Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 486/2015-T
Data da decisão: 2015-12-18  Selo  
Valor do pedido: € 28.269,24
Tema: IS – Terrenos para construção; verba nº 28.1. da TGIS
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Decisão Arbitral [1]

 

Requerente – A…

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 19 de Outubro de 2015, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.       RELATÓRIO

 

1.1.    A…, titular do número de identificação fiscal nº …, residente na Rua …, Lote …, no Montijo (doravante designado por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral singular, no dia 27 de Julho de 2015, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.    O Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a “(…) ilegalidade das (…) liquidações, bem como das (…) decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos (…)”.

 

1.3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 28 de Julho de 2015 e notificado à Requerida na mesma data.

 

1.4.    O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 25 de Setembro de 2015, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.    Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 19 de Outubro de 2015, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.    Em 19 de Novembro de 2015, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que “deve o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações controvertidas ser julgado improcedente, absolvendo-se a AT do pedido”.

 

1.8.       Na mesma data, a Requerida apresentou também requerimento no sentido de solicitar a dispensa da realização da primeira reunião arbitral (nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18º do RJAT), “(…) podendo assim o Tribunal Arbitral conhecer desde já do pedido”.

 

1.9.       Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 20 de Novembro de 2015, tendo em consideração o pedido de dispensa da realização da reunião arbitral a que alude o artigo 18º do RJAT, apresentado pela Requerida (vide ponto anterior), e com o objectivo de garantir o princípio do contraditório e de igualdade das partes (de acordo com o disposto no artigo 16º, alíneas a) e b) do RJAT), foi notificado o Requerente para se pronunciar, no prazo de 5 dias, sobre o pedido da Requerida acima identificado e, foram notificadas ambas as Partes para se pronunciarem, no mesmo prazo, sobre a possibilidade de dispensa da apresentação de alegações.

 

1.10.   O Requerente apresentou requerimento, em 24 de Novembro de 2015, no sentido de concordar com a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, bem como com a dispensa da apresentação de alegações.

 

1.11.   A Requerida não se pronunciou relativamente ao teor do despacho arbitral identificado no ponto 1.9., supra.

 

1.12.   Assim, por despacho arbitral, datado de 1 de Dezembro de 2015, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º RJAT, do contraditório [alínea a)] da igualdade das partes [alínea b)], da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], da cooperação e da boa-fé processual [alínea f)] e da livre condução do processo consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT, bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis, previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, decidiu este Tribunal Arbitral o seguinte:

 

1.12.1.       Prescindir da realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;

1.12.2.       Prescindir da apresentação de alegações;

1.12.3.       Designar o dia 18 de Dezembro de 2015 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

 

1.13.   O Requerente foi ainda advertido que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD”.

 

2.       CAUSA DE PEDIR

 

O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

Do Pedido de Pronúncia Arbitral

 

2.1.    Começa por esclarecer que “o presente pedido de pronúncia arbitral visa a anulação das decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos (…) identificados nos quais se peticionou a declaração de ilegalidade das liquidações de IS de 7.11.2012 e de 21.03.2013, respetivamente nos montantes de € 9.193,25 e de € 19.075,99, referentes à propriedade, na proporção de ½ cada, sobre o prédio urbano, composto por um lote de terreno para construção, sito na extinta freguesia de …-…-… (atual União das freguesias de … e …-…-…), concelho do Montijo, inscrito na matriz predial sob o nº … (correspondente ao extinto artigo …) daquela freguesia (…)”.

 

Da cumulação de Pedidos

 

2.2.    Por outro lado, refere também que “o (…) pedido de constituição de tribunal arbitral é deduzido com cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IS, bem como das decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos (…) identificados” dado que se encontram “(…) verificados (…) os requisitos de que depende a cumulação dos pedidos (…) identificados”.

 

2.3.    Com efeito, “o Requerente é comproprietário do terreno com referência ao qual foram emitidas as liquidações de IS em questão, pretendendo ver apreciada a questão da incidência sobre aquele do IS previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) (…)” dependendo “(…) a procedência dos pedidos (…) essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito”, sendo “(…) pois inequívoca, a identidade factual e bem assim o vício imputado às liquidações de IS sub judice”, pelo que requer “(…) que seja admitida a presente cumulação de pedidos”.

 

Dos Factos

 

2.4.    No que diz respeito aos factos na origem do pedido, refere o Requerente que “(…) é comproprietário, na proporção de ½, do prédio urbano sito na extinta freguesia de …-…-… (atual União das freguesias de … e …-…-…), concelho do Montijo, inscrito na matriz predial sob o n.º … (correspondente ao extinto artigo …), o qual é composto por um lote de terreno destinado à construção (…)”.

 

2.5.    “Em virtude da aquisição, por doação, do aludido prédio, pelo Requerente, em 2009 foi efetuada a respetiva avaliação, na sequência da qual lhe foi atribuído o valor patrimonial tributário de € 3.677.300,00, posteriormente atualizado para
€ 3.815.198,75, e atualmente fixado em € 1.948.190,00, após avaliação realizada em 2015
”.[2]

 

2.6.    Prossegue o Requerente referindo que “foi notificado das liquidações de IS (…) identificadas (…), ascendendo a coleta de cada uma delas aos montantes de
€ 9.193,25 e de € 19.075,99 (…) materializadas, respetivamente, nos documentos de cobrança n.º 2012 … e n.º 2013 … (…)
” tendo “no caso da liquidação respeitante ao ano de 2012, no montante de € 19.075,99”, seu pagamento sido faseado “(…) em 3 prestações de € 6.358,66 (…).[3]

 

2.7.    “Em face da notificação da liquidação emitida na sequência da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro (…) e por com ela não se conformar o Requerente deduziu a respetiva reclamação graciosa, à qual foi atribuído o n.º …2013…”, tendo o Requerente sido notificado do seu indeferimento através do “ofício n.º …, de 22.05.2013, do Serviço de Finanças do …”, pelo facto de a administração tributária entender que “(…) considerando que a verba 28.1 ao referir-se a prédios com afetação habitacional inclui todos os prédios ao qual foi atribuída afetação habitacional no âmbito da respetiva avaliação, e que o facto tributário se verificou em 2012/10/31, o prédio em causa está sujeito a imposto do selo (…)”.

 

2.8.    Por não se conformar com a decisão de indeferimento, o Requerente interpôs recurso hierárquico, tendo sido “notificado da decisão de indeferimento” do referido recurso através do “ofício n.º …, de 25.05.2015, do Serviço de Finanças do …”.

 

2.9.    “Por sua vez, em face da notificação da liquidação respeitante ao ano de 2012 (…) identificada, e por com ela não se conformar o Requerente deduziu a respetiva reclamação graciosa (…)”, tendo sido notificado “pelo ofício n.º …, de 28.08.2013, do Serviço de Finanças do … (…) da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada (…)” com base no entendimento que “(…) os pressupostos relevantes para efeitos da liquidação do imposto do selo (…)  serão a descrição do prédio, a respetiva afetação e o valor patrimonial do prédio à data de 31/12/2012, pelo que encontrando-se o prédio descrito como terreno para construção, com afetação a habitação e com um valor patrimonial de
€ 3.815.498, 75, nenhuma ilegalidade pode ser assacada à liquidação objeto dos autos (…)
”.

