Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 127/2022-T
Data da decisão: 2022-12-22  IRC  
Valor do pedido: € 107.916,31
Tema: IRC – Caducidade; Dedutibilidade de gastos (23º CIRC); Deslocações e estadas, Despesas de Representação; Ofertas
Versão em PDF

 

 

 

 

SUMÁRIO:

a)     A contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art.º 45.º, n.º 5, da LGT ocorre quando o ato tributário de liquidação e a investigação criminal se referem aos mesmos factos.

b)    Para que a Administração Tributária possa, validamente, beneficiar do alargamento do prazo de caducidade, não lhe basta referir a existência de autos criminais, sendo-lhe necessário identificar os factos que estão na sua origem para demonstrar que estes coincidem, efetivamente, com os que constam do ato tributário.

c)     Assim, a referência no Relatório de Inspeção Tributária de que a ação inspetiva teve como origem um determinado processo de inquérito, sem que sejam apresentados objetiva e discriminadamente os factos que estiveram na base desse mesmo processo de inquérito, não demonstra os pressupostos exigidos pelo referido n.º 5 do artigo 45.º da LGT, não podendo operar o alargamento do prazo de caducidade ali consagrado.

d)    Na atual redação do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, não consta que os gastos devam ser indispensáveis (ou necessários) para a obtenção de rendimentos, devendo apenas avaliar-se se os gastos ocorreram no âmbito e por força da atividade empresarial da Requerente, a qual tem, por definição o, escopo lucrativo e é, nesse sentido, sujeita a IRC.

e)     Nestes termos, os gastos contabilizados, para serem fiscalmente dedutíveis, têm de ser objeto de comprovação objetiva quanto à afetação à realidade empresarial do sujeito passivo que os contabilizou.

f)     No que se refere ao funcionamento do ónus de prova, a jurisprudência é pacífica no entendimento de que tal ónus recai sobre o sujeito passivo, por estar em causa um facto constitutivo da dedução invocada.

g)    Deve a contabilidade estar organizada por forma a garantir que os gastos estão devidamente sustentados em documentação que forneça os dados concretos necessários ao perfeito conhecimento da operação que os justificam. Dessa documentação devem constar os elementos identificadores e caracterizadores da despesa, como, por exemplo, a identificação dos beneficiários de viagens e do seu propósito ou finalidade, a identificação dos clientes para os quais a empresa se faz representar e os clientes beneficiários de ofertas, principalmente se atípicas e fora dos períodos festivos. 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Sofia Quental (árbitro vogal), e Luisa Anacoreta (árbitro vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11 de maio de 2022, acordam no seguinte:

I.              Relatório

1.     A..., Lda., doravante designada “Requerente”, NIPC ..., com sede na Rua ..., nº..., ...-... ..., com o capital social de € 750.000,00 veio, ao abrigo dos artigos, 2º, 5º, 6º, 10º e seguintes do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conjugado com o disposto nos artigos 99º e 102º do Código do Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRC n.º 2021..., emitida em 06 de dezembro de 2021, respeitante ao exercício de 2016, no montante de €46.398,26 e da liquidação de IRC n.º 2021..., emitida em 09.12.2021, respeitante ao exercício de 2017, no montante de  €61.518,07.

 

2.     O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 4 de março de 2022.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.° 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação em vigor, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo a Senhora Juiz Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, a Dra. Sofia Quental e Prof. Dra. Luísa Anacoreta, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 22 de abril de 2022 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação em vigor, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 11 de maio de 2022.

 

3.     Em suporte das suas pretensões alega a Requerente, em síntese:

a)     A Requerente entende que a liquidação de IRC com referência aos anos de 2016 e 2017, nos montantes de €46.398,26 e de €61.518,07 respetivamente, é ilegal com base nos seguintes fundamentos: caducidade do direito à liquidação no que se refere à liquidação de IRC do exercício de 2016, vício de falta de fundamentação, em especial da violação do nº 7 do artigo 60º da LGT, e vício de violação da lei, em concreto do artigo 23º do Código do IRC.

b)    Relativamente à exceção da caducidade relativa à liquidação de IRC relativo ao exercício de 2016, invoca a Requerente a conjugação de dois elementos: “(i) preclusão do prazo para conclusão da ação inspetiva (art. 36.º do RCIPTA), com a consequente cessação dos efeitos suspensivos; (ii) caducidade do direito à liquidação por decurso do prazo legalmente estabelecido (4 anos), contados de forma contínua (sem qualquer causa suspensiva).

c)     Refere o relatório de inspeção: “Por se encontrar instaurado o processo de inquérito n. .../18...T9PRD, o direito à liquidação é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano, nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária”.

d)    Por um lado, entende a Requerente que o prazo legalmente previsto para a conclusão da ação inspetiva se encontra precludido uma vez que o alargamento do prazo para conclusão da inspeção por existência de processo de inquérito –  alínea c) do nº 5 do artigo 36.º do RCPITA –“apenas suspende o prazo para conclusão quando o processo de inquérito é posterior ao início da ação inspetiva” e que a “interpretação propugnada pela Administração Tributária – e constante do Relatório – é diametralmente oposta ao sentido da lei, uma vez que a Administração Tributária considera que o prazo para conclusão do procedimento inspetivo se suspende pelo simples facto de existir, anteriormente, um procedimento criminal”.

e)     Por outro lado, considera a Requerente que, “não se encontram observados os requisitos necessários à suspensão do prazo previsto no artigo 45.º, número 6, da LGT, na medida em que se afigura insofismável que não existe qualquer coincidência fáctica entre a discorrência genérica de uma denúncia criminal e os factos objeto de investigação nos presentes”.

f)      Salienta ainda a Requerente que “cabe à Administração Fiscal demonstrar que: (i) a ação inspetiva se baseia nos mesmos factos investigados em sede de processo-crime; (ii) o apuramento da liquidação depende, em exclusivo, da investigação a desenvolver no processo” e que o Relatório de inspeção se limita a aludir a “existência de um determinado processo-crime, sendo absolutamente omisso quanto à eventual identidade dos factos em discussão e, bem assim, quanto à “necessidade” do desfecho do processo-crime para a apreciação dos factos tributários em discussão”.

g)    A Requerente justifica as suas alegações em diversa jurisprudência, na forma de Acórdãos do STA, do TCAN e do CAAD.

h)    Invoca assim a Requerente que “a liquidação impugnada, referente ao exercício de 2016, é manifestamente ilegal, na medida em que o já havia decorrido o respetivo prazo para a liquidação: com efeito, o dies a quo da caducidade é o dia 31.12.2016, sendo o dies ad quem o dia 31.12.2020

i)      Relativamente ao vício de falta de fundamentação, neste caso aplicável quer ao IRC de 2016, quer ao de 2017, considera a Requerente que a AT procedeu a “manifesta falta de valoração do depoimento prestado pelas testemunhas inquiridas em sede de direito de audição”, não se pronunciando “acerca da credibilidade, conteúdo ou valoração atribuída a cada um dos aludidos depoimentos” violando, assim, o artigo n.º 7 do artigo 60º da Lei Geral Tributária nos termos do qual os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.

j)      Ainda no que se refere ao imposto liquidado adicionalmente relativo aos exercícios de 2016 e de 2017, considera a requerente que, da aplicação do artigo 23º do Código do IRC, que trata da dedutibilidade de gastos para efeitos de IRC, verifica-se que a Administração Tributária decidiu desconsiderar um conjunto de despesas da Requerente com viagens e estadias no mercado nacional e internacional, despesas de representação (almoços e jantares), aquisição de calçado, artigos para oferta e material diverso. Na opinião da Requerente tais gastos deviam ser aceites fiscalmente por se verifica a sua conexão com a atividade prosseguida.

k)    Relativamente às deslocações e estadas no mercado nacional, intracomunitário e externo, alega a Requerente que estas são essenciais ao desenvolvimento da atividade da Requerente, “ora porque estreitam relações junto do mercado exportador, ora porque permitem conhecer as “tendências” do mercado e orientar a produção para o desenvolvimento de calçado em conformidade com as “preferências” que o mercado dita”.

l)      Para justificação das despesas com viagens e estadas, a Requerente justifica a sua conexão com a atividade desenvolvida em alguns casos pela indicação específica do propósito da viagem e noutros pela sua contextualização da realidade de mercado em que atua. 

m)   Relativamente às despesas de representação, consubstanciadas em almoços e jantares, alegou a Requerente que tais refeições tem o negócio por propósito, fazendo-se as pessoas ligadas à Requerente acompanhar de clientes e fornecedores.

n)    Quanto à aquisição de calçado, alega a Requerente que a compra de calçado de outras marcas, em particular de marcas de “luxo”, tem como objetivo inspirar a produção.

o)    Já relativamente aos artigos para oferta, informou a requerente que tal se trata de uma prática reiterada de agraciar clientes com pequenas liberalidades, designadamente garrafas de vinho, e, em casos de clientes mais relevantes, objetos de maior valor. A requerente estende a prática aos seus funcionários, distribuindo cabazes em épocas festivas.

p)    Finalmente quanto aos outros gastos, a Requerente informou que se destinaram a bens materiais que se encontram nas suas instalações.

