Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 130/2021-T
Data da decisão: 2022-05-03  IRC  
Valor do pedido: € 276.863,85
Tema: IRC; organismos de investimento coletivo; liberdade de circulação de capitais; dividendos; discriminação de não residentes.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Despacho preliminar

Em relação ao Requerente urge clarificar de imediato uma questão suscitada pela AT na Resposta, que tem a ver com a identidade do mesmo.

Afirma a AT que o Requerente não prova a qualidade de entidade equiparada a um organismo de investimento coletivo (OIC) constituído de acordo com a legislação nacional, uma vez que nos documentos 1, 4 e 5 juntos à petição inicial surge a designação “B...”, o que não permite confirmar que a entidade plasmada nesses documentos corresponde ao Requerente.

Ora, resulta da documentação junta aos autos que embora a identificação do Requerente no introito padeça de um lapso atinente à falta da aposição da expressão “B...”, certo é que a documentação apresentada identifica claramente o Fundo em causa nestes autos.

Em consequência, o Requerente será identificado como A... GMBH, entidade gestora do fundo de investimento imobiliário B... .

 

 

  • RELATÓRIO

 

  1.  Requerente

 A... GMBH, entidade gestora do fundo de investimento imobiliário B... .

 

  1. Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) representada pela dr.ª ... e pela dr.ª ... .

 

  1. Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral

 

  1. O pedido de pronúncia arbitral do Requerente foi apresentado em 1 de março de 2021 e aceite pelo CAAD no dia 3 imediato.
  2. Nenhuma das partes indicou árbitro.
  3. O Tribunal, integrado pelos signatários, ficou constituído em 31 de Maio de 2021.
  4.  Em 16 de Junho, a AT solicitou a prorrogação por 20 dias do prazo para apresentação da Resposta, que foi concedido nessa mesma data, por despacho do Presidente do Tribunal.
  5. A Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o PA em 31 de agosto de 2021.
  6. Na Resposta a AT solicitou a suspensão da instância até à prolação da sentença a proferir no proc. n.º C-545/19 do TJUE.
  7. A 14 de setembro o Requerente pronunciou-se contra a suspensão da instância.
  8. A 29 de setembro o Tribunal prescindiu da reunião prevista no art.º 18º do RJAT e solicitou às partes alegações escritas sucessivas.
  9. O Requerente apresentou Alegações a 14 de outubro e a AT em 28 de mesmo mês.
  10. A 29 de outubro, o Tribunal prorrogou o prazo para proferir a decisão por dois meses, contados a partir de 31 desse mesmo.
  11.  A 16 de novembro, o Requerente juntou um requerimento a contestar o pedido da AT formulado nas alegações, no sentido de serem desentranhados documentos por si juntos aos autos, requerimento sobre o qual o  Tribunal a seguir se pronunciará.
  12. A 15 de dezembro, o Tribunal determinou a suspensão da instância até à decisão do TJUE proferida no proc. n.º C-545/19.
  13. A 17 de março de 2022, após conhecimento do acórdão proferido pelo TJUE no  proc. n.º C-545/19, o Tribunal solicitou às partes que, no prazo simultâneo de 10 dias se pronunciassem acerca da relevância dessa decisão para o litígio em apreciação nos presentes autos.
  14. O Requerente apresentou a pronuncia a 25 de março e  a Requerida a 1 de Abril.
  15. Por despacho de 26 de março de 2022, o Tribunal levantou a suspensão da instância e prorrogou o prazo para prolação da decisão por dois meses, a contar do dia 25 de março.

 

 

  • PEDIDO

O Requerente formulou o seguinte pedido:

  1. declaração de ilegalidade dos atos tributários de retenção na fonte respeitantes a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referentes aos períodos de tributação de 2018 a 2020, no montante global de 276.863,85 EUR;
  2. declaração da ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada relativamente aos atos identificados na alínea anterior;
  3. reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

 

  • POSIÇÃO DAS PARTES

 

  1. Do Requerente

Afirma o Requerente no pedido de pronúncia arbitral, o seguinte:

O Requerente é um Fundo de Investimento Imobiliário Especial que atua a coberto de um contrato celebrado com o A... GMBH, o investidor e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários. Não tem sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente fiscal na Alemanha.

Nos anos de 2018, 2019 e 2020 o Requerente detinha 100% das participações sociais diretas (no montante de €50.000,00) na sociedade comercial portuguesa C..., S.A.. Esta participação gerou ao Requerente dividendos no montante total bruto de 923.684,00 no período compreendido entre 1 de agosto de 2018 e 5 de maio de 2020, que foram sujeitos a tributação em Portugal, tendo 138.552,60 EUR sido objeto de retenção na fonte a título de IRC.

No mesmo período o Requerente auferiu juros no montante total bruto de 922.074,99 EUR, que também foram sujeitos a tributação em Portugal, tendo 138.311,25 EUR sido objeto de retenção na fonte a título de IRC.

A 31 de julho de 2020, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra aqueles atos tributários de retenção na fonte, não tenho sido proferida qualquer decisão administrativa até ao momento da apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

O Requerente considera ilegais os atos de retenção na fonte, por violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no art.º 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e, consequentemente, do primado do Direito da União Europeia consagrado no art.º 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

Os juros e dividendos pagos por entidades localizadas em território português encontram-se sujeitos a tributação em sede de IRC, quer a entidade beneficiária dos mesmos disponha, ou não, de sede ou direção efetiva em Portugal, nos termos do art.º 4.º, n.º 3, alínea c), subalínea 3), do CIRC.

Quanto à forma de liquidação e pagamento, relativamente às entidades não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal, como é o caso do Requerente, a tributação ocorre por via de retenção na fonte com carácter definitivo aquando do respetivo pagamento/vencimento, como resulta do regime do art.º 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 6, do CIRC.

No que diz respeito às entidades residentes o regime é diferente: a perceção dos rendimentos é igualmente de retenção na fonte, mas esta assume a natureza de imposto por conta do imposto devido a final, nos termos do art.º 94.º, n.º 3, do CIRC. Esta retenção é posteriormente relevada na liquidação de IRC referente ao exercício no qual haja sido efetuada, através de uma dedução à coleta, diminuindo o imposto a pagar a final e sendo passível de reembolso, na medida em que o seu valor exceda o da dívida total de imposto, nos termos dos art.ºs 90.º, n.º 2, alínea e), e 104.º, n.ºs 2 e 3, do CIRC.

Quanto às taxas de IRC, a tributação liberatória das entidades não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal é, em princípio, efetuada à taxa de 25% (art.º 87.º, n.º 4, do CIRC), enquanto as entidades residentes, sofrendo uma retenção na fonte não-liberatória à taxa de 25% – de acordo com o disposto nos art.ºs 94.º, n.º 4, do CIRC –, são tributadas à taxa geral de 21% prevista no art.º 87.º, n.º 1, do CIRC.

Assim, poderia à primeira vista parecer que quaisquer entidades – incluindo organismos de investimento coletivo –, quer não residentes e sem estabelecimento estável, quer residentes em Portugal, se encontrariam sujeitas à mesma carga tributária. Todavia, por força do benefício fiscal atribuído aos organismos de investimento coletivo residentes (os quais, “se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”) pelo art.º 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), a tributação de organismos de investimento coletivo não residentes afigura-se mais gravosa do que a tributação de idênticas entidades que residam em território nacional, o que reflete uma violação da liberdade de circulação de capitais prevista no art.º 63.º do TFUE.

Porém, sucede que apenas parte dos rendimentos auferidos por tais fundos estão sujeitos a tributação em sede de IRC, ditando o n.º 2 do art.º 22.º do EBF que “O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte”. E neste contexto, o n.º 3 do art.º 22.º do EBF preceitua: “Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos art.ºs 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no art.º 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1”.

