Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 489/2017-T
Data da decisão: 2018-02-01  IVA  
Valor do pedido: € 39.943,71
Tema: IVA – direito à dedução - métodos de dedução - erro de direito - prazo.
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DECISÃO ARBITRAL

 

            I. RELATÓRIO

1. No dia 1 de setembro de 2017, o Município A…, NIF…, com sede na …, … (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando:

- A declaração de ilegalidade e a anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016…, que correu termos pela Direção de Finanças de …, que teve por objeto o ato de liquidação adicional de IVA n.º 2016…;

- A declaração de ilegalidade e a anulação do ato de liquidação adicional de IVA n.º 2016… . 

O Requerente juntou três (3) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

1.1. No essencial e em breve síntese, o Requerente alegou o seguinte (transcrição):

  • “No decurso do ano 2013, o Município apenas deduziu o imposto incorrido na aquisição de determinados recursos diretamente relacionados com a distribuição de água aos munícipes (atividade integralmente tributada do Município) com base na aplicação do método da afetação real.”
  • “No âmbito de uma revisão de procedimentos interna ao ano de 2013, e tendo em consideração o previsto nos artigos 19.º, 20.º e 23.º do Código do IVA, a Requerente verificou que limitou indevidamente o exercício do direito à dedução do IVA incorrido, tendo, assim, suportado imposto que, de acordo com as regras do Código do IVA, seria recuperável.”
  • “Em concreto, a ora Requerente verificou que, durante o ano 2013, havia limitado indevidamente o seu direito à dedução do IVA incorrido na aquisição dos recursos “comuns” (i.e., recursos utilizados, simultaneamente, em atividades tributadas e não tributadas – cujo IVA é recuperável pelo método do pro rata ou com base em critérios objetivos).”
  • “No mesmo sentido, a ora Requerente verificou ainda que, durante o ano 2013, havia limitado indevidamente o seu direito à dedução de IVA incorrido em determinados recursos afetos integralmente à realização de operações tributadas (cujo IVA é, portanto, recuperável na totalidade).”
  • “Neste âmbito, e tendo em consideração o disposto nos artigos 22.º e 98.º do Código do IVA, a ora Requerente efetuou, no ano de 2016, a dedução do IVA incorrido na aquisição de bens e serviços relacionados com os mencionados recursos “comuns”, bem como na aquisição de bens e serviços diretamente afetos a operações tributadas.”
  • “Para este efeito, o Município submeteu, no dia 12 de fevereiro de 2016, uma declaração periódica de substituição relativa ao 4.º trimestre de 2013, apurando um crédito de IVA no valor de € 39.943,71 (…).”
  • “A declaração periódica de substituição (…) foi, portanto, submetida dentro do prazo legal previsto para o efeito, uma vez que a declaração inicialmente entregue para o período em causa havia sido submetida no dia 17 de fevereiro de 2014 (…).”  
  • “…o não reconhecimento do crédito de IVA, por parte da Autoridade Tributária, está relacionado apenas com o prazo e o momento em que o Município exerceu o seu direito à dedução (…).”
  • “…os artigos 23.º e 24.º do Código do IVA preveem o momento para se efetuar a regularização do IVA (e.g. regularização de IVA decorrente do facto de o cálculo da percentagem de dedução definitiva ocorrer apenas no final de cada ano) e não para a dedução do imposto.”
  • “Ora, no caso em análise não estamos perante uma situação de regularização de imposto decorrente do cálculo da percentagem de dedução definitiva, mas antes de uma dedução de IVA não efetuada no momento do registo da fatura que suporta esse mesmo direito.”
  • “…os sujeitos passivos podem exercer o direito a dedução em qualquer período posterior ao da receção (e respetiva contabilização) das faturas, tendo, naturalmente, que o fazer no prazo previsto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA (i.e. 4 anos) (…).”
  • “…entender-se o contrário seria não apenas contrariar expressamente a letra da lei (ou seja, o n.º 2 do artigo 22.º do Código do IVA), mas igualmente esvaziar de conteúdo o n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, que permite a dedução do imposto até ao decurso de 4 anos após o nascimento do direito à dedução (ou seja, na prática, após a data das faturas sendo estas emitidas dentro dos prazos legais).”
  • “Neste contexto, o momento para exercer o direito à dedução tem sempre que atender ao prazo de caducidade que resulta do n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, o qual determina que o prazo limite para o exercício desse direito é de 4 anos.”
  • “…não podem restar dúvidas quanto à possibilidade de o direito à dedução ser exercido em momento posterior ao da data de receção das faturas, ao abrigo do artigo 22.º do Código do IVA, tendo sempre como limite o prazo de 4 anos previsto no artigo 98.º do mesmo Código.”
  • “Desta forma, a ora Requerente procedeu à dedução do IVA suportado em excesso, tendo por base os artigos 22.º e 98.º do Código do IVA.”
  • “…o Município A… incorreu num erro de direito, nomeadamente na qualificação e enquadramento do seu direito à dedução.”
  • “Acresce que são devidos juros indemnizatórios por parte da Autoridade Tributária.”