 

4.     A AT apresentou e juntou processo instrutor, invocando em síntese:

a)      O entendimento da AT está devidamente justificado e fundamentado no Relatório de Inspeção Tributária (RIT) da DF do Porto (ordens de serviços externas n.ºs OI2018...  e OI2018...) que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

b)      Quanto à alegada caducidade do direito a liquidação em relação ao IRC de 2016, considera a AT que, à data de início da ação inspetiva, em 22.09.2020, data em que foi notificado o sujeito passivo, e por aplicação do n.º 6 do artigo 36.º do RCPITA, “o prazo para a conclusão dos procedimentos de inspeção ao abrigo das Ordens de  Serviço n.ºs OI2018... e OI2018... se encontrava suspenso por ter sido instaurado o Processo de Inquérito n.º .../18...T9PRD e que, por se encontrar instaurado este processo de inquéritoo direito à liquidação estaria alargado” até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano, nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária”.

c)      Por outro lado, alega a requerida que “a ação inspetiva teve como origem o Processo de inquérito n.º .../18...T9PRD, tendo sido objeto de análise os factos constantes do referido processo”, pelo que “é possível inferir que existe identidade dos factos constantes do processo de inquérito e os que determinaram as correções que estão na origem da liquidação adicional de IRC, referente ao ano de 2016”.

d)      Mais afirma a AT que “face ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º e no artigo 70.º da LGT, o contribuinte apenas tem direito à informação sobre a existência e teor das denúncias dolosas não  confirmadas, pelo que não se pode mencionar no RIT o conteúdo de uma denúncia” e que “o processo de inquérito pode ser consultado após autorização do Ministério Público, consulta esta que o mandatário legal do sujeito passivo afirmou à técnica, no decurso do direito de audição, ter efetuado e ter tido conhecimento do mesmo”.

e)      Quanto ao alegado vício de falta de fundamentação por violação do artigo 60.º, n.º 7 da LGT, refere a requerida que “as declarações prestadas foram objeto de análise juntamente com o exercício do direito de audição, estando explanado no capítulo IX do RIT as conclusões tidas após esta análise conjunta, que originaram inclusive a que fossem considerados válido alguns gastos que tinham sido objeto de correção no Projeto de Relatório. Acresce ainda que, relativamente às declarações da Dra. Carla Fonseca e de José Martinez foram efetuadas observações autónomas”.

f)       Alega ainda que “o artigo 23.º do Código do IRC (CIRC) foi alterado no sentido de afirmar que a prova deverá ser documental, tendo passado a constar, expressamente no n.º 3, que os gastos “devem estar comprovados documentalmente” quando, antes na redação até 31.12.2013, o n.º 1 do artigo apenas referia “gastos que comprovadamente (…)”

g)      Relativamente à dedutibilidade de gastos, a AT efetuou correções em gastos contabilizados em diversas rúbricas, a saber:

- Deslocações e estadas nos mercados nacional, intracomunitário e externo

                        - Despesas de representação

- Outros materiais

- Ofertas

h)      Não foram aceites como gastos fiscais pela AT “um conjunto de deslocações e estadas no mercado nacional e no mercado intracomunitário, porquanto, relativamente aos mesmos não foi possível aferir se os mesmos foram suportados pela Requerente para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC”.

i)       Alega a Requerida que, em face da apresentação de documentos e justificações pela Requerente, “aceitaram-se os gastos relativamente aos quais foi possível associar a feiras (...), a clientes (por exemplo, B..., C..., D...) ou a viagens de prospeção de mercado efetuadas pelo Sr. E... que foram comprovadas documentalmente”.

j)       Assim, no que se refere a deslocações e estadas, “não foram aceites despesas, relativamente às quais não foi apresentada fatura ou apenas foi apresentado o talão de pagamento, despesas comprovadas com faturas emitidas em nome do Sr. F..., em vez de ser em nome da Requerente (todas assinaladas nos mapas das págs. 16 a 28 do RIT), despesas com crianças e despesas cujo motivo das deslocações se desconhece.”

k)      No que se refere a gastos contabilizados como despesas de representação, alega a Requerida que, com vista a aceitação de tais despesas como gasto fiscal, há que “determinar se estão cumpridos os requisitos da comprovação  documental dos encargos, nomeadamente, se estão titulados por fatura e comprovar que tais  gastos foram, de facto, incorridos pela Requerente para se fazer representar junto de terceiros  à empresa, como clientes, fornecedores e outros e que não se tratam apenas de encargos de  carácter privado” e  “para proceder a essa comprovação teria a empresa que identificar de alguma forma, os  funcionários, bem como os clientes ou outros terceiros que integrem cada uma das despesas,  bem como o justificativo das mesmas”.

l)       Ora, quanto a este tipo de gastos, considera a AT que “a requerente se limita a fazer afirmações sem suficiente precisão, não fazendo corresponder a cada documento ou conjunto de documentos de suporte dos gastos, a indicação das pessoas envolvidas, ou seja, os beneficiários de tais gastos “refeições”, sejam eles fornecedores, clientes ou outros”.

m)    Reafirma a AT que, “a Requerente apresenta como despesas de representação gastos em refeições  “quase diárias” sem qualquer indicação de quem participou na refeição de forma a comprovar  que se trata de uma despesa de representação da sociedade junto de qualquer terceiro e não  das refeições dos sócios, gerentes ou outros sem qualquer objetivo de se fazer representar,  tratando-se apenas de um encargo de carácter privado”, além de que ”após uma análise às referidas faturas, conclui-se que estamos em presença de  refeições individuais”.

n)      Concluindo, considera a Requerida que “tendo a AT posto em causa a consideração destes gastos como despesas de representação, cabia à Requerente o ónus da prova de que os gastos e perdas foram incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, isto é, a demonstração de que aquelas despesas foram efetuadas em representação da sociedade, identificando os clientes, fornecedores e outros beneficiários”.

o)      Relativamente à rubrica Outros Materiais, a AT afirma que a requerente não apresentou “qualquer documento que permitisse aferir se os gastos contabilizados foram suportados para a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, de acordo com o disposto no artigo 23.º do Código do IRC” e que nessa rubrica, “além de calçado foram também contabilizadas faturas de vinho, lentes monofocais, óculos, restaurante, havendo diversos gastos contabilizados sem fatura”.

p)      Além disso, alega a Requerida “foram contabilizados gastos com a aquisição de mais de duzentos pares de sapatos e não foi apresentada nenhuma correspondência entre aqueles gastos e o calçado fabricado pela Requerente, ou seja, desconhece-se em que medida aquelas despesas deram origem ao fabrico de determinados sapatos por parte da empresa”.

q)      Quanto aos gastos com Ofertas, inferiu a AT que a Requerente “prestou  esclarecimentos genéricos, segundo o qual as ofertas em questão se destinaram a clientes e/ou  fornecedores, mas não foi capaz de concretizar, minimamente, quais os clientes e  fornecedores alegadamente beneficiários das ofertas, e de indicar as circunstâncias  concretas em que as ofertas foram praticadas, nem de fornecer qualquer outro elemento, que  permitisse à AT controlar/saber que a oferta “x” se destinou ao cliente “y”.

r)       E que, conforme de tem pronunciada diversa jurisprudência,” não tendo sido devidamente preenchido o ónus probatório que cabia à Requerente, não se poderá aceitar, para lá de qualquer dúvida razoável, que as “ofertas” em causa foram efetivamente destinadas aos seus clientes e/ou fornecedores”.

