Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 141/2020-T
Data da decisão: 2021-02-05  IRS  
Valor do pedido: € 745.211,02
Tema: IRS - Cláusula Geral Anti Abuso.
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Sumário:

 

I - Nas denominadas "step by step transactions" nas quais se encontra uma "facti species" complexa, envolvendo uma sucessão de atos/ negócios coordenados entre si, embora possam ocorrer em momentos temporais diversos, e com o objetivo comum de conseguir uma vantagem fiscal, deve o aplicador da lei operar um tratamento integrado visualizando-as como uma única transação, propendendo para um único e final resultado, mesmo para efeitos de contagem do prazo de instauração de procedimento da Cláusula Geral Anti Abuso.

II - O princípio subjacente à CGAA é o da prevalência da substância económica sobre a forma jurídica dos atos ou negócios jurídicos, sem, no entanto, se chegar ao ponto de retirar alcance prático aos princípios da legalidade e da tipicidade taxativa dos impostos.

III - Se, pelo contrário, os contribuintes são norteados por outras preocupações ou razões quando escolhem uma via legítima que redunda em dispensa ou redução de tributação, então revelar-se-á excessivo concluir pela obrigação de opção do contribuinte pela via que implique um maior agravamento na tributação.

 

Os Árbitros José Pedro Carvalho, Daniel Taborda e Guilherme W. d´Oliveira Martins, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

1.            O Requerente, A..., NIF ..., residente na Rua ..., nº..., ..., ..., ...-... ..., solicita a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em que foi pedida a anulação dos atos tributários de liquidação adicional do IRS e juros compensatórios, com referência aos anos de 2014 e 2015 e, consequentemente a declaração de ilegalidade daqueles atos tributários controvertidos, a saber:

 Objeto imediato – Declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa deduzida com o pedido de anulação das Liquidações adicionais de IRS e dos juros compensatórios, efetuadas com referência aos anos de 2014 e 2015:

 Objeto mediato – Declaração da ilegalidade dos atos tributários seguintes:

- Liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2014, n.º 2018... de 12-12-2018 do montante de €68.133,50, que inclui juros compensatórios do montante de €8.687,55 e demonstração de acerto de contas n.º 2018... de 14-12-2018 com data limite de pagamento no dia 25-01-2019.

- Liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2014, n.º 2018... de 17-12-2018, do montante de €619.565,05, que inclui juros compensatórios de €76.662,85 e demonstração de acerto de contas n.º 2018... de 19-12-2018 do montante de €551.430,75 para pagamento até ao dia 01-02-2019.

- Liquidação adicional do IRS referente ao ano de 2015 n.º 2018 ... de 14-12-2018 do montante de €120.454,49 que inclui juros compensatórios de €11.237,57 e demonstração de acerto de contas n.º 2018 ... de 18-12-2018 do montante de €123.237,96 para pagamento até ao dia 25-01-2019.

 

E invoca os seguintes argumentos:

 

O ato tributário de liquidação adicional do IRS do ano de 2014 foi parcialmente anulado em sede de Reclamação Graciosa, por a AT ter acolhido os argumentos do Requerente no sentido de, a haver rendimento, o que não se concede, ser aplicável o disposto no n.º 1 do art.º 40.º A do CIRS, e nessa medida, o englobamento será de 50% e não de 100% como foi considerado na liquidação notificada.

Em consequência daquela decisão a liquidação do IRS e dos juros compensatórios será necessariamente reduzida na proporção respetiva.   

 

O presente pedido de declaração da ilegalidade dos atos tributários de liquidação do IRS e dos juros compensatórios tem como fundamentos:

 

i.             Caducidade do direito à aplicação da cláusula geral anti abuso;

ii.            Não verificação dos pressupostos legais de aplicação da CGAA

 

B... Lda – Em 29.04.1981 por escritura pública lavrada no Cartório notarial de Lisboa foi constituída a sociedade denominada “B... Lda”, tendo por objeto social o “exercício da indústria e comercio, importação, exportação, representações, comissões e consignações de brinquedos, quinquilharias, jogos didáticos, artigos de desporto, máquinas e equipamentos de escritório”, com o capital de um milhão e duzentos mil escudos, dividido em duas quotas iguais, pelos sócios fundadores C... e D... .

O sócio D..., em data que o Requerente não consegue precisar, cede a sua quota a E... (pai do Requerente)

Os sócios C... e E... foram ao longo do tempo reforçando o capital social da sociedade que, à data de 20.12.1993, atingiu o montante de cem milhões de escudos, representado por duas quotas iguais de cinquenta milhões de escudos cada uma, pertencentes a cada um dos sócios.

Em 20.12.1993, por escritura pública daquela data, o sócio C... divide a sua quota do montante de cinquenta milhões de escudos em 4 quotas iguais de doze milhões e quinhentos mil escudos, cedendo uma a F..., outra a G..., outra a H... e outra a A... .

Em 20.12.1993 o Requerente e o seu irmão são, conjuntamente com o seu Pai, E..., designados gerentes da sociedade.

Na mesma escritura é deliberado aumentar o capital social para cento e quarenta milhões de escudos, mediante o reforço de quarenta milhões de escudos, realizados por entradas em dinheiro.

Em consequência daquele aumento, o capital social ficou dividido em cinco quotas, sendo uma de oitenta e quatro milhões de escudos do sócio E... e as restantes quatro quotas de catorze milhões de escudos, cada uma, pertencentes à esposa daquele (F...) e aos três filhos do casal (G..., H... e A...).

Em consequência da aquisição das quotas e do aumento de capital, naquela data de 20.12.1993, a família J..., constituída pelo pai, pela Mãe e pelos três filhos, a sociedade B... fica a pertencer na totalidade à família J..., detendo os pais, em conjunto, 70% do capital e cada um dos filhos 10% do capital.

O ora Requerente, adquiriu em 20.12.1993 uma participação de 10% no capital social da B... .

Em 28.02.1997, os sócios da B..., por escritura pública, deliberam:

•             aumentar o capital social de cento e quarenta milhões de escudos para duzentos e cinquenta milhões de escudos;

•             transformar a sociedade por quotas em sociedade anonima;

•             alterar a denominação social para “B... Importação e Exportação SA”;

•             alterar o objeto social para “comércio, importações e exportações de grande variedade de mercadorias, indústria de transformação de plásticos;

•             nomear como administradores os, até então, gerentes.

Ao longo da vida da sociedade o capital foi sendo sucessivamente incrementado, com respeito pelas posições relativas de cada um dos acionistas.

Em 11.11.2004, por escritura pública, a sociedade B... reforça o seu capital de dois milhões e vinte e cinco mil euros para dois milhões trezentos e oitenta e cinco mil euros, por estradas em numerário, representado por quatrocentos e setenta e sete mil ações do valor nominal de cinco euros cada.

Em 30.12.1998, foi constituída a Sociedade K..., SA, com o capital social de cinco milhões de escudos dividido em cinco mil ações com o valor nominal de mil escudos cada uma, tendo como objeto social a realização e gestão de investimentos imobiliários; compra e venda de imoveis para si ou para revenda; c construção, urbanização e loteamento de terrenos; arrendamento, gestão e administração de bens imoveis; empreendimentos turísticos.

Em 14. 09.2005, o capital social foi aumentado para €90.000,00, representado por 18.000 ações com o valor nominal de €5,00 cada uma, dividido pelos acionistas e participações seguintes:

 

A sociedade desenvolveu a sua atividade de promoção imobiliária, possuindo no final do ano de 2007 inventários no montante de €3.065.926,42.

Para o desenvolvimento da sua atividade contratou financiamentos bancários que em 2007 atingiam o montante de € 3.616.000,00 e beneficiou de empréstimos de sócios no montante de € 1.751.500,00.

O efeito do GRUPO fazia-se notar na alavancagem do investimento.

Instalada a crise financeira, a acionista única reforçou o seu financiamento e substituiu os financiamentos bancários por prestações acessórias que reforçou ao longo dos anos atingindo em 31.12.2010 o montante de € 3.319.500,00. Junta cópia do balanço e da IES do exercício de 2010 e dá como reproduzido o seu conteúdo.

A crise imobiliária que se instalou na altura e a dificuldade cada vez maior do consumidor aceder ao crédito para compra de habitação determinaram a suspensão do projeto imobiliário em curso, até que estivessem criadas as condições de mercado para a retoma da atividade de promoção imobiliária.

A sociedade L..., LDA – Em 15.03.1995, por escritura publica daquela data, foi constituída a sociedade denominada “L..., LDA”, com sede na Zona Industrial do ...,  ..., com o objeto social de “transformação de matérias primas plásticas, comércio em geral, importação e exportação”.

A sociedade foi constituída para desenvolver um projeto que se concluiu não ser de grande viabilidade.

Face a isso os sócios deliberaram suspender a atividade em 2004, período em que registou um volume de negócios de €2.367,54 euros contra os €541.443,35 do ano anterior.

A sociedade L..., Lda. era detida a 100% pela família J... e tinha a sua atividade suspensa desde 2004, inclusive.

A Família reconheceu que a sustentabilidade do crescimento do GRUPO passava por uma reestruturação, mediante a criação de uma empresa que, concentrando as participações sociais, fortalecendo o conjunto, tornando-o mais robusto do ponto de vista económico e financeiro e criando condições para melhorar o acesso a outras fontes de financiamento, poderia atrair investidores.

No seguimento daquela estratégia em 01.02.2006, aproveitando a sociedade existente – a L..., Lda – foi deliberado transformá-la numa sociedade gestora de participações sociais.

Naquela data, em 01.02.2006, a gerência elabora o relatório justificativo da transformação da sociedade por quotas em sociedade anonima, explicitando as “razões fundamentais e determinantes do interesse e da conveniência da transformação da sociedade”, apontando como vantagens principais:

“A transformação da L... inclui-se num projeto de reestruturação a curto prazo do Grupo M..., atualmente liderado pela B... Importação e Exportação SA, que constitui o único meio viável para, por um lado, fortalecer a sua presença no mercado em que atua e, simultaneamente, proporcionar um aproveitamento mais eficiente da capacidade produtiva, administrativa e de gestão.”

No âmbito desse projeto de reestruturação do Grupo M..., é determinante quer a transformação da respetiva sociedade em anónima, por um lado, quer a alteração do objeto social para gestão de participações sociais, por outro, o que irá conferir uma maior facilidade e rapidez à transmissão de participações sociais, sendo este um aspeto fundamental hoje em dia para a entrada de potenciais parceiros que pretendam participar no referido Grupo.

A alteração do objeto social da L... permitirá a esta sociedade, no futuro, gerir as participações sociais atualmente detidas pela Família J..., bem como separar a gestão das participações sociais das atividades operacionais, contribuindo para a modernização e crescimento do Grupo.

Neste contexto pretende-se o aumento da competitividade do Grupo M..., através de uma maior visibilidade junto dos agentes económicos que com ele interagem permitindo, igualmente, um aumento da sua capacidade de endividamento.

A reestruturação em apreço permitirá dar um novo impulso à atividade da L..., que nos últimos exercícios esteve praticamente inativa ao nível operacional registando um volume de transações muito reduzido.

Apesar da desvantagem relacionada com os custos adicionais que uma sociedade anónima determina, crê-se que tais custos são clara e largamente compensados pelo desenvolvimento mais rápido e mais flexível da Empresa.

As sociedades anónimas têm a possibilidade de utilizar formas de financiamento adicionais relativamente às sociedades por quotas, incluindo ações preferenciais sem voto, ações resgatáveis e obrigações convertíveis.

Em 03.03.2006, os sócios deliberam:

•             aumentar o capital para duzentos e cinquenta mil euros, por estradas em dinheiro no montante de seiscentos e um euros e sete cêntimos, a subscrever por todos os sócios, na proporção das suas quotas;

•             transformar a sociedade até então por quotas numa sociedade anonima;

•             alterar o seu objeto social para “gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício de atividade económica”;

•             alterar a denominação social da sociedade para “N..., SGPS, SA”.

Em consequência da transformação o capital social, aumentado para duzentos e cinquenta mil euros representado por cinquenta mil ações do valor nominal de cinco euros, ficou distribuído do modo seguinte:

 

A criação de uma sociedade que tem por objeto a detenção de participações como forma indireta do exercício de atividade económica pressupõe a aquisição das ações necessárias à realização do seu escopo social, qualquer que seja a forma que revista essa aquisição (seja por compra, por entradas em espécie para a realização do capital social, ou outra forma).

Como forma de garantir a prossecução do objeto social da sociedade – a gestão das participações sociais como forma indireta do exercício de atividade económica – os sócios asseguraram que as participações sociais detidas por cada um dos membros da família, em todas e cada uma das sociedades existentes, fossem transferidas para a sociedade então constituída, atentas as razões determinantes da sua criação.

Assim,

K... SA - Em 13.04.2007, foi elaborado pelo Revisor Oficial de Contas, O..., inscrito na OROC sob o n.º..., o relatório para verificação de entradas em espécie, através da entrega da totalidade das ações que cada um dos acionistas possuía na sociedade K..., SA, para realização do aumento de capital do montante de €1.800.000,00, passando o capital desta, do montante de €250.000,00 para €2.050.000,00, mediante a emissão de 360 000 ações no valor nominal de €5,00, cada uma.

Em 05.05.2007, por deliberação social, da qual foi lavrada a ata número cinco, foi aumentado o capital social da SGPS, mediante o reforço do montante de € 1.800.000,00, realizado por todos os acionistas na proporção das suas participações sociais, mediante a entrega à sociedade das ações que cada um detinha na sociedade K..., SA.

Em 05.05.2007, por acordo, os acionistas da sociedade K..., da qual, entretanto deixaram de ser sócios, cedem à N..., a totalidade dos créditos emergentes de prestações acessórias que detinham naquela sociedade, do montante de cem mil euros, pelo preço igual ao valor nominal.

A avaliação das ações da sociedade K..., SA, efetuada por entidade independente que utilizou o método patrimonial, baseou-se na situação económica e financeira da sociedade à data de 31.12.2006.

Situação patrimonial e financeira que consta do balanço e da demonstração dos resultados que integram a IES/DA apresentada pela K..., SA, com referência ao exercício de 2006.

Com o aumento de capital social, por entradas em espécie, mediante a entrega das ações que cada um dos acionistas detinha na sociedade K..., SA, concretizava-se um dos objetivos do Grupo – transferir para a SGPS as ações que cada um dos acionistas detinha, individualmente, e garantir a manutenção da posição relativa de cada um dos membros no seio do Grupo.

Considerando que, para os objetivos que o Grupo se propunha alcançar com a reestruturação, mantendo a posição relativa de cada um dos membros da família, impunha-se que as ações detidas na B... Importação e Exportação SA fossem transferidas para a SGPS, pelo que fizeram consignar no pacto social da sociedade transformada, a obrigação de realização, por todos os acionistas, de prestações acessórias, em espécie, através da entrega das participações sociais de que eram titulares na sociedade B... Importação e Exportação SA.

Aquela obrigação de realização de prestações acessórias e o meio e modo de realização (elementos essenciais) respeitavam o disposto no art.º 287.º do CSC onde se determina que «o contrato de sociedade pode impor a todos ou a alguns acionistas a obrigação de efetuarem prestações além das entradas, desde que fixe os elementos essenciais dessa obrigação e especifique se as prestações devem ser efetuadas onerosa ou gratuitamente»

A obrigação de realização das prestações acessórias ficou determinada quanto aos sujeitos – todos os acionistas – e quanto ao objeto – todas as ações que cada um dos acionistas detinha na sociedade “B... Importação e Exportação SA”.

Quanto ao momento da realização foi, pelo número seis do artigo quarto do pacto social, deixado na dependência de deliberação da Assembleia Geral.