Resulta desta disposição que, apesar de, em tese, os organismos de investimento coletivo residentes estarem sujeitos a tributação em Portugal, os mesmos encontram-se desonerados de tributação em sede de IRC relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território nacional: i) rendimentos de capitais, nos termos do art.º 5.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”); ii) rendimentos prediais, nos termos do art.º 8.º do CIRS; e iii) mais-valias, nos termos do art.º 10.º do CIRS.

Face ao disposto no art.º 5.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e h) do CIRS, os rendimentos da Requerente acima referenciados configuram a perceção de rendimentos de capital na aceção do art.º 5.º do CIRS.

Ora, nos termos dos art.ºs 22.º, n.os 1 e 3, do EBF e 5.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e h), do CIRS, os organismos de investimento coletivo residentes não são tributados, a final, pelo auferimento de rendimentos de capitais. Para além disso, também não são tributados no momento do seu pagamento ou colocação à disposição, por força do disposto no art.º 22.º, n.º 10, do EBF:  “Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1”. Pelo que, à luz do art.º 22.º, n.º 10, do EBF, os rendimentos percecionados pelos organismos de investimento coletivo residentes não se encontram sujeitos a retenção na fonte em território português.

A Circular n.º 6/2015, de 17 de junho de 2015, evidencia bem a diferença de tratamento tributário subjacente à perceção de rendimentos de capitais por organismos de investimento coletivo não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal

Assim, o Requerente não só se encontra sujeita a retenção na fonte nos termos gerais – contrariamente a entidades idênticas residentes em território nacional – como, não configurando o Requerente um organismo de investimento coletivo constituído e a operar de acordo com a legislação portuguesa, não está desonerada de tributação a final pela perceção de rendimentos de capitais nos termos do art.º 22.º, n.ºs 1 e 3, do EBF.

Bem se compreende, pois, que o Requerente entenda que a não aplicação de um regime de exclusão de tributação semelhante ao previsto naquela disposição do EBF – na medida em que se funda exclusivamente no facto de a entidade beneficiária dos rendimentos de capitais não estar localizada em Portugal – consubstancia uma discriminação injustificada em função da nacionalidade (proibida, por isso, pelo art.º 18.º do TFUE) e, concomitantemente, em função do lugar da residência. 54.º

Na medida em que coloca as sociedades residentes – OIC -  em Portugal, que aufiram rendimentos de capitais junto de outras sociedades portuguesas, numa situação de vantagem relativamente às sociedades residentes noutros Estados-Membros da União Europeia que efetuem investimentos semelhantes, a discriminação assinalada é, no entendimento do Requerente, proibida pelo art.º 63.º do TFUE, constituindo uma restrição à liberdade de circulação de capitais, como adiante se passa a demonstrar.

Acrescenta o Requerente que por sua vez, o art.º 94.º, n.º 1, alínea c), do CIRC, refere: “O IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português: (…) Rendimentos de aplicação de capitais (…) tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade”. Retenção essa que reveste caráter liberatório, de acordo com o disposto no art.º 94.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, nos termos do qual “(…) As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, exceto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo: (…) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis”.

Resulta, assim, da interpretação daquelas normas que os rendimentos de capitais pagos por uma sociedade localizada em território português ficam excluídos de qualquer tributação em IRC – não sendo sujeitos a retenção na fonte aquando da respetiva distribuição/vencimento nem integrando o respetivo lucro tributável – quando a entidade beneficiária desses rendimentos seja um fundo residente (constituído e a operar nos termos da legislação portuguesa). Todavia, tratando-se de rendimentos de capitais pagos por uma sociedade localizada em Portugal a um fundo estrangeiro, tais rendimentos ficam sujeitos a retenção na fonte, a título liberatório, aquando da respetiva colocação à disposição e vencimento.

Na situação em análise, o único requisito previsto na legislação portuguesa que não se mostrava verificado na esfera da Requerente – e que determinou os atos de retenção na fonte sub judice – foi o facto desta sociedade ser constituída e operar nos termos da legislação da Alemanha.

O Requerente entende que as liberdades fundamentais previstas no TFUE se opõem à aplicação dos art.ºs 87.º, n.º 4, e 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 6, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, cumprindo recordar que, de acordo com o art.º 8.º, n.º 4, da CRP, o Direito da União Europeia é aplicável na ordem interna nos termos do direito europeu, isto é, por força do primado da legislação europeia sobre o direito nacional, conforme se infere igualmente do disposto no art.º 8.º, n.º 2, da CRP e do art.º 1.º, n.º 1, da LGT.

Aspeto que tem sido sucessivamente reafirmado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) desde os acórdãos Costa contra Enel (6/64) e Simmenthal (106/77) nos seguintes termos: “Além do mais, por força do princípio do primado do direito comunitário, as disposições do Tratado e os atos das instituições diretamente aplicáveis têm por efeito, nas suas relações com o direito interno dos Estados-membros, não apenas tornar inaplicáveis de pleno direito, desde o momento da sua entrada em vigor, qualquer norma de direito interno que lhes seja contrária, mas também – e dado que tais disposições e atos integram, com posição de precedência, a ordem jurídica aplicável no território de cada um dos Estados-membros – impedir a formação válida de novos atos legislativos nacionais, na medida em que seriam incompatíveis com as normas do direito comunitário” (cfr. acórdão Simmenthal, 106/77, § 17).

Sendo reconhecido, igualmente, pela mais relevante doutrina portuguesa ao afirmar que “(…) a uniformidade do Direito Comunitário impõe o primado de todo o Direito Comunitário (originário, isto é, os tratados, e derivado, quer dizer, as normas e os atos emanados dos órgãos comunitários) sobre todo o Direito estadual (inclusive a Constituição), seja este anterior ou posterior aos tratados comunitários ou à norma comunitária concretamente em causa. Por outras palavras: impõe necessariamente que o Direito Comunitário, na hierarquia das fontes de Direito de cada Estado Membro ocupe um grau supra constitucional. O primado do Direito Comunitário tem, pois, de ser absoluto e incondicional – sob pena de não haver primado” (cfr. GONÇALVES PEREIRA E FAUSTO QUADROS, MANUAL DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO, ALMEDINA, 1997, PP. 125 E 126).

BEN TERRA e PETER WATTEL esclarecem que “Para que as liberdades do TFUE possam ser invocadas, é necessária uma capacidade abrangida pelo âmbito das disposições referentes à livre circulação, e.g. trabalhador fronteiriço, fornecedor ou consumidor de prestações transfronteiriças de bens ou serviços, empresário estabelecendo-se no estrangeiro, investidor a investir no estrangeiro, etc. As quatro liberdades não abrangem situações puramente domésticas de um único Estado-membro. Assim, em princípio, dois testes devem ser superados para a aplicação do Tratado: (i) capacidade (trabalhador, empresa, investidor, etc.) e (ii) elemento transfronteiriço.” (cfr. EUROPEAN TAX LAW, WOLTERS KLUWER, 2012, P. 26, TRADUÇÃO DA REQUERENTE).

Partindo dos critérios sumariados por BEN TERRA e PETER WATTEL claramente se constata que a situação em presença beneficia da proteção das liberdades fundamentais europeias, em concreto da livre circulação de capitais, consagrada no art.º 63.º, n.º 1, do TFUE, uma vez que: o Requerente é investidora; trata-se de uma situação claramente detentora de um elemento transfronteiriço, em que o Requerente, residente na Alemanha, investe em Portugal mediante aquisição de ações de sociedades com sede em território nacional.

A liberdade de circulação de capitais prevista no art.º 63.º do TFUE inclui todas as formas de investimento direto, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais, o que motiva que a doutrina venha considerando que a mesma engloba “(…) qualquer transferência de valores de um Estado para outro ou, no interior de cada Estado, qualquer transferência para um não residente” (cfr. MOTA CAMPOS, MANUAL DE DIREITO COMUNITÁRIO, VOLUME III, 2004, EDIÇÕES FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, P. 397).

