Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 488/2015-T
Data da decisão: 2016-03-11  Selo  
Valor do pedido: € 11.062,50
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS
Versão em PDF


 

 

 

Decisão Arbitral

A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 12.10.2015, decide nos termos que se seguem:

I. RELATÓRIO

1. No dia 27.07.2015, os contribuintes A…, B… e C…, com os NIFs…, … e …, respetivamente, apresentaram um pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante apenas designada por “AT”).

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 13.08.2015.

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. As partes foram notificadas dessa designação em 25.09.2015, não se tendo oposto à mesma.

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 12.10.2015, tendo-se seguido os pertinentes trâmites legais.

6. A pretensão dos Requerentes nos presentes autos é no sentido de ser declarada a invalidade das liquidações de imposto do selo emitidas ao abrigo da verba 28.1 da TGIS e que incidiram sobre o prédio urbano em regime de propriedade total sito na Avenida …, nºs …/…, freguesia de … (atualmente…), concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial da respetiva freguesia sob o artigo…, no montante total de € 11.062,50 e referente ao ano de 2014.

7. Através de requerimento apresentado a 25.11.2015, vieram os Requerentes formular um pedido de ampliação do pedido inicial, ao abrigo do disposto no artigo 265.º, n.º 2, do CPC, por forma a nele incluir a segunda e a terceira prestações do imposto do selo liquidado nos termos da verba 28.1 relativamente ao imóvel acima identificado. Nas palavras dos Requerentes:

“3 – Quando deu entrada o requerimento de pronúncia arbitral, pois que para tal tinham prazo os requerentes (artº 10º, nº 1, alínea a) da Lei nº 10/2011), apenas estava vencida a 1ª prestação das liquidações respeitantes aos vários andares, não tendo sido recebidos inclusivamente os docs. de cobrança referentes à 3ª prestação.

4 – O que já se verifica neste momento.

5 - Daí que se incluam agora as três prestações, todas decorrentes das liquidações objeto da impugnação contida no requerimento de pronúncia arbitral

(…)

7 - Assim, passa o valor do pedido a ser de € 11.062,50 (Onze mil e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos).”

8. O pedido inicial dos Requerentes referia-se, corretamente, à impugnação das liquidações de imposto do selo emitidas pela AT com referência ao imóvel identificado supra, não obstante só lhes terem sido notificados os documentos de cobrança da 1.ª prestação. De facto, como se sabe, o objeto da impugnação são os atos de liquidação e não cada uma das prestações cobradas. Verifica-se, portanto, que o pedido inicial foi formulado corretamente e que, face a esse pedido, os Requerentes não eram obrigados a pedir a respetiva ampliação nos termos em que o fizeram através do requerimento apresentado a 25.11.2015.

9. Sucede, porém, que o valor inicial do processo (ou da utilidade económica do pedido) não estava corretamente indicado, pois que, se o objeto são as liquidações, o valor do processo deve corresponder ao total das liquidações impugnadas e não ao total dos valores cobrados através dos documentos de cobrança já emitidos aquando da apresentação do pedido de pronúncia arbitral. Efetivamente, o que os Requerentes pretendem obter é a anulação das liquidações na sua totalidade e não apenas das prestações já vencidas (que nunca poderiam ser anuladas independentemente da anulação das liquidações, visto que não são atos autónomos). Este erro na indicação do valor do processo veio a ser corrigido pelos Requerentes através do requerimento de 25.11.2015, em que solicitaram que o valor passasse a ser de € 11.062,50. A Requerida não se pronunciou sobre este aspeto do pedido de pronúncia arbitral na Resposta que apresentou, nem o fez mais tarde quando foi notificada do requerimento de 25.11.2015, o que tem como efeito a aceitação do valor atribuído à causa pelos Requerentes, nos termos do disposto no artigo 305.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. Assim, admite-se o valor do pedido após a correção, o qual é, portanto, de € 11.062,50.

II. SANEAMENTO

 

1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

3. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

III.1. Factos provados

 

Antes de se entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental junta aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

  1. Os Requerentes são donos e legítimos proprietários do prédio urbano em regime de propriedade total sito na Avenida …, nºs…/…, freguesia de … (atualmente …), concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial da respetiva freguesia sob o artigo… .