Ao consignarem no pacto social da N..., SGPS aquela obrigação, os acionistas asseguraram a prossecução:

•             dos objetivos da reestruturação – concentrar numa única sociedade as participações sociais que cada um dos acionistas, individualmente, detinha em cada uma das sociedades, criando condições para atrair ao Grupo possíveis investidores, aumentado a capacidade de endividamento, diversificando as fontes de financiamento, entre outros;

•             do objeto social da sociedade – a gestão e participações sociais como forma indireta do exercício de atividade económica;

•             por último e não menos importante a manutenção da posição relativa de cada um dos acionistas no seio o Grupo;

A opção pela obrigação de realização de prestações acessórias mediante a entrega das ações da B... teve como objetivo evitar que os acionistas pudessem exigir à sociedade os créditos, como poderia acontecer se as ações tivessem sido vendidas (na opção seguida as prestações acessórias sujeitas ao regime jurídico previsto no CSC só por deliberação social podem ser restituídas aos acionistas e verificados que estejam determinados requisitos legais).

Em 24.08.2007, foi elaborado pelo Dr. O..., Revisor Oficial de Contas, o relatório para verificação das entradas em espécie, mediante a entrega pelos sócios da sociedade B..., da totalidade das ações de que eram titulares, para a realização de prestações acessórias no valor global de € 14.981.585,00.

Note-se que, em 31.12.2006 o capital próprio (a situação líquida) da sociedade B... era de € 6.715.740,00 (seis milhões setecentos e quinze mil setecentos e quarenta euros).

Considerando que o capital social da sociedade era representado por 477 000 ações, o valor patrimonial por ação era de €14,08 (€6.715.740,00/477.000 ações).

Quando a AT compara o valor da ação atribuído na avaliação de 31,41 e o compara com o valor nominal (Capital social / n.º de ações) ignora o valor patrimonial da ação que na data a que se reporta a avaliação era já de €14,08 (Capital próprio / n.º de ações) ou seja sensivelmente metade do valor que lhe foi atribuído na avaliação.

Por outro lado, tendo em conta que os resultados líquidos nos anos de 2005 e 2006 foram, respetivamente, de € 788.142,00 e € 939.296,00. da aplicação da formula prevista no art.º 15.º do Código do Imposto de Selo com a redação que vigorava à data, (Va=1/2x[S+(R1+R2)/2xf), em vigor a data dos factos, resultaria, para a ação um valor próximo de 97,58 euros,

 

Assim, o valor 31,41 euros por ação atribuído às ações da B... pelos peritos independentes, na sequência do trabalho de avaliação da empresa pelo método dos Fluxos de Caixa, não é, como alega a AT, irrazoável, desproporcionado, infundado ou especulativo.

Em 27.08.2007, foi pela assembleia Geral da Sociedade N..., SGPS, SA, da qual foi lavrada a ata número seis, deliberado exigir aos acionistas a realização de prestações acessórias, por entradas em espécie, através da transmissão para a sociedade das participações sociais de que os acionistas eram titulares na sociedade “B..., SA”.

Com a realização, pelos acionistas, da obrigação de entrada das prestações acessórias, a que se obrigaram por força do número cinco do artigo quarto do pacto social, atingiam-se os objetivos da reestruturação – as participações individualmente detidas por cada um dos membros da família eram concentradas na N..., SGPS, SA e respeitada, nesta sociedade, a posição relativa que cada um dos membros da família mantinha, até então, em cada uma das sociedades individualmente consideradas.

A partir de 2007, a sociedade N..., SGPS passou a deter cem por cento do capital social das sociedades K..., SA e B... SA, passando a partir dessa data a gerir, de forma centralizada, as participações sociais detidas.

As sociedades transmitidas eram sociedades anónimas, desde 30.12.1998 – data da constituição da K..., SA, e desde 28.02.1997 - data da transformação da sociedade B... .

Nenhuma das sociedades foi transformada para poder beneficiar do regine da não sujeição a IRS dos ganhos obtidos com a alienação de ações detidas há mais de 12 meses.

A N... SGPS foi constituída com o objetivo da gestão centralizada das participações sociais detidas em cada uma das sociedades, K... e B... .

A N..., SGPS permitiu estabelecer novas e mais profundas sinergias na administração e funcionamento das sociedades do grupo sobretudo ao nível da gestão integrada de tesouraria do Grupo.

A N..., SGPS resultou da vontade dos acionistas de estruturarem o Grupo diversificando os negócios e criando condições para alavancar outros investimentos sobretudo na internacionalização.

Ao construírem esta estrutura societária de negócio os acionistas apenas estavam a concretizar os objetivos que levaram o legislador a acolher no sistema jurídico português a sociedade gestora de participações sociais como instrumento de incentivo à organização e promoção do crescimento das suas atividades com base na construção de grupos económicos.

Consequência da crise financeira que teve início no ano de 2008, as tentativas para atrair investidores ao Grupo não foram bem-sucedidas.

Em Espanha, após uma perda de cerca de 11 milhões de euros de vendas, no canal tradicional de venda por grosso, foi ensaiado um processo de constituição de uma sociedade de capitais mistos, para a criação de uma rede de lojas a retalho, que não chegou a concretizar-se, não obstante terem sido abertas algumas lojas que vieram posteriormente a ser encerradas.

Estabilizado o mercado, o GRUPO continuou a desenvolver a sua estratégia de internacionalização como instrumento de criação e valor, projetando a marca ... em vários países, designadamente nos países e datas seguintes,

 

 

Atualmente o Grupo tem em curso uma operação de criação de uma sociedade, de capitais mistos, que irá desenvolver uma marca que resulta da junção da marca ... com a marca da entidade parceira, estando o processo em fase avançada de concretização.

As operações de reorganização do grupo foram orientadas por razões económicas válidas – gestão conjunta do grupo, redução de gastos, designadamente de financiamento, potenciação do valor, novos investimentos sobretudo na área comercial, no país e no estrangeiro, efetuadas de acordo com a lei em vigor à data dos factos.

A N... SGPS, teve até 2009, colaboradores, passando a partir do ano de 2010 a contar apenas com a atividade dos três membros do conselho de administração.

Em 15.09.2014 por deliberação da assembleia Geral da sociedade N... SGPS SA da qual foi lavrada a ata número vinte, foi deliberado restituir aos acionistas, na proporção das suas participações, prestações acessórias no montante de dois milhões de euros.

Em 01.07.2015, por deliberação da assembleia Geral da sociedade N... SGPS SA da qual foi lavrada a ata número vinte e dois, foi deliberado restituir aos acionistas, na proporção das suas participações, prestações acessórias no montante de oitocentos mil euros.

O planeamento e a estrutura de atos e negócios jurídicos, tanto os relacionados com a reorganização empresarial como com o investimento que a motivou, têm uma evidente justificação económica.

O pacto familiar de sucessão empresarial - Em 31/08/2011 o casal, E... e F..., decidiu, na sequência do pacto familiar de sucessão empresarial, partilhar em vida alguns dos bens do casal, doando quer as ações quer as prestações acessórias que detinham na sociedade N..., alterando as estruturas societárias e de administração das sociedades, orientados pelo conhecimento e experiência de cada um dos descendentes na gestão das empresas do GRUPO bem como as suas disponibilidades pessoais e profissionais.

Assim,

Em 31/08/2011 o acionista E..., doou 236.000 ações que detinha na sociedade N... aos seus filhos H... e A..., cabendo a cada um 118 000 ações, reservando para si um lote de 10 000 ações.

Na mesma data a acionista F... doou aos seus filhos H... e A..., as 41 000 ações que detinha na N..., na proporção de 20.500 ações para cada um.

Na mesma data, os acionistas E... E F... doaram as prestações acessórias que detinham na sociedade N..., que à data totalizavam €9.160.533,00, aos seus 3 filhos, cabendo a cada um deles, H..., A... e G..., a quantia de €3.053.511,00.

Em consequência das doações de que foram beneficiários, o ora Requerente e os seus irmãos passaram a deter na N..., SGPS prestações acessórias do montante de € 4.360.448,46, como se determina no quadro seguinte:

 

Prestações acessórias que como resulta do quadro tiveram origem no montante de €1.306.937,54 da realização, por estrada em espécie, das ações que enquanto acionistas detinham na sociedade B... e no montante de €3.053.511,00 que foi doado pelos seus pais.

As prestações acessórias que lhes foram restituídas nos anos de 2014 e 2015, no montante de €1.400.000,00, respeitam a €1.306.937,54 de prestações acessórias próprias, sendo a diferença de €93.062,46 (€1.400.000,00 – 1.306.967,54) relativa a prestações acessórias que foram doadas pelos seus pais.

No ano de 2007, cada um dos acionistas apresentou as suas declarações modelo 3 de IRS declarando no anexo G1 a transmissão das ações que detinham nas sociedades K..., SA e B... SA.

O Procedimento Tributário e os atos tributários - Em 21-08-2018, credenciada pela OI 2017... e OI 2017..., foi realizado um procedimento inspetivo que teve por âmbito o IRS dos anos de 2014 e 2015, do Requerente tendo como fim “a comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários”.

De acordo com o RIT o procedimento inspetivo foi determinado na sequência de diligências externas realizadas junto das sociedades N... SGPS. SA, NIF ... e B... Importação e Exportação SA, NIF..., apurando-se nos anos de 2014 e 2015, negócios jurídicos essencial e predominantemente dirigidos por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas, à eliminação de impostos que seriam devidos sem a utilização desses meios, que constituem fundamento para proceder à aplicação da norma legal anti abuso prevista no n.º 2 do art.º 38.º da LGT (Clausula Geral Anti Abuso) ( cfr. RIT a fls 2).

Em consequência daquele procedimento foi elaborado o Relatório de inspeção tributária notificado ao Requerente em 10-12-2018 através do ofício n.º... .

Alega a AT que «os negócios jurídicos em discussão resultam de um esquema pre-planeado, com a interposição da N..., entre a B... e os seus acionistas, família J..., com especial incidência nos anos em analise, para H... e A..., que culmina com a restituição de Prestações acessórias de que aqueles são titulares na N... SGPS, as quais foram realizadas em espécie … com o intuito de evitar os impostos a “suportar” pelos referidos acionistas, decorrentes da distribuição de dividendos».

Que «(…) estamos na presença de uma estrutura, enquanto conjunto de atos e negócios sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário (encadeados) com vista a atingir o objetivo fiscal visando distribuir dividendos sem os sujeitar a tributação á taxa liberatória prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 71 do CIRC (para o ano de 2014) e alínea a) do n.º 1 do art.º 71.º do CIRS para o ano de 2015» (cfr. fls. 65 do RIT).

Segundo a AT “o ato de fim económico idêntico aos pagamentos aos acionistas H... e A..., a título de restituição de prestações acessórias seria a distribuição de dividendos aos mesmos por parte da B..., SA, enquadrados como rendimentos na categoria E, nos termos do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do art.º 5.º do CIRS”.

Que, “enveredou-se por uma serie de atos jurídicos, mais complexos e dispendiosos, que face a realidade económica em concreto não se demonstra a sua razoabilidade, o que denuncia claramente a intenção artificiosa da sua utilização.

Que, “a N... SGPS, serviu como instrumento ou veículo para converter dividendos em restituição de prestações acessórias…”

Que, “(..) ao utilizar esta estrutura os acionistas decidiram artificiosamente evitar a tributação em IRS através da utilização de um conjunto de negócios anómalos, atingindo assim, idêntico fim económico evitando desse modo o imposto correspondente aos rendimentos auferidos”.

Concluindo a fls 67 do RIT que “como a transformação de uma tributação de dividendos numa restituição de prestações acessórias teve como motivação fiscal o aproveitamento da exclusão da tributação prevista na al. a) do n.º 2 do art.º 10.º do CIRS (alienação de ações detidas há mais de 12 meses) incumbe a AT considerar como ineficazes no direito tributário a classificação desses rendimentos como restituição de prestações acessórias e enquadrá-los como distribuição de dividendos nos termos da alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º do CIRS”.

Para atingir aquele desiderato alega a AT que a N... SGPS, desde que assume a forma jurídica de “SGPS” serviu apenas de depósito das participações detidas pela família não tendo qualquer outra atividade como sociedade gestora de participações, que não teve trabalhadores ao seu serviço e que os gastos são apenas de funcionamento.

Afirmações que não correspondem à verdade porquanto, como refere a AT, os lucros distribuídos pela B... à N... foram canalizados para o financiamento da K..., incrementando o seu capital próprio mediante a realização de prestações acessórias, reduzindo o endividamento do GRUPO e reduzindo os custos financeiros e outros.

Também não corresponde à verdade que a N... não tivesse colaboradores porque os teve até ao exercício de 2009, passando a partir de 2010 a contar com a colaboração apenas dos seus três administradores.

Sobre esta questão o tribunal arbitral já se pronunciou no sentido de que relativamente à constituição da SGPS e à atividade desenvolvida, não importa perceber se existem funcionários ou equipamentos capazes de refletir uma realidade económica, dado que a atividade típica de uma sociedade gestora de participações sociais não tem de implicar a existência de funcionários, etc.

O que releva é concluir que os meios empregues são os típicos e normais seja quanto a forma (jurídica) seja quanto à pratica (negocial) pois essa é precisamente a vocação das sociedades holding (SGPS) que podem revestir diversas modalidades como sejam as holding passivas ou financeiras e as holding diretivas, não sendo de estranhar que não disponham de colaboradores quando o seu objeto estratégico é a detenção e reforço de participações e não de prestação de serviços técnicos ou corporativos á(s) sociedade(s) participada(s).

Trata-se ainda do exercício de atividade económica, conforme refere o regime jurídico das sociedades gestoras de participações sociais, de um “exercício indireto” de uma atividade económica.

A propósito da motivação, a AT defende que “não se vislumbra qualquer benefício económico” e que as “operações tiveram como objeto fundamental a distribuição de dividendos”.

Como supra se referiu, a decisão de criação da N... SGPS foi tomada no início do ano de 2006 e teve por base a criação de uma estrutura de cúpula que permitisse a gestão centralizada, a criação de condições de sustentabilidade do crescimento dos negócios na área do calçado e da promoção imobiliária, um e outro no seu auge, para além de permitir a abertura do capital do GRUPO a novos investidores, criando as condições necessárias para o desenvolvimento internacional.

Sendo uma sociedade vocacionada para a gestão de participações impunha-se que detivesse as participações a gerir e a forma encontrada para operar a transferência foi, no caso da K..., a entrega das ações para realização do aumento de capital e, no caso das ações da B..., a transferência para a realização de prestações acessórias, visando desta forma reforçar os capitais próprios da SGPS.

Note-se que a participação que o Requerente detinha em cada uma das sociedades K... e B... era tão só de 10%, participação que não lhe conferia poder para condicionar o sentido de voto.

Acresce referir que a transferência das ações detidas pelo Requerente quer na K... quer na B... foram avaliadas por peritos independentes, tendo sido transferidas, nos dos casos, pelos valores da avaliação.

A propósito do interesse extrafiscal alega a AT que “não obstante os atos e negócios jurídicos que compõem esta estrutura sejam em si mesmo validos e lícitos e correspondam a efetiva vontade dos sujeitos passivos, não se lhes vislumbra qualquer substancia económica”, o que não traduz a realidade como supra se referiu.

No que se refere à doação dos pais E... e F..., alega a AT que a “mesma visou unicamente lograr transferir a propriedade desses ativos financeiros de forma gratuita e isenta de imposto de selo (art.º 6.º al. c) do CIS).”

A atuação da AT é orientada por juízos subjetivos como claramente se evidencia quando refere que “caso os pais E... e F..., tivessem doado aos filhos apenas as participações sociais na N..., SGPS, estes acabariam por ser tributados em sede de IRS na sua esfera individual quando recebessem os dividendos dessa sociedade”.

Foi com estes fundamentos que a AT se decidiu pela declaração de ineficácia do ato jurídico que se traduziu na transferência para a N... SGPS das participações sociais que os acionistas, individualmente, detinham na sociedade B... SA, através das entradas em espécie para cumprimento da obrigação de realização de prestações acessórias.

Efetivamente não está em causa o ato da constituição da SGPS, porque se estivesse também teria sido declarado ineficaz o ato jurídico de realização do aumento de capital por estradas em espécie, concretizado através da entrega das ações que os sócios individualmente detinham na sociedade anónima K..., SA e na cedência, àquela, dos créditos que aqueles detinham nesta sociedade emergentes de prestações acessórias realizadas enquanto acionistas.