O Requerente remata o seu articulado inicial peticionando o seguinte (transcrição):

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá este Ilustre Tribunal Arbitral anular a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º …2016…, cujo objeto está relacionado com a liquidação adicional de IVA n.º 2016… e, consequentemente, condenar a Autoridade Tributária a reconhecer o crédito de IVA de € 39.943,71 a favor do Município, bem como a pagar juros indemnizatórios devidos ao Município A… .

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 19 de setembro de 2017.

            3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 3 de novembro de 2017, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 23 de novembro de 2017.

6. No dia 9 de janeiro de 2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pelo Requerente e concluiu pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida não juntou documentos, nem requereu a produção de quaisquer outras provas.

6.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta (transcrição):

  • “…decorre da leitura conjugada das normas constantes dos artigos 22º e 78º do CIVA que existe uma limitação temporal para o exercício do direito à dedução, devendo este ser exercido na declaração do período posterior àquele em que se verificou a receção das faturas, sendo excecionalmente admitida a dedução em momento posterior, nomeadamente em caso de retificação de faturas ou para correção de erros materiais ou de cálculo, mas sempre dentro do limite de dois anos.”
  • “No entanto, o que resulta do caso em apreço é outra realidade: a pretensão que resulta no pedido de pronúncia arbitral do Requerente não tem apoio nem no artigo 22.º e 23.º CIVA, nem no artigo n.º 78.º, n.º 6 do CIVA – pois não se está perante a correção de erros materiais ou de cálculo de registo… .”
  • “O mesmo será dizer que o pretendido pelo Requerente, que consubstancia, sumariamente, uma alteração retroativa do método de dedução, não tem qualquer tipo de cabimento legal.”
  • “…o exercício do direito à dedução deve ser exercido no período de receção das faturas, como decorre do artigo transcrito, e a opção (ou, por maioria de razão, a alteração da opção) por um método de cálculo deve ser efetuada nos termos previstos no artigo 23.º do CIVA.”
  • Após este momento, a lei apenas permite que sejam efetuadas alterações nas situações previstas no artigo 78.º do CIVA e, como já foi referido, quer Requerente quer Requerida concordam com o facto de esta situação não ter enquadramento neste preceito legal.
  • “…o sistema legalmente instituído de funcionamento do IVA pressupõe o exercício pelo contribuinte de um direito de opção pelo método de cálculo do imposto dedutível;”
  • “Sendo certo que, conforme determinado pelo artigo 23.º do CIVA, este direito de opção não é ilimitado, existindo condicionantes legais imperativas e, inclusivamente, a atribuição à Administração de poderes deveres discricionários.”
  • “Assim, o exercício da opção entre métodos de dedução obedece também a condicionalismo temporal, devendo ser efetuada, o mais tardar, nos termos previstos no artigo 23.º, n.º 6 do CIVA, isto é, na declaração referente ao último período do ano em causa, e não, como pretende fazer crer o Requerente, no momento que melhor aprouver, dentro do alegado limite de quatro anos, como refere no pedido de pronúncia arbitral.”
  • “…existem normas especiais, sendo que o exercício do direito à dedução devia ser exercido no período de receção das faturas, como decorre do artigo 22.º do CIVA e a opção (ou, por maioria de razão, a alteração da opção) por um método de cálculo deve ser efetuada nos termos previstos no artigo 23.º do CIVA.”
  • “Exige-se, (…), para que a AT incorra no dever de pagamento de juros indemnizatórios, que se verifique uma qualquer ilegalidade que denote o carácter indevido da prestação tributária à luz das normas substantivas, ilegalidade essa que terá de ser necessariamente imputável a erro dos serviços.”
  • Ora, a liquidação em causa não provêm de qualquer erro dos Serviços mas decorre diretamente da aplicação da lei.”
  • A AT limitou-se, portanto, a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes à correção efetuada, pelo que deverá ser, também, julgada improcedente a impugnação quanto aos juros peticionados.”

A Requerida remata assim o seu articulado (transcrição):

“Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.”

6.2. Na mesma data, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).

7. No dia 10 de janeiro de 2018, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, tendo ainda sido fixado o dia 23 de maio de 2018, como data limite para a prolação da decisão arbitral.