O TJUE tem entendido que o conceito de movimento de capital abrange toda e qualquer transferência de capital, onerosa ou não, de um Estado para outro, incluindo a associada a contratos de mútuo, investimentos de carteira, constituição de sucursais e filiais, operações sobre títulos transacionados no mercado de capitais, etc.

Neste contexto, JOÃO SÉRGIO RIBEIRO refere: “(…) o TJ confirmou em vários acórdãos, ao fazer uma lista não exaustiva dos movimentos de capital, que a terminologia aplicada a esses movimentos no Anexo I da Diretiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de junho de 1988, para a implementação do antigo art.º 67.º do TCE, hoje revogado, ainda tem alguma relevância. Aliás, isso foi reconhecido pelo TJ no caso Trummer and Meyer, ao mesmo tempo que se evidenciou a circunstância de o art.º 63º do TFUE reproduzir, de certo modo, o conteúdo do art.º 1º da Diretiva 88/361/CEE. (…) A referência ao anexo da diretiva a que se tem vindo a aludir não impede, porém, que constituam movimentos de capitais, nos termos do art.º 63.º, n.º 1, do TFUE, outras operações, aí não previstas. Um exemplo especialmente relevante para a discussão que nos ocupa é o pagamento de dividendos por parte de uma empresa estrangeira. O art.º 63.º do TFUE assegura tanto a liberdade de circulação de capitais como de pagamentos” (cfr. DIREITO FISCAL DA UNIÃO EUROPEIA – TRIBUTAÇÃO DIRETA, ALMEDINA, 2018, PP. 53 E 54).

No caso concreto, a legislação portuguesa em análise será assim potencialmente violadora da liberdade de circulação de capitais prevista no art.º 63.º do TFUE, estabelecendo esta disposição, no seu n.º 1, que “(…) são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros”.

Se, de facto, o TJUE reconhece, em geral, os elementos de conexão do Direito tributário internacional – residência e fonte –, aceitando um tratamento diferenciado entre entidades nacionais e não nacionais – conforme reconhecido pelo TJUE, designadamente nos acórdãos Futura Participations (C-391/97), Marks & Spencer (C-446/03) e Denkavit II (C-170/05) –, a admissibilidade de tal diferenciação restringe-se aos casos em que ambos não se encontrem em situações objetivamente comparáveis.

Assim, e para determinar se esta diferença de tratamento fiscal constitui uma discriminação em violação da liberdade de circulação de capitais prevista no art.º 63.º do TFUE, caberá aferir se a situação é objetivamente comparável, tendo por base a jurisprudência uniforme do TJUE que refere que “(…) a discriminação consiste na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou na aplicação da mesma regra a situações diferentes” (cfr. entre outros, acórdão ACT 4, C-374/04, § 46).

Posto de outro modo, de acordo com uma interpretação de substância sobre a forma, um organismo de investimento coletivo residente e um organismo de investimento coletivo não residente em território nacional estarão numa situação comparável se apresentarem uma conexão comum com o sistema fiscal desse Estado-Membro.

No entender do Requerente, a situação na qual uma sociedade portuguesa paga rendimentos de capitais a outro organismo de investimento coletivo residente em Portugal é comparável à situação que está na origem do presente procedimento, em que esses rendimentos lhe são pagos na sua qualidade de residente na Alemanha ou em qualquer outro Estado-Membro.

De acordo com as regras e princípios do Direito da EU, nas situações como a que se analisa, impende sobre o Estado Português a obrigação de, no âmbito do exercício da sua soberania tributária sobre os rendimentos auferidos pelo Requerente, tratar os mesmos de modo equiparável aos rendimentos auferidos por um residente em situação análoga – ou seja, de não discriminar entre nacionais e não nacionais (cfr. art.º 18.º do TFUE).

Ora, essa obrigação de não discriminar implica, necessariamente, que também os benefícios ou vantagens de natureza fiscal atribuídos a nacionais devam ser concedidos, nas mesmas condições, a não nacionais.

Conclui-se que a aplicação dos art.ºs 87.º, n.º 4, e 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 6, do CIRC, na medida em que implicou uma tributação por retenção na fonte sobre os rendimentos de capitais percecionados pelo Requerente, a qual não ocorreria caso os mesmos tivessem sido percecionados por um organismo de investimento coletivo residente em Portugal, consubstancia uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais prevista no art.º 63.º do TFUE.

Não se argumente que, de acordo com os princípios de Direito fiscal da União Europeia, caberia à Alemanha, na qualidade de Estado de residência da Requerente, mitigar ou eliminar a dupla tributação sobre os rendimentos percecionados. Porque sempre se dirá que tal seria irrelevante, na medida em que, qualquer que fosse o tratamento fiscal incidente sobre os rendimentos de capitais no respetivo Estado de residência, o mesmo não permitiria neutralizar a restrição à livre circulação de capitais em análise – ou seja, a tributação em sede de IRC tida lugar em Portugal.

Termos em que, o Requerente, recebendo rendimentos de capitais de fonte portuguesa, se encontrava numa situação comparável à de um organismo de investimento coletivo situado em Portugal, deveria ter sido tratada de modo idêntico – princípio do tratamento nacional (cfr. art.º 18.º do TFUE). Não tendo tal sucedido, o regime derivado do art.º 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF traduz-se num tratamento fiscal manifestamente discriminatório dos organismos de investimento coletivo não residentes em Portugal, consubstanciando uma restrição à liberdade de circulação de capitais consagrada no art.º 63.º do TFUE, pronunciando-se, em igual sentido, a jurisprudência do TJUE, designadamente no acórdão Amurta (C-379/05).

Acrescenta o Requerente que resulta da jurisprudência do TJUE sobre o art.º 65.º do TFUE – em particular dos acórdãos Verkooijen (C-35/98), Manninen (C-319/02) e Amurta (C-379/05) – que, para que uma legislação fiscal como a portuguesa possa ser considerada compatível com as disposições do TFUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que se mostre verificado um dos dois requisitos alternativos: i) a diferença de tratamento respeite a situações não comparáveis objetivamente, ou ii) a diferença de tratamento se justifique por razões imperiosas de interesse geral (a denominada “rule of reason” ou regra da razoabilidade) – sejam elas a necessidade de salvaguardar a coerência do regime fiscal, prevenir a evasão fiscal ou evitar a diminuição de receitas fiscais –, devendo, em tal caso, não apenas ser adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue, mas também não ultrapassar o que é necessário para atingir esse objetivo, respeitando um princípio de proporcionalidade.

Relativamente ao primeiro requisito alternativo, a situação pela qual uma sociedade portuguesa paga rendimentos de capitais a um organismo de investimento coletivo localizado em Portugal é objetiva e inequivocamente comparável à situação na qual este organismo é, como no presente caso, residente na Alemanha.

Quanto ao segundo requisito alternativo, o Requerente entende que não se mostra verificada qualquer razão imperativa de interesse geral, suscetível de justificar o tratamento discriminatório provocado pelo art.º 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF com a consequente restrição ao exercício da liberdade de circulação de capitais prevista no art.º 63.º do TFUE.

Cumpre também afastar uma eventual justificação da discriminação em função da hipotética situação tributária dos detentores de unidades de participação dos organismos de investimento coletivo localizados em território nacional, porque a exoneração de tributação destes organismos é absolutamente independente da possível tributação dos detentores de unidades de participação, não tendo sequer em consideração a situação fiscal destes últimos (cfr. acórdão Santander Assett Management SGIIC SA, C-338/11 e C-347/11, 10.05.2012, § 32).