Para além da ineficácia do ato jurídico relativo à aquisição das prestações acessórias em consequência da entrega, por todos os acionistas das ações por eles detidas na sociedade B..., SA, a AT questiona, também, o ato jurídico da “doação” dos pais, E... e F..., aos seus três filhos, por conta da quota disponível, em partes iguais, das prestações acessórias que detinham em agosto de 2011, quando decidiram, na sequência do pacto familiar, partilhar em vida parte dos seus bens, redistribuindo, por meio da doação, as participações sociais e os direitos associados, orientados por fatores que enquanto progenitores e acionistas maioritários entenderam ser o melhor para o GRUPO tendo em conta “o conhecimento e a experiencia de cada um dos filhos (herdeiros) na gestão das várias empresas do Grupo N... bem como as suas disponibilidades pessoais e profissionais” garantindo, de acordo com o seu entendimento pessoal, a continuidade do projeto com criação de valor.

Considerando que a fundamentação dos atos tributários é a que consta do RIT terá de se concluir que a AT não logrou demonstrar como lhe competia a factualidade necessária ao preenchimento dos pressupostos de aplicação da CGAA.

A AT ignorou as motivações que estiveram na origem da constituição das prestações acessórias realizadas por entradas em espécie através da entrega das ações que cada um dos acionistas, individualmente considerados, detinham na Sociedade B... SA.

Ignorou o facto de o Requerente deter nas sociedades (B..., K... e N...) uma participação social de, tão só, dez por cento, irrelevante do ponto de vista da conformação das deliberações sociais.

Ignorou o facto de a doação das ações e das prestações acessórias ter sido, verdadeira e genuína, ajustada com animus donandi, em termos definitivos, incondicionada, genuinamente gratuita e sem qualquer encargo.

A AT não logrou provar que se tivesse havido da parte do Requerente o propósito de, com os atos e procedimentos descritos, designadamente a transmissão à N..., SGPS,  das 47.700 ações de que era titular na sociedade B..., para, por entradas em espécie, cumprir a obrigação societária, de realização de prestações acessórias, obter vantagens fiscais, designadamente ao nível da tributação em IRS.

A AT não provou que o requerente tenha praticado os atos e negócios jurídicos que lhe são imputados com o único ou principal intuito de conseguir vantagens fiscais, designadamente ao nível da tributação em sede de IRS.

No caso em apreço, a Administração Tributária decidiu a aplicação da cláusula geral anti abuso considerando que, para efeitos de tributação em IRS, a artificialidade da constituição da SGPS na qual o Requerente detinha uma participação de 10%, da constituição de prestações acessórias de € 1.498.158.50 realizadas por entradas em espécie, mediante a entrega das suas 47.700 ações que detinha na B... e da doação das prestações acessórias detidas pelos seus pais, são, no essencial, os atos que no seu conjunto, levam à ineficácia do ato de restituição das prestações acessórias para efeitos tributários, ato este que, no entender da AT, deve ser caracterizado como distribuição de dividendos.

O artigo 63.º do CPPT, na redação inicial, estabelecia que:

“1 - A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições anti abuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.

2 - Consideram-se disposições anti abuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou atos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.

3 - O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do ato ou da celebração do negócio jurídico objeto da aplicação das disposições anti abuso.”

A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, alterou o n.º 3, que passou a ter a seguinte redação:

“3 – O procedimento referido no n.º 1 pode ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objeto das disposições anti abuso.”

Com a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, deixou de ser feita qualquer referência a prazo para a abertura do procedimento para aplicação da cláusula geral anti abuso.

A nova lei não tem caracter interpretativo nem é de aplicação retroativa.

Assim à data dos factos, 2007, data em que foi executada a deliberação de realização, em espécie, das prestações acessórias, mediante a entrega das ações da B...– a lei aplicável tinha a redação inicial que previa para o procedimento um prazo de caducidade de três anos.

Tendo em conta que à data dos factos – 2007 - e contando-se o prazo da caducidade do direito à instauração do procedimento, do início do ano civil subsequente, 2008, a extinção do direito potestativo de instauração do procedimento ocorreu em 31.12.2010.

Note-se que a AT teve conhecimento da transmissão das ações porque esta foi declarada no anexo G1 da declaração modelo 3 apresentada pelo Requerente para efeitos de IRS do ano de 2007.

Na sua redação inicial, o art.º 63º, n. º 3, do CPTT fixava um prazo especial para a abertura do procedimento conducente à aplicação da Cláusula Geral Anti abuso, contado desde a data da «realização do negócio jurídico objeto das disposições anti abuso».

Prazo que, conforme é entendimento da doutrina e da jurisprudência se conta tomando como referência o momento da prática do negócio abusivo (a transferência das ações detidas na sociedade B... avaliadas por peritos independentes para a realização, por entradas em espécie, da obrigação societária, de prestações acessórias ocorreu em 2007),

Defende a doutrina que o sujeito passivo não pode estar indefinidamente na incerteza sobre o juízo da Administração sobre os seus atos ilícitos.

Estando em causa restituições de prestações acessórias que se poderão verificar ou não (note-se que no período de 2007 a 2017, realizaram-se duas deliberações de restituição) pelo que,  entender que o direito à aplicação da CGAA existe até ao termo do quarto ano seguinte ao do último pagamento, significaria aceitar uma incerteza jurídica durante décadas, o que, manifestamente não é conforme às exigências de um Estado de Direito.

O que está em causa é a requalificação de um negócio jurídico (constituição de prestações acessórias por entradas em espécie de ações transferidas para a SGPS), do qual resultou para a sociedade beneficiária dessas prestações acessórias uma obrigação de reembolso se e quando, reunidos os pressupostos legais previstos na lei, for deliberado pela Assembleia Geral e não a requalificação dessas restituições, pois estas não são a parte da obrigação abusivamente criada, mas sim a forma da sua extinção.

Na análise da questão da caducidade, há que ter em conta que, nos casos em apreço, a tributação com aplicação da CGAA apenas é viável com o afastamento da relevância fiscal da transmissão das ações ocorrida em 2007.

Em termos práticos, está-se perante um negócio de transmissão de ações, que, em 2007 geraram dívidas da sociedade para com os acionistas, configurando as restituições deliberadas em 2014 e 2015 um modo de extinção dessas dívidas.

Como se decidiu no acórdão arbitral de 03.01.2019, processo 235/2019, o ato jurídico de constituição das prestações acessórias mediante a entrega das ações detidas na sociedade B..., SA, que por aquela via foram transmitidas a N..., SGPS, não é inválido em termos civilísticos, pelo que produziram os seus efeitos cíveis de as transmissões gerarem dívidas e a restituição as extinguirem parcialmente.

Assim, a qualificação das “restituições” das prestações acessórias como pagamento de dividendos só é viável com a desconsideração dos efeitos fiscais dos negócios que geraram as dividas, pois, se os efeitos cíveis destes também forem relevantes para efeitos fiscais, terá de se concluir que existiam em 2014 e 2015 dívidas a reembolsar, não havendo qualquer artifício ou fraude em pagar o que se deve.

Por outro lado, como resulta expresso da letra do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, nas redações anteriores à da Lei n.º 64-B/2011, os factos relevantes para a contagem do prazo de três anos eram «a realização do ato ou da celebração do negócio jurídico objeto da aplicação das disposições anti abuso» (redação originária) e «o início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objeto das disposições anti abuso» (redação da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro). (P 235/2019 de 03.01.2019).

Efetivamente, como se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 420/2014-T «o legislador mantendo-se na terminologia do artigo 38.º, n.º 2 da LGT, pretendesse que o prazo em questão tivesse como referência a consumação da vantagem fiscal almejada com o ato ou negócio jurídico cuja ineficácia é visada pela aplicação da cláusula anti abuso, tê-lo-ia dito. A referir-se ao negócio jurídico, e não à vantagem fiscal, fica claro, crê-se, que o legislador pretendeu –bem ou mal –reportar-se àquele, e não a esta, para determinar o início do prazo que consagrou no artigo 63.º, n.º 3 do CPPT, através da Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro».

Na letra da norma prevista no n.º 3 do art. 63.º do CPPT, quer na redação inicial, quer na introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, faz-se referência explícita à realização do negócio como momento relevante para determinar o início do prazo de três anos, imediatamente (na redação inicial) ou a partir do início do ano civil subsequente (na redação de 2008).

A letra da lei encontra-se centrada no ato ou negócio jurídico, tendo o legislador optado por utilizar a expressão “realização do negócio” (art. 63.º, n.º 3 do CPPT) em vez de outras como “efeito do negócio” ou “finalidade do ato” ou «produção de vantagens fiscais».

Acresce que também não se pode considerar relevante para influenciar o início do prazo para abertura do procedimento o momento em que o negócio entra na esfera de conhecimento da Administração Tributária, pois, pelo contrário, impõe-se a contagem do prazo desde o início do ano civil ao da realização do negócio, apesar de as declarações de rendimentos nos impostos periódicos só devam ser apresentadas vários meses depois.

Como refere PEDRO PATRÍCIO AMORIM, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, páginas 230-232 (Anotação à primeira decisão de um tribunal superior sobre a aplicação da cláusula geral anti abuso) “o entendimento de que o início do prazo se deva contar da produção de efeitos do negócio não tem na letra do artigo 63.º, n.º 3, do CPPT,  “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, imprescindível para a admissibilidade de uma interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 2 do CC).”

Também para DIOGO LEITE DE CAMPOS e JOÃO COSTA ANDRADE, Autonomia Contratual e Direito Tributário, A norma geral anti elisão, Coimbra, Almedina, 2008, p. 75: “O prazo deve contar-se, como é letra da lei, do ato ou do contrato que é objeto da aplicação da norma anti elisão e que, portanto, será ineficaz”.

Como se refere no acórdão arbitral de 09-05-2013, proferido no processo n.º 123/2012-T e no acórdão arbitral de 14-12-2016, proferido no processo n.º 363/2016-T, nas redações que vigoraram até à entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, resultava do n.º 3 do artigo 63.º para o sujeito passivo a “garantia” de que o procedimento para aplicação da cláusula geral anti abuso não poderia ser aberto decorrido o prazo previsto.

Tendo em conta que o ato jurídico de constituição das prestações acessórias ocorreu para todos os acionistas – quer para o Requerente quer para os seus pais - em 2007, ano em que as ações detidas na B... foram transferidas para a SGPS para realização da obrigação de entrada a título de prestações acessórias - o direito de instaurar o procedimento para aplicação da cláusula geral anti abuso, retirando eficácia fiscal àquele ato, estava extinto à data em que o procedimento foi instaurado em 2018.

Estando integralmente decorrido esse prazo extintivo do direito potestativo da Autoridade Tributária e Aduaneira instaurar procedimento de aplicação da cláusula geral anti abuso à data em que foi eliminado o prazo, em 01-01-2012, com a entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, esta nova lei não tem com aquele prazo qualquer conexão temporal, pelo que não pode ser aplicada à situação jurídica a que se reporta a extinção do direito. (P235/2018 de 03.01.2019).

Assim, tendo o procedimento para aplicação da cláusula geral anti abuso sido instaurado em 2018, conclui-se que a instauração ocorreu depois de estar extinto o prazo aplicável, pelo que esta foi ilegal, por violação do artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, na redação da Lei n.º 64-A/2008.

Não verificação dos pressupostos legais de aplicação da CGAA - Suscita-se nos presentes autos a questão de saber se relativamente ao ato de constituição das prestações acessórias, consequente da entrada, em espécie, das 47.700 ações que o Requerente detinha, no capital da B..., representativas de 10% do capital social desta, pelo valor que resultou da avaliação, suportada por parecer de peritos independentes e pelo relatório de verificação, elaborado por ROC, também ele independente, nos termos e para os efeitos do art.º 28.º do CSC, se mostram reunidos os pressupostos legais legitimadores da aplicação da cláusula geral anti abuso, prevista no art.º 38.º, n.º 2 da LGT. 

Efetivamente os atos resumem-se:

À entrega das 47.700 ações detidas no capital da B... à N... SGPS, pelo valor que resultou da avaliação efetuada por peritos independentes com base no método dos fluxos de caixa, para realização, em espécie, de prestações acessórias.

À doação pelos seus pais das prestações acessórias de que eram titulares na N...

À restituição em 2014 e 2015 de parte daquelas prestações acessórias (as próprias e as recebidas por doação).

Com a realização da obrigação de entrada de prestações acessórias, em espécie, por todos os acionistas, o Requerente e os seus pais adquiriram o direito de lhe serem restituídas pela sociedade N..., quando e se, observados os requisitos legais, delas não carecessem, como foi o caso em 2014 e 2015.

A norma do nº 2 do art.º 38.º da LGT dispõe que: 

2 - São ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”

A CGAA só pode ser aplicada quando, indubitavelmente, se encontrem verificados todos e cada um dos pressupostos nela previstos. 

Significa isto que o intérprete se tem de abster de quaisquer juízos sobre, nomeadamente, se a economia fiscal lograda é ou não “justificada” ou “aceitável”, se a concreta situação fere ou não uma suposta igualdade horizontal entre os contribuintes. 

O intérprete, tem apenas o dever de verificar se, no caso concreto, estão ou não, indubitavelmente, presentes todos e cada um dos pressupostos de aplicação da CGAA.

Ao intérprete é completamente vedado dar à CGAA um âmbito de aplicação mais vasto [fazer uma interpretação extensiva] que aquele que decorre do próprio texto legal, mesmo que sob o pretexto de realização da justiça material no caso concreto. 

É pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que a aplicabilidade da CGAA supõe a verificação de quatro pressupostos (ou elementos): elemento meio; elemento resultado; elemento intelectual; elemento normativo.

Cabendo à AT o ónus da prova dos factos alegados para aplicação da cláusula geral anti abuso, no caso dos autos, tendo em conta o enquadramento fáctico, há-de concluir-se pela ausência de prova quanto à exclusividade ou preponderância do interesse fiscal na prática da sucessão de atos que também conduziram a uma efetiva poupança fiscal.

No limite, subsistindo a dúvida quanto a essa finalidade ou a esse interesse, a situação redundaria em idêntica consequência em termos probatórios (Cfr art.º 346º, do código Civil e 414º, do Código de Processo Civil).

No caso concreto, não se provou que o motivo único ou principal da constituição da SGPS e a realização, em espécie, das prestações acessórias, por entrega das ações detidas na B..., tivesse sido a obtenção de vantagens fiscais, designadamente para servir de veículo à distribuição de dividendos.

O não preenchimento, do elemento intelectual constitui fundamento da ilegalidade dos atos tributários controvertidos.

É que uma questão, é a da motivação fiscal do negócio ou negócios praticados; outra, diferente, é o de, no pressuposto de que os negócios praticados não sejam anómalos ou artificiais, saber “da contrariedade do resultado ao Direito”.

Está em causa, como se viu, o tratamento fiscal diferente ou diferenciado da obtenção de rendimentos economicamente equivalentes.

No caso, no período em que a transferência das ações se verifica há um rendimento, há apuramento do ganho de mais valias.

Ganho esse que não foi tributado por opção expressa do legislador que excluiu da regra de incidência os ganhos obtidos com a transmissão de ações detidas pelo seu titular por período superior a 12 meses.

O ato de transmissão das ações ocorreu em 2007.

No ano em que ocorreu a transmissão das ações -2007 - foram apurados os rendimentos de mais valias.

A contrapartida da transmissão das ações foi reconhecida como um instrumento de capital próprio – as entradas a título de prestações acessórias de capital.

Os instrumentos de capital próprio são componentes do património do seu titular.

O Requerente deixou de ser acionista das sociedades K... e B... e passou a ser acionista da N... e titular de “outros instrumentos de capital próprio” – as prestações acessórias.

O Requerente declarou o rendimento que obteve com a transmissão, que não foi tributado por opção do legislador.