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            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

            Não há exceções ou quaisquer questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO                      

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

Consideram-se provados os seguintes factos:

a) O Requerente é uma pessoa coletiva de direito público, cuja atividade consiste na prossecução das suas atribuições municipais nas mais diversas áreas de atividade.

b) O Requerente encontra-se enquadrado, para efeitos de IVA, no regime normal com periodicidade trimestral, desde 01.01.1986, com a atividade principal de “Administração local” – CAE 08413. [cf. PA junto aos autos]

c) Na prossecução das suas atribuições, o Requerente realiza operações fora do âmbito de incidência do IVA, operações sujeitas a IVA, mas isentas deste imposto, as quais não concedem o direito à dedução do imposto e ainda operações sujeitas e não isentas de IVA.

d) No decurso do ano de 2013, o Requerente apenas deduziu o IVA incorrido na aquisição de determinados recursos diretamente relacionados com a distribuição de água aos munícipes – atividade integralmente tributada do Município –, com base na aplicação do método da afetação real.

e) No âmbito de uma revisão interna ao ano de 2013, o Requerente verificou que, durante esse mesmo ano, havia limitado o seu direito à dedução do IVA incorrido na aquisição dos recursos comuns, isto é, recursos utilizados, simultaneamente, em atividades tributadas e não tributadas, tendo, nesse âmbito, apurado IVA a deduzir adicionalmente pelo método do pro rata no montante de € 20.328,57.

f) O Requerente verificou, ainda, que, durante o ano 2013, havia limitado o seu direito a dedução do IVA incorrido em determinados recursos afetos integralmente à realização de operações tributadas, tendo, nesse âmbito, apurado IVA a deduzir adicionalmente pelo método da afetação real no montante de € 20.074,22. 

g) Nessa sequência, no dia 12 de fevereiro de 2016, o Requerente submeteu uma declaração periódica de substituição relativa ao 4.º trimestre de 2013, apurando um crédito de IVA no valor de € 39.943,71, resultante do somatório das seguintes parcelas [cf. documento n.º 1 anexo à P. I. e PA junto aos autos]:

            - Campo 20 da DP, relativo a IVA suportado em aquisições de Imobilizado (Ativos Fixos Tangíveis), onde acresceu a quantia de € 17.271,48;

            - Campo 24 da DP, relativo a IVA suportado com aquisição de Outros Bens e Serviços, no qual acrescentou o montante total de € 2.802,74;

            - Campo 40 da DP, referente a regularizações de IVA a favor do Sujeito Passivo, onde acresceu o valor de € 20.328,57;

            - Campo 41 da DP, referente a regularizações de IVA a favor do Estado, onde decresceu o valor de € 10.634,36; e

            - Campo 61 da DP, referente a excesso a reportar do período anterior, onde retirou a importância de € 3.555,74.

            h) A coberto das Ordens de Serviço n.ºs OI2015…, OI2015…, OI2014…, OI2015… e OI2015…, o Requerente foi sujeito a procedimentos de inspeção tributária, incidentes sobre o IVA referente, respetivamente, aos exercícios de 2011, 2012, 2013, 2014 e primeiro trimestre de 2015. [cf. PA junto aos autos]

i) Daqueles procedimentos inspetivos resultaram as seguintes correções em sede de IVA, no valor total de € 95.484,08 [cf. PA junto aos autos]:

Anos

Correções de IVA

2011

€ 12.259,07

2012

€ 24.627,16

2013

€ 15.030,01

2014

€ 39.614,44

2015

€ 3.953,40

 

j) As preditas correções de IVA concernem às seguintes rúbricas dos registos contabilísticos do Requerente [cf. PA junto aos autos]:

Rúbricas Corrigidas

Valores de IVA Corrigidos

IVA liquidado e não entregue ao Estado

€ 18.282,06

Deduções indevidas de IVA (arts. 19.º a 21.º CIVA)

€ 3.079,48

Dedução de IVA não suportado

€ 1.360,03

Dedução Indevida - Serviços de Construção Civil

€ 33.311,66

Aquisição de eletricidade

€ 2.345,61

IVA suportado atividades isentas ou decorrentes dos poderes de autoridade

€ 11.503,89

Autoconsumos de água

€ 25.601,35

 

k) Na sequência das aludidas correções, foi emitida em 12.01.2016 a liquidação adicional de IVA n.º 2016…, atinente ao período 201312T, notificada ao Requerente e por este rececionada em 10.02.2016. [cf. PA junto aos autos]

l) No dia 16 de maio de 2016, o Requerente apresentou um requerimento junto do Serviço de Finanças de …– o qual aqui se dá por inteiramente reproduzido [cf. documento n.º 2 anexo à P. I.] –, por forma a obter a confirmação do valor do crédito existente a seu favor em resultado da submissão da sobredita declaração de substituição para o último trimestre de 2013, bem como a solicitar esclarecimentos sobre quando o referido valor de € 39.943,71 poderia ser utilizado como compensação de pagamentos futuros.