s)      Por fim, e no que se refere a Outros Gastos, a AT fez correções diversas por não ter verificado a existência nas instalações dos bens constantes das faturas (bens esses que se suscetíveis de confusão com bens de uso pessoal ou familiar) e que, no caso de um gasto em concreto que a Requerente alegou tratar-se de uma oferta, não foi obtida prova do cliente beneficiário.

t)       Anteriormente ao exercício do direito de audição, os gastos desconsiderados fiscalmente pela AT eram os abaixo discriminados:

Ref. RIT

Conta

Descrição

2016

2017

III.1 Gastos não relacionados com a atividade da empresa

III.1.1.1

625101

Deslocações e estadas mercado nacional 

€ 13 214,31

€ 920,74

III.1.1.2

625102

Desl. e estadas merc. intracomunitário 

€ 38 728,89

€ 46 105,86

III.1.1.3

625103

Deslocações e estadas - mercado externo 

€ 50 963,56

€ 23 044,95

III 1.2

626602

Despesas de representação

€ 52 614,83

€ 55 727,50

III 1.3.1

623801

Outros materiais

€ 23 048,68

€ 29 720,30

III 1.3.2

623802

Outros mat. – mercado intracomunitário

€ 3 183,19

€ 5 146,60

III 1.3.3

623803

Outros materiais - outros mercados

€ 1 851,15

€ 799,65

III 1.4

623405

Artigos para oferta 

€17 961,08

€20 821,71

III 1.5

 

Outros gastos

€ 2 706,31

€ 13 207,14

Total

 

 

€204.272,00

€195.494,45

 

 

 

 

u)      Do exercício do direito de audição, a AT considerou justificados, e por essa razão fiscalmente aceites, os seguintes gastos dos acima referidos:

 

Ref. RIT

Conta

Descrição

2016

2017

III.1.1.1

625101

Deslocações e estadas no mercado nacional 

Estadia no Hotel ... Porto – Sr. G...

 

€ 270,00

III.1.1.2

625102

Deslocações e estadas no mercado intracomunitário 

Viagem a Breda em abril de 2017

 

€ 3 057,16

Deslocação ao cliente B... em setembro de 2016

585,87

 

Deslocação à C... em março de 2016

829,7

 

Deslocação à D... em setembro de 2017

 

€ 1 884,15

Deslocação à D... em 25 de outubro de 2017

 

€ 982,58

Deslocação a Barcelona

€ 985,17

 

Viagens de prospeção de mercado do Sr. E... 

€ 1 498,55

€ 2 304,60

III.1.1.3

625103

Deslocações e estadas - mercado externo 

Viagem de prospeção de mercado de E... a NY

 

€ 1 044,53

III 1.2

626602

Despesas de representação

 

 

H..., Lda. em 1 de março de 2017

 

€ 241,60

Cliente I... em nov 2017

 

€ 253,85

III 1.4

623405

Artigos para oferta 

 

 

Vinho

€ 1 858,46

€ 3 261,98

Cavacas e pão de ló

€ 315,00

€ 358,25

Total

 

 

€ 6 072,75

€ 13 658,70

 

 

 

5.     Em 26 de setembro de 2022, pelas 14:30, reuniu o Tribunal, a Requerente e a Requerida para efeitos do artigo 18º do RJAT, tendo sido ouvidas as testemunhas arroladas. Nessa data o tribunal notificou a Requerente e a Requerida para apresentação de alegações escritas, as quais ficaram disponíveis em 7 de outubro e 26 de outubro, respetivamente.

 

II.            Saneamento

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01. 

            As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

Foi suscitada a caducidade do direto à liquidação que será apreciada depois da fixação da matéria de facto. 

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

 

III.                   Do Mérito

 

III.1- Matéria de Facto Provada

 

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos: 

1)    A Requerente é uma sociedade por quotas que se encontra coletada pelo CAE 015201 Fabricação de Calçado, tendo iniciado atividade em 2 de janeiro de 1987, com o objeto social fabricação de calçado de couro e pele.

2)    O capital social de €750.000 encontra-se repartido pelos sócios-gerentes J..., com uma quota de €568.000 e F..., de €187.200.

3)    Em 06 de dezembro de 2021, a AT apresentou a liquidação de IRC n.º 2021 ... respeitante ao exercício de 2016, no montante de €46.398,26.

4)     Em 09 de dezembro de 2021, a AT apresentou e da liquidação de IRC n.º 2021 ... respeitante ao exercício de 2017, no montante de €61.518,07.

5)    O Relatório de Inspeção Tributária, limita-se a referir que a ação inspetiva teve como origem o Processo de inquérito nº .../18...T9PRD.

6)    A AT desconsiderou fiscalmente os seguintes gastos registados na contabilidade

 

Ref. RIT

Conta

Descrição

2016

2017

III.1 Gastos não relacionados com a atividade da empresa

III.1.1.1

625101

Deslocações e estadas mercado nacional

€ 13 214,31

€ 650,74

III.1.1.2

625102

Desl. e estadas merc. intracomunitário 

€ 34 829,60

€ 37 877,37

III.1.1.3

625103

Deslocações e estadas - mercado externo 

€ 50 963,56

€ 22 000,42

III 1.2

626602

Despesas de representação

€ 52 614,83

€ 55 232,05

III 1.3.1

623801

Outros materiais

€ 23 048,68

€ 29 720,30

III 1.3.2

623802

Outros mat. – mercado intracomunitário

€ 3 183,19

€ 5 146,60

III 1.3.3

623803

Outros materiais - outros mercados

€ 1 851,15

€ 799,65

III 1.4

623405

Artigos para oferta 

€ 15 787,62

€ 17 201,48

III 1.5

 

Outros gastos

€ 2 706,31

€ 13 207,14

Total

 

 

€ 198 199,25

€ 181 835,75

 

 

 

7)    Dos documentos apresentados é possível identificar os seguintes gastos não considerados fiscalmente pela AT:

 

Data na contab.

Descrição

Prestador de serviços

2017

30/11/2017

Estadia em Lisboa K..., L...

... Lisboa 

€ 400

30/9/2017

Passagem aérea G... OPO AMS-AMS-LIS-LIS-OPO 2017-10-01 

M...

€ 332,96

 

31/05/2017

Passagem aérea E... OPO MAD, MAD-OPO,

M...

€ 160

31-03-2017 

Passagem aérea F..., aluguer de carro em Amsterdão em 12.3.2017, 1 quarto para 1 pessoa

M...

€ 534

31-03-2017 

Passagem aérea Porto/Barcelona e Valência/Barcelona/Porto de 29 a 31 março

M...

€ 242

31-03-2017 

Aluguer de carro em Amsterdão a 19 de março, passagem aérea F...

M...

€ 407,47

31-03-2017 

Diferencial de aluguer de viatura em Amsterdão a 12 de março de 2017

M...

€ 47,12

TOTAL

 

 

€ 2 124

 

8)    A empresa registou na rubrica de deslocações e estadas gastos em que se identificam despesas de viagens em conjunto com crianças.

9)    A empresa registou na rubrica de deslocações e estadas gastos que ocorrem aos fim-de-semana, em períodos comuns de férias e/ou em locais tipicamente turísticos.

10) Na rubrica de deslocações e estadas, a Requerente apresenta despesas com viagens nacionais e internacionais sem identificar em documento suporte o motivo específico de cada viagem, limitando-se a expor genericamente a razão pela qual alguns dos seus colaboradores têm necessidade de efetuar viagens no âmbito das suas funções.

11) Na rubrica de despesas de representação, a Requerente apresenta despesas com restaurantes sem identificar o motivo específico de cada refeição, nomeadamente os clientes, correntes ou potenciais, aos quais se destinaram os esforços de representação, limitando-se a expor genericamente a razão pela qual almoça ou janta com clientes.

12) Na rubrica de despesas de representação a empresa apresenta registadas contabilisticamente faturas relativas a uma só refeição.

13) A Requerente adquire frequentemente calçado para apoio à sua atividade.

14) Na rubrica outros materiais em 2017 encontram-se os seguintes gastos sem fatura:

Data na contabilidade

Descrição

Valor

Observações

31-01-2017

...

€ 309,9

Não apresenta fatura

31-03-2017

...

€ 590

Não apresenta fatura

30-06-2017

...