A restituição das prestações acessórias não é mais do que uma alteração da composição do seu património. Note-se que se as entradas tivessem sido utilizadas não para a realização de prestações acessórias, mas para a realização capital social, sempre o Requerente tinha o direito de recuperar o valor da realização, por meio da restituição de umas – as prestações acessórias – ou a redução de outro – o capital social.

Qualquer que fosse o destino do produto da realização sempre o Requerente tinha o direito a recuperar esse valor (ainda que no limite, no ato da liquidação).

A sociedade N..., deliberou a restituição, em parte das prestações acessórias, aos seus acionistas.

Se as ações da B... tivessem sido entregues para realização de entradas de capital social, a redução deste, para libertação de excesso de capital, também não estava sujeita a imposto no momento em que ocorresse essa restituição.

Mesmo admitindo a tese da AT – de que as ações da B... tal como as ações da K... poderiam ter sido utilizadas para reforço do fundo próprio – o capital social - sempre se imporia ter em conta que: a) o reforço dos capitais próprios também se alcança pela via das prestações acessórias: b) o reforço do capital social tal como as prestações acessórias podem ser restituídas aos sócios.

Acresce que qualquer que fosse o modo como as ações da B... chegassem ao património da N... SGPS, e não tendo sido transmitidas pelo valor nominal, como foi o caso, sempre se apuraria um ganho de mais valias, ganho esse que foi obtido no ano da transmissão das ações que constituiria rendimento dos acionistas para efeitos de IRS não fosse a exclusão da sua inclusão na base de incidência por verificação dos respetivos pressupostos legais.

A restituição aos sócios por via de uma redução das prestações acessórias, tal como se verificaria numa redução de capital, não constitui, de novo, um “rendimento” mas antes uma entrada no património do Requerente de meios monetários líquidos em substituição de um direito de crédito.

Assim, a CGAA não pode obstar às opções dos contribuintes que, confrontados com a escolha entre dividendos (distribuíveis ou meramente potenciais) optem, mesmo que por razões fiscais, pela obtenção de mais-valias.

Constitui planeamento fiscal legítimo, face à CGAA, os sujeitos passivos praticarem negócios jurídicos que tenham como resultado a realização de mais-valias não sujeitas [ao tempo] a tributação em IRS, mesmo quando a realização de tais negócios tenha como motivação exclusiva ou principal a economia fiscal assim lograda.

No caso dos autos não se mostram reunidos os elementos meio, intelectual e normativo cuja verificação, cumulativamente com o elemento resultado (que aconteceu), é condição necessária para o preenchimento da tipicidade da CGAA.

A interpretação da parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, como norma jurídica tributária de que resulta a imposição de tributação, não pode deixar de ter em conta a característica da generalidade, indispensável nas normas de tributação por força do disposto no artigo 5.º, n.º 2, da LGT, que é corolário do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos.

 

Na verdade, conclui-se da parte final do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, na redação da Lei n.º 30-G/2000, que a cláusula geral antiabuso não tem em vista meramente atribuir à Administração Tributária compensação por atos que lhe tenham provocado perda de receita fiscal, antes visa, concomitantemente, eliminar as vantagens fiscais ilegítimas que alguém obteve, o que revela que lhe estão subjacentes preocupações de igualdade e justiça tributária, que só podem satisfazer-se com a imposição da tributação omitida a quem obteve essas vantagens.

De resto é esta a única interpretação que se compatibiliza com o princípio constitucional da tributação segundo a capacidade contributiva (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e o princípio da tributação com respeito pela justiça material (artigo 5.º, n.º 2, da LGT).

Com efeito, estes princípios impõem que seja tributado em impostos sobre o rendimento quem obteve os rendimentos e no momento em que os obteve.

Entende a AT, pese embora a reduzida participação social do Requerente, que a opção de utilização das ações detidas na B... para a realização das entradas de capital a título de prestações acessórias e não para a realização das entradas para realização do aumento de capital teve como motivação a constituição de um crédito que ao ser restituído “encapotava” o que a doutrina designa por “dividendos construtivos ou disfarçados”.

Como resulta do RIT e dos elementos juntos nada demostra ou sequer indicia que constitui um ato de planeamento fiscal abusivo a reestruturação societária ocorrida em 2006 e 2007, no âmbito da qual o Requerente utilizou as ações representativas de 10% do capital da B..., avaliadas nos termos do relatório elaborado para efeitos de verificação das entradas em espécie em cumprimento do disposto no art.º 28.º do CSC, por valor que ronda cerca de um terço do valor que se obteria se tivessem sido avaliadas por aplicação da fórmula prevista no art.º 15.º do CISelo.

A lei não exige que a SGPS detenha muitas ou poucas participações.

A lei exige que a sociedade gestora de participações socais tenha um determinado objeto e faça constar da sua denominação social a expressão “SGPS” mas não impõe níveis de intervenção, mais ou menos intensa.

O facto de a N... ter, no passado recente, um nível interventivo ao nível de gestão das suas participadas mais reduzido tal não afeta a sua qualificação jurídica enquanto sociedade gestora de participações sociais.

Com o rendimento obtido no momento da utilização das ações para realização, em espécie, da obrigação de entrada de outros instrumentos de capital próprio, o Requerente viu aumentada a sua capacidade contributiva, fazendo integrar no seu património o crédito relativo ao valor da avaliação.

Esse rendimento configurou um ganho de mais valias, não sujeito a IRS porque excluído da tributação, por expressa opção do legislador, pelo que no momento em que é reembolsado, em que é restituído ao seu titular, não pode ser sujeito a imposto de capitais, por mais rebuscada e imaginativa que seja a fundamentação.

Se o Requerente em 2007 auferiu um rendimento que se traduziu num crédito que lhe será restituído quando e se a devedora tiver condições legais e financeiras para proceder à sua restituição, o aumento da sua capacidade contributiva ocorreu nesse ano.

No ano de 2007, o rendimento auferido contribuiu para o aumento do património, rendimento esse que não foi tributado por opção do legislador.

No momento em que o crédito é, no todo ou em parte reembolsado, não há aumento da capacidade contributiva, antes a mudança dos elementos constitutivos do seu património.

Os rendimentos são tributados una única vez no momento em que são obtidos. Com a realização das prestações acessórias o Requerente deixou de possuir, no seu património a participação social que detinha na B..., e em substituição desta entrou para o seu património o credito que passou a deter, a titulo de prestações acessórias, sobre a sociedade gestora de participações sociais, do montante de € 1.498.158,50, representativo de 10% da totalidade dos créditos que os sócios passaram a deter sobre a N... .

Em 27-07-2007 o Requerente ao entregar à N... as ações que detinha sobre a B..., para realização da obrigação de entrada imposta por deliberação social daquela data, de que foi lavrada a ata n.º 6, abdicou desse ativo, trocando-o por outro  - o direito de credito – o direito de receber da N..., em dinheiro ou em espécie aquele contravalor de € 1.498.158,50.

Ganho que, naquele ano de 2007, seria tributado, não fosse o regime fiscal vigente à data dos factos, que excluía da incidência os ganhos obtidos com a alienação de ações detidas por período superior a 12 meses.

Do RIT não resulta provada qualquer artificialidade que possa inquinar a produção de efeitos dos negócios jurídicos celebrados.

Do RIT não resulta provado que os negócios praticados o foram em termos “artificiosos e fraudulentos e com abuso das formas jurídicas” como dispõe o n.º 2 do art.º 38º da LGT.

No caso dos autos não estão reverificados os pressupostos legais de aplicação da CGAA.

Os atos de liquidação adicional do IRS dos anos de 2014 e 2015 são ilegais.

A doação das prestações acessórias pelos pais aos filhos – Procura a AT demonstrar que a doação das ações e das prestações acessórias que os pais do Requerente efetuaram em 2011, se inserem naquilo que designa por “esquema pré-planeado…” , de “um conjunto complexo de atos sujeitos a uma arquitetura global, nos quais vamos encontrar eventos preparatórios :…”doação das partes de capital detidas na N... pelos pais….. seguidas da doação das Prestações acessórias…” Cfr. RIT a fls 60 e 61.

Entende a AT que a doação das ações e das prestações acessórias detidas na N... pelos pais do Requerente, é também um ato jurídico essencial ou principalmente dirigido à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos, de natureza fraudulenta também suscetível de ser considerado ineficaz a luz do n.º 2 do at.º 38.º da LGT.

A doação é, nos termos do art.º 940.º do CC, um contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente.

Ora os pais do Requerente, à custa do seu património, dispuseram de forma gratuita, genuína, com animus donandi, das ações e das prestações acessórias que detinham na N..., a favor dos seus filhos entre os quais o ora Requerente.

A primeira questão que se colocaria desde logo era a de saber qual o ato ou negócio jurídico de idêntico fim económico.

Uma doação importa, do mesmo passo, um enriquecimento sem contrapartida na esfera patrimonial do donatário e uma simétrica ablação patrimonial definitiva na esfera do doador.

Nos termos do n.º 1 do art.º 1.º do Código do Imposto de selo, estão sujeitas a imposto, as transmissões gratuitas, considerando-se como tais as que constam do n.º 3 daquela disposição legal, por aplicação da taxa prevista na verba 1.2 da tabela geral do código do imposto do selo.

Contudo, pese embora sujeitas a imposto de selo, estão as mesmas isentas quanto se trate de doações entre cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes (art.º 6.º al. e) do CIS).

Daqui resulta que a doação dos pais aos filhos é um ato translativo do património dos doadores a favor dos donatários isento de imposto de selo.

Não se vê assim qual o ato ou negócio jurídico de idêntico fim económico.

Nem se vê em que medida se pode defender que se trata de um ato fraudulento e por isso contrário à lei.

Antes trata-se de um direito que assiste aos doadores de livremente disporem dos seus bens a favor dos seus filhos – os donatários.

Também em relação a doação das ações e das prestações acessórias não se verificam reunidos os pressupostos de que depende a aplicação da cláusula geral anti abuso previstos no n.º 2 do art. 38.º da LGT.

Quanto à forma utilizada – elemento meio – a forma escolhida pelo contribuinte – a doação é um ato jurídico civilmente admitido, não representa para o donatário uma vantagem fiscal dotada de forma anómala, inusual, artificiosa, complexa ou contraditória.

Do RIT não resulta provado que a doação não tenha sido definitiva, incondicionada, genuinamente gratuita e sem quaisquer encargos.

Do RIT não resulta provada qualquer artificialidade que possa inquinar a produção de efeitos dos negócios jurídicos celebrados,

Do RIT não resulta provado que os negócios praticados o foram em termos “artificiosos e fraudulentos e com abuso das formas jurídicas” como dispõe o n.º 2 do art.º 38º da LGT.

Quanto ao elemento resultado a AT não descreveu o negócio jurídico celebrado e os negócios ou atos de idêntico fim económico porque não há identidade de fins económicos entre a doação das prestações acessórias restituídas e os “dividendos”.

A haver “dividendos” eles teriam sido na esfera jurídico-tributária dos doadores e não dos donatários.

Quanto ao elemento intelectual, não se prova que o Requerente tenha no que à doação respeita, qualquer motivação, porque essa, a existir, seria na esfera dos doadores.

Quanto ao elemento normativo, a AT não logrou demonstrar que há um resultado fiscal, que esse resultado é antijurídico que ofende a ordem jurídica.

Os atos de liquidação adicional são, na parte que respeita à doação, também eles ilegais.

 

2.            A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese o seguinte:

Os Serviços Inspetivos aplicaram a cláusula Geral Anti abuso prevista no nº 2 do artigo 38º da LGT e o Requerente sustenta que o procedimento para aplicação da cláusula geral anti abuso, tendo sido instaurado em 2018, ocorreu depois de estar extinto o prazo aplicável, pelo que foi ilegal por violação do artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, na redação da Lei n.º 64-A/2008 - Caducidade do direito à aplicação da cláusula geral anti abuso.

A AT considera que os atos de restituição de prestações acessórias não são mais do que uma distribuição de dividendos sujeitos a IRS, e por isso desencadeou o procedimento com vista a aplicação do n.º 2 do art. 38.º da LGT.

A AT não logrou demonstrar os pressupostos legais de que depende a aplicação da clausula geral anti abuso, designadamente o elemento meio, resultado, intelectual e normativo.

Do RIT não resulta provado que os negócios praticados o foram em termos “artificiosos e fraudulentos e com abuso das formas jurídicas” como dispõe o n.º 2 do art.º 38-º da LGT, por isso não estão verificados os pressupostos legais da CGAA.

Porém, não lhe assiste, no entender da Requerida, qualquer razão, decaindo in totum os argumentos expendidos, como infra se demonstrará.

No que concerne à problemática subjacente ao pedido em crise, é manifesto que o cerne do diferendo centra-se na conformidade da aplicação da cláusula geral anti abuso.

Neste âmbito, é elementar a compreensão dos termos que medeiam o enquadramento deste conceito.

Descendo ao caso vertido nos autos, o elemento meio encontra-se personificado na sociedade N... SGPS.

Justamente, a sobredita entidade foi configurada como veículo privilegiado, de captação e conversão de dividendos, da sociedade B... SA em prestações acessórias devidas aos respetivos sócios.

Nesse sentido, serve a conclusão explanada pelo relatório de inspeção (procedimento inspetivo, correspondente às ordens de serviço OI2017... e OI2017...:

“No presente caso, a interposição da sociedade N... SGPS, entre os acionistas H... e A... e a sociedade B... SA - através das operações realizadas, com a consequente alteração da titularidade jurídica direta por uma titularidade indireta - e a sua utilização abusiva, teve como objetivo a retirada dos lucros da B... SA (beneficiando da já referida eliminação da DTE) e a transformação destes em restituição das Prestações Acessórias geradas com a transmissão das ações da B... SA para a N... SGPS (sob a forma de Prestações Acessórias constituídas em espécie, as quais resultaram da entrega das ações da B... SA, por parte dos membros da Família J..., por um valor muito superior ao respetivo valor nominal, operação excluída de tributação em sede de IRS por força da alínea a) do nº. 2 do artigo 10º do CIRS), resultando na eliminação da tributação, em sede de IRS dos referidos acionistas da sociedade em análise e acima identificada, nos períodos de 2014 e 2015, uma vez que, sem a utilização da estrutura utilizada, não beneficiariam da exclusão de tributação, ficando aqueles fluxos sujeitos a imposto, como rendimentos da categoria E de IRS.”

Cujo encadeamento cumpriu uma finalidade fiscal, de supressão da tributação dos ditos dividendos, na esfera individual do autor.

Neste contexto, impõe-se a compreensão cronológica das vicissitudes que, no nosso entendimento, se alinham como mais relevantes, de modo a promover a compreensão das relações estabelecidas entre as duas sociedades sobreditas, quando cotejadas à luz dos titulares das respetivas participações sociais.

Nesse sentido, e sempre nos termos do relatório de inspeção, a B... foi registada na Conservatória do Registo Comercial de ..., em 12 de junho de 1981.

A titularidade do respetivo capital social, encontrava-se repartida por E...,  F..., H..., G... e A... , doravante denominados de “Família J...” (ver relatório de inspeção, pg.6).

O Conselho de Administração era, do mesmo modo, controlado e presidido pela Família J... .

Sobre a N..., a respetiva origem remonta ao registo, na Conservatória do Registo Comercial de ..., a 03 de abril de 1995, da sociedade L..., Lda., cujo objeto social ditava, sempre na esteira do relatório de inspeção, a transformação de matérias-primas plásticas, comércio geral, importação e exportação.

A 30 de março de 2006, a dita L..., Lda, foi transformada, em sociedade anónima, tendo alterado o seu objeto social para gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas - e adotado a sua denominação atual – N... SGPS, SA.

No que concerne à evolução da estrutura societária das duas entidades, transcrevemos o quadro resumo do relatório de inspeção (disponíveis a fls.10 e 11).