 

2.10.  O Requerente “não se conformando com aquela decisão (…) interpôs dela (…) recurso hierárquico”, tendo sido notificado “pelo ofício n.º …, de 24.04.2015, do Serviço de Finanças do … (…) da decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado (…)”.

 

2.11.  Prossegue o Requerente referindo que “em ambas as decisões que recaíram sobre os recursos hierárquicos em crise (…)” é referido que “(…) nada há a apontar à liquidação de imposto do selo aqui em causa, dado que a mesma foi efetuada de acordo com os elementos vigentes na matriz, tendo sido emitida em nome do: (i) proprietário (s) (constante(s) da matriz); (ii) de um prédio urbano com afetação habitacional (afetação esta constante da matriz), (iii) de valor patrimonial tributário, determinado nos termos do CIMI, superior a € 1.000.000,00 (VPT também constante da matriz) (…)”, concluindo a Requerida que “(…) afigura-se-nos que os lotes de terreno se incluem na norma de incidência na verba 28 da TGIS (na redação dada pela Lei 55-A/2012, de 29 de outubro), pelo que se encontra correta a liquidação de imposto de selo efetuada ao ora recorrente, não enfermando a mesma de qualquer ilegalidade (…).

 

2.12.  Neste âmbito, “por se encontrar convicto da ilegalidade das liquidações de IS (…) identificadas e, por consequência, das decisões que recaíram sobre os recursos hierárquicos (…) identificados, o Requerente deduz o presente pedido de constituição de tribunal arbitral”, desde logo referindo que o previsto na “(…) norma de incidência veio, deste modo, sujeitar a IS, no que respeita a sujeitos passivos residentes, a propriedade (…) de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário, determinado nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00” e que “no que concerne à incidência subjetiva do imposto bem como ao facto tributário, determina o n.º 4 do artigo 2.º do Código do IS, na redação conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, que nas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, são sujeitos passivos do imposto os referidos no artigo 8.º do CIMI, ou seja, são sujeitos passivos de IS os proprietários dos prédios em 31 de dezembro do ano a que o imposto respeitar (…)”.

 

2.13.  Prossegue o Requerente, referindo que “para o ano de 2012, a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, previu, a título de disposição transitória, que: i) o facto tributário ocorreria em 31 de outubro de 2012; ii) o sujeito passivo seria o proprietário do prédio urbano em 31 de outubro de 2012 e que iii) a administração tributária liquidaria o imposto até final do mês de novembro de 2012, devendo o mesmo ser pago até 20 de dezembro daquele ano (…)”.

 

2.14.  Contudo, entende o Requerente que, apesar de ter sido notificado das liquidações de Imposto do Selo já identificadas “(…) não pode o Requerente conformar-se com as liquidações de IS em apreço” porquanto:

 

a)       “O prédio urbano em apreço está qualificado como terreno para construção, pelo que não se enquadra na categoria de prédio urbano com afetação habitacional previsto na verba 28.1 da TGIS (…), não sendo a sua propriedade sujeita a IS (…)”;

b)      “O IS sobre a propriedade nos termos definidos na verba 28.1 da TGIS e, em consequência as liquidações sub judice, é manifestamente violador dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva (…), razão pela qual se afigura inconstitucional (…)”;

c)       “De igual modo, o IS sobre a propriedade nos termos definidos na verba 28.1 da TGIS viola o princípio da progressividade (…), sendo, também por essa razão, inconstitucional (…)”;

d)      “A liquidação de IS de 21.03.2013, no montante de € 19.075,99, incorre em vício de duplicação de coleta, na medida em que a administração tributária procede à liquidação de um imposto já liquidado, através da liquidação de IS de 07.11.2012, no montante de € 9.193,25 (…)”;

e)       “A liquidação de IS de 07.11.2012, no montante de € € 9.193,25, incorre em vício de insuficiência de fundamentação equivalente a falta de fundamentação, uma vez que não contém a indicação do ano a que o imposto liquidado diz respeito, apenas constando do espaço referente ao ano a que o imposto se reporta a menção Lei n.º 55- A/2012 (…)”.

 

2.15.  Tendo apresentado os argumentos que estão na base da sua discordância com as liquidações notificadas, o Requerente trata um a um todos os enunciados no ponto anterior.

 

Do conceito de prédio urbano com “afectação habitacional”

 

2.16.  Neste âmbito, entende o Requerente que “(…) o conceito de prédio com afetação habitacional (…) não abrange os terrenos para construção, como o aqui em presença, contrariamente ao que se afirma nas decisões dos recursos hierárquicos em crise”, porquanto “(…) não encontra definição expressa no Código do IS, na Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, nem sequer no Código do IMI, normativo legal para o qual o Código do IS remete a regulação dos demais aspetos relacionados com a incidência, liquidação e cobrança deste imposto sobre a propriedade”.

 

2.17.  Com efeito, segundo o Requerente “(…) da ausência expressa de tal conceito na lei não se extrai a conclusão que dela pretende retirar a administração tributária, qual seja a de que os terrenos para construção se incluem na norma de incidência objetiva constante da verba 28 da TGIS, na redação original da Lei n.º 55- A/2012, de 29 de outubro”, pelo que “cumpre, pois (…) aquilatar da interpretação do conceito de prédio urbano com afetação habitacional (…)”.

 

2.18.  Ora, “na interpretação da lei fiscal deverá o intérprete socorrer-se dos critérios gerais estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC)”, pelo que “na interpretação do conceito de prédio urbano com afetação habitacional não poderá o intérprete alhear-se das definições constantes do Código do IMI, isto porque, por um lado, este normativo legal é eleito como diploma de aplicação subsidiária (…) e, por outro lado, porque até à entrada em vigor da Lei n.º 55-A/2012 a propriedade dos prédios urbanos e rústicos era tributada apenas em sede de IMI”.

 

2.19.  Assim, prossegue o Requerente referindo que “integram a espécie de prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços (…) os edifícios para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins (…) e de terrenos para construção (…) os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo (…)”, daqui resultando, segundo o Requerente, que “(…) a qualificação de um prédio urbano em habitacional, comercial, industrial para serviços ou terrenos para construção depende, regra geral, de um requisito de natureza formal, qual seja, o licenciamento”.[4] [5]

 

2.20.  Nestes termos, entende o Requerente que “(…) resulta (…) inequívoca a distinção entre (…) prédios urbanos habitacionais (comerciais, industriais ou para serviços) e (…) terrenos para construção”, sendo “(…) qualificados como terrenos para construção (…) aqueles em que o proprietário tenha adquirido o direito de neles construir ou de proceder a operações de loteamento, bem como os que tenham sido adquiridos expressamente para esse efeito”, significando que “(…) a qualificação de um terreno como terreno para construção pode ocorrer por várias ordens de razão, nomeadamente porque em relação ao mesmo”: (sublinhado nosso)

 

i)                    Foi concedida licença para loteamento ou construção;

ii)                  Houve comunicação prévia de obras de construção;

iii)                Houve informação prévia favorável de operação de loteamento ou construção; ou,

iv)                Foi adotada a designação de terreno para construção no respetivo título aquisitivo da propriedade”.