€ 400

Não apresenta fatura

30-11-2017

...

€ 866

Não apresenta fatura

 

Total

€ 2 165,9

 

 

15) Nos registos contabilísticos da Requerente não é identificado o cliente beneficiário da oferta em cada despesa reconhecida na rubrica Artigos para Ofertas.

16) Nos registos contabilísticos da Requerente não é identificado o cliente beneficiário da oferta na despesa com um serviço Vista Alegre em 2017, reconhecida na rubrica Outros Gastos no valor de € 1 949,80.

17) A empresa não apresenta faturas que comprovem a substituição do material sanitário registado em 2017 na rubrica Outros Gastos no valor de € 11 257,34.

 

III.2- Matéria de facto não provada

A Requerente não apresentou despesas referentes a gastos com a prestação de garantia.  

III.3- Fundamentação da matéria de facto provada e não provada 

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT, e artigo 670º, nº 3 do CPC, ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT). Deste modo os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (ver artigo 596º do Código do Processo Civil e artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos junto à petição da Requerente, no processo administrativo junto pela Requerida com a Resposta e, na posição das partes apreciada pelo Tribunal segundo a sua livre convicção. Quanto ao depoimento testemunhal, e tendo por referência as despesas com viagens, restauração e ofertas, as testemunhas limitaram-se a formular declarações genéricas, sem qualquer ligação com faturas, clientes, datas e outros documentos de despesa. Nesta sede ressalva-se o depoimento da testemunha E..., no que concerne à compra de sapatos, tendo descrito as razões dessa compra e o trabalho manual que se seguia para adaptar aos modelos adquiridos na indústria do calçado da empresa. Por sua vez, no depoimento de parte, o senhor F... declarou com naturalidade que, como passava muito tempo fora de casa em viagens de prospeção comercial, por vezes aproveitava para se fazer acompanhar da esposa e da filha.  

 

III.4.  Do Direito 

III. 4-1- Questão prévia – a exceção da caducidade relativa à liquidação de IRC de 2016

         O facto tributário nos presente autos consubstancia-se na liquidação adicional de IRC referente ao exercício fiscal de 2016, cuja notificação à luz do referido nº 1 do artigo 45º da LGT deveria ter ocorrido até 31 de dezembro de 2020, ou seja, nos quatro anos seguintes face à natureza de imposto periódico que é consensualmente conferida ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), sendo que ocorreu em 6 de dezembro de 2021.

         Como ficou dito, veio a Requerente invocar a questão prévia da exceção de caducidade desse IRC porquanto, em 22 de novembro de 2020, data de início procedimento inspetivo, foi notificada de que o prazo para a conclusão dos procedimentos de inspeção se encontrava suspenso, atendendo a que se encontra instaurado o Processo de Inquérito  nº .../18...T9PRD, pelo que, nos termos do  nº 5 do artigo 45º da Lei Geral Tributária, o direito à liquidação seria alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano.

         Defende a Requerente que, segundo jurisprudência reiterada, incluindo do STA, a suspensão do prazo de caducidade por prévia instauração de inquérito criminal exige uma identidade entre os factos objeto do inquérito e os factos tributários, pelo que a mera alegação pela Requerida de que foi instaurado um qualquer inquérito criminal não é fundamento nem adequado nem suficiente para fazer operar a suspensão do prazo da caducidade a que se refere o n.º 5 do artigo 45.º da LGT.

         Acrescenta a Requerente “para que a Administração Tributária possa, validamente, beneficiar do alargamento do prazo de caducidade, não basta que aquela referencie a existência de uns autos criminais; é necessário que demonstre que os factos investigados são os mesmos daqueles que constam do inquérito”.

Vejamos.

         O artigo 45.º da LGT dispõe que

1-O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

“(…)”

“5- Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.”

         No Acórdão do STA de 5 de setembro de 2018, proferido no processo n.º 0777/18, reproduzindo jurisprudência anterior, nomeadamente em 06/12/2017, proc. 073/16, pode ler-se, a propósito do sentido e alcance do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, que “não resulta, nem da letra, nem da teleologia da norma, que, para efeitos do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, seja exigível, a par de uma “identidade objetiva”, entre facto tributário e facto objeto de inquérito criminal, uma identidade subjetiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto”. Refere, ainda, este acórdão que a norma prevista no n.º 5 do artigo 45.º da LGT resulta da necessidade de garantir uma boa decisão da causa em matéria fiscal, aguardando-se assim o desfecho dos inquéritos ou dos processos-crime em que o facto tributário se encontra em discussão. Já nos acórdãos de 11/11/2015, proc. 0190/14 e de 01/10/2014, proc. 0178/14, havia afirmado o STA que “a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45.º, n.º 5, da LGT, só ocorre se o ato tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos”. No mesmo sentido podem consultar-se os acórdãos do STA 11/05/2016, proc. 01071/14 e de 02-07-2008, proc. 0343/08. 

         Também na jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte, mormente ao acórdão proferido a 11-01-2018 no Processo n.º 00657/16, pode ler-se o seguinte : “Assim, e atendendo ao disposto no art.º 45.º, n.º 5, da LGT, e à jurisprudência do STA a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art.º 45.º, n.º 5, da LGT, só ocorre se o ato tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos, isto é, o prazo de caducidade só é alargado concretamente para as liquidações cujos factos estão a ser investigados como crime e que deram origem à instauração do inquérito”. 

         No mesmo sentido, no âmbito da jurisprudência arbitral pode (entre outros, como o processo 113/2021-T) cita-se o processo nº 7/2016-T, que se subscreve: “ (…)No entanto no nº 5 do artigo 45º da LGT, reintroduzido pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, estabelece-se que “sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o nº1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano. Como resulta do próprio texto desta norma, ao exigir que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, para aplicação do alargamento do prazo previsto neste artigo 45º, é necessário, desde logo, que se prove que o direito de liquidação se baseia em factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o que pressupõe o conhecimento dos factos concretos que foram alvo da investigação criminal.”         

         No caso concreto, a AT não apresenta os factos que estão na origem do inquérito, limitando-se a referir que “resulta manifesto do RIT que os factos de que resultaram as correções são os mesmos que constam do processo de inquérito”, sendo “possível inferir que existe identidade dos factos constantes do processo de inquérito e os que determinaram as correções”, que “face ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º e no artigo 70.º da LGT, o contribuinte apenas tem direito à informação sobre a existência e teor das denúncias dolosas não confirmadas, pelo que não se pode mencionar no RIT o conteúdo de uma denúncia” e, ainda que, “o processo de inquérito pode ser consultado após autorização do Ministério Público, consulta esta que o mandatário legal do sujeito passivo afirmou à técnica, no decurso do direito de audição, ter efetuado e ter tido conhecimento do mesmo”.

         Ora, como, refere o acórdão do CAAD n.º 199/2015-T, que subscrevemos e passamos a citar, “ cumpre notar que sendo a AT quem se pretende prevalecer da norma em causa (da previsão do n.º 5 do artigo 45.º da LGT), seria ela quem, nos termos do artigo 74.º/1 da LGT, estava onerada com a demonstração de que, efetivamente e em concreto, “o correto apuramento do imposto dependente de factos apurados em inquérito criminal”, demonstração essa que não só não foi feita, como se indicia o contrário, na medida em que, justamente, a liquidação foi emitida bem antes de estar finda a investigação criminal.”

         Tal como ocorre no acórdão do CAAD 681/2019-T, também neste caso “é manifesto que não se pode concluir que os factos apurados no inquérito criminal referido tenham sido necessários para correto apuramento do imposto, desde logo, porque a AT não logrou alegar, muito menos, provar ou demonstrar que as correções aritméticas operadas (entre as quais, resultam as liquidações em análise) respeitam a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal.”

            Aplicando o exposto ao caso dos autos, resulta do probatório que o Relatório de Inspeção Tributária, se limita a referir que a ação inspetiva teve como origem o Processo de inquérito nº .../18...T9PRD, não apresentando objetiva e discriminadamente os factos que estiveram na base desse mesmo processo de inquérito. Deste modo, não estando demonstrados os pressupostos da referida norma do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, não poderá operar o alargamento do prazo de caducidade ali consagrado.

         Por todo o exposto, tendo a liquidação de IRC de 2016 objeto do presente processo sido emitida para lá do prazo de caducidade, será a mesma ilegal, por violação do n.º 1 do artigo 45.º da LGT, devendo como tal ser anulada, ficando, deste modo, prejudicada a apreciação das demais questões.