            m) O mencionado requerimento foi convolado em reclamação graciosa, a qual foi autuada, sob o processo n.º …2016…, no Serviço de Finanças de …, remetida à Direção de Finanças de … e, uma vez realizada a instrução do processo, foi elaborado o respetivo Projeto de Decisão, o qual foi notificado ao Requerente, através de ofício datado de 26 de abril de 2017, da Direção de Finanças de …, com a finalidade de exercer, querendo, o direito de participação na modalidade de audição prévia. [cf. PA junto aos autos]   

n) O Requerente não exerceu o direito de audição. [cf. PA junto aos autos]

o) Por despacho de 26 de maio de 2017, do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de …, por delegação, a sobredita reclamação graciosa foi indeferida, nos termos e com os fundamentos propostos na Informação datada de 24.04.2017, a qual consta do documento n.º 3 anexo à P. I. e do PA junto aos autos e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, importando destacar os seguintes segmentos que se transcrevem [cf. documento n.º 3 anexo à P. I. e PA junto aos autos]:

“5. Do direito aplicável ao procedimento

5.1. Pelo conteúdo da petição que deu génese ao presente procedimento, bem como do teor da declaração de substituição para o quarto trimestre de 2013, que a reclamante apresentou em 2016-02-12, e, ainda, da questão que a mesma submeteu no Portal das Finanças em 2016-03-15, extrai-se que, apesar de não ter contestado as correções apuradas, em sede de IVA, pela Inspeção Tributária, que considerou certas (com exceção às atinentes aos “autoconsumos de água”), pretende, quanto ao quarto trimestre de 2013 de IVA, ver atendido o direito à dedução do valor total de € 39.943,71, respaldando o pedido em “revisão de procedimentos interna”, quanto aos critérios de dedução de IVA, para aquele ano, por ser sujeito passivo parcial ou misto (realizando, em simultâneo, operações inseridas no âmbito dos seus poderes de autoridade – excluídas da sujeição a IVA – bem como operações fora daqueles poderes – sujeitas a IVA, sendo, algumas das quais, isentas de imposto);

5.2. Conforme anteriormente visto, no que respeita ao método de dedução de IVA, a reclamante informou o Inspetor Tributário que utiliza(va) o sistema de afetação real, em alternativa ao método da percentagem de dedução (ou do pro rata), ambos previstos no art.º 23.º do CIVA;

5.3. Vem agora alegar, na petição de reclamação graciosa, que efetuou uma revisão interna de procedimentos ao ano de 2013, quanto ao método de dedução de IVA, o que originou a reivindicação do crédito de IVA de € 39.943,71;

5.4. Porém, decorre taxativamente do CIVA que as regularizações relativas a correções ou a alterações no cálculo do pro rata devem ser efetuadas de acordo com o disposto no art.º 23.º, n.º 6 do CIVA, não sendo tais correções/alterações suscetíveis de enquadramento no art.º 78.º, n.º 6 do mesmo CIVA;

5.5. Com efeito, estipula o n.º 6 do art.º 23.º do CIVA (“Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista”): “A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efetuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objetivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afetação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efetuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.”;

5.6. De igual modo, e no que respeita às regularizações a realizar por sujeitos passivos parciais ou mistos, quanto ao imposto dedutível pela aquisição de bens do ativo imobilizado (ativos fixos tangíveis, nos termos no Sistema de Normalização Contabilística [SNC]), prevê o art.º 24.º do CIVA, no seu n.º 8: “As regularizações previstas nos números anteriores deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.”;

5.7. Perante a existência de norma que prescreve, especificamente, qual a forma e em que momento devem ser efetuadas as regularizações atinentes aos métodos de dedução de IVA por sujeitos passivos que realizam operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, é afastada a aplicação de qualquer outra norma, nomeadamente o n.º 6 do art. 78.º do CIVA (implicitamente invocado pela reclamante, ao mencionar, no ponto 8.º da sua petição, a substituição da declaração periódica dentro do prazo de 2 anos), a qual, diversamente dos fundamentos invocados pelo Município A…, diz respeito à correção de erros materiais ou de cálculo e não a correções ou a alterações no cálculo do pro rata;

5.8. A este respeito, será útil atentar na epigrafe dos quadros do anexo à DP de substituição preenchidos pela reclamante em 2016-02-12, referentes às regularizações dos campos 40 e 41 (regularizações abrangidas pelos arts. 23.º a 26.º do CIVA), que aqui se transcreve: “outras regularizações não abrangidas pelo art. 78.º e pelo novo regime do art. 78.º-A a 78.º-D”;

5.9. Concomitantemente, asserta da seguinte forma, no que ao assunto concerne, o parecer do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros (CEFA) n.º 41/2013, de 2013-10-08, da autoria da Dr.ª Cidália Lança: “18. Decorre do que antecede não existir suporte legal que permita ser autorizada uma alteração retroativa do método de cálculo do direito à dedução inicial referente aos bens e serviços de utilização mista, com fundamento no artigo 71.º [atual art.º 78.º do CIVA], n.ºs 6 e 7 do Código do IVA, na redação em vigor em 2004, já que esta escolha, como demonstrado anteriormente, só pode ser feita para cada aquisição de bens ou serviços no momento em que se constitui o direito à dedução nas condições previstas no n.º 1 do artigo 20.º, n.º 1 do artigo 22.º e no artigo 23.º do Código do IVA.”;