 

2.21.  Assim, conclui o Requerente que "(…) o conceito mais próximo do teor literal da expressão prédio urbano com afetação habitacional é o conceito de prédio habitacional (…)”, considerando que “(…) a não coincidência da expressão (…) afetação habitacional com a expressão (…) prédio habitacional aponta claramente no sentido de não ter sido intuito do legislador tributário utilizar o mesmo conceito”, pelo que entende o Requerente que “(…) resulta que o legislador tributário ao optar pela expressão afetação habitacional teve como intuito incluir no âmbito da incidência do IS apenas os prédios urbanos afetos à habitação, isto é, com funcionalidade habitacional real e presente”.[6]

 

2.22.  Ora, segundo o Requerente, “um terreno para construção não pode ter como destino normal a habitação porque não reúne as (…) condições de habitabilidade”, pelo que “em face do exposto, é inequívoca a conclusão de que a verba 28.1 da TGIS, na redação à data aplicável (…) não se destina a tributar os terrenos para construção”.

 

2.23.  Na verdade, reitera o Requerente que “(…) ao empregar a expressão com afectação habitacional pretendeu o legislador tributário apenas e tão-só abranger os prédios urbanos com funcionalidade habitacional real e presente, e não alargar, para efeitos de incidência do imposto do selo, as espécies de prédios urbanos previstas no artigo 6.º, n.º 1, do Código do IMI”, não impedindo “(…) a circunstância de posteriormente o legislador vir a consagrar a sujeição a IS dos terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”.[7] [8]

 

2.24.  Em resumo, entende o Requerente que “(…) se impõe a anulação das liquidações de IS melhor identificadas (…) assim como das decisões que recaíram sobre os recursos hierárquicos (…) identificados”.

 

Da violação dos princípios da igualdade e capacidade contributiva

 

2.25.  Continua o Requerente a sua exposição, referindo que “(…) ainda que se admita que o supra invocado vício não procede (…) sempre se deverão anular os atos tributários em apreço por aplicação de lei materialmente inconstitucional, porquanto a verba 28.1 da TGIS incorre em manifesta violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva (…)”.[9]

 

2.26.  “Deste modo, o princípio da capacidade contributiva deverá conformar o legislador tributário na definição objetiva do imposto por referência às três manifestações de riqueza suscetíveis de indiciar a capacidade económica do contribuinte, quais sejam, i) a riqueza angariada (rendimento), ii) a riqueza possuída (património) e iii) a riqueza despendida (consumo)”.

 

2.27.  Neste âmbito, segundo o Requerente, tendo o legislador tributário optado “(…) por estabelecer como critérios para a determinação da incidência objetiva daquele imposto, por um lado, a qualificação do prédio – prédio urbano com afetação habitacional – e, por outro lado, o valor patrimonial tributário – igual ou superior a €1.000.000,00”, “(…) não descortina o Requerente os motivos que justificam que apenas a propriedade, usufruto e direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional e de valor patrimonial tributário igual ou superior a
€ 1.000.000,00 passem a estar sujeitos a IS (…)
”.

 

2.28.  Ora, para o Requerente “(…) tal entendimento é manifestamente desconforme com o princípio da capacidade contributiva, enquanto corolário e expressão do princípio da igualdade (…)”, pelo que “(…) pode (…) concluir-se que o IS assim (…) delimitado viola o princípio da capacidade contributiva enquanto corolário e expressão do princípio da igualdade tributária”.

 

2.29.  “(…) Numa tentativa de indagar da opção pelo legislador dos referidos critérios para delimitação objetiva da incidência do IS, analisaram-se os trabalhos preparatórios da referida Lei n.º 55- A/2012, de 29 de outubro” e segundo o Requerente, “na exposição de motivos constantes da proposta de Lei n.º 96/XII(12) refere-se (…) que (…) estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento”, estando o governo “(…) fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho”.[10]

 

2.30.  Ora, para o Requerente, “da análise dos motivos constantes da proposta de Lei nº 96/XII, bem como da intervenção de S. Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no debate na generalidade, resulta que (…) a introdução de um novo imposto sobre a propriedade (…) de prédios urbanos de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 teve como desiderato reforçar o princípio da equidade social na austeridade, ou por outras palavras, teve como objetivo onerar os contribuintes (presumidamente) com maior capacidade contributiva”.

 

2.31.  Assim, entende o Requerente que “(…) não pode deixar de se concluir que o IS incidente sobre a propriedade (…) de prédios urbanos com afetação habitacional, previsto na verba 28.1. da TGIS (…) é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, corolário e expressão do princípio da igualdade (…), o que, consequentemente, conduz à inconstitucionalidade material das liquidações de IS em crise”.[11]

 

2.32.  Por outro lado, e sem prejuízo do exposto, entende o Requerente que “ainda que não se considere procedente a inconstitucionalidade por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto corolário e expressão do princípio da igualdade (…), sempre se dirá que a tributação nos termos visados com as liquidações sub judice, incorre em violação do princípio da igualdade”, “(…) o que inquina de ilegalidade, determinante da sua anulação, as liquidações em crise, assim como a anulação das decisões dos recursos hierárquicos em apreço”.[12]

 

Da violação do princípio da progressividade

 

2.33.  Para o Requerente, “para além da violação acima invocada, o IS sobre a propriedade (…) incorre ainda em violação do princípio da progressividade (…)”, dado que “(…) no IS sobre a propriedade não é assinalável qualquer grau de progressividade, porquanto este se limita a tributar a uma taxa única os prédios urbanos de valor igual ou superior a
€ 1.000.000,00, não havendo lugar a qualquer distinção na taxa do imposto ou sequer na matéria coletável
”.

 

2.34.  Assim, para o Requerente, “o IS sobre a propriedade (…) de prédios urbanos com afetação habitacional, previsto na verba 28.1 da TGIS (…) é também materialmente inconstitucional por violação do princípio da progressividade (…)”, “(…) o que conduz (…) à ilegalidade das liquidações de IS em crise, assim como das decisões que recaíram sobre os recursos hierárquicos em questão.

 

Da duplicação da colecta

 

2.35.  Neste âmbito, entende o Requerente que “(…) a liquidação IS de 21.03.2013, no montante de € 19.075,99 sempre seria ilegal por duplicação de coleta”, porquanto “(…) a aludida liquidação repete a tributação, referente ao ano de 2012, (…) já efetuada pela liquidação de IS de 07.11.2012, no montante de € 9.193,25”.

 

2.36.  Com efeito, segundo o Requerente, a Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, “nas suas disposições transitórias, previu que, quanto ao imposto referente ao ano de 2012, o facto tributário ocorreria em 31 de outubro de 2012 (…)” e “nesta sequência, foi o Requerente notificado da liquidação de IS de 07.11.2012, na qual se apurou o montante de imposto a pagar de € 9.193,25 (…)”.