Com efeito, de acordo com a jurisprudência do TJUE a partir do momento em que determinado Estado-Membro sujeita a imposto os dividendos auferidos por um investidor não residente, a situação deste torna-se comparável à de um investidor residente (cfr. neste sentido, designadamente, acórdão Aberdeen Property Fininvest Alpha Oy, processo C- 303/07, de 18.06.2009).Neste sentido, decidiu o TJUE no acórdão Emerging Markets Series que “Quanto à questão da comparabilidade, importa, em primeiro lugar, precisar que, em relação a uma norma fiscal, como a que está em causa no processo principal, que pretende evitar a tributação dos dividendos distribuídos pelas sociedades residentes, a situação de um fundo de investimento beneficiário residente é comparável à situação de um fundo de investimento beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de uma dupla tributação económica ou de uma tributação em cadeia.” (cfr. processo C-190/12, de 10.04.2014).

Acresce que não se pode justificar a restrição em causa pelo risco de evasão fiscal uma vez que, tal como sistematicamente reiterado pela jurisprudência europeia, esse fundamento não justifica, por si só, uma restrição fiscal à livre circulação de capitais caso a sua invocação não seja concatenada com um objetivo específico de luta contra expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cujo objetivo seja eludir o imposto normalmente devido.

Por outro lado, a perda de receitas fiscais pelo Estado Português, que ocorreria com a dispensa de retenção na fonte e concomitante exoneração de tributação, também não pode considerar-se como uma razão justificativa para o tratamento diferenciado, que se constata existir no caso em apreço entre rendimentos de capitais pagos a entidades que sejam organismos de investimento coletivo localizados em Portugal face a organismos de investimento coletivo localizados em qualquer outro Estado-Membro da União Europeia.

Com efeito, “(…) a título liminar, importa recordar a jurisprudência constante, segundo a qual a redução de receitas fiscais não constitui uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar uma medida em princípio contrária a uma liberdade fundamental” (cfr. acórdão Lankhorst, C-324/00, § 36 e, em igual sentido, acórdão Amurta, C-379/05). O que se deve ao facto de o TJUE entender que quaisquer objetivos de natureza puramente económica não podem justificar um entrave às liberdades fundamentais (cfr. acórdão Nicolas Decker, C-120/95, § 39).

Mais se refira que uma situação análoga à ora suscitada já foi julgada pelo TJUE no acórdão Santander Asset Management SGIIC SA proferido em 10 de maio de 2012 nos processos n.os C-338/11 e C-347/11.

No sentido de que tal regulamentação comporta uma restrição à liberdade de circulação de capitais julgou o TJUE que “[u]ma tal diferença de tratamento fiscal entre OICVM em função do seu lugar de residência é suscetível de dissuadir, por um lado, os OICVM não residentes de procederem a investimentos em sociedades com sede em França e, por outro, os investidores que residem em França de adquirirem participações em OICVM não residentes. Por conseguinte, a referida regulamentação constitui uma restrição à livre circulação de capitais, a qual é, em princípio, proibida pelo art.º 63.° TFUE” (cfr. acórdão Santander Asset Management SGIIC SA, processos n.ºs C-338/11 e C-347/11, 10.05.2012, § 17 e 18).

Em mais de um aresto concluiu o Tribunal que “(…) os art.ºs 63.° TFUE e 65.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que prevê a tributação, através de uma retenção na fonte, dos dividendos de origem nacional quando são recebidos por OICVM residentes noutro Estado, ao passo que tais dividendos são isentos do imposto a cargo dos OICVM residentes no primeiro Estado” (cfr. acórdão Santander Asset Management SGIIC SA, processos n.ºs C-338/11 e C-347/11, 10.05.2012, § 63).

Refira-se ainda, por fim, que a mesma questão foi também conhecida na decisão arbitral proferida em 23 de julho de 2019 no processo n.º 90/2019-T, tendo o Tribunal concluído no sentido da ilegalidade dos atos de retenção na fonte contestados, ditando que “Como tem sido sucessivamente afirmado pelo TJUE, a liberdade de circulação de capitais consagrada no art.º 63.º do TFUE deve ser interpretada em sentido amplo e as possibilidades de restrição à mesma, previstas e limitadas no art.º 65.º do mesmo Tratado devem ser indispensáveis à prossecução de interesses públicos ponderosos, devidamente fundamentadas e interpretadas de maneira restritiva. É sobre o Estado português que recai o ónus de provar que os seus objetivos fiscais e financeiros não poderiam ser prosseguidos por meios alternativos menos restritivos do que a diferença de tratamento fiscal em causa, ónus esse que manifestamente não foi cumprido pela argumentação expendida pela AT, sem prejuízo de se reconhecer o empenhado e competente esforço nesse sentido. A orientação de fundo seguida pela jurisprudência do TJUE sobre o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais, os seus limites e os limites dos limites, torna inviável essa missão probatória no caso concreto. (…) Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral: Declarar a ilegalidade dos atos tributários de retenção na fonte ora sindicados por erro nos pressupostos de direito, a saber, por violação da liberdade de circulação de capitais consagrada no art.º 63.º do TFUE”.

Posição essa que, conclua-se, tem merecido acolhimento unânime na jurisprudência que se tem pronunciado sobre a presente questão, como refletem as seguintes decisões arbitrais: i. de 11 de janeiro de 2021, no processo n.º 922/2019-T; de 6 de novembro de 2020, no processo n.º 11/2020-T; iii. de 19 de outubro de 2020, no processo n.º 926/2019-T; iv. de 28 de setembro de 2020, no processo n.º 947/2019-T; v. de 26 de junho de 2020, no processo n.º 548/2019-T; vi. de 9 de março de 2020, no processo n.º 256/2019-T; vii. de 27 de dezembro de 2019, no processo n.º 528/2019-T; viii. de 19 de setembro de 2019, no processo n.º 194/2019-T; ix.  de  23 de julho de 2019, no processo n.º 90/2019-T.

Após a AT na sua Resposta ter pedido a suspensão da instância proferida decisão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) no processo C-545/19, no âmbito do qual se discute exatamente a mesma questão a dirimir nos presentes autos, o Requerente veio aos autos discordar do pedido, porque segundo ela, e a interpretação a dar aos art.ºs 63.º e 65.º do TFUE é clara e tem vindo a ser uniforme e reiteradamente aplicada pelo Tribunal Arbitral, que se pronunciou já no sentido da desnecessidade de suspensão da instância em casos idênticos ao dos autos e, bem assim, sobre a total improcedência dos argumentos constantes das conclusões da Advogada-Geral.

Por outro lado, o Requerente considera que se encontra cabalmente demonstrada a sua qualidade de entidade equiparada a um OIC residente, não subsistindo ademais quaisquer dúvidas, nomeadamente quanto ao efetivo pagamento do imposto, que possam determinar a improcedência destes autos. Do documento n.º 4 junto ao pedido de pronúncia arbitral resulta inequivocamente que o B... é um fundo de investimento imobiliário e, de acordo com a Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, os fundos de investimento imobiliário são OIC. Ora, resultando o regime previsto nessa lei da transposição da Diretiva 2011/61/EU, o B...– constituído de acordo com a legislação alemã, enformada pela mesma Diretiva europeia – é inequivocamente uma entidade equiparada a um OIC residente em qualquer Estado-Membro da União Europeia, designadamente em Portugal.

Não procede igualmente a alegação da Entidade Requerida segundo a qual, em face da falta de apresentação pelo substituto tributário da declaração Modelo 30, não é possível comprovar os rendimentos pagos à Requerente e, bem assim, a retenção na fonte por esta sofrida.  A este respeito, refere que a apresentação desta declaração, é da exclusiva responsabilidade do substituto tributário, não sendo o incumprimento dessa obrigação declarativa imputável ao Requerente.