 

III. 4-2- Do vício de falta de fundamentação: em especial, da violação do n.º 7 do artigo 60.ºda LGT

         Relativamente ao vício de falta de fundamentação na liquidação de IRC de 2016 e de 2017, alega a Requerente que a AT procedeu a “manifesta falta de valoração do depoimento prestado pelas testemunhas inquiridas em sede de direito de audição”, não se pronunciando “acerca da credibilidade, conteúdo ou valoração atribuída a cada um dos aludidos depoimentos” violando, assim, o artigo n.º 7 do artigo 60º da Lei Geral Tributária nos termos do qual os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.

         Determina o n.º 7 do artigo 60.º da LGT que “os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”, considerando a Requerente que os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas se enquadram neste normativo. 

         Ora, como bem refere a AT, “depois da leitura do RIT, nomeadamente, do Capítulo IX, resulta evidenciado que as referidas declarações foram analisadas, e, juntamente com os documentos comprovativos que foram anexados em sede de direito de audição, deram origem, inclusive, a que fossem aceites alguns gastos que tinham sido objeto de correção no projeto de relatório, nomeadamente, algumas ofertas, quer em 2016, quer em 2017, despesas relacionadas com as feiras ... de 2016 e 2017 e ... em 2016, deslocações aos clientes B... e C... em setembro e março de 2016, respetivamente, à D..., em 28.09.2017 e em 25.10.2017 e a Barcelona em 2016”. E também, continua a AT, “foram igualmente aceites despesas relacionadas com viagens de prospeção de mercado do Sr. E..., despesas de representação relacionadas com a visita de N... (fatura da H..., Lda de 01.03.2017, no valor de 241,60 €, referente a um jantar) e despesas relacionadas com estadia e refeição do cliente, Sr. I... (Págs 104 a 108 do RIT), entre outras”.

         Tendo em conta o exposto, não vemos como dar razão à querente quando refere estarmos perante vício nos termos do n.º 7 do artigo 60º da LGT. 

 

III. 4-3 – Da dedutibilidade de gastos para efeitos fiscais (artigo 23º do CIRC) e ónus da prova

A -  Quanto aos pressupostos da dedutibilidade de gastos (artigo 23.º do CIRC) e ónus da prova

Em sede de IRC, a questão de direito que se coloca prende-se com o sentido e alcance do artigo 23.º do respetivo código para efeitos de aceitação como gasto fiscal de determinadas despesas reconhecidas na contabilidade da Requerente.

            A norma central nesta matéria é, assim, o nº 1 do referido artigo 23.º do CIRC, nos termos da qual, “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, articulada com os nºs 3 e 4 no mesmo preceito que referem:

“3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. 

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: 

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; 

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional; 

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; 

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço; 

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados. “

 

Interessa, igualmente, conjugar a análise com o disposto nas alíneas a) e b) do artigo 23º-A, que igualmente se transcrevem:

“1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: 

(...)

b) As despesas não documentadas;

c) Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º;

(…).

 

Como se pode ler na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 793/2021-T, “são três requisitos para que um gasto possa ser deduzido.

O primeiro requisito encontra-se na primeira parte do n.º 1 do art.º 23.º e consiste em que o gasto tenha efetivamente ocorrido. Trata-se do requisito da “efetividade” do gasto, que a jurisprudência há muito estabeleceu (ac. STA de 22-01-2014, proc. nº 01632/13). Ter o gasto efetivamente ocorrido implica que tenha sido efetuado um pagamento, ou a obrigação de pagamento tenha sido satisfeita e extinta por outra forma que não o pagamento (compensação ou dação em pagamento, por exemplo), ou que tenha sido criada na esfera do sujeito passivo uma obrigação de pagamento.

Assim sendo, de uma forma genérica, não é possível aos sujeitos passivos deduzirem um gasto, ainda que bem documentado e ainda quando os documentos de suporte mostrem que tal gasto seria perfeitamente justificado pelo fim de realização do lucro, se não se demonstrar que o gasto é real, seja por existir um pagamento, seja por se ter extinguido por outra forma a dívida respetiva (vg. por compensação de créditos), seja ainda por ter sido gerada para o sujeito passivo uma obrigação de pagamento.

O segundo requisito encontra-se na segunda parte do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, sendo este um requisito de natureza finalística, que consiste em que o gasto deve ter sido realizado “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”. A lei deixou de falar em indispensabilidade dos gastos, como fazia anteriormente, exigindo agora que o gasto tenha sido incorrido para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Determinante para a dedutibilidade do gasto na atualidade é que o gasto tenha como objetivo contribuir para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. A este segundo requisito, a fim de facilitar a exposição, daremos a designação de “justificação do gasto”.

O terceiro requisito diz respeito à documentação do gasto, subdividindo-se em dois aspetos. Em primeiro lugar, é necessário que o gasto se encontre documentado, ou seja que exista prova documental que permita verificar, pelo menos, a existência do gasto. Em segundo lugar, é necessário que o documento que prova a existência do gasto cumpra, ele próprio, vários requisitos quanto ao seu conteúdo, nomeadamente que contenha os elementos de informação elencados nas alíneas a) a c) do nº 4 do artigo 23º.”

 

De referir que, da atual redação do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, não consta, como até 31 de dezembro de 2013, que se consideram gastos aqueles que “comprovadamente sejam indispensáveis” para realização de rendimentos. Assim, agora deve apenas ser avaliado se os gastos ocorreram no âmbito e por força da atividade empresarial do sujeito passivo, o qual tem, por definição, escopo lucrativo, sendo, por isso, sujeito a IRC.

Não obstante, cita-se mais uma vez a Decisão Arbitral 793/2021-T, supra, a qual nota que, “já no domínio da redação anterior a noção legal de indispensabilidade era interpretada sob uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivaliam aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproximava, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal.

O gasto imprescindível equivalia a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que representasse um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo dependia, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa. E “fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo n.º 0107/11): “A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.

O conceito de indispensabilidade não só não podia fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não podia assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podiam, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.

O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos era e é exclusivo do empresário. Se ele decidisse fazer despesas tendo em vista prosseguir o objeto da empresa, mas fosse mal-sucedido e essas despesas se revelassem, por último, improfícuas, não deixavam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilizasse como custo e se mostrasse estranho ao fim da empresa não era custo fiscal, porque não indispensável. Como ficou consignado em Acórdão do STA “Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa.” (Acórdão proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05).

Mais recentemente defendeu, por unanimidade, o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 27-02-2018, proferido no processo n.º 01402/17: O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artº 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das atividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a atividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados. (nosso negrito)

Mais entendeu que é aplicável à generalidade dos encargos suportados no interesse da atividade da empresa: Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objetiva com os proveitos (23) (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, “Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos”, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e “A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC”, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.). 

Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à atividade desenvolvida pelo contribuinte. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa» (24) (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.”

 

No que se refere ao funcionamento do ónus de prova, a jurisprudência é pacífica no entendimento de que tal ónus recai sobre o sujeito passivo, por estar em causa um facto constitutivo da dedução invocada (art. 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária). A este respeito, cita-se veja-se os acórdãos do TCA Norte de 11-02-2016, proc. n.º 00080/03 e do TCA Sul de 02-02-2010, proc. n.º 03669/09 e de 16-10-2012, proc. n.º 05014/11: “Se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade!.

Nestes termos, os gastos contabilizados fundadamente questionados pela AT, para serem fiscalmente dedutíveis, têm de ser objeto de comprovação objetiva quanto à afetação à realidade empresarial do sujeito passivo que os contabilizou. Neste sentido, cfr., entre outras, as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 735/2019-T; 510/2020-T; 534/2020-T e 793/2021-T. Embora hoje se tenha deixado de se falar em indispensabilidade, a verdade é que o ónus de prova da ligação do custo à atividade empresarial continua a caber ao sujeito passivo, atenta a fundamentação subjacente deste ónus.