 

2.37.  Prossegue o Requerente referindo que “da análise da referida liquidação, constata-se que, no campo referente ao Ano de imposto, consta a menção Lei 55A/2012 (…)”, pelo que, “atenta a referência àquela Lei n.º 55-A/2012, (…) só poderá concluir-se que a liquidação em apreço respeita ao ano de 2012, e, por consequência, que quanto a este ano, o montante de € 9.193,25 é o único a pagar, a título de IS”.

 

2.38.Assim, refere o Requerente que “foi com perplexidade que (…) foi notificado da referida liquidação de IS”, tendo constatado que “lhe era novamente exigido o pagamento do imposto referente ao ano de 2012 (…)”, porquanto “(…) a administração tributária optou por proceder novamente à liquidação de IS sobre a propriedade do mesmo prédio urbano e por referência ao mesmo ano (…) fazendo (…) tábua rasa quanto ao facto de tal realidade haver sido já tributada”, originando assim, segundo o Requerente, “(…) uma duplicação de coleta”, sendo esta “(…) também causa de ilegalidade da liquidação”.[13][14]

 

2.39.  Em resumo, entende o Requerente que “não pode, pois, considerar-se que, com aquela disposição transitória, ao invés de substituir a data do facto gerador da obrigação tributária, pretendeu o legislador fixar dois factos tributários pelos quais seria devido IS por referência ao ano de 2012”, porquanto “tal entendimento seria, nestes termos, violador do princípio da segurança jurídica, enquanto corolário do Estado Direito (…) que visa garantir (…) estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito (…)”.[15]

 

2.40.  Em face do exposto, entende o Requerente que se impõe “a anulação da decisão do recurso hierárquico nº …2013… e, em consequência, do ato tributário consubstanciado na liquidação de 21.03.2013 (…)”.

 

Da falta de fundamentação

 

2.41.  Neste âmbito, considera o Requerente que “a liquidação de IS de 7.11.2012 sempre se afigura ilegal por fundamentação obscura, equivalente a falta de fundamentação do ato de liquidação”, porquanto “no espaço referente ao ano a que o imposto diz respeito, consta apenas a menção Lei nº 55-A/2012, razão pela qual dela não resulta claro o ano a que o imposto liquidado respeita, equivalendo tal obscuridade a falta de fundamentação”.

 

2.42.  Com efeito, refere o Requerente que, “nos termos do artigo 36º do CPPT, as notificações dos atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes, compreendendo-se nestes os atos de liquidação, devem conter a respetiva fundamentação”, sendo que “a descrição do conteúdo do dever de fundamentação encontra-se vertida no artigo 77º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), nos termos do qual a fundamentação conterá, ainda que sucintamente, as disposições legais aplicadas, bem como a qualificação e quantificação dos factos e as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto”.

 

2.43.  Ora, dado que o nº 2 do artigo 125º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), na redação à data aplicável, ex vi artigo 2.º, alínea d), de Código do Procedimento e de Processo Tribuário (CPPT) estipula que “equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato”, “não restam pois dúvidas de que a clareza é um requisito da fundamentação e que a sua falta é equivalente à falta de fundamentação”, impondo-se para o Requerente “a anulação da liquidação de IS de 7.11.2012, por insuficiente fundamentação e (…) da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico nº …2013…”.[16]

 

2.45.  Nestes termos, conclui o Requerente o seu pedido, requerendo que sejam “anuladas as liquidações de IS sub judice, assim como as decisões que recaíram sobre os recursos hierárquicos em crise”.

 

3.       RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo invocado os seguintes argumentos:

 

3.2.    “É entendimento da AT que o prédio sobre o qual recai a liquidação impugnada, têm natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que o acto de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido, por consubstanciar correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12”.

 

3.3.    “Com esta alteração legislativa, o IS passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI seja igual ou superior a EUR 1.000.000,00”.

 

3.4.    “Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao Código do IMI, na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no art. 67º, nº 2 do Código do IS na redacção dada pela Lei nº 55- A/2012, de 29/10”.

 

3.5.    Assim, continua a Requerida, “nos termos da referida disposição legal, às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba nº 28 da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no Código do IMI”, nos termos do qual:

 

3.5.1.     “Dispõe o nº 1 do art. 2º que prédio é toda a fracção de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais tenha valor económico (…)” e,

3.5.2.     “Dispõe o art. 6º, nº 1 (…) integrando neste conceito” (de prédio urbano) “os terrenos para construção, isto é os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção (…)”.

 

3.6.    Por outro lado, segundo a Requerida, “a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação”.[17]

 

3.7.    “Ao contrário do propugnado pelo Requerente, a AT entende que o conceito de prédios com afectação habitacional, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”.

 

3.8.    “Note-se que o legislador não refere prédios destinados a habitação, tendo optado pela noção afectação habitacional - expressão diferente e mais ampla, cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6º, nº1 alínea a) do CIMI”.

 

3.9.    Por outro lado, ainda que “no que diz respeito ao regime jurídico da urbanização e edificação, (…) o mesmo tenha como pressuposto as edificações já construídas”, “não se pode ignorar que o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas deverá conter, entre outros elementos, o número de lotes, (…), a finalidade (…)”, entendendo a Requerida que “também os Planos Directores Municipais estabelecem a estratégia de desenvolvimento municipal, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas (…)” pelo que “muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção”.

 

3.10.  No que diz respeito à “pretensa violação dos princípios constitucionais, não pode a AT deixar de salientar que a CRP obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação do tratamento (…)”, pelo que “entende a AT que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia violação de qualquer comando constitucional” dado que “incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a EUR 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel”, tratando-se “de uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito”.

 

3.11.  Com efeito, “a diferente aptidão dos imóveis (habitação/serviços/comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do Imposto do Selo os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais”.

 

3.12.  Na verdade, “(…) a tributação em sede de Imposto do Selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a EUR 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis”.

 

3.13.  “Assim, encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção de receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável”, “o que não se verifica porquanto tal medida será de aplicar de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a EUR 1.000.000,00”.

 

3.14.  Nestes termos, “(…) as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei (…) devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a (…) Requerida do pedido”.

 

4.       SANEADOR

 

4.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[18]

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    A cumulação de pedidos aqui efectuada pelo Requerente, é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

4.4.    O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.

 

4.5.    Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

4.6.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

5.       MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Dos factos provados

 

5.2.    Consideram-se como provados os seguintes factos:

 

5.2.1.     O Requerente é comproprietário de um prédio urbano (terreno para construção), inscrito na matriz predial urbana sob o nº U-… (correspondente ao extinto artigo U-…) da União das freguesias de … e …-…-… (extinta freguesia de …-…-…), no Montijo, cujo VPT inicialmente atribuído (em 2009) ascendia a
EUR 3.677.300,00, posteriormente actualizado para EUR 3.815.198,75, e actualmente fixado em EUR 1.948.190,00, após avaliação realizada em 2015 (conforme documento nº 1, anexado com o pedido).