A isto acresce que o incumprimento dessa obrigação declarativa não implica sequer o desconhecimento por parte da Autoridade Tributária da colocação de montantes à disposição do Requerente, já que o substituto tributário – a C..., S.A. – emitiu guias de retenção na fonte, dando nota das importâncias retidas, do tipo de rendimento a que se referem – «205 – IRC Capitais – Juros de depósitos à ordem ou a prazo» – e da circunstância de tais rendimentos terem sido pagos a um não residente. Subsequentemente, os montantes plasmados em tais guias de retenção na fonte foram entregues pela C..., S.A. junto dos cofres da Fazenda Pública (cfr. doc.s 1 e 2  juntos com o PPA).

A AT baseia a sua argumentação na posição da Advogada-Geral, mas note-se antes de mais que as conclusões da Advogada-Geral refletem apenas a sua opinião sobre o assunto em apreciação, não modificando nem definindo de modo algum a posição do TJUE sobre a questão em apreciação.

Ademais, a possibilidade de suspensão da instância até à prolação de decisão pelo TJUE no processo C-545/19 foi já suscitada por diversas vezes junto do Tribunal Arbitral – veja-se, entre outras, a recente decisão proferida a 6 de novembro de 2020 no âmbito do processo n.º 11/2020-T, em que a questão em análise nesse processo arbitral era precisamente a mesma que a subjacente aos presentes autos, i.e., a conformidade do regime previsto no art.º 22.º do EBF com os art.ºs 63.º e 65.º do TFUE em virtude da diferença de tratamento conferida aos OIC residentes e não residentes: «Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no art.º 267.º do TFUE (que substituiu o art.º 234.º do Tratado de Roma, anterior art.º 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11- 2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593). Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem equacionar a colocação da questão ao TJUE através de reenvio prejudicial. No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do ato aclarado) e quando a correta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do ato claro) (idem, n.º 14). (…) [A]figura-se ser claro que há precedentes na jurisprudência europeia sobre a interpretação dos art.ºs 63.º e 65.º do TFUE, pelo que não se justifica o reenvio prejudicial sobre esta questão, nem que se suspenda a instância até decisão do reenvio prejudicial efetuado no processo arbitral n.º 93/2019-T».

Acresce que os argumentos aventados pela Advogada-Geral no  processo C-545/19 não são novos, tendo o Requerente, no presente pedido de pronúncia arbitral, afastado expressamente a relevância da tributação em sede de Imposto do Selo  a que estão sujeitos os OIC residentes, «uma vez que não se trata do mesmo imposto, ou sequer da mesma lógica tributária-

Também o Tribunal Arbitral se pronunciou já – extensamente – sobre tais argumentos, concluindo que: «A Administração Tributária defende que a não tributação dos OIC’s residentes em sede de IRC é compensada pela tributação trimestral destes em Imposto do Selo, nos termos da verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), e a possibilidade de ser aplicável aos OIC´s residentes tributação autónoma, designadamente a prevista no n.º 11 do art.º 88.º do CIRC. No que concerne à referida tributação em Imposto do Selo, ocorre apenas quando «os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário sejam constituídos e operem de acordo com a legislação nacional» (art.º 4.º, n.º 7, do Código do Imposto do Selo), pelo que se trata, de facto, de uma tributação que não se aplica aos OIC´s não residentes. Mas, esta tributação incide sobre o valor líquido global dos OIC´s residentes, à taxa de 0,0025%, por cada trimestre, quando invistam exclusivamente em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e, nos restantes casos, em que a base tributável poderá incluir os dividendos distribuídos, à taxa 0,0125%, por cada trimestre. É manifesto, porém, que esta tributação em Imposto do Selo que poderá atingir, no máximo, nesta segunda hipótese, a taxa de 0,05% anuais (na soma dos quatro trimestres), apesar de incidir sobre o valor líquido global dos OICS´s, não se pode considerar equivalente à que resulta da tributação dos dividendos em IRC à taxa de 15%, 300 vezes superior. Por outro lado, a tributação autónoma prevista no n.º 11 do art.º 23.º do CIRC, invocada pela Administração Tributária como compensatória da não tributação dos dividendos, aplica-se, à taxa de 23 %, aos lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. No entanto, desde logo, a aplicação desta tributação autónoma tem lugar apenas quando ocorra de detenção de partes sociais por período inferior a um ano, pelo que, não se aplicando em todas as situações, sempre se terá de concluir que não tem potencialidade para assegurar sempre a eliminação da situação de desvantagem dos fundos não residentes […]. Por isso, é de concluir que do art.º 22.º do EBF resulta uma tributação agravada dos OIC´s não residentes em relação aos OIC´s residentes, que não é totalmente compensada pela tributação destes em Imposto do Selo, que é a tributação que apenas onera os residentes». [sublinhados e realces nossos] – cfr. decisão de 6 de novembro de 2020, proferida no processo n.º 11/2020.

Na Resposta a AT solicitou a suspensão da instância até ser decidido pelo TJUE o proc. n.º C-545/19, tendo o Requerente apresentado oposição a esse pedido pelas seguintes razões:

  • Por a interpretação dada pelo TJUE aos art.ºs 63º e 65º do TFUE ser clara e reiteradamente aplicada pelo Tribunal Arbitral;
  • Porque o Tribunal Arbitral já se haver pronunciado no sentido da desnecessidade de suspensão da instância em casos idênticos aos dos autos;
  • Porque a argumentação da AT, baseada na da Advogada-Geral ser totalmente improcedente.

 

  1. Da Requerida

A AT impugnou a pretensão do Requerente, em síntese, pelas seguintes razões.

Os rendimentos auferidos - dividendos e juros - no montante global bruto de € 1.568.895,14 –, estão sujeitos a tributação em Portugal por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos, efetuada por retenção na fonte, a título liberatório, nos termos dos art.º 94.º n.º 1 al. c), n.º 3 al. b) e n.º 4, à taxa de 25% prevista pelo art.º 87.º n.º 4, ambos do CIRC, taxa que foi limitada a 15%, em conformidade com o previsto nos artigos 10.º e 11.º da CDT entre Portugal e a Alemanha.

A Requerida  começa por realçar que no Doc.1 junto à p.i. constam declarações assinadas por “On behalf A... Gmbh”, mencionando, entre outros, os rendimentos e retenções na fonte, pagos pela C..., SA à mesma entidade que assinou as referidas declarações –A... Gmbh, agindo em nome do B... .  Ora, o fundo de investimento imobiliário identificado pelo Requerente na p.i. é o D... e não o B..., pelo que não se sabe se estamos perante a mesma entidade.

A AT considera que o Requerente não prova a qualidade de entidade equiparada a um OIC constituído de acordo com a legislação nacional.

Com efeito, da análise do contrato de empréstimo e da respetiva adenda verifica-se que o mesmo foi celebrado entre o A... Gmbh (anteriormente denominada E... Gmbh), representada pelo “Managing Diretor” e “pelo “Authorized Officer”, por conta do fundo B..., e a C..., SA, constando do mesmo que os juros deverão ser depositados numa conta denominada “E... Gmbh (iii)”, sendo que, que quer o contrato, quer a adenda, apenas se encontram assinadas pelo primeiro outorgante, o A... Gmbh.

Acresce  que a entidade responsável pela retenção na fonte, ou seja, o substituto tributário, não entregou as declarações Modelo 30 a que estava obrigada, não sendo possível confirmar os rendimentos e retenções em causa.

Os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso do Requerente, não estão sujeitos a tributação autónoma sobre os dividendos nem ao imposto do selo, portanto, não pode o Requerente pretender “a aplicação do benefício fiscal relativo a organismos de investimento coletivos localizados em território nacional – com a consequente dispensa de retenção na fonte – resultante do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF”, ignorando que os mesmos se encontram sujeitos a outras formas de tributação sobre idênticas realidades. 26.º.

 Como se extrai do acima exposto, os OICs residentes e os OICs não residentes estão sujeitos a técnicas de tributação diferenciadas, quer no método de cálculo da matéria coletável (stock de capital e rendimentos acumulados), quer na taxa nominal de imposto (0,0125 % do Imposto do Selo, quatro vezes por ano ou 15 % de uma só vez em caso de retenções na fonte de IRC sobre dividendos e juros), quer ainda nas modalidades de cobrança do imposto (trimestral ou no momento do pagamento ou da colocação à disposição).