 

  1. O prédio em questão é constituído por treze divisões suscetíveis de utilização independente, cujo valor foi determinado separadamente.

 

  1. Os valores patrimoniais tributários de cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente são os seguintes:

 

- Cave direita, com o valor patrimonial de € 27.980,00;

- Rés-do-chão direito, com o valor patrimonial de € 97.560,00;

- Rés-do-chão esquerdo, com o valor patrimonial de € 95.130,00;

- 1º Direito, com o valor patrimonial de € 100.110,00;

- 1º Esquerdo, com o valor patrimonial de € 100.110,00;

- 2º Direito, com o valor patrimonial de € 100.110,00;

- 2º Esquerdo, com o valor patrimonial de € 100.110,00;

- 3º Direito, com o valor patrimonial de € 100.110,00;

- 3º Esquerdo, com o valor patrimonial de € 100.110,00;

- 4º Direito, com o valor patrimonial de € 100.490,00;

- 4º Esquerdo, com o valor patrimonial de € 100.490,00;

- Águas furtadas (AF) direito, com o valor patrimonial de € 41.970,00;

- Águas furtadas (AF) esquerdo, com o valor patrimonial de € 41.970,00.

 

  1. O total dos valores patrimoniais tributários das divisões suscetíveis de utilização independente é de € 1.106.250,00.

 

  1. As 13 divisões suscetíveis de utilização independente que constituem o prédio têm, nos termos das respetivas cadernetas prediais, afetação habitacional.

 

  1. O valor patrimonial tributário global dessas 13 divisões ascende a € 1.262.406,00.

 

  1. No ano de 2015, relativamente ao ano de 2014, a AT emitiu as liquidações de imposto do selo impugnadas, no valor total de € 11.062,50.

 

 

III.2. Factos não provados

 

Não há factos com relevância para a causa que tenham sido considerados não provados.

 

IV. THEMA DECIDENDUM

 

A questão essencial em causa no presente processo passa por determinar, com referência a um prédio urbano não constituído em regime de propriedade horizontal, integrado por diversas áreas com utilização independente, com afetação habitacional, se o VPT relevante para efeitos da tributação em sede de imposto do selo ao abrigo da verba 28.1 da TGIS deve ser o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares independentes ou se, pelo contrário, deve ser tido em conta, para efeitos de incidência do imposto do selo ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, o VPT atribuído a cada andar ou divisão com utilização independente.

 

V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

A verba 28 da TGIS vigente em 2014 previa o seguinte:

 

28. “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

 

No presente processo há que decidir se o VPT relevante como critério de incidência do imposto do selo nos termos da verba 28.1 da TGIS é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às várias divisões suscetíveis de utilização independente (VPT global) ou, antes, o VPT atribuído a cada uma daquelas divisões.

 

Esta questão já foi apreciada em diversos processos de arbitragem tributária, não se vislumbrando motivos para adotar entendimento diferente daquele que foi adotado em decisões proferidas anteriormente. Assim:

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 67.º do CIS, quanto “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.” Reportando-se a norma de incidência da verba 28.1 da TGIS a prédios urbanos, importa buscar o conceito de prédio urbano no CIMI.

 

O CIMI estabelece, no artigo 2.º, n.º 1, o conceito de prédio. Define-o como “toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.

 

Já o artigo 4.º do CIMI estabelece que são prédios urbanos “todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”.

 

Por sua vez, o artigo 6.º do mesmo Código procede à classificação das diversas espécies de prédios urbanos, distinguindo-os, no n.º 1, em quatro subcategorias: “a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros”. Por sua vez, o n.º 2 positiva o critério utilizado para essa distinção, definindo que os “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

 

No que concerne à questão concreta objeto da presente decisão, importa atender ao artigo 12.º, n.º 3, do CIMI, nos termos do qual “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário.”.

 

Por fim, nos termos do artigo 119.º n.º 1 do CIMI, “Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário e da coleta imputada a cada município da localização dos prédios.”