5.10. De seguida, no mesmo parecer: “19. Da mesma forma, os n.ºs 6 e 7 do artigo 71.º [atual art.º 78.º do CIVA] não constituem base legal para qualquer correção retroativa do cálculo da percentagem de dedução.”;

5.11. Continua, mais adiante, o mesmo parecer: “… as correções ao cálculo da percentagem de dedução devem ser feitas no final do ano em causa e também que devem ser refletidas na declaração referente ao último período do ano em causa.”;

5.12. E, ainda, no ponto 20. do mesmo parecer: “Deve também assinalar-se que no quadro legal em vigor resulta também inequívoco não ser possível proceder a alterações retroativas do método de cálculo do direito à dedução inicial dos bens e serviços de utilização comum em atividades isentas e tributadas, nem proceder a correções ao cálculo da percentagem de dedução definitiva apurada em determinado ano com fundamento no artigo 78.º do Código do IVA, porquanto tais correções não se subsumem nas disposições dele constantes. Refira-se que esta matéria se encontra adequadamente esclarecida no ofício-circulado n.º 30082, de 17 de Novembro de 2005, do Gabinete do Subdiretor-Geral do IVA.”;

5.13. De facto, versa da seguinte forma o ofício-circulado n.º 30082, de 17 de Novembro de 2005, do Gabinete do Subdiretor-Geral do IVA, na parte que releva para a matéria em pauta na presente reclamação: “IV – Âmbito de aplicação do art.º 71º [atual art.º 78.º do CIVA]: 8. As regularizações previstas no artº 71º do CIVA destinam-se a corrigir, a favor do sujeito passivo ou a favor do Estado, o imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de imposto, por força de diversas circunstâncias ocorridas após o envio da declaração periódica e que não estejam contempladas noutros normativos legais. Nesse sentido, os mecanismos previstos no art.º 71º não poderão ser utilizados noutras situações, nomeadamente: - alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos; - apuramento de prorata; - regularizações de IVA sobre imóveis e outros bens do ativo imobilizado ou relativas à afetação de imóveis a fins distintos daqueles a que se destinam. Estas situações deverão ser regularizadas ao abrigo dos artºs 23º, 24º, 24º-A e 25º do CIVA, consoante o caso.”;

5.14. Mais adiante, discorre assim o mesmo ofício-circulado: “9.3 Regularizações previstas no nº 6 do art. 71.º (renumerado para art. 78.º, na redação atual): Trata-se da correão de erros materiais ou de cálculo efetuados nos registos ou nas declarações periódicas. Consideram-se erros materiais ou de cálculo aqueles que resultam de erros internos da empresa e não têm qualquer interferência na esfera de terceiros. Normalmente consistem em erros na transcrição das faturas para os registos ou dos registos para a declaração periódica, não compreendendo os que estão assinalados no ponto 8 do presente ofício-circulado.”;

5.15. Igualmente, esclarece o Ofício-Circulado n.º 30103, de 2008-04-23, do Gabinete do Subdiretor-Geral do IVA, no seu ponto V. (critérios a utilizar para efeitos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA), n.º 5: “Os critérios adotados pelo sujeito passivo no início de cada ano civil devem ser utilizado consistentemente nesse período, podendo ser efeutados os devidos ajustamentos no final de cada ano.”, afirmando, o mesmo esclarecimento, no ponto VIII. (regularizações anuais), n.º 1: “Regularizações do n.º 6 do artigo 23.º do CIVA: À semelhança do que acontece com a utilização do pro rata, também a dedução com recuros à afetação real segundo critérios objetivos é calculada provisoriamente, devendo ser corrigida de acordo com os valores tornados definitivos no final de cada ano, na última declaração periódica do ano a que respeita.”;  

5.16. Podemos, pois, concluir com segurança, pelo teor das normas legais aplicáveis e, designadamente, pelos excertos atrás transcritos, que, existindo normas especiais que regulam as correções invocadas pela reclamante – nomeadamente os art.ºs 23.º e 24.º do CIVA – não encontram, as mesmas, respaldo legal na norma por aquela invocada no pedido – art.º 78.º, n.º 6 do CIVA – não obtendo, também, tais correções, tutela no art.º 98.º do CIVA (o qual remete, por sua vez, para o art.º 78.º, n.º 1 da LGT), por inexistirem “motivos imputáveis aos serviços”, ou, sequer, no art.º 131.º do CPPT, por não estarmos perante “erro na autoliquidação”, mas sim, perante alteração dos critérios de dedução de IVA;