 

Finalmente, no que concerne à comprovação dos custos, como ficou consignado nas Decisões arbitrais proferidas nos processos 510/2020-T, 534/2021-T e 793/2021-T “(…) para efeitos de dedutibilidade de um custo entendia a doutrina e a jurisprudência que aquele requisito se demonstra através de documentos que comprovem os custos realizados, sendo que esses documentos podem consistir em meros documentos, faturas, recibos ou até uma nota interna da empresa, conquanto se revelem credíveis e consistentes. Só não sendo considerados como custos fiscalmente relevantes os que não são suportados em documentos válidos. Assim sendo, quanto à prova documental, esta é por norma o meio de prova exigido em razão da sua adequação à prática comercial, não sendo, no entanto, de excluir outros meios de prova para comprovar os custos efetivamente realizados, e como complemento da mesma, como, por exemplo, a prova testemunhal ou a prova pericial.”

Por conseguinte, é perfeitamente legítimo usar a prova testemunhal para complementar a documental. 

 

Apliquemos então o exposto aos gastos desconsiderados pela Requerida, no caso dos autos.

 

 

B -  Quanto à ilegalidade da liquidação de IRC relativo a 2017

 

a)    Despesas com deslocações e estadas 

 

         Tendo em conta a fundamentação que presidiu à prática do ato tributário impugnado, torna-se relevante para o presente caso, não questionar a existência do gasto, mas sim discutir a verificação dos segundo e terceiro requisitos mencionados, a saber, se o gasto foi incorrido no interesse da Requerente e se se encontra adequadamente comprovado. Por outro lado, interessa apenas analisar os gastos incorridos em 2017, porquanto a liquidação de IRC de 2016 deverá ser considerada ilegal por violação do n.º 1 do artigo 45.º da LGT, conforme devidamente explicitado no ponto III.4.1, acima.

   A título de deslocações e estadas, a Requerente tem registado na contabilidade os seguintes gasto relativos a 2017, os quais foram objeto de notificação da AT no sentido de o sujeito passivo comprovar a necessidade dos referidos gastos para a obtenção dos rendimentos sujeitos a IRC, de acordo com o disposto no artigo 23º do CIRC:

Despesas de deslocação e estada na Contabilidade

·      Deslocações e estadas mercado nacional                              € 920,74

·      Deslocações e estadas mercado intracomunitário                € 46 105,86

·      Deslocações e estadas mercado externo                               € 23 044,95

 

Exercido o direito de audição, com a apresentação de documentos e audição de testemunhas, referiu a AT que a Requerente, “apesar de alegar que as viagens ao estrangeiro destinam-se a visitas a clientes internacionais, a visita a feiras e a prospeção de tendências, apenas juntou algumas faturas e e-mails, sem identificar quais são os gastos contabilizados que tais documentos pretendem comprovar.” E assim, face aos elementos juntos no direito de audição, nomeadamente e-mails trocados com clientes, a AT considerou alguns dos gastos contabilizados a título de deslocações e estadas apurando-se, a final, os seguintes gastos como não aceites fiscalmente:

Despesas de deslocação e estada desconsideradas pela AT

·      Deslocações e estadas mercado nacional                              € 650,74 

·      Deslocações e estadas mercado intracomunitário                € 37 877,37 

·      Deslocações e estadas mercado externo                               € 22 000,42                            total                                                                           € 60 528,53

 

 

 

Ora, em sede de pedido Arbitral, a Requerente seguiu a mesma linha defesa, alegando de forma genérica que “privilegia, como “posicionamento” no mercado, o contacto direto com fornecedores e clientes: ao invés da realização de feiras próprias, assumiu como prioridade a realização de visitas a fornecedores e clientes, bem como a frequência de feiras e exposições realizadas noutros país, de forma a cimentar e/ou a estabelecer novas parcerias de negócio – feiras e visitas essas onde, frequentemente, faz deslocar os seus legais representantes e funcionários, nomeadamente o seu modelador de calçado, Senhor E... .” E, para justificar as despesas com deslocações e estadas as quais, note-se, são suscetíveis de confusão entre as realizadas na esfera empresarial ou na esferal privada, apresentou alguns documentos que efetivamente demonstram a necessidade de suportar gastos com viagens para a prossecução da atividade empresarial, mas que, se não todos, pelo menos a sua grande maioria, já haviam sido tomados em consideração pela AT em sede de direito de audição e consequente aceitação de despesas.

Como se pode ler na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 534/2020-T “O lucro tributável para efeitos de IRC tem como suporte o resultado apurado na contabilidade (art. 17.º, n.º 1 do CIRC), o que implica que esta esteja organizada de modo a permitir o respetivo controlo, o que impõe, precisamente, que todos os lançamentos estejam apoiados em documentos justificativos e suscetíveis de apresentação sempre que necessário. Os registos contabilísticos, para que possam ser compreendidos e aceites, têm de estar devidamente sustentados em documentação que forneça os dados concretos necessários ao perfeito conhecimento da operação ou operações que os justificam na plenitude dos seus elementos constitutivos. Surge aqui o denominado princípio da documentação, que visa assegurar a verificabilidade externa dos registos contabilísticos e dos respetivos suportes” (negrito nosso). 

 

Ora, resultou da consulta dos autos que da documentação junta, incluindo da prova testemunhal, que não é possível extrair ligação entre as viagens e os clientes, reuniões ou feiras ao serviço da Requerente, não bastando para cumprir o ónus de prova, que sobre si impende, as considerações de ordem genérica produzidas em sede de audiência para justificar e sustentar os gastos em causa. Os elementos identificadores e caracterizadores da despesa, como a identificação dos beneficiários das viagens e do seu propósito ou finalidade, principalmente quando as mesmas ocorrem em períodos festivos ou de férias, revelam-se cruciais para permitir a triagem das despesas entre aquelas que possam eventualmente ter natureza privada e aquelas que efetivamente se enquadram na atividade empresarial, não sendo suficiente a alegação abstrata de que se trata de custos inerentes aos usos sociais e comerciais e necessários à prospeção comercial. 

Por outro lado, viagens em que se identificam, entre os beneficiários, terceiros às necessidades da empresa, como crianças, não podem manifestamente ser enquadradas como propósito empresarial, como facilmente se depreende.

Não obstante, foi possível a este Tribunal identificar nos documentos juntos aos autos as seguintes despesas que se consideram, face aos elementos probatórios apresentados, afetas à atividade empresarial:

1.              Hotel ... Lisboa, K...: alojamento e pequeno almoço para duas pessoas; L...: alojamento e pequeno almoço para duas pessoas, de 18 a 19  de novembro no valor de € 400

2.              Hotel ..., E... alojamento, 27 a 29 de janeiro, no valor de € 151,2

3.              M... ... Clermont Ferrand, quarto para 2 pax 2017-02-27 a 2017-02-28, passagem aérea, aluguer carro França, no valor de 362,5

4.               ..., Congresso, Alojamento J... de 17 a 19 de março, no valor de € 521,6

5.               M..., passagem aérea F..., aluguer de carro em Amsterdão em 12 de março de 2017, 1 quarto para 1 pessoa de 12 a 13 de março, no valor de € 534

6.              M..., passagem aérea Porto/Barcelona e Valência/Barcelona/Porto de 29 a 31 março, no valor de € 242

7.              M..., aluguer de carro em Amsterdão a 19 de março, passagem aérea F..., no valor de € 407,47

8.              M..., diferencial de aluguer de viatura em Amsterdão a 12 de março de 2017, no valor de € 47,12

9.              Hotel ..., F... - De 19 a 20 de março de 2017, no valor de € 162,24

10.           M... passagem aérea E... OPO MAD, MAD-OPO, 2017-05-31 no valor de € 160

11.           Premiu..., E..., no valor de € 100

12.           M..., passagem aérea F... OPO AMS-AMS-LIS-LIS-OPO 2017-10-01, no valor de € 332,86

 

Relativamente às restantes despesas, temos de concluir que a Requerente não logra fazer prova que permita retirar dos dados probatórios a convicção quanto à conexão com a sua atividade, impossibilitando, desta forma, a formulação de um juízo positivo sobre a indispensabilidade dos gastos para a geração do rendimento sujeito a imposto.

Em conclusão ante a argumentação da Requerente e a ausência de elementos de prova para justificar que os gastos restantes em causa tenham sido incorridos no interesse da empresa, afigura-se improceder o pedido da Requerente, no que se refere a € 57 107,54, conforme abaixo:

 

Deslocações e estadas

2017

Valores desconsiderados pela Requerida

€ 60 528,53

Valores aceites pelo Tribunal

 

1.   (listagem discriminada em cima)

€ 400,00

2.