Importa sublinhar que o TJUE tem sistematicamente reafirmado que “(…) os Estados-Membros continuam a ser competentes para determinar os critérios de tributação dos rendimentos”, mas devem exercer essa competência no respeito pelas liberdades fundamentais”, no sentido de que o tratamento das situações transfronteiriças não seja discriminatório em comparação com o das situações nacionais. 28.º

No pleno uso dessa liberdade, o legislador nacional optou por tributar em IRC os rendimento de juros e dividendos e os rendimentos de capitais, em geral, obtidos em território português por não residentes, incluindo os OICs, pelo mecanismo de retenção na fonte, com carácter liberatório, ao passo que os OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF são tributados em imposto de selo, numa base trimestral, calculado sobre o valor global do património líquido, que agrega os investimentos financeiros e os rendimentos (juros e dividendos) acumulados.

O regime fiscal aplicável apenas constitui uma restrição à livre circulação de capitais, se a diferença de tratamento relativamente aos OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF redunda num tratamento global menos favorável dos OICs não residentes. Como concluiu a Advogada-Geral no proc. n.º C-545/19.

Todavia, só é possível extrair uma tal conclusão sobre a existência de uma tratamento fiscal discriminatório desfavorável se, no que respeita aos juros e dividendos em causa, a tributação em IRC, por retenção na fonte, à taxa de 15%, em conformidade com os artigos 10.º e 11.º da CDT entre Portugal e a Alemanha, conduzir a que o Requerente suporte, a final, uma carga fiscal mais pesada em Portugal do que a imposta a um OIC residente, em imposto do selo, que se encontre na situação do Requerente (ou seja, com os mesmos ativos e rendimentos). Ora, o requerente não fez essa prova.

Em suma, a conclusão sobre a existência do alegado tratamento discriminatório operado pelo artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF suscetível de provocar flagrante violação do TFUE, ao constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais, não pode resultar da mera invocação daqueles normativos do EBF, pois, a análise a empreender não se esgota no confronto de uma tributação versus isenção de IRC, implica uma fundamentação mais exigente que evidencie se a aplicação de técnicas de tributação diferentes redunda, ou não, numa carga fiscal menos favorável dos OIC não residentes.

Em ordem a concluir que as disposições da lei nacional violam a liberdade de circulação de capitais, toda a argumentação do Requerente está alicerçada na premissa – não demonstrada – de que os artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 6, do Código do IRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, ao determinarem uma tributação sobre os rendimentos de capitais pagos a um OIC não residente e uma isenção sobre os rendimentos pagos, nas mesmas condições, aos OIC constituídos e a operar ao abrigo da legislação nacional, consubstanciam prima facie, uma discriminação entre residentes e não residentes em Portugal suscetível de constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE e não justificada em razões imperiosas de interesse geral.

Ora, cabe reiterar que não foi cabalmente demonstrado que a tributação dos juros e dividendos, por retenção, na fonte à taxa de 15% (prevista na CDT) resulte sempre num encargo fiscal significativamente mais oneroso do Requerente do que o que se verificaria por efeito da aplicação do regime fiscal a que se encontram sujeitos os OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF.

Impugna depois a AT o pedido do direito a juros indemnizatórios, por considerar, face à razão que entende ter, não se encontrarem reunidas as condições exigidas para a sua atribuição pelo art.º 43º da LGT.

 

  • Saneamento

1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2 do RJAT e 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

2. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido (art.º 2º, n.º 1, a) do RJAT).

3. O processo não enferma de nulidades;

 

  • Questão  decidenda

A questão a decidir nos presentes autos é a de saber se a exclusão do benefício fiscal consagrado no n.º 3 do art.º 22º do Estatuto de Benefícios Fiscais de um  OIC que não fez prova de se ter constituído segundo a lei portuguesa, nem por esta ser regido, que não tem  sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, e, nos termos do art.º 4.º da Convenção entre a República Portuguesa e a República Alemã para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, sendo  considerado residente pela lei fiscal alemã e aí se encontrando sujeito e não isento (sem possibilidade de opção), ao imposto alemão sobre o rendimento de sociedades,  constitui um tratamento discriminatório proibido pelo art.º 18º do TFUE, bem como constitui  restrições ao princípio da livre prestação de serviços e à liberdade de circulação de capitais, consagrados, respetivamente, nos art.ºs 56º e 63º também do Tratado.

Antes, porém, o Tribunal tem de pronunciar-se acerca da junção de documentos feita com as Alegações pelo Requerente, em 10 de dezembro de 2021.

Quanto à junção de documentos

O Requerente juntou aos autos com as suas alegações 6 documentos.

A AT requereu nas suas alegações que não fossem aceites invocando argumentos relativos à tramitação processual.

Como afirma  a AT: Tem sido entendimento unânime na jurisprudência arbitral a rejeição de requerimentos onde se peticiona a junção de documentos e a alegação de factos novos fora dos momentos processuais próprios, como resulta dos despachos arbitrais proferidos nos processos n.ºs 753/2014-T, 308/2015-T, 258/2015-T, 409/2016-T, 10/2018-T, 278/2016-T, 755/2019-T e 277/2016-T, decidindo-se neste último: «Em 16-12-2016, a Requerente juntou, com as suas doutas alegações escritas, dois documentos. Ora a junção de documentos tem um momento processual específico para se efetivar e que é o da apresentação dos articulados (petição, pela demandante ou resposta, pela demandada), com a alegação dos factos correspondentes. Só em caso de alegação e prova de que tal não foi possível em data anterior ou que tal se tenha supervenientemente tornado necessário em virtude de ocorrência posterior, é que o Tribunal pode ponderar admitir essa junção [Cfr v.g. artigo 423º, do CPC e artigos 10º-2/d) e 29º-1/e), do RJAT].»

Em consequência, o Tribunal não admite a junção aos autos dos documentos que acompanhavam as Alegações do Requerente e ordena o seu desentranhamento.

 

  • Fundamentação

 

  • Da matéria de facto
  1. Factos provados

O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, nos termos dos art.ºs 123.º, n.º 2, do CPPT, e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (vd. art.º 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no art.º 110.º, n.º 7, do CPPT, bem como os documentos juntos aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos seguintes:

  1. O Requerente é um fundo de investimento imobiliário, B..., com sede em ..., Alemanha, titular do Número de Identificação Fiscal alemão ... .
  2. O Requerente foi constituído e opera de acordo com o regime jurídico da Alemanha.
  3. De acordo com a Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro (que transpôs a Diretiva 2011/61/EU) os fundos de investimento imobiliários são OIC (organismos de investimento coletivo).
  4. O Requerente é uma entidade equiparada a um OIC residente em qualquer Estado-membro da EU, designadamente em Portugal, onde é também sujeito passivo de IRC, não residente e sem estabelecimento estável em Portugal.
  5. A 5 de agosto de 2010, o Requerente celebrou um contrato de financiamento com a sociedade portuguesa C... S.A..
  6. Nos anos de 2018, 2019 e 2020 o Requerente detinha participações diretas na sociedade comercial portuguesa C..., S.A., no montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros), correspondente a 100% do capital social.
  7. No período compreendido entre 1 de agosto de 2018 e 5 de maio de 2020, por força da detenção daquelas participações, o Requerente auferiu dividendos no montante total bruto de 923.684,00;
  8. Os referidos dividendos foram sujeitos a tributação em Portugal, tendo a importância de 138.552,60 EUR sido objeto de retenção na fonte a título de IRC.
  9. No período compreendido entre 1 de agosto de 2018 e 5 de maio de 2020, por força de contrato de financiamento celebrado com a C..., o Requerente auferiu juros no montante total bruto de 922.074,99 EUR.
  10. Os juros recebidos foram sujeitos a tributação em Portugal, tendo uma importância correspondente a 138.311,25 EUR sido objeto de retenção na fonte a título de IRC.
  11. O substituto tributário – a C...– emitiu guias de retenção na fonte, dando nota das importâncias retidas, do tipo de rendimento a que se referiam – “205-IRC-Capitais-Juros de depósitos à ordem ou a prazo” – e da circunstância de tais rendimentos terem sido pagos a um não residente.
  12. Os montantes plasmados nas guias de retenção na fonte foram oportunamente entregues pela C... à AT.
  13. A AT notificou a C..., na qualidade de sujeito tributário substituto para proceder ao pagamento das retenções na fonte supra identificadas, consubstanciadas nos documentos com os números: ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ....
  14. Os atos tributários relativos ao IRC referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020 e identificados no número anterior, no montante total de  €276.863,85, foram pagos pelo requerente.
  15. O Requerente interpôs reclamação graciosa que foi indeferida tacitamente.