É, mais uma vez, notória a prevalência da Família J..., no alinhamento societário das duas entidades, bem como a proximidade das relações familiares entre os respetivos membros, conforme elucida o relatório de inspeção:

 

“As relações familiares existentes entre as pessoas singulares indicadas – os membros da FAMÍLIA J...- são as seguintes: E... e F..., são casados entre si, e pais de H..., A... e G... .”

Sem prejuízo, é de salientar que, o contrato de constituição da N..., nas respetivas cláusulas quinta e sexta, elaborado, conforme anteriormente esclarecido, a 30-03-2006, já previa a adstrição dos acionistas, à realização de prestações acessórias em espécie, por via da transmissão das respetivas participações sociais, a título oneroso, cujo reembolso poderia ser efetuado em dinheiro.

Neste âmbito, discorre, ainda, o relatório de inspeção, que, a 27 de agosto de 2007, a Assembleia Geral Extraordinária da N..., deliberou a realização das prestações acessórias sobreditas.

A transmissão das ações da B..., foi efetuada nos termos que se enunciam no relatório de inspeção (disponível a fls. 24).

O relatório de inspeção sublinha a discrepância entre o valor nominal das ações da B..., e o valor, pelo qual, foram entregues à N...:

“De referir que as ações da B... SA entregues para a constituição de Prestações Acessórias na N...  SGPS foram valorizadas em €31,41 cada, quando o respetivo valor nominal era apenas de €5. Mais uma vez, tal apenas aconteceu porque os acionistas – os membros da família J...– beneficiaram da exclusão de tributação em sede de IRS prevista na alínea a) do nº. 2 do artigo 10º do CIRS (tendo todos declarado esta operação nos anexos G1 das respetivas declarações Modelo 3 de IRS apresentadas.”

 

Ou seja, por via da exclusão de tributação consagrada, à data, para a alienação de ações detidas pelos titulares há mais de 12 meses, inscrita na norma do artigo 10º, nº 2 alínea a), do CIRS, o valor estipulado para a entrega das participações sociais (que, não fosse a exclusão tributária descrita, serviria de base ao cálculo do valor de realização) da B..., não teria qualquer repercussão tributária, para efeitos do cálculo da mais-valia adveniente.

Neste cenário, é de salientar que o valor de entrega das ações da B... cifrou-se numa quantia mais de seis vezes superior ao correspondente valor nominal.

Não obstante, a 31-08-2011, o relatório de inspeção constatou que, por via da doação encetada entre E... e F..., a favor de H... e A..., os últimos, passaram a dispor de 97,56% do capital social da N...:

“Na sequência das operações descritas, a partir do dia 31 de Agosto de 2011, a titularidade de 97,56% do capital social da N... SGPS passa para as mãos dos filhos H... e A... (com 200.000 ações cada, correspondendo a 48,78% do capital, cada), reservando o pai, E..., para si, 10.000 ações, que representam os restantes 2,44% do capital desta sociedade. Isto aconteceu sem que H... e A... desembolsassem qualquer quantia, nem entregassem qualquer contrapartida, uma vez que operou através da figura da doação de pais para filhos.”

Não é de somenos, conforme realça o relatório de inspeção, que a B... se perfilou, no período compreendido entre 2005 e 2016, como uma empresa lucrativa.

 

Verifica-se que, de facto, a B... SA é uma empresa bastante rentável: nos períodos de tributação compreendidos entre 2005 e 2016, acumulou Resultados Transitados (€7.086.560,03) e Reservas Livres (€2.012.796,94), no montante global de €9.099.356,97, dos quais nada distribuiu até 2007, em virtude de, até esse exercício, a sua composição acionista ser integralmente constituída por pessoas singulares –E... com 60% do capital e F..., H..., A... e G... com 10% do capital cada – passando depois, a partir do ano de 2008, a distribuir Resultados à sua nova acionista única – a  N...SGPS – que ascenderam a €5.851.500,00 no cômputo dos anos de 2008, 2010, 2014 e 2015.

Mais transparece a politica de distribuição de dividendos contida, até 2007, que contrasta com o expansionismo na disposição dos lucros à acionista única da B..., a partir desta data, tal como se deduz através do RIT: “A distribuição de Resultados efetuada pela B... SA nos anos de 2008, 2010, 2014 e 2015 – que ascendeu a um total de €5.851.500,00 - quando a acionista detentora da totalidade do capital era já uma pessoa coletiva (beneficiando da eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos) – traduziu-se numa “poupança” de imposto (IRS retido na fonte relativo a rendimentos da categoria E) por parte da B... SA, que podemos estimar em €1.415.300,00, no conjunto daqueles anos”.

Prosseguindo, no que concerne à N..., as conclusões retiradas da demonstração de resultados, encetada pelo relatório, é expressiva, tanto no que tange à origem, como à política restritiva de distribuição de dividendos:

• sujeito passivo apresentou Resultados Líquidos positivos em todos os anos em análise – 2007 a 2016 – que sofreram um forte acréscimo a partir do ano de 2009 e resultaram direta, e quase exclusivamente, dos rendimentos gerados pela participação financeira adquirida em 2007 na B... SA (em resultado da operação descrita no capítulo III.1.2 c) deste Relatório);

• não obstante, durante aquele horizonte temporal, a N... SGPS optou por nunca distribuir resultados aos seus acionistas, tendo acumulado Resultados Transitados no montante de € 3.509.006,89 até 31-12-2016, conforme se pode confirmar nos mapas de Balanços que se mostram a seguir;

Ainda, o relatório é elucidativo acerca dos fundamentos que terão presidido às decisões sobreditas: “este facto não é despiciendo, porquanto, como veremos adiante no capítulo III.2 deste Relatório, trata-se de uma condição essencial para a prossecução do objetivo fiscal subjacente às operações em análise (note-se que, caso a N... SGPS distribuísse resultados, os seus beneficiários seriam todos pessoas singulares – os 5 membros da família J... acionistas desta sociedade, até 30 de Agosto de 2011, e, depois dessa data, E..., H... e A...– e estariam, como tal, sujeitos a tributação em sede de IRS relativamente a esses rendimentos”.

Aliás, o relatório não deixa de sublinhar, a natureza profundamente dependente da N..., em relação à B...: “o Ativo da sociedade N... SGPS é composto quase exclusivamente pela participação financeira na B... SA, que representa a totalidade dos seus Investimentos Financeiros nos anos compreendidos entre 2011 e 2016.”

 

Situação que é acompanhada pela observação à quase total ausência de meios à disposição da N...: “os Ativos Fixos Tangíveis respeitam ao imóvel já identificado (onde a sociedade possui a sua sede, e a B... SA labora), arrendado à participada B...SA, e não possui Inventários.”

Ou, mais pormenorizadamente: “De facto, a N... SGPS nunca teve trabalhadores ao seu serviço, os seus gastos são apenas de funcionamento, e nem sequer os membros do Conselho de Administração são remunerados. Os únicos rendimentos que aufere são as rendas pela utilização do imóvel onde possui a sua sede (correspondente ao artigo matricial urbano nº. ... da União das Freguesias de ..., ..., ... e ...), que a participada B... SA lhe paga mensalmente, e que têm subjacente um Contrato de Arrendamento celebrado entre ambas em junho de 2002 (quando a N... SGPS era ainda uma sociedade por quotas e usava a firma L..., Lda). Nos exercícios económicos compreendidos entre 2009 e 2016, os únicos rendimentos que a N... SGPS auferiu (para além dos decorrentes da aplicação do método da equivalência patrimonial) foram precisamente essas rendas, que rondaram os € 61.680 por ano.”

Chegados a este ponto, importa sintetizar os quesitos essenciais das operações citadas:

• Entrega de uma empresa familiar rentável, denominada B..., a uma SGPS, dominada pela mesma família, a título de realização de prestações acessórias;

• Transmissão essa, excluída de tributação, ao nível da incidência de mais-valia;

• Retenção de lucros da B..., durante o intervalo temporal em que a sociedade era detida por pessoas singulares;

• Distribuição desses lucros durante o período em que a empresa passou a ser detida pela N... (beneficiando do regime de eliminação da dupla tributação económica, estipulado no artigo 51º do CIRC).

• Restituição das prestações acessórias aos sócios, sem qualquer tributação.

Com interesse residual para o caso em apreço, porquanto o autor não se revela como principal beneficiário, mas que pontifica, tanto na petição inicial, como no relatório, esclareça-se que, a par da B..., a N... detinha, em 2007, a sociedade K..., conforme inferido pelo relatório de inspeção:

“Passado menos de um ano, em 05 de Maio de 2007, o capital social da N... SGPS é aumentado em 1,8 milhões de Euros, subscrito por todos os acionistas através de entradas em espécie com as partes de capital de que eram detentores na sociedade K... (na mesma e exata proporção das respetivas participações, que, aliás eram semelhantes em ambas as sociedades); simultaneamente, são também cedidas à N... SGPS as Prestações Acessórias que os ex-acionistas da K... haviam constituído junto daquela sociedade, no valor global de €100.000, estabelecendo-se a possibilidade da sua conversão em Suprimentos.”

K... , era, igualmente, totalmente dominada pela “Família J...”: “A sociedade anónima K..., constituída em 1999, que se dedicava à atividade imobiliária, e possuía um capital social de €90.000, era também detida na totalidade pelos 5 membros da família J... (60% por E... e os restantes 40% em partes iguais pela sua esposa, F... e pelos seus 3 filhos, H... , A... e G...”

 

Sobre a K..., continua o relatório: “À data de 31 de agosto de 2011, realizam-se uma série de operações:

(…)

transmissão, por parte de G..., aos irmãos H... e A..., dos 10% do capital que possui na N... SGPS, passando aqueles, após estas duas operações, a deter, no seu conjunto e em partes iguais, 97,56% do capital desta sociedade;

(…)

alienação de 45% do capital social da K..., por parte da N... SGPS, a G..., e cedência à mesma, do crédito relativo a Suprimentos detido pela N... SGPS sobre a referida sociedade imobiliária, no montante de € 3.319.500”.

E prossegue:

“Mais tarde, em 28 de fevereiro de 2012, N... SGPS transmite a G... os restantes 55% do capital da K..., ficando esta como acionista única dessa sociedade (posteriormente, em 25/10/2013, a K... é transformada em sociedade por quotas, e E... subscreve uma quota de 0,11%, mantendo-se a filha com os remanescentes 99,89%.”

“Salienta-se que todas as operações descritas que ocorreram entre a N... SGPS e G..., foram saldadas por encontro de contas, não tendo a mesma desembolsado nem recebido qualquer montante em resultado das mesmas: de facto, o preço estipulado para esta última transação (aquisição dos restantes 55% do capital da K...) correspondeu exatamente ao saldo em dívida que a N... SGPS possuía para com G...; passados 3 meses, porém, em Maio de 2012, esta recebeu €340.000 a título de restituição de Prestações Suplementares da K..., quando já era detentora dos 100% do capital desta sociedade.” Ou seja, também a relação instituída entre a K... e a N..., serviu como transferência indireta dos lucros da B..., a favor da “Família J...”.

Fechado este parêntesis, o elemento meio, caraterístico da aplicação da CGAA, consubstancia-se, deste modo, através da relação estabelecida entre a B..., tomada como prestação acessória, realizada pelos respetivos sócios (todos pertencentes à mesma família), a favor da N... .

Bem como, a ulterior restituição dessas prestações acessórias, aos sócios A... e H..., após a distribuição dos lucros da B... à N....

Ora, se não se vislumbra qualquer vantagem económica na realização das prestações acessórias em apreciação.

E, para mais, havendo uma alternativa financeira mais interessante ao desenvolvimento da putativa atividade da N..., que passaria pela realização das prestações acessórias em dinheiro.

Não se descortina outro escopo, que não seja, puramente, a vantagem fiscal, adveniente da transmissão da B... à N... .

No contexto, já amplamente elucidado, em que ambas pertenciam à “Família J...”.

Mas uma questão, ainda mais pertinente, coloca-se a montante. Com efeito, a reflexão acerca dos benefícios económicos advenientes da constituição da N..., impõe uma consideração sobre os elementos estruturantes desta sociedade.

“De facto, a N... SGPS nunca teve trabalhadores ao seu serviço, os seus gastos são apenas de funcionamento, e nem sequer os membros do Conselho de Administração são remunerados. Os únicos rendimentos que aufere são as rendas pela utilização do imóvel onde possui a sua sede (correspondente ao artigo matricial urbano nº. ... da União das Freguesias de ..., ..., ... e ...), que a participada B... SA lhe paga mensalmente, e que têm subjacente um Contrato de Arrendamento celebrado entre ambas em junho de 2002 (quando a N... SGPS era ainda uma sociedade por quotas e usava a firma L..., Lda). Nos exercícios económicos compreendidos entre 2009 e 2016, os únicos rendimentos que a N... SGPS auferiu (para além dos decorrentes da aplicação do método da equivalência patrimonial) foram precisamente essas rendas, que rondaram os €61.680 por ano.” (RIT).

Pois, perante o presente enquadramento, em que duas sociedades, B... e a K..., totalmente dominadas pela “Família J...”.

Seria razoável, para o autor, à luz de razões de reorganização económica, a constituição de uma SGPS, a N..., igualmente detida pela mesma família, que não revela qualquer tipo de dinâmica financeira e económica, para além das relações estabelecidas com as duas sociedades referidas previamente.

Ora, perante este cenário, e tomando em consideração as vantagens fiscais já precedentemente enunciadas, não julgamos compreensível que a constituição da N..., tenha tido outro intuito, para além das motivações tributárias supramencionadas.

 

3.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 04-03-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 04-03-2020. Em 06-07-2020, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 06-07-2020, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Por força da legislação introduzida pela Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei 4-A/2020, de 06.04 (legislação COVID 19), ocorreu uma suspensão de todos os prazos judiciais em curso nos tribunais judiciais e arbitrais, a qual se suspendeu, apenas, com a entrada em vigor da Lei 16/2020, de 29.05.2020. Esta última Lei veio, nomeadamente, dar por finda a suspensão dos prazos judiciais e administrativos e regular a realização presencial ou através de meios de comunicação à distância de diligências judiciais ou procedimentais, alterando o regime que havia sido fixado pelo artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei 4-A/2020, de 06.04. Como resultado do regime previsto no artigo 7º da supra referida Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei 4-A/2020, de 06.04, os prazos estiveram suspensos, o que justifica o decurso de tempo entre a notificação da aceitação dos Árbitros designados e a constituição do Tribunal Arbitral Coletivo a qual teve de aguardar o prazo para pronúncia das partes sobre a nomeação.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 05-08-2020, tendo sido proferido despacho arbitral em 05-08-2020 em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 30-09-2020.

Em 05-10-2020 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

“No presente processo é necessário agendar reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, para efeito de inquirição das testemunhas.

Como a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, a realização de diligências passa a ter de ser efetuada nos termos previstos no artigo 6.º-A da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.

Com a necessidade de aplicação pelo das medidas de precaução recomendadas pela Direção Geral de Saúde, o CAAD passou a ter disponibilidade para agendar, em regra, mais do que uma reunião presencial por dia, o que gera grandes dificuldades de agendamento, pois o período de suspensão de realização de diligências durante quase três meses resultante da aplicação do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, bem como a suspensão derivada do período de férias judiciais de verão e do disposto no art.º 17.º-A do RJAT, teve como consequência a acumulação de reuniões que é necessário realizar.

Face ao exposto, e tendo presente a situação de pandemia e os cuidados de saúde pública que a mesma implica, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º, alíneas c), e) e f), e 29.º, número 2, ambos do RJAT, agenda-se a reunião a que alude o art.º 18.º do mesmo RJAT, na qual terá lugar, além do mais, a inquirição das testemunhas arroladas nos autos, para o próximo dia 9 de Novembro, pelas 14.00 horas, nos seguintes termos.

Os membros do tribunal arbitral coletivo, bem como os mandatários e representantes da Requerida, poderão participar na reunião agendada, por teleconferência, seguindo, oportunamente, as indicações e recomendações emanadas pelo CAAD para o efeito, ou presencialmente nas instalações do CAAD em Lisboa.