€ 151,20

3.

€ 362,50

4.

€ 521,60

5.

€ 534,00

6.

€ 242,00

7.

€ 407,47

8.

€ 47,12

9.

€ 162,24

10.

€ 160,00

11.

€ 100,00

12.

€ 332,86

Total de valores aceites pelo Tribunal

€ 3 420,99

Total do valor improcedente

€ 57 107,54

 

 

Sintetizando tem-se,

Despesas de deslocação e estadas – valor improcedente

·      Deslocações e estadas                                                                       € 57 107,54

 

b)    Despesas de representação

 

A título de despesas de representação, a Requerente tem registado na contabilidade os seguintes gasto relativos a 2017, os quais foram igualmente objeto de notificação da AT no sentido de o sujeito passivo comprovar a necessidade dos referidos gastos para a obtenção dos rendimentos sujeitos a IRC, de acordo com o disposto no artigo 23º do CIRC:

Despesas de representação na Contabilidade

·      Despesas de representação                            € 55 727,50

 

Do valor apresentado resultam inúmeras refeições, muitas ao fim de semana e sem indicar os beneficiários das refeições. Mais uma vez havia a Requerente de ter o cuidado de proceder a uma documentação cuidada no sentido de evidenciar que se trata efetivamente de despesas efetuadas no âmbito da atividade empresarial, evidenciando, por exemplo em documento anexo à fatura, os beneficiários das refeições e o seu propósito. Por outro lado, a rubrica apresenta diversas despesas de refeição individual, indiciando a mesma falta de cuidado na afetação de despesas indiferenciadas com restaurantes à rubrica de despesas de representação. 

Exercido o direito de audição, foi possível à AT, apesar de serem diversos os e-mails apresentados de clientes agendando visitas à Requerida, identificar faturas no valor de € 495,45 correspondentes a efetivas despesas de representação. Quanto às restantes, a AT considerou não se comprovar que as despesas com a alimentação dos clientes estavam a cargo da empresa. O valor desconsiderado pela AT foi, após direito de audição:

Despesas de representação desconsideradas pela AT

·      Despesas de representação                                        € 55 232,05

 

Da análise ao Documento 10 junto à Petição Inicial da Requerente, do qual constam emails e faturas diversas, foi possível obter a seguinte justificação no que se refere a despesas de Representação de 2017:

Data na contabilidade

Descrição

Valor

Observações

30-04-2017

Restaurante ...

€ 119,7

Há marcação de hotel para um cliente neste dia

30-11-2017

Hotel ...– 11 de novembro

€ 82 

Há um email a marcar este hotel para um cliente

30-11-2017

Marisqueira...– 11 de novembro

€ 171,85

Há um email a marcar hotel para um cliente neste dia

 

Total 

€ 373,55

 

 

Para as restantes Despesas de representação não foi possível, em face quer da documentação junta aos autos, quer da audição de testemunhas, fazer uma correspondência razoável entre cada refeição e cada cliente em que a Requerente se fez representar, sabendo, dendo logo, que nem todas as despesas apresentadas podem ser de efetiva representação pois encontram-se no conjunto despesas de uma só refeição. Como ficou dito, a Requerente apresentou prova testemunhal, cujos depoimentos se limitaram a alegar genericamente que era prática corrente convidar clientes para almoçar em determinados restaurantes. No entanto, o elevadíssimo número de refeições, o volume e materialidade do montante total em causa, exigiam um nível de controlo e cuidado de documentação que não se verificou.

Em conclusão, ante a argumentação da Requerente e a ausência de suficientes elementos de prova para justificar que todos os gastos com restaurantes e hotéis tenham sido incorridos no interesse da empresa, afigura-se improceder o pedido da Requerente conforme quadro seguinte:

 

Despesas de representação

2017

Valores desconsiderados pela Requerida

€ 55 232,05

Valores aceites pelo Tribunal

€ 373,55

Total do valor improcedente

€ 54 858,50

 

 

Tem-se, em síntese:

Despesas de representação – valor improcedente

·      Despesas de representação                            € 54 858,50

 

c)    Outros materiais

 

A Requerida desconsiderou os seguintes valores reconhecidos contabilisticamente como outros materiais:

Despesas com outros materiais desconsideradas pela AT

•  Deslocações e estadas mercado nacional                                € 29 720,30

•  Deslocações e estadas mercado intracomunitário                   € 5 146,60

•  Deslocações e estadas mercado externo                                  € 799,65

Total                                                                                           € 35 666,55

 

Na rubrica de outros materiais, a Requerente regista maioritariamente aquisição de sapatos. Recorde-se que a sua atividade consiste na fabricação de calçado. Conforme alegado, “a exponente adquire calçado de outras marcas para perscrutar “tendências”, para analisar as técnicas empregues, o tipo de solas, as peles que são colocadas, para se inspirar tendo em vista a criação das suas próprias coleções.” Em sede de audição de testemunhas, o designer da empresa, E..., confirmou a necessidade de observação direta de calçado para análise das tendências de fabricação.

Quanto à mesma rubrica, a AT refere: “da análise aos documentos de suporte aos registos efetuados na conta outros materiais, constatou-se que se trata de faturas de artigos como calçado de homem, senhora, criança e de pre-walker, vinho, óculos, lentes monofocais, bem como é efetuada a contabilização de uma fatura de um restaurante”. Sobre o material de prova, a AT afirma: “as fotografias apresentadas de calçado de homem e senhora não comprovam as alegações”.

Ora, é convicção deste Tribunal que observação direta de calçado fabricado por outros permitirá, efetivamente, contribuir para uma análise detalhada às tendências concorrentes e/ou internacionais, não estranhando, por isso, as aquisições efetuadas, aquisições essas genericamente comprovadas por prova testemunhal. 

Não obstante, considera este Tribunal que deve ser ajustado o valor considerado fiscalmente por gastos sem fatura que se encontram registados na mesma conta:

Data na contabilidade

Descrição

Valor

Observações

31-01-2017

...

€ 309,9

Não apresenta fatura

31-03-2017

...

€ 590

Não apresenta fatura

30-06-2017

...

€ 400

Não apresenta fatura

30-11-2017

...

€ 866

Não apresenta fatura

 

Total

€ 2 165,9

 

 

Em conclusão ante a argumentação da Requerente e a convicção formada por este Tribunal em face dos elementos de prova, afigura-se improceder o pedido da Requerente no que se refere a despesas com outros materiais apenas na parte referente a despesas não suportadas por fatura, ou documento equivalente:

Despesas com outros materiais – valor improcedente

·      Outros materiais, despesas sem fatura                                  € 2 165,9

 

d)    Artigos para ofertas

 

Em 2017, a Requerente registou contabilisticamente como artigos para ofertas o seguinte valor:

Despesas com ofertas – valor na Contabilidade

·      Artigos para ofertas                                                               € 20 821,71

 

Quanto às ofertas, coube à Requerida referir: “da análise aos documentos de suporte aos registos efetuados na conta 623405, verificou-se que respeitam a artigos diversos como vinho, atum, bacalhau, tecido, móvel, cadeiras, artigos de viagem, televisões, portátil, jarras e refeições (…)”. 

Por seu lado, explicou a Requerente: “É tradição da Exponente a oferta de garrafas de vinho, bacalhau, cavacas e pão-de-ló a trabalhadores, clientes, representantes de marcas e comissionistas. Os restantes artigos, designadamente jarras, computadores, televisão, mobiliário e viagem tiveram como destino os mais expressivos clientes (…)”.

Apesar de não terem sido apresentados quaisquer documentos comprovativos do alegado, no sentido de serem identificados os beneficiários de cada oferta reconhecida contabilisticamente, a Requerida considerou, em face da prova testemunhal ouvida de que, efetivamente, na época de Natal é costume receber, enquanto trabalhador, ofertas da Requerente, justificadas as aquisições de vinho e cavacas efetuadas nas épocas da Páscoa e de Natal. Assim, o valor desconsiderado pela AT passou a ser:

Despesas com ofertas – valor desconsiderado pela AT

·      Artigos para ofertas                                                               € 17 201,48

 

Da prova produzida não foi possível a este Tribunal identificar os eventuais clientes beneficiários das restantes ofertas, nem foram fornecidos outros dados que permitissem aferir que se trata efetivamente de gastos incorridos no exercício da atividade da Requerente, com vista a obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC. Na verdade, a Requerente tem registados ao longo de todo o ano de 2017 valores muitos expressivos de vinho e outros artigos de decoração ou uso pessoal dos quais resulta evidente confusão entre o propósito a que se destinam, nomeadamente quanto a uma eventual afetação à esfera privada.