5.17. Como antes elucidado, a omissão de dedução de imposto suportado com custos comuns, não configura um erro, mas sim uma opção ou prática legítima e comum entre sujeitos passivos mistos, aos quais assiste o direito, ao abrigo da autonomia de atuação dos operadores económicos (ainda que se tratem de entidades de direito público), de optarem por não deduzir o imposto suportado com custos comuns, direito esse que a AT não pode por em crise, substituindo-se ao sujeito passivo, não podendo, contudo, a mesma AT, condescender com uma repercussão negativa nos tributos, com base em alterações às opções gestionárias invocadas pelos sujeitos passivos, quando o impacto fiscal dessas opções colidam e/ou antagonizem normas legais ordenadoras do direito tributário, até porque a atuação da administração tributária visa a prossecução do interesse público, estando, a mesma, sempre subordinada ao estrito cumprimento do princípio da legalidade tributária;

5.18. Desta forma, mostra-se à margem da lei o pedido da reclamante, de ver reconhecido o crédito de IVA de € 39.943,71, pela sua atividade do quarto trimestre de 2013.”

p) O Requerente foi notificado, através de ofício datado de 2 de junho de 2017, da Direção de Finanças de …, da decisão de indeferimento da mencionada reclamação graciosa. [cf. documento n.º 3 anexo à P. I. e PA junto aos autos]

q) Em 1 de setembro de 2017, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]

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§2. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

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§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos e no respetivo processo administrativo juntos aos autos.

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III.2. DE DIREITO

            §1. DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 98.º, N.º 2, DO CÓDIGO DO IVA: A ADMISSIBILIDADE DA CONTROVERTIDA DEDUÇÃO DE IMPOSTO

O artigo 98.º do Código do IVA prevê o regime regra de revisão oficiosa e exercício do direito à dedução do IVA, estabelecendo o seguinte:

            1 - Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária.

            2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente. 

            3 - Não se procede à anulação de qualquer liquidação quando o seu valor seja inferior ao limite previsto no n.º 4 do artigo 94.º.

            Este preceito legal comporta, pois, duas estatuições, a saber: no seu n.º 1 impõe à AT a obrigação de proceder à revisão oficiosa, nos casos ali previstos; e no seu n.º 2 estabelece um prazo geral e supletivo para que os sujeitos passivos de IVA promovam, a seu favor, a retificação do imposto liquidado e deduzido.

            Relativamente ao prazo de quatro anos previsto naquele n.º 2, o mesmo apenas será aplicável na falta de disposições especiais, as quais podemos encontrar no artigo 78.º do Código do IVA.

            Assim, importa atentar nos n.ºs 2, 3 e 6 daquele artigo 78.º, os quais rezam o seguinte:

            2 - Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador de serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.

            3 - Nos casos de facturas inexactas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos.

            6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.

            Em face destas normas legais, podemos agrupar as situações em que existe a faculdade (e, eventualmente, a obrigatoriedade) de regularização do IVA liquidado e deduzido, da seguinte forma (tal como sistematizadas por Alexandra Martins e Pedro Moreira, “Regularizações de IVA - A Alteração Superveniente dos Elementos da Operação, o Erro Material ou de Cálculo e o Erro de Enquadramento ou de Direito”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 61-62):

            “i) A alteração superveniente das condições objectivas e subjectivas que presidiram à realização das operações, traduzida na anulação da operação ou na redução do seu valor tributável;

            ii) A inexactidão da factura ou o erro material ou de cálculo na transcrição dos seus elementos para a contabilidade ou declarações periódicas de IVA dos sujeitos passivos;

            iii) O erro de enquadramento da operação, espelhado na factura ou na contabilidade dos sujeitos passivos.”

Na situação sub judice, importa descortinar se o erro em que o Requerente incorreu nas autoliquidações de IVA referentes ao ano de 2013 se enquadram no segundo (erro material ou de cálculo) ou no terceiro dos elencados grupos de situações, pois desse enquadramento vai depender a solução do caso concreto e, portanto, a decisão deste processo, na justa medida em que à correção de erro material ou de cálculo corresponderá o prazo de dois anos previsto no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA e à correção do erro de direito corresponderá o prazo de quatro anos previsto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, por inexistência de norma especial que o abranja.

Relativamente aos erros materiais ou de cálculo, importa começar por referir que a AT, através do Ofício-Circulado n.º 30082, de 17 de novembro de 2005, da Direção de Serviços do IVA, procedeu à definição conjunta do que entende por erros materiais ou de cálculo, considerando que são «aqueles que resultam de erros internos da empresa e não têm qualquer interferência na esfera de terceiros. Normalmente consistem em erros na transcrição das facturas para os registos ou dos registos para a declaração periódica, não compreendendo» as seguintes situações: «alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos; apuramento de pro rata e regularizações de IVA sobre imóveis e outros bens do activo imobilizado ou relativas à afectação de imóveis a fins distintos daqueles a que se destinam.»