5.2.2.     O Requerente foi notificado do documento de cobrança nº 2012 …, relativo à liquidação de Imposto do Selo nº 2011 …, respeitante ao ano de 2012[19], datada de 7 de Novembro de 2012, no montante de
EUR 9.193,25 (Prestação Única), com data limite para pagamento em 20 de Dezembro de 2012 e notificado do documento de cobrança nº 2013 …, relativo à liquidação de Imposto do Selo respeitante ao ano 2012, datada de 21 de Março de 2013, no montante total de EUR 19.075,99 e relativa à 1ª Prestação de EUR 6.358,67, com data limite para pagamento em Abril/2013, ambas respeitantes ao prédio identificado no ponto anterior (conforme documento nº 2, anexado com o pedido e processo administrativo junto aos autos pela Requerida).

5.2.3.     O Requerente foi ainda notificado do documento de cobrança nº 2013 …, relativo à liquidação de Imposto do Selo respeitante ao ano 2012, datada de 21 de Março de 2013 (identificada no ponto anterior), no montante de EUR 6.358,66 (2ª Prestação), com data limite para pagamento em Julho/2013 e do documento de cobrança nº 2013 …, relativo à liquidação de Imposto do Selo, datada de 21 de Março de 2013 (identificada no ponto anterior), no montante de EUR 6.358,66 (3ª Prestação), com data limite para pagamento em Novembro/2013, ambas respeitantes ao prédio identificado no ponto 5.2.1., supra (conforme documento nº 3, anexado com o pedido).

5.2.4.     Em resumo, o Requerente foi notificado dos seguintes montantes de Imposto do Selo a pagar:

 

DOCUMENTO

ARTIGO MATRICIAL

VPT

COLECTA

PRESTAÇÃO

DOC. ANEXO AO PEDIDO

2012 …

U-…
(antes U-…)

3.677.300,00

9.193,25

ÚNICA

9.193,25

Nº 2

2013 …

3.815.198,75

19.075,99

ABRIL/2013

6.358,67

Nº 2

2013 …

JULHO/2013

6.358,66

Nº 3

2013 …

NOVEMBRO/2013

6.358,66

Nº3

 

 

5.2.5.     O Requerente apresentou reclamação graciosa (nº …2013…) relativa à liquidação de Imposto do Selo acima identificada (nota de cobrança de Imposto do Selo nº 2012 …) (documento nº 4 anexado com o pedido e processo administrativo junto aos autos pela Requerida).

5.2.6.     O Requerente foi notificado através do Ofício nº …, datado de 22 de Abril de 2013, do projecto de indeferimento da reclamação graciosa nº …2013…, referente à liquidação de Imposto do Selo relativa ao ano de 2011 (nota de cobrança nº 2012 …) e para exercer o direito de audição, oralmente ou por escrito, no prazo de 15 dias (conforme processo administrativo junto aos autos pela Requerida).

5.2.7.     O Requerente não exerceu o direito de audição relativo ao projecto de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto anterior (documento nº 4 anexado com o pedido).

5.2.8.     O Requerente foi notificado através do Ofício nº …, datado de 22 de Maio de 2013, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº …2013…, referente à liquidação de Imposto do Selo evidenciada na nota de cobrança nº 2012 … (documento nº 4 anexado com o pedido).

5.2.9.     O Requerente recorreu hierarquicamente da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (identificada no ponto anterior) em 07 de Junho de 2013, através do recurso hierárquico nº …2013… (documento nº 5 anexado com o pedido).

5.2.10.   O Requerente foi notificado, através do Ofício nº …, datado de 25 de Maio de 2015, da decisão de indeferimento do recurso hierárquico nº …2013…, referente à reclamação graciosa nº …2013… (documento nº 5 anexado com o pedido).

5.2.11.   O Requerente apresentou reclamação graciosa (nº …2013…) referente à liquidação de Imposto do Selo relativa ao ano 2012 (nota de cobrança de Imposto do Selo nº 2013 …) (documento nº 6 anexado com o pedido e processo administrativo junto aos autos pela Requerida).

5.2.12.   O Requerente foi notificado através de Ofício datado de 3 de Julho de 2013, do projecto de indeferimento da reclamação graciosa nº …2013…, referente à liquidação de Imposto do Selo relativa ao ano de 2012 (nota de cobrança nº 2013 …) e para exercer o direito de audição, oralmente ou por escrito, no prazo de 15 dias (conforme processo administrativo junto aos autos pela Requerida).

5.2.13.   O Requerente não exerceu o direito de audição relativo ao projecto de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto anterior (documento nº 6 anexado com o pedido).

5.2.14.   O Requerente foi notificado através do Ofício nº …, datado de 28 de Agosto de 2013, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº …2013…, referente à nota de cobrança 2013 … (documento nº 6 anexado com o pedido).

 

5.2.15.   O Requerente recorreu hierarquicamente da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (identificada no ponto anterior) em 09 de Junho de 2014, através do recurso hierárquico nº …2013… (documento nº 7 anexado com o pedido).

5.2.16.   O Requerente foi notificado, através do Ofício nº …, datado de 24 de Abril de 2015, da decisão de indeferimento do recurso hierárquico nº …2013…, referente à reclamação graciosa nº …2013… (documento nº 7 anexado com o pedido e registo postal constante do processo administrativo junto aos autos pela Requerida).

 

5.3.    Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

5.4.    Dos factos não provados

 

5.5.    Não foi obtida evidência que os valores de Imposto do Selo liquidados pela Requerida tenham sido pagos pelo Requerente.

 

5.6.    Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

6.1.    Nos autos, a questão essencial a decidir é a de saber qual o âmbito de incidência da verba 28.l. da TGIS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 55-A/2012 de 29 de Outubro, nomeadamente, saber se:

 

6.1.1.     Nessa norma se devem incluir os terrenos para construção e, em concreto;

6.1.2.     Os terrenos para construção com VPT igual ou superior a EUR 1.000.000 se subsumem, ou não, na espécie prédios urbanos “com afectação habitacional”,

 

de modo a determinar se as liquidações de Imposto do Selo objecto do pedido de Pronúncia Arbitral enfermam ou não de vício de violação daquela verba nº 28.1. (por erro sobre os pressupostos de direito), o que justificaria a declaração da sua ilegalidade e respectiva anulação.

 

6.2.    A resposta às questões enunciadas no ponto anterior impõe a análise das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, de modo a determinar qual a interpretação correcta face ao disposto na Lei e na Constituição, dado que se trata de aferir de um pressuposto de incidência de imposto, cuidadosamente protegido pelo princípio da legalidade fiscal, resultante do disposto no artigo 103º, nº 2 da CRP.

 

Do âmbito de incidência da verba 28.l. da TGIS (na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 55-A/2012 de 29 de Outubro)

 

6.3.    A Lei nº 55-A/2012 efectuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redacção:

 

28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a
EUR 1.000.000,00 – sobre o VPT para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%.

28.2 – (…)".

 

6.4.    Não obstante o texto da Lei nº 55-A/2012 (em vigor desde 30 de Outubro de 2012) não ter procedido à qualificação dos conceitos que constam da referida verba nº 28, nomeadamente, do conceito de “prédio com afectação habitacional”, se observarmos o disposto no artigo 67º, nº 2, do Código do Imposto do Selo (também aditado pela referida Lei), verifica-se que "às matérias não reguladas no presente Código, respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o Código do IMI”(sublinhado nosso).