As testemunhas, cuja comparência deverá ser assegurada pela parte que as arrolou, poderão prestar presencialmente os seus depoimentos nas referidas nas instalações do CAAD em Lisboa, ou, de igual modo, participar, nos termos atrás indicados, por teleconferência.

Os senhores mandatários e representantes da Requerida, deverão, ao abrigo do disposto no art.º 16.º/f) do RJAT, informar até 5 dias antes da data agendada caso pretendam participar na diligência por teleconferência, bem como indicar as testemunhas que pretenderão depor da mesma forma.”

 

Em 09-11-2020 foi realizada a audiência para inquirição das testemunhas e nessa mesma data a Requerente e a Requerida foram notificadas para apresentar alegações no prazo de 20 dias sucessivos.

Foram apresentadas as alegações das partes.

 

POSTO ISTO:

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

II. DECISÃO

A.           MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos dados como provados

 

a)            Em 29.04.1981 por escritura pública lavrada no Cartório notarial de Lisboa foi constituída a sociedade denominada “B... Lda”, tendo por objeto social o “exercício da indústria e comércio, importação, exportação, representações, comissões e consignações de brinquedos, quinquilharias, jogos didáticos, artigos de desporto, máquinas e equipamentos de escritório”, com o capital de um milhão e duzentos mil escudos, dividido em duas quotas iguais, pelos sócios fundadores C... e D... .

b)           O sócio D..., em data que o Requerente não consegue precisar, cede a sua quota a E... (pai do Requerente)

c)            Os sócios C... e E... foram ao longo do tempo reforçando o capital social da sociedade que, à data de 20.12.1993, atingiu o montante de cem milhões de escudos, representado por duas quotas iguais de cinquenta milhões de escudos cada uma, pertencentes uma a cada um dos sócios.

d)           Em 20.12.1993, por escritura pública daquela data, o sócio C..., divide a sua quota do montante de cinquenta milhões de escudos em 4 quotas iguais de doze milhões e quinhentos mil escudos, cada uma, cedendo uma a F..., outra a G..., outra a H... e outra a A... .

e)           Em 20.12.1993 o Requerente e o seu irmão são, conjuntamente, com o seu Pai, E..., designados gerentes da sociedade.

f)            Na mesma escritura é deliberado aumentar o capital social para cento e quarenta milhões de escudos, mediante o reforço de quarenta milhões de escudos, realizados por entradas e em dinheiro.

g)            Em consequência daquele aumento, o capital social ficou dividido em cinco quotas, sendo uma de oitenta e quatro milhões de escudos do sócio E... e cada uma das restantes quatro quotas de catorze milhões de escudos da sua esposa (F...) e dos três filhos do casal (G..., H... e A...).

h)           Em consequência da aquisição das quotas e do aumento de capital, naquela data de 20.12.1993, a família J..., constituída pelo pai, pela mãe e pelos três filhos, fica a deter a sociedade B... na totalidade, cabendo aos pais em conjunto 70% do capital e a cada um dos filhos 10% do capital.

i)             O ora Requerente adquiriu em 20.12.1993 uma participação de 10% no capital social da B... .

j)             Em 28.02.1997, os sócios da B..., por escritura pública, deliberam:

a.            aumentar o capital social de cento e quarenta milhões de escudos para duzentos e cinquenta milhões de escudos;

b.            transformar a sociedade por quotas em sociedade anonima;

c.            alterar a denominação social para “B...– Importação e Exportação SA”;

d.            alterar o objeto social para “comércio, importações e exportações de grande variedade de mercadorias, indústria de transformação de plásticos;

e.            nomear como administradores os, até então, gerentes.

k)            Ao longo da vida da sociedade o capital foi sendo sucessivamente incrementado, com respeito pelas posições relativas de cada um dos acionistas.

l)             Em 11.11.2004, por escritura pública, a sociedade B... reforça o seu capital de dois milhões e vinte e cinco mil euros para dois milhões trezentos e oitenta e cinco mil euros, por estradas em numerário, representado por quatrocentos e setenta e sete mil ações do valor nominal de cinco euros cada.

m)          Em 30.12.1998, foi constituída a K..., SA, com o capital social de cinco milhões de escudos dividido em cinco mil ações com o valor nominal de mil escudos cada uma, tendo como objeto social a realização e gestão de investimentos imobiliários; compra e venda de imóveis para si ou para revenda; c construção, urbanização e loteamento de terrenos; arrendamento, gestão e administração de bens imoveis; empreendimentos turísticos.

n)           Em 14. 09.2005, o capital social foi aumentado para €90.000,00, representado por 18.000 ações com o valor nominal de €5,00 cada uma, dividido pelos acionistas e participações seguintes:

 

o)           A sociedade desenvolveu a sua atividade de promoção imobiliária, possuindo no final do ano de 2007 inventários no montante de €3.065.926,42.

p)           Para o desenvolvimento da sua atividade contratou financiamentos bancários que em 2007 atingiam o montante de € 3.616.000,00 e beneficiou de empréstimos de sócios no montante de € 1.751.500,00.

q)           Instalada a crise financeira a acionista única reforçou o seu financiamento e substituiu os financiamentos bancários por prestações acessórias que reforçou ao longo dos anos atingindo em 31.12.2010 o montante de € 3.319.500,00. Junta cópia do balanço e da IES do exercício de 2010 e dá como reproduzido o seu conteúdo.

r)            A crise imobiliária que se instalou na altura e a dificuldade cada vez maior do consumidor aceder ao crédito para compra de habitação determinaram a suspensão do projeto imobiliário em curso, até que estivessem criadas as condições de mercado para a retoma da atividade de promoção imobiliária.

s)            Em 15.03.1995, por escritura publica daquela data, foi constituída a sociedade denominada “L...., LDA”, com sede na Zona Industrial do ..., ..., com o objeto social de “transformação de matérias primas plásticas, comercio em geral, importação e exportação”.

t)            A sociedade foi constituída para desenvolver um projeto que se concluiu não ser de grande viabilidade.

u)           Face a isso os sócios deliberaram suspender a atividade em 2004, período em que registou um volume de negócios de €2.367,54 euros contra os 541.443,35 do ano anterior.

v)            A sociedade L..., Lda. era detida a 100% pela família J... e tinha a sua atividade suspensa desde 2004, inclusive.

w)          No seguimento daquela estratégia em 01.02.2006, aproveitando a sociedade existente – a L..., Lda –, foi deliberado transformá-la numa sociedade gestora de participações sociais.

x)            Naquela data, em 01.02.2006, a gerência elabora o relatório justificativo da transformação da sociedade por quotas em sociedade anonima, explicitando as “razões fundamentais e determinantes do interesse e da conveniência da transformação da sociedade”, apontando como vantagens principais:

y)            “A transformação da L... inclui-se num projeto de reestruturação a curto prazo do Grupo M..., atualmente liderado pela B...– Importação e Exportação SA, que constitui o único meio viável para, por um lado, fortalecer a sua presença no mercado em que atua e, simultaneamente, proporcionar um aproveitamento mais eficiente da capacidade produtiva, administrativa e de gestão”.

z)            Em 03.03.2006, os sócios deliberam:

a.            aumentar o capital para duzentos e cinquenta mil euros, por entradas em dinheiro no montante de seiscentos e um euros e sete cêntimos, a subscrever por todos os sócios, na proporção das suas quotas;

b.            transformar a sociedade até então por quotas numa sociedade anónima;

c.            alterar o seu objeto social para “gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício de atividade económica”;

d.            alterar a denominação social da sociedade para “N..., SGPS, SA”.

e.            Em consequência da transformação o capital social, aumentado para duzentos e cinquenta mil euros representado por cinquenta mil ações do valor nominal de cinco euros, ficou distribuído do modo seguinte:

 

aa)         Em 13.04.2007, foi elaborado pelo Revisor Oficial de Contas, O..., inscrito na OROC sob o n.º..., o relatório para verificação de entradas em espécie, através da entrega da totalidade das ações que cada um dos acionistas possuía na sociedade K..., SA, para realização do aumento de capital do montante de €1.800.000,00, passando o capital desta, do montante de €250.000,00 para €2.050.000,00, mediante a emissão de 360 000 ações do valor nominal de €5,00, cada uma.

bb)         Em 05.05.2007, por deliberação social, da qual foi lavrada a ata número cinco, foi aumentado o capital social da SGPS, mediante o reforço do montante de € 1.800.000,00, realizado por todos os acionistas na proporção das suas participações sociais, mediante a entrega à sociedade das ações que cada um detinha na sociedade K..., SA.

cc)          Em 05.05.2007, por acordo, os acionistas da sociedade K..., da qual, entretanto deixaram de ser sócios, cedem à N..., a totalidade dos créditos emergentes de prestações acessórias que detém naquela sociedade, do montante de cem mil euros, pelo preço igual ao valor nominal.

dd)         A avaliação das ações da sociedade K..., SA foi efetuada por entidade independente que utilizou o método patrimonial e se baseou na situação económica e financeira da sociedade à data de 31.12.2006.

ee)         Situação patrimonial e financeira que consta do balanço e da demonstração dos resultados que integram a IES/DA apresentada pela K..., SA, com referência ao exercício de 2006.

ff)           Considerando que, para os objetivos que o Grupo se propunha alcançar com a reestruturação, mantendo a posição relativa de cada um dos membros da família, impunha-se que as ações detidas na B...– Importação e Exportação SA fossem transferidas para a SGPS, pelo que fizeram consignar no pacto social da sociedade transformada a obrigação de realização, por todos os acionistas, de prestações acessórias, em espécie, através da entrega das participações sociais de que eram titulares na sociedade B...– Importação e Exportação SA.

gg)         Aquela obrigação de realização de prestações acessórias e o meio e modo de realização (elementos essenciais) respeitavam o disposto no art.º 287.º do CSC onde se determina que «o contrato de sociedade pode impor a todos ou a alguns acionistas a obrigação de efetuarem prestações além das entradas, desde que fixe os elementos essenciais dessa obrigação e especifique se as prestações devem ser efetuadas onerosa ou gratuitamente».

hh)         A obrigação de realização das prestações acessórias ficou determinada quanto aos sujeitos – todos os acionistas – e quanto ao objeto – todas as ações que cada um dos acionistas detinha na sociedade “B...– Importação e Exportação SA”.

ii)            Quanto ao momento da realização foi, pelo número seis do artigo quarto do pacto social, deixado na dependência de deliberação da Assembleia Geral.

jj)           Ao consignarem no pacto social da N..., SGPS aquela obrigação, os acionistas asseguraram, a prossecução:

a.            dos objetivos da reestruturação – concentrar numa única sociedade as participações sociais que cada um dos acionistas, individualmente, detinha em cada uma das sociedades, criando condições para atrair ao Grupo possíveis investidores, aumentado a capacidade de endividamento, diversificando as fontes de financiamento, entre outros;

b.            do objeto social da sociedade – a gestão e participações sociais como forma indireta do exercício de atividade económica;

c.            por último e não menos importante a manutenção da posição relativa de cada um dos acionistas no seio do Grupo;

kk)         A opção pela obrigação de realização de prestações acessórias mediante a entrega das ações da B... teve como objetivo evitar que os acionistas pudessem exigir à sociedade os créditos, como poderia acontecer se as ações tivessem sido vendidas (na opção seguida as prestações acessórias sujeitas ao regime jurídico previsto no CSC só por deliberação social podem ser restituídas aos acionistas e verificados que estejam determinados requisitos legais).

ll)            Em 24.08.2007, foi elaborado pelo Dr. O..., Revisor Oficial de Contas, o relatório para verificação das entradas em espécie, mediante a entrega pelos sócios da sociedade B..., da totalidade das ações de que eram titulares, para a realização de prestações acessórias no valor global de € 14.981.585,00.

mm)      Em 27.08.2007, foi pela Assembleia Geral da Sociedade N..., SGPS, SA, da qual foi lavrada a ata número seis, deliberado exigir aos acionistas a realização de prestações acessórias, por entradas em espécie, através da transmissão para a sociedade das participações sociais de que os acionistas eram titulares na sociedade “ B..., SA”.

nn)         Com a realização, pelos acionistas, da obrigação de entrada das prestações acessórias, a que se obrigaram por força do número cinco do artigo quarto do pacto social, atingiam-se os objetivos da reestruturação – as participações individualmente detidas por cada um dos membros da família, eram concentradas na N..., SGPS, SA e respeitada, nesta sociedade, a posição relativa que cada um dos membros da família mantinha, até então, em cada uma das sociedades individualmente consideradas.

oo)         A partir de 2007, a sociedade N..., SGPS passou a deter cem por cento do capital social das sociedades K..., SA e B... SA, passando a partir dessa data a gerir, de forma centralizada, as participações sociais detidas.

pp)         As sociedades transmitidas eram sociedades anónimas, desde 30.12.1998 – data da constituição da K..., SA, e desde 28.02.1997 - data da transformação da sociedade B... .

qq)         A N... SGPS foi constituída com o objetivo da gestão centralizada das participações sociais detidas em cada una das sociedades, K... e B... .

rr)           A N..., SGPS permitiu estabelecer novas e mais profundas sinergias na administração e funcionamento das sociedades do grupo sobretudo ao nível da gestão integrada de tesouraria do Grupo.

ss)          A N..., SGPS resultou da vontade dos acionistas de estruturarem o Grupo diversificando os negócios e criando condições para alavancar outros investimentos sobretudo na internacionalização.

tt)           A N... SGPS teve, até 2009, ao seu serviço colaboradores, passando a partir do ano de 2010 a contar apenas com a atividade dos três membros do conselho de administração.

uu)         Em 15.09.2014 por deliberação da assembleia Geral da sociedade N... SGPS SA da qual foi lavrada a ata número vinte, foi deliberado restituir aos acionistas, na proporção das suas participações, prestações acessórias no montante de dois milhões de euros.

vv)         Em 01.07.2015, por deliberação da assembleia Geral da sociedade N... SGPS SA da qual foi lavrada a ata número vinte e dois, foi deliberado restituir aos acionistas, na proporção das suas participações, prestações acessórias no montante de oitocentos mil euros.

ww)       Em 31/08/2011 o casal, E... e F..., decidiu, na sequência do pacto familiar de sucessão empresarial, partilhar em vida alguns dos bens do casal, doando quer as ações quer as prestações acessórias que detinham na sociedade N..., alterando as estruturas societárias e de administração das sociedades, orientados pelo conhecimento e experiência de cada um dos descendentes na gestão das empresas do GRUPO bem como as suas disponibilidades pessoais e profissionais.

xx)         Assim,

a.            Em 31/08/2011 o acionista E... doou 236.000 ações que detinha na sociedade N... aos seus filhos H... e A..., cabendo a cada um 118 000 ações, reservando para si um lote de 10 000 ações.

b.            Na mesma data a acionista F... doou aos seus filhos H... e A..., as 41 000 ações que detinha na N..., na proporção de 20.500 ações para cada um.

c.            Na mesma data, os acionistas E... E F... doaram as prestações acessórias que detinham na sociedade N..., que à data totalizavam €9.160.533,00, aos seus 3 filhos, cabendo a cada um deles, H..., A...e G..., a quantia de €3.053.511,00.

yy)         Em consequência das doações de que foram beneficiários, o ora Requerente e os seus irmãos passaram a deter na N..., SGPS, prestações acessórias do montante de € 4.360.448,46, como se determina no quadro seguinte:

 

zz)          Prestações acessórias que como resulta do quadro tiveram origem no montante de €1.306.937,54 da realização, por estrada em espécie, das ações que enquanto acionistas detinham na sociedade B... e no montante de €3.053.511,00 que foi doado pelos seus pais.

aaa)       As prestações acessórias que lhes foram restituídas nos anos de 2014 e 2015, no montante de €1.400.000,00, respeitam a €1.306.937,54 de prestações acessórias próprias, sendo a diferença de €93.062,46 (€1.400.000,00 – 1.306.967,54) relativa a prestações acessórias que foram doadas pelos seus pais.

bbb)      No ano de 2007, cada um dos acionistas apresentou as suas declarações modelo 3 de IRS declarando no anexo G1 a transmissão das ações que detinham nas sociedades K..., SA e B... SA.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos e a prova testemunhal produzida, a saber:

a)            Testemunhas da Requerente:

a.            E..., empresário identificado nos autos;

b.            P..., advogado identificado nos autos.

b)           Testemunhas da Requerida:

a.            Q…, Inspetora Tributária identificada nos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

B. DO DIREITO

 

B.1. QUANTO À CADUCIDADE DO PROCEDIMENTO

 

Invoca o Requerente que como o procedimento foi instaurado em 2018 ocorreu depois de estar extinto o prazo aplicável pelo artigo 63.º, n.º 3 do CPPT,  “tendo em conta que o ato jurídico de constituição das prestações acessórias ocorreu para todos os acionistas – quer para o Requerente quer para os seus pais - em 2007, ano em que as ações detidas na B... foram transferidas para a SGPS para realização da obrigação de entrada a título de prestações acessórias - o direito de instaurar o procedimento para aplicação da cláusula geral anti abuso, retirando eficácia fiscal aquele ato, estava extinto a data em que o procedimento foi instaurado em 2018.”