Esta não é uma questão pacífica, mormente na jurisprudência, o que resulta bem ilustrado pelas decisões proferidas por tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, preconizando soluções opostas, a que seguidamente aludiremos.

Na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 91/2013-T, foi entendido, numa situação em que um sujeito passivo de IVA tinha procedido a uma revisão interna dos seus procedimentos e concluído que poderia exercer o seu direito à dedução do IVA pelo método da afetação real, que essa entidade tinha incorrido num erro material, o qual só poderia ser corrigido através do n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA e no prazo de dois anos aí consagrado, o qual, no caso concreto, já havia transcorrido.  

No âmbito do processo n.º 117/2013-T, foi proferida uma decisão arbitral em que se entendeu o seguinte:

“Como resulta do teor literal daquele n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, ele é aplicável apenas à «correcção de erros materiais ou de cálculo», inclusivamente nas declarações periódicas. (…)

A associação do erro de cálculo ao erro material que se faz neste n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, à semelhança do que sucede noutras normas (como o artigo 249.º do Código Civil, o artigo 667.º do CPC de 1961 e o artigo 614.º do CPC de 2013) revela que os erros de cálculo a que se pretende aludir serão deste tipo, designadamente erros aritméticos nas operações de cálculo do montante a deduzir.

Assim, estar-se-á perante um erro material no preenchimento do montante de IVA dedutível numa declaração quando se pretendia escrever um determinado montante e, por descuido ou lapso, acabou por se escrever montante diferente ou quando o erro do preenchimento da declaração resulta de um erro anterior do mesmo tipo que exista na contabilidade ou em algum documento que sirva de base ao exercício do direito à dedução. Estar-se-á perante um erro de cálculo, quando as operações aritméticas para determinar o montante do IVA dedutível foram mal efectuadas, na própria declaração ou em algum dos documentos em que ela se baseou.”

Atenta a redação conferida ao n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, consideramos ser esta última a posição que se afigura correta, pois também nós entendemos que o legislador teve aqui em vista, apenas e tão-só, os lapsus calami na transposição dos elementos das faturas para a contabilidade e desta para as declarações periódicas. 

No mesmo sentido, Afonso Arnaldo e Tiago Albuquerque Dias (“Afinal qual o prazo para deduzir IVA? Regras de Caducidade e (In)segurança Jurídica”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, p. 44) afirmam que “os erros a que se refere o número 6 do artigo 78.º do Código do IVA se reconduzem às situações em que o sujeito passivo se equivoca na materialização do acto de dedução ou liquidação, nomeadamente, por lapso na transcrição de valores ou por razões aritméticas, i.e., em ambas as situações erros menores e evidentes.

Assim, estarão abrangidos por estes conceitos de erro (tipicamente) as situações em que o sujeito passivo se engana a efectuar uma operação aritmética, nomeadamente, quando pretende apurar o imposto dedutível contido numa factura (com IVA incluído) de serviços de um fornecedor (erro de cálculo), ou, ainda que efectuando correctamente o cálculo, comete lapso na inscrição do montante do imposto a deduzir na declaração periódica (erro material).”  

Sempre que da ocorrência de erros materiais ou de cálculo resultar uma regularização de imposto a favor dos sujeitos passivos, estes podem promove-la no prazo de dois anos contados do momento em que o imposto se tornou exigível, como preceitua o n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA. 

Isto posto, entremos agora na análise do sobredito terceiro grupo de situações, aludindo aos erros de enquadramento ou erros de direito.

Neste conspecto, será útil começarmos por definir o que deve ser entendido por erro de facto para, em face deste, delimitarmos o conceito de erro de direito.

Assim, consideramos que estão abrangidas pelo erro de facto “as situações em que o sujeito passivo efectua uma incorrecta representação da realidade factual (a qual determina a sua subsunção a uma norma incorrecta)” (Afonso Arnaldo e Tiago Albuquerque Dias, loc. cit., pp. 45-46), sendo que “o erro de facto que não origine um consequente erro de direito, não terá qualquer relevância para estes efeitos, porquanto o mesmo não terá qualquer influência no quantum do imposto a deduzir ou a liquidar” (idem, ibidem).

            Por contraposição, o erro de direito verifica-se nas “situações em que, não obstante a correcta representação da realidade factual, o sujeito passivo se equivoca na determinação da norma aplicável” (idem, ibidem), ou seja, em que se verifica um erro de enquadramento, por o sujeito passivo ter feito uma incorreta interpretação da situação fática ou uma errada aplicação do direito e, consequentemente, liquida ou deduz imposto a mais ou a menos.