 

6.5.    Ora, da leitura do Código do IMI, facilmente nos apercebemos que o conceito de “prédio com afectação habitacional” remete, naturalmente, para o conceito de “prédio urbano”, definido nos termos dos artigos 2º e 4º daquele Código.

 

6.6.    Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 2º, nº 1 do Código do IMI, “(…) prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (sublinhado nosso).

 

6.7.    Adicionalmente, de acordo com o disposto nos nº 2 e 3 do mesmo artigo, “os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios”, presumindo-se “o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano”.

 

6.8.    Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 4º do Código do IMI, “prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)”.

6.9.    Neste âmbito, entre as várias espécies de “prédios urbanos” referidos no artigo 6º do Código do IMI, estão expressamente mencionados os “terrenos para construção[nº1, alínea c)], acrescentando o nº 3 do mesmo artigo que se consideram "terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos" (sublinhado nosso).

 

6.10.  Como se vê pelas normas do Código do IMI acima transcritas, não é possível extrair o que o legislador pretendeu dizer quando refere no texto da lei “prédios com afectação habitacional”, porquanto não é utilizado esse conceito na classificação dos prédios, também não se encontrando este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.

 

6.11.  Por outro lado, dado que a Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí resulta que não é possível retirar da mesma a intenção do legislador.

 

6.12.  Assim, na falta de correspondência terminológica exacta do conceito de “prédio com afectação habitacional com qualquer outro conceito utilizado noutros diplomas, podem aventar-se várias hipóteses interpretativas, devendo ser o texto da lei o ponto de partida da interpretação daquela expressão, pois é com base nele que terá que se reconstituir o pensamento legislativo, conforme decorre do disposto no nº 1 do artigo 9º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11º, nº 1, da LGT.

 

Da interpretação do conceito de “prédio urbano com afetação habitacional”

 

6.13.  Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 9º do Código Civil, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, não podendo “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (sublinhado nosso).

 

6.14.  Nestes termos, poder-se-á afirmar que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr. artigo 9º do Código Civil e artigo 11º da LGT) [20].

 

6.15.  Assim, o conceito mais próximo do teor literal da expressão “prédio com afectação habitacional” é manifestamente o de “prédios habitacionais”, referido no artigo 6º, nº 1 do Código do IMI (e definido no nº 2 do mesmo artigo), abrangendo os edifícios ou construções licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal os fins habitacionais (sublinhado nosso).

 

6.16.  “Ou seja, para efeitos do Código do IMI, tanto são habitacionais os imóveis licenciados para habitação, mesmo que não estejam a ter essa utilização como, no caso de falta de licença, que tenham como destino normal esse fim”.[21]

 

6.17.  Por isso, a adoptar-se a interpretação de que “prédio com afectação habitacional” significa “prédio habitacional”, as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida serão, de facto, ilegais, por não haver, no terreno identificado, qualquer edifício ou construção.

 

6.18.  Na verdade, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba nº 28.1. da TGIS com a que se extrai do disposto no nº 2 do artigo 6º do Código do IMI, aponta no sentido de o legislador não ter pretendido utilizar o mesmo conceito.

 

6.19.  Por outro lado, é necessário ter também em consideração que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.[22]

 

6.20.  Por último, importará ainda indagar qual a ratio legis subjacente à regra da verba 28.1. da TGIS e, em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil[23], quais as circunstâncias em que a norma foi elaborada e quais as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada.

 

6.21.  Com efeito, nesta âmbito, o legislador pretendeu introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional, tendo considerado, como elemento determinante da capacidade contributiva, os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), ou seja, de valor igual ou superior a
EUR 1.000.000,00, sobre os quais passaria (e passou) a incidir uma taxa especial de Imposto do Selo (sublinhado nosso).

 

6.22.  Na verdade, no preâmbulo do projecto de Lei que introduziu as alterações em matérias da verba 28 da TGIS foram apresentados como motivos:

 

6.22.1.   “A prossecução do interesse público, em face da situação económica-
-financeira do País, exige um reforço da consolidação orçamental que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental
”.

6.22.2.   “Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento (…) estando o Governo fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho”.

6.22.3.   “Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

6.22.4.   “É criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo VPT seja igual ou superior a um milhão de Euros” (sublinhado nosso).

 

6.23.  Assim, resulta desta motivação do legislador que a tributação em causa visa “uma efectiva repartição dos sacrifícios, fazendo incidir essa tributação sobre a propriedade (por contraposição aos rendimentos do trabalho, já atingidos por outras medidas).

 

6.24.  Por ser demasiado ampla, esta enunciação dos motivos subjacente à adopção das medidas poucos contributos veio trazer para a interpretação do conceito de “prédio urbano com afetação habitacional”.

 

6.25.  E entendemos ser isso mesmo que também se pode concluir da análise da discussão da proposta de Lei nº 96/XII na Assembleia da República[24], que esteve na origem da proposta de alterações, não se vislumbrando a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada.[25]

 

6.26.  Com efeito, a fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valorassenta pois na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal (chamando a contribuir de uma forma mais agravada os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação), ao fazer incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros” (sublinhado nosso).

 

6.27.  Ora, se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a uma “habitação (seja ela uma casa, uma fracção autónoma, uma parte de prédio com utilização independente ou uma unidade autónoma) sempre que a mesma representar, por parte do seu titular, uma capacidade contributiva acima da média (e, nessa medida, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal), já não fará qualquer sentido se aplicada a um “terreno para construção.

 

6.28.  Nestes termos, não pode a Requerida distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal e os princípios da legalidade fiscal (artigo 103º, nº 2 da CRP), da justiça, da igualdade e da proporcionalidade fiscal (naquele incluídos).

 

6.29.  Por outro lado, tendo em consideração o acima já analisado, refira-se ainda que o conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador, nem no texto da Lei nº 55-A/2012 (que o introduziu), nem no Código do IMI, para o qual o nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei) remete a título subsidiário.

 

6.30.  Na verdade, trata-se de um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão (facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação) teve uma vida bastante curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014[26] (em 1 de Janeiro de 2014), a qual deu nova redacção àquela verba nº 28.1. da TGIS e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6º do Código do IMI. [27]

 

6.31.  Esta alteração, “a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, apenas torna inequívoco, para o futuro, que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1. da TGIS (desde que o respectivo VPT seja de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas”, como é o caso das liquidações que estão em causa nos presentes autos (sublinhado nosso) [28].

 

6.32.  Ora, quanto às liquidações objecto do pedido de pronúncia arbitral, não resulta, nem da letra, nem do espírito da lei, que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como decorre hoje do texto da verba 28.1. da TGIS, (após redacção introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2014[29]) (sublinhado nosso).

 

6.33.  Neste âmbito, da letra da lei não resulta nada de inequívoco pois ela própria, ao utilizar um conceito que não definiu (e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário) prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria de incidência tributária (matéria em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações primordiais do legislador).