Assim, considera-se que aqui assiste razão à Requerida, uma vez que, mais uma vez, apenas se afirma de forma genérica que os beneficiários são clientes e/ou trabalhadores e que tal é prática do setor, mas, em face do volume e frequência, tornava-se imperativo associar a cada oferta, pelo menos quanto a objetos menos comuns em ofertas como televisões e computadores, e mesmo vinho fora das épocas festivas, o seu beneficiário enquanto elemento caraterizador do gasto de modo a permitir a formulação de um juízo quanto a terem sido incorridas em linha com os usos comerciais da atividade desenvolvida e, deste modo, sobre a sua efetiva necessidade com vista à realização de proveitos..         

 

Como já se disse acima, a contabilidade deve estar organizada por forma a garantir que os gastos estãodevidamente sustentados em documentação que forneça os dados concretos necessários ao perfeito conhecimento da operação que os justificam. Considera-se, assim, que quanto às restantes ofertas a Requerente não logra fazer prova suficiente que permita retirar dos dados probatórios a convicção quanto à conexão com a sua atividade. Tem-se, assim, que se julga improcedente o valor de € 17 201,48 relativo a gatos com ofertas. Tem-se, então:

 

Despesas com ofertas – valor improcedente

·      Artigos para ofertas                                                                          € 17 201,48

 

e)    Outros gastos

 

Por fim no que a gastos contabilísticos desconsiderados fiscalmente pela AT no exercício de 2017, tem-se a título de outros gastos:

Outros gastos – valor na Contabilidade desconsiderado pela AT

·      Outros gastos                                                                        € 13 207,14

 

Na rubrica de Outros gastos foram reconhecidos contabilisticamente pela Requerida, misturadoras de lavatório, materiais de construção, materiais de pichelaria e casa de banho (v.g. bidé, chuveiro de mão, estruturas konbifix) e, ainda, um serviço de Vista Alegre. 

Quanto às faturas de material sanitário, da visita da Requerida às instalações, na presença do sócio-gerente e da contabilista certificada, verificou-se que “o material sanitário não tinha correspondência com o constante das faturas referidas, nem é plausível o argumento do sujeito passivo de que tais materiais adquiridos em 2016 e 2017 já foram, entretanto, substituídos, dado o estado em que se encontram as casas de banho afetas ao pessoal. Acresce ainda o facto de que o sujeito passivo não apresentou qualquer documento comprovativo da aquisição de novos materiais”. Por seu lado, a Requerente alegou que “em face da dimensão da Requerente e dos trabalhadores que ali, diariamente, prestam a respetiva atividade profissional, as instalações da Requerente, maxime as casas de banho e vestuários apresentam um desgaste muitíssimo acentuado, obrigando à sua substituição com uma frequência muito superior àquela que seria expectável em unidades de produção de menor dimensão e/ou com um menor número de trabalhadores”. Ora, se tal fosse o caso, ou seja, se as casas de banho tivessem sido substituídas em função do desgaste, teria seria possível à Requerente ter apresentado cópia da fatura de substituição do material, o que não fez. O Documento n. 12 que a Requerente junta à sua alegação trata-se, na verdade, da fatura desconsiderada relativa a 2017, e não de uma fatura posterior que permita comprovar a substituição. Assim, concordamos com a AT no sentido de não ter sido obtida prova adequada para considerar fiscalmente este gasto.

Considerou ainda a AT que, não foi comprovado que a aquisição do serviço Vista Alegre se tratou de um gasto necessário à obtenção de rendimentos sujeitos a IRC.  A Requerente afirmou que “no que se atina ao serviço «Vista Alegre», trata-se de uma oferta ao cliente O..., um dos quais, no ano de 2016, mais contribuiu para o aumento do volume de vendas da Requerente, tendo como deliberado intuito fidelizar e estreitar as relações com aquele cliente.” Não obstante, a requerente não juntou prova suficiente para julgar procedente esta alegação, pelo que se concorda com a posição da AT neste desiderato.

Assim, quanto a Outros gastos tem-se:

Outros gastos – valor improcedente

·      Outros gastos                                                                        € 13 207,14

 

 

A título de resumo, e para facilitar os cálculos inerentes às conclusões chegadas, apresenta-se em baixo uma síntese dos valores desconsiderados pela AT, com os diversos ajustamentos que se considerou adequado efetuar, concluindo-se pelo valor final na parte que procede:

 

Descrição

Valor desconsiderado pela AT

Valor que não procede

Valor ilegalmente desconsiderado pela AT

Gastos do ano de 2016 – vício de caducidade

€ 198 199,25

-

€ 198 199,25

Deslocações e estadas 2017

€ 60 528,53

€ 57 107,54

€ 3 420,99

Despesas de representação 2017

€ 55 232,05

€ 54 858,50

€ 373,55

Outros materiais 2017

€ 35 666,55

€ 2 165,9

€ 33 500,65

Ofertas 2017

€ 17 201,48

€ 17 201,48

-

Outros gastos 2017

€ 13 207,14

€ 13 207,14

-

Total 2017

€ 181 835,75

€ 144 540,56

€ 37 295,19

 

 

 

III. 5 – Direito a juros indemnizatórios

Sem qualquer suporte no respetivo articulado, a Requerente termina pedindo indemnização por custos incorridos com a garantia prestada nos respetivos processos de execução.

Acontece que, não ficou provado, que, na pendência desta ação, a Requerente tenha prestado efetivamente garantia num processo de execução fiscal.

Assim sendo, improcede o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, sem prejuízo da sua apreciação em sede de execução de sentença.

 

 

IV.      Decisão 

Termos em que se decide neste Tribunal coletivo:

a)     Julgar procedente o pedido arbitral quanto à caducidade da liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios e declaração de compensação referentes ao ano de 2016, no valor de € 46 398, 26, com a consequente anulação da respetiva liquidação;

b)    Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral, tendo por referência o IRC de 2017, no que respeita às correções relativas aos custos com deslocações e estadas, no valor de €3 420,99, com a consequente anulação da liquidação nessa parte; e,

c)     Julgar improcedente o pedido arbitral no que se refere às demais correções sobre custos com deslocações e estadas, no valor €57 107, 54, com a consequente manutenção da liquidação nesta parte;

d)    Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral, tendo por referência o IRC de 2017, no que respeita às correções relativas aos custos com despesas de representação, no valor de €373, 55, com a consequente anulação da liquidação nessa parte; e,

e)     Julgar improcedente o pedido arbitral no que se refere às demais correções sobre custos com despesas de representação, no valor €54 858, 50, com a consequente manutenção da liquidação nesta parte;

f)     Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral, tendo por referência o IRC de 2017, no que respeita às correções relativas aos custos relativos a outros materiais, no valor de €33 500,65, com a consequente anulação da liquidação nessa parte; e,

g)    Julgar improcedente o pedido arbitral no que se refere às demais correções sobre custos relativos a outros materiais, no valor € 2 165, 9, com a consequente manutenção da liquidação nesta parte;

h)    Julgar improcedente o pedido arbitral, tendo por referência o IRC de 2017, no que respeita às correções sobre despesas com artigos para ofertas no valor € 17 201, 48, com a consequente manutenção da liquidação nesta parte;

i)      Julgar improcedente o pedido arbitral, tendo por referência o IRC de 2017, no que respeita às correções sobre despesas com outros gastos no valor € 13 207, 14, com a consequente manutenção da liquidação nesta parte;

j)      Julgar improcedente o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, sem prejuízo da sua apreciação em sede de execução de sentença.

 

V. Valor do processo 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 107 916,33.

 

VI. Custas 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem no valor de € 3 060,00, sendo 62,5% (€ 1 912,50) a cargo da Requerida e 37,5% (€ 1 147,50) a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

Lisboa, 22 de Dezembro de 2022

 

Os Árbitros

 

 

 Fernanda Maçãs (Presidente)

 

 

Sofia Quental (vogal)

 

 

Luísa Anacoreta (vogal- relatora)