 

 

  1. Factos não provados

Não existem factos relevantes para a apreciação da causa que não se tenham provado.

 

 

B. Da matéria de direito

Em relação à questão decidenda, há que realçar desde logo, que nas suas Alegações a AT formulou o pedido de suspensão da instância, após ter tomado conhecimento das Conclusões da Advogada-Geral junto do TJUE, emitido no âmbito do Processo n.º C-545/19.

Este processo C-545/19 tem por causa o reenvio de uma questão prejudicial por parte de um Tribunal Arbitral no âmbito do CAAD (proc. n.º 93/2019-T), ao abrigo do art.º 267º do TFUE. Tem por objeto um litígio idêntico no essencial ao dos presentes autos.

As referidas conclusões da Advogada-Geral, como se afirma no processo do CAAD n.º 166/2019-T, vieram sustentar, com argumentos ponderosos, aquilo que se afigura uma leitura menos formalista do artigo 63.º do TFUE, reconhecendo uma maior margem de manobra dos Estados-Membros na conformação do regime fiscal dos OIC residentes e não residentes, concluindo que esse artigo não se opõe à aplicação de retenção na fonte aos dividendos distribuídos por uma sociedade residente, quando esses dividendos são distribuídos a um OIC não residente que não está sujeito ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas no seu Estado de residência. O mesmo é aplicável quando esses dividendos, se distribuídos a um OIC residente, não estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, mas são objeto de outra técnica de tributação destinada a assegurar que só em caso de redistribuição ao investidor haja lugar à tributação do rendimento correspondente, e até esse momento é aplicada uma tributação trimestral (v.g. imposto de selo) sobre a totalidade do património líquido do OIC residente.

Ao tempo do pedido de suspensão da instância nos presentes autos, encontrava-se já suspensa a instância nos processos do CAAD n.ºs 131/2019-T, 133/2019-T e 134/2019-T, onde se apreciavam questões igualmente idênticas à do proc. C-545/19.

O Requerente opôs-se à suspensão da instância, mas o Tribunal atendeu o pedido da Requerida e, por despacho de 15 de dezembro de 2021, suspendeu a instância até que fosse proferida decisão no proc. C-545/19.

O TJUE desempenha uma função interpretativa decisiva, nomeadamente em sede de ações por incumprimento e de reenvios prejudiciais, devendo os tribunais nacionais conformar-se com o entendimento das normas dos Tratados que venha a ser vertido na jurisprudência daquele tribunal, sob pena de incumprimento do direito da União Europeia e de responsabilidade por parte do Estado-Membro, na linha da jurisprudência Francovich[1].

O Tribunal de Justiça da União Europeia proferiu o Acórdão no proc. nº C-545/19, em 17 de Março de 2022.

Após o levantamento da suspensão da instância, este Tribunal Arbitral solicitou às partes que se pronunciassem, num prazo simultâneo de 10 dias.

O Requerente apresentou a sua pronúncia a 25 de março e nela concluiu que, face ao teor da sentença aprovada no proc. n.º C-545/19 do TJUE, forçoso é que o Tribunal Arbitral acolha a decisão tomada por aquela instância europeia.

A Requerida, que se pronunciou em 1 de Abril de 2022, reiterou a posição que defendera antes, quer na Resposta, quer nas alegações.

Alega a Requerida – erigindo este como argumento principal – que o Requerente não faz prova de ser uma entidade equiparada a um organismo de investimento coletivo (OIC), constituído nos termos da lei portuguesa e a operar de acordo com a legislação nacional.

O Requerente  provou que foi constituído e opera de acordo com a legislação alemã, onde é residente fiscal. Esta circunstância em nada pode agravar a sua situação face ao ordenamento jurídico nacional. Com efeito, nos termos da Diretiva 2011/61/EU (transposta pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro) um OIC residente num Estado-membro considera-se residente em qualquer Estado da União Europeia. Isto mesmo foi sufragado no aresto do processo n.º C-545/19 .

 Veja-se, então, o que disse o TJUE.

Na apreciação das questões prejudiciais que lhe foram colocadas, o TJUE começa por afirmar (n.º 31) que resulta de jurisprudência assente que, para determinar se uma legislação nacional é abrangida por uma ou outra das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE, é necessário ter em conta o objetivo da legislação em causa.

E depois responde o TJUE no n.º 33 que Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar-se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais.

36.  Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln-Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).

37. No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado-Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38.  Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39. Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.o TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.ºs 44, 45 e jurisprudência referida).

40. Não obstante, segundo o artigo 65.º  n.º 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.o TFUE não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41. Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado-Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º , n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º , n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.o [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C-480/19, EU:C:2021:334, n.º 29 e jurisprudência referida].

42. O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.º , n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.o , n.º 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C-480/19, EU:C:2021:334, n.º 30 e jurisprudência referida]

49. Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha-se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C-575/17, EU:C:2018:943, n.º 47 e jurisprudência referida).

50 há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C-282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C-282/07, EU:C:2008:762, n.º 41).

52…sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C-342/10, EU:C:2012:688, n.º 44 e jurisprudência referida).

58… há que salientar que, como alegou a Comissão em Resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.o TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado-Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado-Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.

60…apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 49 e jurisprudência referida).

61. No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da Resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da Resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.

65…a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha-se à das sociedades residentes.

66. Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado-Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.o TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, nº 55 e jurisprudência referida).

67. Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram-se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 56 e jurisprudência referida).

68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 60).

 69. Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado-Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra-se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 61).

70. É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 62).

71. No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.º 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

72. Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C-190/12, EU:C:2014:249, n.º 58 e jurisprudência referida).

 73. Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

74. Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral

75. Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C-480/19, EU:C:2021:334, n.º 56 e jurisprudência referida].

76. No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados-Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.

77. No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.º 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.

78. A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C-338/11 a C-347/11, EU:C:2012:286, n.º 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C-375/12, EU:C:2014:138, n.º 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C-342/10, EU:C:2012:688, n.o 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C-641/17, EU:C:2019:960, n.º 87).

79. Ora, no presente processo, como resulta do n.º 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C-338/11 a C-347/11, EU:C:2012:286, n.º 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C-190/12, EU:C:2014:249, n.º 93).

80. Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.º 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.

81. A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

 82. No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado-Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C-575/17, EU:C:2018:943, n.º 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C-484/19, EU:C:2021:34, n.º 59).

83. No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado-Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 71 e jurisprudência referida).

84. Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros também não pode ser acolhida.

85. Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

Como também foi afirmado no já citado proc. n.º 166/2019-T  do CAAD, O artigo 26.º do TFUE estabelece uma conexão substantiva entre a criação do mercado interno e a liberdade de circulação de capitais, elevada esta, pelo artigo 63.º do TFUE, como uma liberdade fundamental do mercado interno, dotada de relevância constitucional no âmbito do Direito da União Europeia[2]. A mesma goza da primazia normativa sobre o direito interno dos Estados-Membros, cabendo aos tribunais nacionais, na sua qualidade de tribunais europeus em sentido amplo, assegurar a primazia de aplicação do direito da União Europeia, desaplicando o direito nacional de sentido contrário.