 

6.34.  E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos[30] da proposta de Lei que está na origem da Lei nº 55-A/2012 nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado pelo legislador fiscal que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer.

 

6.35.  Assim, pode aferir-se que a realidade que se pretendeu tributar foi afinal, em linguagem corrente (e não obstante a imprecisão terminológica da lei com a expressão “os prédio (urbanos) habitacionais”), a das “casas”, e não quaisquer outras realidades (conforme acima já referido no ponto 6.26.).

 

6.36.  Acrescente-se que, a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI como relativa a “edifícios” ou “construções”, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista.

 

 

6.37.  Deste modo, atendendo a que um terreno para construção (qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida) não satisfaz, só por si, qualquer condição para, como tal, ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional” (sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito), não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado nesse terreno.

 

6.38.  Nestes termos, pode concluir-se que, resultando do artigo 6º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios urbanos com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba n.º 28.1. da TGIS, na sua redacção originária (que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro) (sublinhado nosso) [31].

 

6.39.  Em resumo, e em resposta às questões acima colocadas nos pontos 6.1.1.e 6.1.2., pode conclui-se que sobre os “terrenos para construção” não pode incidir o Imposto do Selo a que se refere a verba nº 28.1. da TGIS (na redacção prevista pela Lei
nº 55-A/2012) porquanto os terrenos para construção (com VPT igual ou superior a EUR 1.000.000) não se subsumem na espécie prédios urbanos “com afectação habitacional”, sendo, portanto, ilegais os actos de liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente.

 

6.40.  Em consequência, fica prejudicada a análise da restante argumentação apresentada pelo Requerente (alegada duplicação da colecta e falta de fundamentação), porquanto face ao acima exposto, foi já considerada a ilegalidade dos actos de liquidação objecto do pedido, revelando-se assim a análise daquela argumentação inútil quanto às suas consequências.

 

Do pagamento de juros indemnizatórios

 

6.41.  No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na LGT e no CPPT”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.42.  De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.43.  Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)”.[32] [33]

 

6.44.  Assim, nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (sublinhado nosso).

 

6.45.  Conforme referido, ainda que não exista, no pedido de pronúncia arbitral, qualquer referência feita pelo Requerente no sentido de solicitar o seu pagamento, tal não se revela necessário pois o seu pagamento não depende da dedução do pedido dos juros indemnizatórios na petição, estando de acordo com os efeitos que decorrem da anulação do(s) acto(s) tributário(s).[34] [35]

 

6.46.  Ainda que não tenha ficado claro, das peças processuais e dos documentos anexados, se o Requerente pagou algum dos valores relativos às liquidações de Imposto do Selo objecto do pedido de pronúncia arbitral, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

6.47.  Nestes termos, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação acima já identificados, e nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito” (sublinhado nosso), pelo que terá de haver lugar ao reembolso dos montantes eventualmente já pagos pelo Requerente, a título do imposto suportado, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

6.48.  Adicionalmente, face ao estabelecido no artigo 61º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios (ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1, do artigo 43º da LGT), o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre as quantias que tenha eventualmente pago no âmbito das liquidações de Imposto do Selo objecto do pedido de pronúncia arbitral, os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do eventual pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

7.2.    Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

7.3.    Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

7.4.    Nestes termos, no caso em análise, tendo em consideração o exposto no capítulo anterior, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a totalidade da responsabilidade por custas arbitrais à Requerida.

 

7.5.    Nestes termos, tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.5.1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente e condenar a Requerida quanto ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo objecto do mesmo (e identificadas neste processo), anulando-se não só as decisões de indeferimento dos Recursos Hierárquicos oportunamente interpostos, bem como os respectivos actos tributários, com as consequências daí decorrentes;

7.5.2.     Condenar a Requerida no reembolso das quantias que possam ter sido indevidamente pagas pelo Requerente, no âmbito das liquidações de Imposto do Selo agora anuladas, acrescidas, neste caso, de juros indemnizatórios à taxa legal, contados nos termos legais;

7.5.3.     Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

*****

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em EUR 28.269,24.

 

Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 1.530,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de Dezembro de 2015

 

O Árbitro

 

Sílvia Oliveira



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.

[2] Neste âmbito, clarifica o Requerente que “o valor patrimonial tributário de € 3.677.300,00 padecia de erro por ter sido relevada (…) a afetação do prédio à habitação, quando para aquele se encontrava prevista a construção de edifício para fins industriais, do que se deu conhecimento à administração tributária, motivo pelo qual o Requerente apresentou reclamação da matriz, na sequência da qual foi realizada nova avaliação do imóvel (…)”, que fixou o VPT em € 1.948.190,00.

[3] O Requerente foi notificado dos documentos de cobrança nº 2013 … e nº 2013 …, para pagamento das segunda e terceira prestações.

[4] Neste sentido, cita o Requerente J. SILVÉRIO MATEUS e L. CORVELO DE FREITAS os quais referem que “(…) a lei fiscal não fornece o conceito de cada um dos tipos de prédios urbanos enunciados (…) [artigo 6.º do Código  IMI]. Como já se observou, o n.º 2 limita-se a remeter, em primeira linha, para a utilização atribuída pelo licenciamento e, na falta de licença, para o critério da afectação normal” (in Os Impostos sobre o Património Imobiliário”, Editora Rei dos Livros, 2005, página 116).

[5] Nesta matéria, cita também o Requerente a jurisprudência arbitral tributária, que “(…) define os prédios habitacionais como aqueles que (…) são classificados em função da respectiva licença autárquica ou, não existindo esta, em decorrência do uso normal (…) ou (…) destino normal do prédio (…), por oposição aos terrenos para construção que (…) são definidos em função da sua potencialidade legal (…)” [cf. decisão  proferida no processo n.º 49/2013-T] e “no mesmo sentido, entre outras, a decisão de 15.09.2014 proferida no processo n.º 198-T/2014; a decisão de 16.10.2014 proferida no processo n.º 202/2014-T e a decisão de 05.09.2014 proferida no processo n.º 12/2014- T”.

[6] Neste sentido, cita o Requerente a decisão arbitral proferida no processo nº 53/2013-T, datada de 02.10.2013, nos termos da qual “à face daqueles significados das palavras afectação e afectar, que são dar destino ou aplicar, a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange manifestamente, os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais (…)”.

[7] A este respeito, cita o Requerente entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do qual “(…) nesta alteração sem cariz interpretativo, estatui-se que, para o futuro, que os terrenos para construção, com valor patrimonial tributário igual ou superior a 1 milhão de euros, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (…)” (cf. Acórdão de 2.07.2014, proferido no âmbito do processo nº 0467/14).

[8] Reitera o Requerente, neste âmbito, que Supremo Tribunal Administrativo “se tem pronunciado (…) no sentido de que os terrenos para construção não são considerados prédios urbanos com afetação habitacional para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, na redação conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro”, nomeadamente, através do Acórdão de 09.04.2014, proferido no âmbito do processo nº 048/14, nos termos do qual “não tendo o legislador definido o conceito de prédios (urbanos) com afectação habitacional, e resultando do artigo 6º do Código do IMI subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional”.