 

Conforme reconhece a doutrina, o conceito fiscal de prédio afasta-se do conceito civilista de prédio, ao contrário do que sustenta a Requerida, sendo que, “Para efeitos fiscais, o n.º 1 deste artigo [2.º do CIMI] prevê a existência de três requisitos necessários para que se possa estar perante o conceito de prédio, a saber, a estrutura física, a patrimonialidade e o valor económico.”

(Cf. J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, “Os Impostos sobre o Património Imobiliário, o Imposto do Selo, Anotados e Comentados”, Engifisco, 1.ª edição, 2005, pág. 101).

 

Assim, “o elemento físico vem definido pela referência a “toda a fração de território”, abrangendo águas, plantações e construções de qualquer natureza nela incorporadas ou assentes com carácter de permanência. No plano jurídico, é atribuída relevância à patrimonialidade. O bem, no sentido físico, deve ser passível de integração no património de uma pessoa singular ou coletiva. (…) O requisito do valor económico encontra-se, naturalmente, associado ao requisito da patrimonialidade, decorrendo daí a susceptibilidade de gerar rendimentos ou outro tipo de utilidades para o seu titular.” (op.cit.).

 

No caso concreto, parece-nos que todos os três requisitos mencionados se verificam, na medida em que as partes ou divisões suscetíveis de utilização independente objeto dos atos de liquidação em causa têm correspondência física com a realidade, integram o património dos Requerentes e possuem um valor económico que, quanto mais não seja, decorre do VPT que lhes foi atribuído pela avaliação realizada pela AT.

 

Assim, parece-nos que as partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, preenchendo todos os requisitos para que possam qualificar-se como um “prédio”, em termos económicos, físicos e de patrimonialidade, deverão ser consideradas autonomamente para efeitos da incidência da verba 28.1 da TGIS.

 

Acresce que, na regra de incidência constante da verba 28.1 da TGIS, o legislador não entendeu relevante distinguir entre os prédios em propriedade horizontal e os prédios em propriedade vertical. E isto, em nosso entender, porque o que releva, em última análise, é o destino económico do imóvel, como decorre, também, do artigo 6.º do CIMI, em face dos princípios constitucionais ínsitos nos artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3 da CRP. Na verdade, em termos de substância económica, não existe qualquer diferença entre um edifício em propriedade horizontal e um edifício em propriedade vertical ou total constituído por partes ou divisões suscetíveis de utilização independente, justificando-se, portanto, em termos de regras de incidência – e, em particular, da regra constante da verba 28.1 da TGIS – o tratamento igual destas duas situações. Aliás, também o legislador fiscal determina esse tratamento igualitário, no artigo 119.º do CIMI, quando estabelece que o imposto deverá ser liquidado individualmente sobre cada parte ou divisão suscetível de utilização independente, tendo em consideração o VPT de cada parte ou divisão suscetível de utilização independente, individualmente considerada.

 

Resulta do exposto que deverá aplicar-se indistintamente, quer aos prédios urbanos habitacionais constituídos em propriedade horizontal, quer os que se encontram em propriedade total ou vertical, a regra constante da verba 28.1 da TGIS, devendo o imposto incidir sobre o VPT atribuído pela Requerida, através de avaliação geral, a cada uma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente.

 

Em face do que antecede, e atento o facto de que nenhuma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente objeto dos atos de liquidação impugnados tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00, como ficou demonstrado nos presentes autos, conclui-se pela procedência do pedido dos Requerentes, considerando-se ilegais os atos de liquidação impugnados, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e violação do artigo 1.º n.º 1 do Código do Imposto do Selo e da verba 28.1 da TGIS, devendo os referidos atos ser anulados, com todas as consequências legais.

 

VI. DECISÃO

Em conformidade com que fica exposto supra, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar a ilegalidade das liquidações de imposto do selo impugnadas, com as consequências legais devidas.

 

Valor: em conformidade com o disposto nos artigos artigo 97.º - A, n.º 1, alínea a), do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 11.062,50.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00, a pagar pela Requerida nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 11 de março de 2016

 

A Árbitro,

 

Raquel Franco