O Requerente, que num primeiro momento havia, como se disse, pugnado pela não suspensão da instância requerida pela AT, após conhecer o teor do acórdão emitido pelo TJUE veio aos autos, por requerimento de 23 de março p.p., requerer Que seja determinado o prosseguimento dos presentes autos e, por via disso, julgada integralmente procedente a presente ação, em aplicação da jurisprudência firmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) no âmbito do Processo n.º C-545/19.

Do teor do aresto do TJUE resulta, em suma – e mais uma vez –, a posição das instâncias europeias reiteradamente assumida, no sentido de que os Estados-membros não podem deixar de cumprir as suas obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais. No caso, as liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento requerem a igualdade de tratamento fiscal dos dividendos e dos juros pagos a residentes e não residentes.

Em consequência, o Tribunal considera útil reproduzir os n.ºs 62, 65,66 e 70 do já citado proc.

n.º  166/2019-T  do CAAD:

62. É sobre o Estado português que recai o ónus de provar que os seus objetivos fiscais e financeiros não poderiam ser prosseguidos por meios alternativos menos restritivos do que a diferença de tratamento fiscal em causa[3], ónus esse que manifestamente não foi cumprido pela argumentação expendida pela AT, sem prejuízo de se reconhecer o empenhado e competente esforço nesse sentido, de resto corroborado pelas conclusões da AG Kokott. A orientação de fundo seguida pela jurisprudência do TJUE sobre o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais, os seus limites e os limites dos limites, torna inviável essa missão probatória no caso concreto

65. Tendo o TJUE proferido diversas decisões no sentido de julgar incompatíveis com a liberdade de estabelecimento e de circulação de capitais múltiplas diferenciações em matéria de retenção na fonte por dividendos distribuídos a residentes e não residentes em casos com contornos substancialmente semelhantes ao aqui presente – independentemente da natureza dos processos que levaram a essas decisões e mesmo que os factos não fossem estritamente idênticos[4] – o presente Tribunal Arbitral, no exercício dos poderes/deveres que lhe incumbem, de afirmar a primazia do Direito da União Europeia sobre o direito interno e seguir a orientação interpretativa acolhida pelo TJUE, conclui pela inexistência, em concreto,  de interesse substantivo e processual em aguardar pelo desfecho do reenvio prejudicial de interpretação que está na base do caso C-545-19 a que dizem respeito as mencionadas conclusões da AG Kokott, entendendo que se está claramente diante de uma restrição não indispensável nem justificada da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE.

66. A Requerente pede a restituição da quantia € 159.447,51 relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos no ano de 2018, bem como de pagamento de juros indemnizatórios. Dispõe a alínea b) do artigo 24.º do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

70. No caso em apreço, em causa está a aplicação, pela AT, da isenção e das retenções resultantes, respetivamente, dos artigos 22.º do EBF e 94.º n.º 1 alínea c), n.º 3 alínea b), e n.º 4 e 87.º, n.º 4, do CIRC, criando uma diferenciação entre OIC residentes e não residentes, com potencial impacto dentro de cada um de sucessivos exercícios fiscais, em violação da liberdade de circulação de capitais, uma liberdade fundamental do mercado interno, consagrada no artigo 63.º da TFUE, em termos, de resto, que sempre dariam lugar a responsabilidade por Estado português, na linha da jurisprudência Francovich. Na sua atuação, a AT aplicou as normas jurídicas nacionais em vigor, a despeito de as mesmas violarem o direito da União Europeia tal como ele vem sido interpretado pelo TJUE. Sendo a primazia do direito da União Europeia relativamente ao direito nacional uma primazia de aplicação e não uma primazia de validade, cabe ao presente Tribunal arbitral desaplicar o direito nacional contrário ao direito da União Europeia, declarando a respetiva ilegalidade. Caso em que, nos termos do artigo 43.º n.º 3 da LGT, são devidos juros indemnizatórios, a partir do trânsito em julgado da sentença.    

 

 

Quanto aos juros indemnizatórios

No caso em apreço, em causa está a aplicação, pela AT, da isenção e das retenções resultantes, respetivamente, dos artigos 22.º do EBF e 94.º n.º 1 alínea c), n.º 3 alínea b), e n.º 4 e 87.º, n.º 4, do CIRC, criando uma diferenciação entre OIC residentes e não residentes, com potencial impacto dentro de cada um de sucessivos exercícios fiscais, em violação da liberdade de circulação de capitais, uma liberdade fundamental do mercado interno, consagrada no artigo 63.º da TFUE, em termos, de resto, que sempre dariam lugar a responsabilidade por Estado português, na linha da jurisprudência Francovich. Na sua atuação, a AT aplicou as normas jurídicas nacionais em vigor, a despeito de as mesmas violarem o direito da União Europeia tal como ele vem sido interpretado pelo TJUE. Sendo a primazia do direito da União Europeia relativamente ao direito nacional uma primazia de aplicação e não uma primazia de validade, cabe ao presente Tribunal arbitral desaplicar o direito nacional contrário ao direito da União Europeia, declarando a respetiva ilegalidade. Caso em que, nos termos do artigo 43.º n.º 3 da LGT, são devidos juros indemnizatórios, a partir do trânsito em julgado da sentença.    

 

 

VII - Decisão

Termos em que, tendo em consideração:

  1. As razões de facto e de direito constantes dos autos e supra identificadas;
  2. O teor do acórdão emitido pelo TJUE no proc. n.º C-545/19;
  3. O disposto no n.º 4 do art.º 8º da Constituição da República, que consagra a prevalência das disposições dos tratados que regem a União Europeia sobre o direito interno.

O Tribunal decide julgar procedente a ação proposta e, em consequência:

  1.  Declarar a ilegalidade dos atos tributários de retenção na fonte respeitantes a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referentes aos períodos de tributação de 2018 a 2020, no montante global de €276.863,85 EUR;
  2. Declarar a ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente relativamente aos atos tributários indicados na alínea anterior;
  3. Condenar a Requerida à restituição da quantia de €276.863,85, relativa às retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos no ano de 2018, 2019 e 2020, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF e ao pagamento de juros indemnizatórios a partir do trânsito em julgado da sentença, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, da LGT;

 

 

 

VIII – Valor

Fixa-se o valor do processo em € 276.863,85 (duzentos e setenta e seis mil, oitocentos e sessenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

IX – Custas

Custas a suportar pela Requerida, no montante de €5.202,00 (cinco mil, duzentos e dois euros) calculadas nos termos do disposto nos artigos 12º, n.º 3  (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), dos artigos 3º, n.º 1, b) e  5º, n.º 2 do RCPAT (Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária)  e  na Tabela I anexa ao mesmo Regulamento.  

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 03 de maio de 2022.

 

 

 

Os árbitros

                                                         

Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, Presidente

 

 

Dr.ª Ana Teixeira de Sousa

 

 

Dr. Fernando Miranda Ferreira

 

 

 

 

 

 

 



[1] C-358/93, C-416/93, Bordessa, 23-02-1995; Jarrod Tudor, “The Free Movement of Capital in Europe: Is the European Court of Justice Living Up to its Framers' Intent and Setting an Example for the World?”, 42, Ohio Northern University Law Review, 2015, 195 ss.

[2] C-203/80, Casati, 11-11-1981; cfr. John A. Usher The Evolution of the Free Movement of Capital, 31 Fordham International Law Journal, 5, 2007, 1533 ss.

[3] C-423/98, Alfredo Albore, 11-07-2000.

[4] Cfr., no sentido seguido no texto, C- 283/82, CILFIT, 06-10.1982