[9] Neste âmbito, cita o Requerente o Acórdão nº 84/2003, de 12.01.2003, do Tribunal Constitucional, nos termos do qual é referido que “o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério (…)”, consistindo “(…) este critério (…) que a incidência e a repartição dos impostos (…) se deverá fazer segundo a capacidade económica ou capacidade de gastar (…) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba (…).

[10] Neste âmbito, o Requerente cita também o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais na abertura do debate de apreciação na generalidade das medidas previstas na identificada Lei (in Diário da Assembleia da República, I Série, Número 9, de 11 de outubro de 2012, págs. 32 e ss).

[11] Como refere o Requerente, neste sentido já se pronunciou a decisão arbitral de 24.02.2014, proferida no processo nº 218/2013-T, na qual se defende que “(…) a tributação pelo verba 28.1, da TGIS, conduz a manifesta iniquidade na medida em que deixa fora dessa tributação (…) bens imóveis do mesmo sujeito passivo que, embora (…) afetos a fins habitacionais, têm, cada um, VPT inferior a 1.000.000 mas que no seu conjunto perfazem um VPT superior (…) a € 1.000.000”.

[12] Neste sentido, cita o Requerente o Acórdão nº 353/2012 do Tribunal Constitucional, de 05.07.2012, “o qual, versando sobre questão diversa (…) conclui, em termos gerais, que a prossecução do objetivo da redução do défice público (…) não pode justificar a violação dos princípios estruturantes do Estado de Direito”.

[13] Neste sentido, cita o Requerente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26.02.2003 e de 8.07.2009, proferidos no âmbito dos processos nº 6195/12 e nº 530/09, respetivamente.

[14] Neste âmbito, o Requerente cita Jorge Lopes de Sousa que, em anotação ao artigo 205º do CPPT, identifica requisitos cumulativos da duplicação de coleta, requisitos que o Requerente considera verificados na liquidação em crise datada de 21.03.2013.

[15] A este respeito, refira-se ainda que, perante situação fáctica idêntica à presente, o Tribunal Arbitral concluiu já pela duplicação de coleta, (decisão arbitral nº14/2014-T).

[16] Neste sentido, cita o Requerente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 6.10.2010 e de 15.4.2009 , proferidos no âmbito dos processos nº 667/10 e nº 65/09, respetivamente.

[17] Nesta matéria, refere a Requerida que “conforme resulta da expressão valor das edificações autorizadas, constante do art. 45.º, n.º2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI” (neste sentido, cita a Requerida o Acórdão do TCAS n.º 04950/11, de 14/02/2012.

[18] Neste âmbito, tendo em conta que no pedido de pronúncia arbitral está incluído o pedido de sindicância dos actos de indeferimento dos Recursos Hierárquicos interpostos das decisões de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas contra as liquidações de Imposto do Selo em crise, como forma de poder declarar, em última instância, a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo objecto do pedido (os quais foram notificados ao Requerente em 24 de Abril de 2015 e em 25 de Maio de 2015), a decisão do recurso hierárquico que comporte a apreciação da legalidade de acto de liquidação está abrangida na previsão da alínea e) do nº 1 do artigo 102º, pelo que lhe é sempre aplicável o prazo de 90 dias (três meses, a partir de 1 de Janeiro de 2015) a contar da respectiva notificação.

Assim, tendo em consideração o disposto no n° l do artigo 102° do CPPT (na redacção dada pela Lei nº
66-B/2012, de 31 de Dezembro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2013), o prazo de dedução da impugnação judicial é de três meses contados dos factos enumerados naquele artigo, nomeadamente, “da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código”, bem como o previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT que estabelece que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão (….) do recurso hierárquico”, pelo que, tendo em conta a data da interposição do pedido de pronúncia arbitral (27 de Julho de 2015), o pedido é tempestivo.

[19] O ano de imposto aparece identificado na nota de cobrança como “Lei 55A/2012”.

[20] Neste sentido, vide Acórdão TCAS Processo 07648/14, de 10 de Julho.

[21] Vide Decisão Arbitral nº 48/2013-T, de 9 de Outubro.

[22] Cfr. Acórdão TCAS Processo 5320/12, de 2 de Outubro, Acórdão TCAS Processo 7073/13, de 12 de Dezembro e Acórdão TCAS 2912/09, de 27 de Março de 2014.

[23] De acordo com este artigo, a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação, tendo em conta a unidade do sistema jurídico.

[24] Disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.

[25] Conforme já referido em diversas Decisões Arbitrais emitidas pelo CAAD (nomeadamente, no Processo nº 48/2013-T, de 9 de Outubro).

[26] Introduzido pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

[27] Vide neste sentido Acórdão STA 048/14, de 9 de Abril e Acórdão STA 0272/14, de 23 de Abril.

[28] Vide neste sentido Acórdão STA 048/14, de 9 de Abril e Acórdão STA 0272/14, de 23 de Abril.

[29] Neste âmbito, refira-se que tendo em consideração o disposto no artigo 103º, nº 3, da CRP (proibição da retroactividade autêntica da lei fiscal), não é possível admitir a aplicação da nova redacção da verba 28.1. da TGIS (em vigor desde 1 de Janeiro de 2014) a uma liquidação de Imposto do Selo que diga respeito ao ano de 2013, pois estaríamos perante a aplicação de uma lei nova a um facto tributário anterior (dado que este facto ocorreu a 31 de Dezembro de 2013 sendo, por isso, anterior à entrada em vigor da nova redacção da lei).

Ainda nesta matéria, e em apoio à interpretação da norma constitucional, torna-se também importante mencionar o disposto no artigo 12º, nº1 da LGT, nos termos do qual “as normas tributárias aplicam-se a factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos”.

Em matéria judicial, o Tribunal Constitucional (TC), na sua jurisprudência em matéria fiscal, designadamente, no Acórdão nº 128/2009, de 12 de Março considerou que decorre do artigo 103º, nº 3, CRP que “qualquer norma fiscal (…) será constitucionalmente censurada quando assuma natureza retroactiva, sendo a expressão retroactividade usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico”, ou seja, “proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável”.

[30] Na apresentação e discussão na Assembleia da República da proposta de Lei nº 96/XII – 2ª (que deu origem à Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais terá referido expressamente que “o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor (…) sendo a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação.  Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013 e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros” [Vide Diário da Assembleia da República (DAR I Série nº 9/XII, de 11 de Outubro, pag. 32)].

[31] Vide Acórdão STA 048/14, de 9 de Abril, Acórdão STA 0272/14, de 23 de Abril, Acórdão STA 0505/14, de 29 de Outubro e Acórdão STA 0740/14, de 10 de Setembro.

[32] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, in “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Ed., 2012, página 116).

[33] Sobre a temática dos juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo autor (Sousa, Jorge Lopes), Juros nas relações tributárias, in “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, página 155 e sgts).

[34] Neste âmbito, vide Acórdão do STA Processo nº 1052/04, de 30 de Novembro de 2004.

[35] Nesta matéria, vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, in “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Ed., 2012, página 869).