            Como enquadráveis nos erros de direito, temos, a título exemplificativo, “as situações em que há um incorrecto apuramento do pro rata, motivado por uma inexacta subsunção no normativo aplicável das operações que influenciam o cálculo, nomeadamente, no que concerne ao enquadramento de uma operação como tributada quando a mesma é isenta” (idem, ibidem), bem como aquelas situações “em que o sujeito passivo, desenvolvendo várias actividades, efectua a dedução por recurso ao pro rata num primeiro momento e passa a utilizar o método da afectação real para efectuar a dedução do imposto exclusivamente afecto a determinada actividade, pretendendo corrigir a dedução que efectuou no passado com base no método pro rata.” (idem, ibidem).

Quando da verificação de um erro de enquadramento ou erro de direito resultar uma regularização de imposto a favor dos sujeitos passivos, estes podem promove-la nos termos do disposto no artigo 98.º do Código do IVA, isto é, no prazo geral e supletivo de quatro anos ali previsto.  

            Aqui chegados, volvendo ao caso concreto, é mister concluir que os referenciados lapsos cometidos pelo Requerente nas autoliquidações de IVA atinentes ao ano de 2013, dos quais resultaram uma dedução de imposto inferior àquela a que teria direito, consubstanciam erros de enquadramento ou erros de direito. Efetivamente, por uma incorreta ou incompleta interpretação da lei, o Requerente aplicou erroneamente os métodos de dedução previstos no artigo 23.º do Código do IVA. 

            Assim, entendemos que estes erros na dedução do IVA não constituem erros materiais ou de cálculo, mas sim erros de enquadramento ou erros de direito e, nessa medida, não lhes é aplicável o regime vertido no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA.

            Consequentemente, atenta a inaplicabilidade daquela norma ou de qualquer outra disposição especial, no caso de erro de direito na dedução do IVA deverá ser aplicado o prazo geral e supletivo de quatro anos contados do nascimento do direito à dedução, constante do artigo 98.º do Código do IVA.

            Esta foi, aliás, a posição assumida na decisão proferida no citado processo n.º 117/2013-T, na qual se concluiu que “não sendo aplicável o regime do referido artigo 78.º, n.º 6, nem existindo qualquer regime limite temporal especial para exercício do direito à dedução com fundamento em erro de direito, será aplicável o regime geral sobre esta matéria que consta do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA que, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-5-2011, proferido no processo n.º 966/10, fixa um limite máximo de quatro anos que não pode ser excedido em nenhum caso.”; no mesmo sentido, entre outras, vão também as decisões arbitrais proferidas nos processos citados pelo Requerente e no processo n.º 251/2014-T.

            Assim sendo, como efetivamente é, o ato de indeferimento da aludida reclamação graciosa padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação do artigo 98.º, n.º 2, conjugado com os artigos 22.º, n.º 2, 23.º, n.º 6, e 78.º, n.º 6, todos do Código do IVA, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação na parte em que recusou o reconhecimento do crédito de imposto no valor de € 39.943,71, apurado pelo Reclamante na declaração periódica de substituição relativa ao 4.º trimestre de 2013.

O ato de liquidação adicional de IVA controvertido enferma de igual vício invalidante, o que implica igualmente a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação na parte em que não considerou o predito crédito de imposto no valor de € 39.943,71, a favor do Reclamante.  

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§2. DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

O Requerente peticiona, ainda, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

            Cumpre apreciar e decidir.

            O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que se deve entender, em conformidade com o disposto no artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, como abrangendo o pagamento de juros indemnizatórios, em consonância, aliás, com o disposto no n.º 5 do mesmo artigo 24.º do RJAT.    

            O artigo 43.º, n.º 1, da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.

            No caso concreto, verifica-se que a ilegalidade da liquidação adicional de imposto controvertida, por erro nos pressupostos de direito, na parte em que não considerou o dito crédito de imposto no valor de € 39.943,71, a favor do Reclamante, é imputável à AT por, naquela liquidação, ter procedido à incorreta interpretação do artigo 98.º, n.º 2, conjugado com os artigos 22.º, n.º 2, 23.º, n.º 6, e 78.º, n.º 6, todos do Código do IVA, pelo que o Requerente tem direito, em conformidade com o disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, aos juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.      

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar procedente, por erro sobre os pressupostos de direito, o pedido de declaração de ilegalidade:

- do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016…, com a sua consequente anulação, na parte em que recusou o reconhecimento do crédito de imposto no valor de € 39.943,71, apurado pelo Reclamante na declaração periódica de substituição relativa ao 4.º trimestre de 2013;

- do ato de liquidação adicional de IVA n.º 2016 …, com a sua consequente anulação, na parte em que não considerou o crédito de imposto no valor de € 39.943,71, apurado pelo Reclamante na declaração periódica de substituição relativa ao 4.º trimestre de 2013;

  1. Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos legais;
  2. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de 39.943,71 (trinta e nove mil novecentos e quarenta e três euros e setenta e um cêntimos).

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CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, o montante das custas é fixado em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

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Lisboa, 1 de fevereiro de 2018.

 

O Árbitro,

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)