Argumenta ainda que “estando integralmente decorrido esse prazo extintivo do direito potestativo da Autoridade Tributária e Aduaneira instaurar procedimento de aplicação da cláusula geral anti abuso à data em que foi eliminado o prazo, em 01-01-2012, com a entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, esta nova lei não tem com aquele prazo qualquer conexão temporal, pelo que não pode ser aplicada à situação jurídica a que se reporta a extinção do direito. (P235/2018 de 03.01.2019).

 

Assim, tendo o procedimento para aplicação da cláusula geral anti abuso sido instaurado em 2018, conclui-se que a instauração ocorreu depois de estar extinto o prazo aplicável, pelo que esta foi ilegal, por violação do artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, na redação da Lei n.º 64-A/2008.”

 

Não podemos concordar com este entendimento, uma vez que estamos aqui, conforme argumenta a Requerida, “perante as denominadas "step by step transactions" nas quais se encontra uma "facti species" complexa, envolvendo uma sucessão de atos/negócios coordenados entre si, embora possam ocorrer em momentos temporais diversos”.

 

E quanto a este aspeto é claro o que é escrito no Acórdão do TCAS nº 04255/10, de 15-02-2011:

“VII) - o art°.63, n°.3, do C. P. P. Tributário, na redacção da Lei 15/2001, de 5/6, sobre o prazo de caducidade estabelece que "O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso".

VIII) -Tendo presente que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.art°.11, da L.G. Tributária; art°.9, do C.Civil), pelo que, para determinar qual o termo inicial do consagrado prazo de três anos, ao contrário do que entende a A., de que os negócios jurídicos que devem abarcar a previsão da norma no caso concreto são os contratos de mútuo realizados nos anos de 1995 a 1997, situação que, manifestamente, impediria a aplicação da norma geral anti abuso ao caso "sub judice" devido a caducidade do direito de instaurar o procedimento anti abuso (cfr.n°.4, als. d), f) e g), da matéria de facto provada), mas, uma vez que nos encontramos perante um conjunto complexo de atos sujeito a uma arquitetura global, nos quais vamos encontrar eventos preparatórios, como aqueles a que quer dar realce a A., tal como outros com características complementares, somente na sua visão completa se detetando o desenho elisivo.

(…)

“IX) – Estamos aqui perante as denominadas "step by step transactions" nas quais se encontra uma "facti species" complexa, envolvendo uma sucessão de atos/ negócios coordenados entre si, embora possam ocorrer em momentos temporais diversos, e com o objetivo comum de conseguir uma vantagem fiscal. Face a esta espécie de operações, deve o aplicador da lei operar um tratamento integrado visualizando-as como uma única transação, propendendo para um único e final resultado. Trata-se da "step transaction doctrine", a qual se deve aplicar ao caso dos autos, daí decorrendo que a disposição anti -abuso pode e deve aplicar-se ao momento decisivo e final que é representado, "in casu", pela receção de acréscimos patrimoniais como dividendos dedutíveis, em vez de juros, que seria o que aconteceria na ausência da operação compósita evasiva.”

 

Entendemos que perante a complexidade das operações que o procedimento foi instaurado em tempo. Cumpre então analisar o conteúdo das operações e a consequente subsunção à CGAA.

 

B.2. QUANTO AO MÉRITO

 

a)            Considerações gerais

 

Este Tribunal é chamado a apreciar sobre a questão de saber se relativamente ao ato de constituição das prestações acessórias, consequente da entrada, em espécie, das 47.700 ações que o Requerente detinha, no capital da B..., representativas de 10% do capital social desta, pelo valor que resultou da avaliação, suportada por parecer de peritos independentes e pelo relatório de verificação, elaborado por ROC, também ele independente, nos termos e para os efeitos do art.º 28.º do CSC, se mostram reunidos os pressupostos legais legitimadores da aplicação da cláusula geral anti abuso, prevista no art.º 38.º, n.º 2 da LGT. 

Efetivamente os atos resumem-se:

•             À entrega, em 2007, das 47.700 ações detidas no capital da B... à N... SGPS, pelo valor que resultou da avaliação efetuada por peritos independentes com base no método dos fluxos de caixa, para realização, em espécie, de prestações acessórias.

•             À doação, em 2011, ao Requerente e irmãos, pelos seus pais, das prestações acessórias de que eram titulares na N... .

•             À restituição em 2014 e 2015 de parte daquelas prestações acessórias (as próprias e as recebidas por doação).

•             Com a realização da obrigação de entrada de prestações acessórias, em espécie, por todos os acionistas, o Requerente e os seus pais adquiriram o direito, de lhe serem restituídas, pela sociedade N..., quando e se, observados os requisitos legais, delas não carecessem, como foi o caso em 2014 e 2015.

 

b)           Sobre os pressupostos da Cláusula Geral Anti Abuso

 

O artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária estabelece uma cláusula geral anti abuso, nos termos da qual «são ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas».

 

No caso em apreço, a Administração Tributária decidiu a aplicação da cláusula geral anti abuso considerando que os negócios jurídicos que devem ser desconsiderados para efeitos de tributação são:

• Entrega de uma empresa familiar rentável, denominada B..., a uma SGPS, dominada pela mesma família, a título de realização de prestações acessórias;

• Transmissão essa, excluída de tributação, ao nível incidência de mais-valia;

• Retenção de lucros da B..., durante o intervalo temporal em que a sociedade era detida por pessoas singulares;

• Distribuição desses lucros, durante o período em que a empresa passou a ser detida pela N... (beneficiando do regime de eliminação da dupla tributação económica, estipulado no artigo 51º, do CIRC).

• Restituição das prestações acessórias aos sócios, sem qualquer tributação.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que as referidas operações realizadas no sobredito enquadramento são abusivas, na medida em que o elemento meio, caraterístico da aplicação da CGAA, consubstancia-se, deste modo, através da relação estabelecida entre a B..., tomada como prestação acessória, realizada pelos respetivos sócios (todos pertencentes à mesma família), a favor da N... .

Bem como, a ulterior restituição dessas prestações acessórias, aos sócios A... e H..., após a distribuição dos lucros da B... à N... .

 

Conclui ainda que não se vislumbra qualquer vantagem económica na realização das prestações acessórias em apreciação.

E, para mais, havendo uma alternativa financeira mais interessante ao desenvolvimento da putativa atividade da N..., que passaria pela realização das prestações acessórias em dinheiro.

Não se descortina outro escopo, que não seja, puramente, a vantagem fiscal, adveniente da transmissão da B... à N... .

No contexto, já amplamente elucidado, em que ambas pertenciam à “Família J...”.

 

Nas definições elaboradas por Saldanha Sanches: o planeamento fiscal legítimo «consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por ação intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais»; enquanto que o planeamento fiscal ilegítimo «consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo».

Dentro do quadro do planeamento fiscal podemos, assim, distinguir as situações em que o sujeito passivo atua contra legem, extra legem e intra legem.

Quando este atua contra legem, a sua atuação é frontal e inequivocamente ilícita, pois infringe diretamente a lei fiscal, e configura uma fraude fiscal passível, inclusive, de ser objeto de censura contra-ordenacional ou criminal.

A atuação extra legem ocorre quando o sujeito passivo aproveita de forma abusiva a lei para chegar a um resultado fiscal mais favorável, pese embora este não a violar diretamente. Este adota «um comportamento que tem como finalidade exclusiva ou principal contornar uma ou várias normas jurídico-fiscais, de modo a conseguir a redução ou a supressão do encargo fiscal». Sendo que dessa ou dessas normas jurídico-fiscais se deve detetar uma tentativa de contornar «uma clara intenção de tributar afirmada pelos princípios estruturantes do sistema». Este tipo de atuação é comummente designada de «fraude à lei fiscal» mas, conforme alerta Saldanha Sanches, pretendendo melhor ilustrar e distinguir estas situações das de fraude fiscal, também designada de «evitação abusiva de encargos fiscais», «evitação fiscal abusiva» ou ainda «elisão fiscal»( [6] ).

Só se afigura legítima – e, assim, planeamento fiscal legítimo ou não abusivo – a atuação intra legem. Com efeito, a obtenção de uma poupança fiscal não constitui um comportamento proibido pela lei, desde que a atuação não se enquadre na supra referida atuação extra legem.

A doutrina e a jurisprudência têm vindo a desconstruir a letra da norma apontando cinco elementos nela patentes. Correspondendo um dos elementos à estatuição da norma, os restantes quatro afiguram-se requisitos cumulativos que permitem aferir – como se de um teste se tratasse – quanto à verificação de uma atividade caracterizável como um planeamento fiscal abusivo.

Estes elementos, em torno dos quais ambas as partes aliás constroem a sua argumentação, consistem:

– no elemento meio, que diz respeito à via livremente escolhida – ato ou negócio jurídico, isolado ou parte de uma estrutura de atos ou negócios jurídicos sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário – pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal;

– no elemento resultado, que contende com a obtenção de uma vantagem fiscal, em virtude da escolha daquele meio, quando comparada com a carga tributária que resultaria da prática dos atos ou negócios jurídicos «normais» e de efeito económico equivalente;

– no elemento intelectual, que exige que a escolha daquele meio seja «essencial ou principalmente dirigida [...] à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos» (artigo 38.º, n.º 2 da LGT), ou seja, que exige não a mera verificação de uma vantagem fiscal, mas antes que se afira, objetivamente, se o contribuinte «pretende um ato, um negócio ou uma dada estrutura, apenas ou essencialmente, pelas prevalecentes vantagens fiscais que lhe proporcionam»;

– no elemento normativo, que «tem por sua função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal legítima, em consideração dos princípios de Direito Fiscal, sendo que só nos casos em que se demonstre uma intenção legal contrária ou não legitimadora do resultado obtido se pode falar naquela »;

– e, por fim, no elemento sancionatório, que, pressupondo a verificação cumulativa dos restantes elementos, conduz à sanção de ineficácia, no exclusivo âmbito tributário, dos atos ou negócios jurídicos tidos por abusivos, «efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas» (parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT).

Apesar desta desconstrução, a análise dos elementos não pode ser estanque, pois, como realça Gustavo Lopes Courinha, «a fixação de um elemento pode, na prática, depender de um outro», pelo que estes «não deixarão com frequência [...] de auxiliar-se mutuamente».

Apreciemos, tendo este aspeto em consideração, os elementos da cláusula geral anti abuso considerando a fundamentação da decisão, os factos provados, e a argumentação jurídica das partes.

 

c)            Análise da situação em causa

 

Nesta análise, tem de partir-se do pressuposto de que a fundamentação do ato que decidiu a aplicação da cláusula geral anti abuso que se tem de apreciar é apenas a que consta do próprio ato e elementos para que remete, pois o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por atos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele]. Por isso, os atos que são objeto do processo têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua atuação poderia basear-se noutros fundamentos.

 

C1. Quanto às mais valias e dividendos distribuídos

No caso sub juditio, o requerente contesta com o argumento de a N... ter, no passado recente, um nível interventivo ao nível de gestão das suas participadas mais reduzido tal não afeta a sua qualificação jurídica enquanto sociedade gestora de participações sociais e assim:

•             O rendimento obtido no momento da utilização das ações para realização, em espécie, da obrigação de entrada de outros instrumentos de capital próprio, o Requerente viu aumentada a sua capacidade contributiva, fazendo integrar no seu património o crédito relativo ao valor da avaliação.

•             Esse rendimento configurou um ganho de mais valias, não sujeito a IRS porque excluído da tributação, por expressa opção do legislador, pelo que no momento em que é reembolsado, em que é restituído ao seu titular, não pode ser sujeito a imposto de capitais, por mais rebuscada e imaginativa que seja a fundamentação.

•             Se o Requerente em 2007 auferiu um rendimento que se traduziu num crédito que lhe será restituído quando e se a devedora tiver condições legais e financeiras para proceder a sua restituição, o aumento da sua capacidade contributiva ocorreu nesse ano.

•             No ano de 2007, o rendimento auferido contribuiu para o aumento do património, rendimento esse que não foi tributado por opção do legislador.

•             No momento em que o crédito é, no todo ou em parte reembolsado, não há aumento da capacidade contributiva, antes a mudança dos elementos constitutivos do seu património.

•             Os rendimentos são tributados una única vez no momento em que são obtidos. Com a realização das prestações acessórias o Requerente deixou de possuir, no seu património, a participação social que detinha na B..., e em substituição desta entrou para o seu património o credito que passou a deter, a titulo de prestações acessórias, sobre a sociedade gestora de participações sociais, do montante de € 1.498.158,50, representativo de 10% da totalidade dos créditos que os sócios passaram a deter sobre a N... .

•             Em 27-07-2007 o Requerente ao entregar à N... as ações que detinha sobre a B..., para realização da obrigação de entrada imposta por deliberação social daquela data, de que foi lavrada a ata n.º 6, abdicou desse ativo, trocando-o por outro - o direito de crédito – o direito de receber da N..., em dinheiro ou em espécie aquele contravalor de € 1.498.158,50.

•             Ganho que, naquele ano de 2007, seria tributado, não fosse o regime fiscal vigente à data dos factos, que excluía da incidência os ganhos obtidos com a alienação de ações detidas por período superior a 12 meses.

•             Do RIT não resulta provada qualquer artificialidade que possa inquinar a produção de efeitos dos negócios jurídicos celebrados.

•             Do RIT não resulta provado que os negócios praticados o foram em termos “artificiosos e fraudulentos e com abuso das formas jurídicas” como dispõe o n.º 2 do art.º 38-º da LGT.

•             No caso dos autos não estão reverificados os pressupostos legais de aplicação da CGAA.

•             Os atos de liquidação adicional do IRS dos anos de 2014 e 2015 são ilegais.

 

C2. Quanto à doação das prestações acessórias

Já quanto à doação das prestações acessórias pelos pais aos filhos, alega o Requerente que procura a AT demonstrar que a doação das ações e das prestações acessórias que os pais do Requerente efetuaram em 2011, se inserem naquilo que designa por “esquema pré-planeado…” , de “um conjunto complexo de atos sujeitos a uma arquitetura global, nos quais vamos encontrar eventos preparatórios :…”doação das partes de capital detidas na N... pelos pais….. seguidas da doação das Prestações acessórias…” Cfr. RIT a fls 60 e 61.

•             Entende a AT que a doação das ações e das prestações acessórias detidas na N... pelos pais do Requerente é também um ato jurídico essencial ou principalmente dirigido à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos, de natureza fraudulenta também suscetível de ser considerado ineficaz a luz do n.º 2 do art.º 38.º da LGT.

•             A doação é, nos termos do art.º 940.º do CC, um contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente.

•             Ora os pais do Requerente, à custa do seu património, dispuseram de forma gratuita, genuína, com animus donandi, das ações e das prestações acessórias que detinham na N..., a favor dos seus filhos entre os quais o ora Requerente.

•             A primeira questão que se colocaria desde logo era a de saber qual o ato ou negócio jurídico de idêntico fim económico.

