoravelmente ao contribuinte e a decisão é proferida mais de um ano a contar da data da apresentação da reclamação e o atraso não for imputável à Administração Tributária.”

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, sobre a quantia que indevidamente pagou, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 3/c), da LGT e 61.º do CPPT.

Os juros indemnizatórios são devidos desde 01 de Abril de 2014, e calculados com base no valor indevidamente pago, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

 

 

4.         Decisão

 

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide:

 

(a)    Julgar parcialmente procedente a presente acção, no que diz respeito à elegibilidade, para o benefício fiscal SIFIDE, das despesas com pessoal suportadas pela Requerente em projectos de I&D, no valor de € 64.279,74, sendo € 35.109,92 afectos ao projecto 3H2 e € 29.169,82 ao projecto 5EAA;

(b)   Em consequência, condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao valor indevidamente pago pela Requerente, decorrente da desconsideração, no benefício referido, daquele valor, contados desde 01 de Abril de 2014;

(c)    Julgar improcedente a presente acção, na parte restante;

(d)   Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, que se fixando-se em 65,6% a parte a cargo da AT e em 34,4% a parte a cargo da Requerente, perfazendo-se, assim o montante de €1.605,88 a cargo da AT e €842,12 a cargo da Requerente.

 

 

5.         Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 60.346,35.

 

6.         Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida e pelo Requerente, na proporção dos respectivos decaimentos (34,4% para a Requerente e 65,6% para a Requerida), uma vez que o pedido foi apenas parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 19 de Março de 2015

 

Os Árbitros,

 

 

José Pedro Carvalho

 

 

Jorge Júlio Landeiro de Vaz

 

 

André Gonçalves