•             Uma doação importa, do mesmo passo, um enriquecimento sem contrapartida a esfera patrimonial do donatário e uma simétrica ablação patrimonial definitiva na esfera do doador.

•             Nos termos do n.º 1 do art.º 1.º do Código do Imposto de selo, estão sujeitas a imposto as transmissões gratuitas, considerando-se como tais as que constam do n.º 3 daquela disposição legal, por aplicação da taxa prevista na verba 1.2 da tabela geral do Imposto de selo.

•             Contudo, pese embora sujeitas a imposto de selo, estão as mesmas isentas quanto se trate de doações entre cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes (art.º 6.º al. e) do CIS).

•             Daqui resulta que a doação dos pais aos filhos é um ato translativo do património dos doadores a favor dos donatários isento de imposto de selo.

•             Não se vê assim qual o ato ou negócio jurídico de idêntico fim económico.

•             Nem se vê em que medida se pode defender que se trata de um ato fraudulenta e por isso contrário à lei.

•             Antes trata-se de um direito que assiste aos doadores de livremente disporem dos seus bens a favor dos seus filhos – os donatários.

•             Também em relação à doação das ações e das prestações acessórias não se verificam reunidos os pressupostos de que depende a aplicação da cláusula geral anti abuso previstos no n.º 2 do art. 38.º da LGT.

•             Quanto à forma utilizada – elemento meio, a forma escolhida pelo contribuinte – a doação é um ato jurídico civilmente admitido, não representa para o donatário uma vantagem fiscal dotada de forma anómala, inusual, artificiosa, complexa ou contraditória.

•             Do RIT não resulta provado que a doação não tenha sido definitiva, incondicionada, genuinamente gratuita e sem quaisquer encargos.

•             Do RIT não resulta provada qualquer artificialidade que possa inquinar a produção de efeitos dos negócios jurídicos celebrados,

•             Do RIT não resulta provado que os negócios praticados o foram em termos “artificiosos e fraudulentos e com abuso das formas jurídicas” como dispõe o n.º 2 do art.º 38-º da LGT.

•             Quanto ao elemento resultado a AT não descreveu o negócio jurídico celebrado e os negócios ou atos de idêntico fim económico porque não há identidade de fins económicos entre a doação das prestações acessórias restituídas e os “dividendos”.

•             A haver “dividendos” eles teriam sido na esfera jurídico-tributária dos doadores e não dos donatários.

•             Quanto ao elemento intelectual, não se prova que o Requerente tenha no que à doação respeita qualquer motivação, porque essa a existir seria na esfera dos doadores.

•             Quanto ao elemento normativo, a AT não logrou demonstrar que há um resultado fiscal, que esse resultado é antijurídico que ofende a ordem jurídica.

•             Os atos de liquidação adicional são, na parte que respeita à doação também eles ilegais.

 

C3. Apreciação

Mas será que toda este encadeamento de operações visou tão só e apenas subtrair a tributação rendimentos a ela sujeitos ou, pelo contrário, não foi esse o único ou principal leit motiv?

Vejamos:

A cláusula geral anti abuso (abreviadamente, CGAA) foi introduzida no sistema fiscal português durante a década de noventa, altura em que começaram a ser adotadas também em Portugal algumas outras medidas antiabuso, especiais, no âmbito dos impostos sobre o rendimento.

E, na essência das alterações introduzidas à redação inicial da CGAA pela Lei nº 100/99, de 26 de julho, está a “importação” da doutrina germânica do missbrauch von formen [abuso de formas ou possibilidades de configurações jurídicas dos negócios].

A sua razão de ser e principal motivação encontram-se na necessidade de se estabelecerem meios de relação – e, também, de prevenção – que sejam mais adequados a reprimir estes comportamentos tidos por “antijurídicos”, ainda que lícitos, exigindo que a Administração Fiscal faça a prova da verificação concreta dos pressupostos legais que permitem desencadear as suas consequências próprias.

O princípio subjacente à CGAA é o da prevalência da substância económica sobre a forma jurídica dos atos ou negócios jurídicos, sem, no entanto, se chegar ao ponto de retirar alcance prático aos princípios da legalidade e da tipicidade taxativa dos impostos.

Por isso é que, para o pleno funcionamento da CGAA, ter-se-á, no limite de concluir pela existência duma “roupagem” de formas jurídicas destinadas tão só e apenas a encobrir realidades económicas que, sem essa “roupagem”, seriam tributadas.

Se, pelo contrário, os contribuintes são norteados por outras preocupações ou razões quando escolhem uma via que redunda em dispensa ou redução de tributação, então revelar-se-á excessivo concluir pela obrigação de opção do contribuinte pela via que implique um maior agravamento na tributação.

 

Subsumindo:

Recorrer-se-á aos requisitos que constam do artigo 38.º/n.º 2 da Lei Geral Tributária – posto que são os únicos que considera aplicáveis – tentando aferir a sua verificação ou não.

 

1.º REQUISITO – VANTAGEM FISCAL E NEGÓCIO ECONÓMICO EQUIVALENTE

Um dos requisitos primeiros de que depende a aplicação daquela Cláusula da Lei Geral Tributária é precisamente a existência de um negócio ou estrutura que permita obter uma vantagem fiscal, da qual o contribuinte, doutro modo (pela via negocial direta), não disporia.

Isso equivale a demonstrar, por um lado, a verificação de uma vantagem fiscal em favor do contribuinte e, por outro, um (ou vários) negócio(s) jurídico(s) de efeitos económicos equivalentes, que se podem reputar de negócio(s) indireto(s).

Em termos esquemáticos, sendo A a via não utilizada, e B a via utilizada, impõe-se que a Administração Fiscal demonstre, quanto a este requisito, que

- B é fiscalmente mais vantajoso que A;

e que

- B produz efeitos económicos equivalentes a A.

 

Assim deveria a AT encontrar efeitos equivalentes das respetivas situações:

• Entrega de uma empresa familiar rentável, denominada B..., a uma SGPS, dominada pela mesma família, a título de realização de prestações acessórias;

• Transmissão essa, excluída de tributação, ao nível incidência de mais-valia;

• Retenção de lucros da B..., durante o intervalo temporal em que a sociedade era detida por pessoas singulares;

• Distribuição desses lucros, durante o período em que a empresa passou a ser detida pela N... (beneficiando do regime de eliminação da dupla tributação económica, estipulado no artigo 51º, do CIRC).

• Restituição das prestações acessórias aos sócios, sem qualquer tributação.

 

Na verdade, resulta claro que em qualquer destas operações a alternativa seria a tributação plena:

•             Das mais-valias;

•             Dos dividendos associados à distribuição de lucros;

•             Da restituição das prestações acessórias a título de doação – aqui tendo como efeito equivalente a isenção quanto se trate de doações entre cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes (art.º 6.º al. e) do CIS).

 

Com o devido respeito, a formulação administrativa inexequível e na ausência de equivalência económica entre as situações descritas – que é condição de aplicabilidade – a Cláusula Geral Anti Abuso é forçosamente inoperável no caso, porquanto desaparece a própria ratio essendi da própria cláusula, a saber, reprimir a utilização de vias indiretas, abusivas e fiscalmente vantajosas de obtenção de um resultado económico idêntico, assim defraudando o propósito da Lei e/ou do Sistema Fiscal considerado globalmente. 

 

2.º REQUISITO - ABUSO DE FORMAS JURÍDICAS

 

É característica essencial da aplicação da Cláusula Geral Anti Abuso – no que consistiu uma alteração à redação inicial da Cláusula (na senda da melhor doutrina, como a de SALDANHA SANCHES), com a transposição para a norma nacional, das conceções germânicas sobre abuso de formas [Missbrauch von Formen], que enformam o § 42 da Abgabenordnung de 1977 – a existência de “meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso de formas jurídicas”.

 

O que são, então, meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso de formas?

 

Apenas haverá abuso de formas e artifícios, na fórmula que o Recorrente considera mais apropriada, quando a configuração jurídica (estrutura) adotada seja “inoportuna, complicada, pesada, absurda ou supérflua, não correspondendo sob qualquer ponto de vista, para além do objetivo da vantagem fiscal, a um esquema razoável ou comum de atingir os fins a que se propõe à partida” e se demonstre uma “efetiva discrepância entre a causa típica do negócio, e os fins práticos visados pelas partes quando os celebraram.

E isto porque a dita causa típica não é incompatível com a finalidade económica prática que as partes perseguem, pese embora seja distinta e instrumentalmente “pouco ortodoxa” para a alcançar. O negócio é intencionalmente desfuncionalizado, sendo desejado pelas partes não para realização da sua função, mas para obtenção de um outro resultado prático ou económico, o qual pode não ser admitido pelo Sistema Fiscal. Só neste último caso, os referidos negócios anómalos serão censuráveis em função do requisito da inusualidade” – GUSTAVO LOPES COURINHA, A cláusula geral anti-abuso no Direito Tributário: contributos para a sua compreensão, Almedina, Coimbra, 2004, p. 152 e bibliografia aí referida.

Também GONÇALO AVELÃS NUNES, “A Cláusula Geral Anti Abuso de Direito em Sede Fiscal   Art. 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária à luz dos Princípios Constitucionais do Direito Fiscal”, Fiscalidade, n.º 3, 2000, p. 55, descreve assim a artificialidade e o abuso de formas a que a lei se refere: “Em primeiro lugar teremos de estar perante uma montagem, ou seja, um conjunto de atos fictícios, praticados pelo contribuinte que são inadaptados, artificiais ou anómalos relativamente ao fim pretendido. Por outras palavras: o contribuinte constrói uma solução constituída por um ou mais atos anómalos, desadequados face ao fim pretendido, mas que em si mesmo são legais e produzem o mesmo resultado, dos atos usuais e adequados que estão definidos nas normas de incidência de certo imposto.”

E para MARCELO COSTENARI CAVALI, Cláusula Gerais Antielusivas: Reflexões acerca da sua conformidade constitucional em Portugal e no Brasil, Almedina, Coimbra, 2006, p. 244: “(…) podemos resumir esses conceitos todos – inusualidade, anormalidade, artificialidade, anomalia – numa ideia mais objetiva: a de inadequação”, para a determinação da qual se deverá atender em cada negócio à respetiva “causa”, enquanto “função económico-social que o justifica.”

Na leitura do caso realizada pela Administração Fiscal parece existir abuso de formas no presente caso por estarmos perante as seguintes situações:

• Entrega de uma empresa familiar rentável, denominada B..., a uma SGPS, dominada pela mesma família, a título de realização de prestações acessórias;

• Transmissão essa, excluída de tributação, ao nível da incidência de mais-valias;

• Retenção de lucros da B..., durante o intervalo temporal em que a sociedade era detida por pessoas singulares;

• Distribuição desses lucros, durante o período em que a empresa passou a ser detida pela N... (beneficiando do regime de eliminação da dupla tributação económica, estipulado no artigo 51º, do CIRC).

• Restituição das prestações acessórias aos sócios, sem qualquer tributação.

Não podemos concordar, no todo ou em parte, com esta leitura.

Na verdade, encontramo-nos diante de operações inseridas numa empresa familiar, dotada de uma “forma” perfeitamente típica e direta, sem que haja vantagens fiscais evidentes que vão para além da não tributação, sendo que ademais na distribuição das prestações acessórias até já existiria uma isenção no CIS.

Deste modo, não se está a engendrar um esquema rebuscado, atípico, indireto e em abuso da autonomia privada ou da liberdade negocial: os sócios apenas adaptam-se à estrutura familiar, sendo que na inquirição da Testemunha E... ficou demonstrado que ao longo da vida da empresa foi sempre movido pelas sua decisões, no exercício da sua autoridade paternal para com os filhos – o que seria porventura expectável, numa situação em que a estrutura é abusiva e não pretendida pelas partes senão para os seus efeitos fiscais.

A sociedade socorre-se apenas de meios normais de se reorganizar sem alterar o seu perímetro familiar, não havendo qualquer modelação, desfuncionalização, anomalia ou desformatação de uma emissão obrigacionista clássica, o que seria condição sine qua non deste requisito e, logo, da aplicação da Cláusula – diga-se, de passagem, que foi precisamente para evitar decisões precipitadas como a presente que a redação inicial da Cláusula Geral Anti Abuso foi alterada pela Lei n.º 30.º-G/2000, de 29 de Dezembro.

Se os negócios são, indiscutivelmente, típicos e não foram modificados nos seus elementos estruturantes e definidores – ao fim e ao cabo, se a sua “causa” negocial permanece intacta e não foi afrontada – e se demonstram adequados à prossecução dos objetivos económico-societários a que se propõem, não há justificação para alegar Missbrauch von Formen.

 

3.º REQUISITO – REPROVAÇÃO PELO SISTEMA FISCAL (FRAUDE À LEI)

 

Encontramos aqui aquela que é, em nosso ver, a razão última da não aplicação da Cláusula Geral Anti Abuso ao presente caso.

Embora se tratando do requisito menos evidente da Cláusula Geral Anti Abuso, a existência de uma reprovação pela Lei ou pelo Sistema Fiscal do resultado obtido pelo contribuinte é, segundo a totalidade da doutrina, conditio insuperável da aplicação em termos constitucionalmente conformes desta disposição geral anti abuso, porquanto traduz a importação para a sede fiscal nacional das conceções de proibição de Fraude à Lei já consagrada noutros ordenamentos.

Nesta linha, para SALDANHA SANCHES, “Abuso de direito em matéria fiscal: natureza, alcance e limites”, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 398, 2000, pp. 26-30: “A aplicação de normas anti-abusivas não pode por isso preceder a tarefa constitucionalmente imposta ao legislador de construção de um sistema de tributação de rendimento sem falhas ostensivas nem zonas de não-tributação.” Mais recentemente, em SALDANHA SANCHES (2006), Os Limites do Planeamento Fiscal, Almedina, Coimbra, p. 177, esclarece o autor sobre a necessidade de existir, para efeitos da Cláusula Geral Anti Abuso, uma “intenção de abrangência por parte do legislador fiscal.”

Segundo GUSTAVO LOPES COURINHA, A cláusula geral anti abuso no Direito Tributário: contributos para a sua compreensão, Almedina, Coimbra, 2004, p. 144: “se o resultado fiscalmente menos oneroso – vantagem fiscal – for admitido, tolerado, ou mesmo estimulado pela lei (…) não é condenável à luz da teoria da Fraude à Lei”, o que impediria a aplicação da Cláusula Geral Anti Abuso. E, ainda segundo o mesmo autor “O ato fraudulento configura-se em função da reprovação pelo Direito da sua natureza verdadeira e substancial – os efeitos obtidos. Efeitos esses que não são desejados, previstos ou promovidos pelo Direito, mas antes rejeitados” (p. 187); a pp. 188-9, refere que: “O elemento normativo destina-se a conferir coerência ao sistema fiscal, às normas e ao Ordenamento, i.e. à interpretação e aplicação do Direito Tributário, tentando extrair, manter presente e evidenciar os princípios e propósitos que os enformam – o espírito e intenção da lei e não apenas a sua letra, contribuindo para a sua compreensão e evitando os respetivos abusos formais (...)”, concluindo, finalmente o autor que “o elemento normativo pretende auxiliar no enquadramento da norma fiscal numa perspetiva não literal, com vista à obtenção de soluções sistemática e teleologicamente consideradas.”

De acordo com RICARDO DA PALMA BORGES, A zona franca da Madeira entre a isenção e a elisão: um contributo para o estudo do direito tributário internacional português, inédito, disponível na biblioteca da FDL, 2003, pp. 383-4: “Para a viabilidade da aplicação da fraude à lei, rectius à intenção normativa, em matéria fiscal, é necessário, em primeiro lugar, estar-se perante um ordenamento jurídico que, no plano tributário, se norteie teleologicamente, nomeadamente recorrendo a uma base de incidência tão ampla quanto possível. Perante a pretensão de plenitude de previsão do sistema, será mais fácil distinguir entre omissão juridicamente intencional e não intencional ou lacuna, e fundamentar a existência de abuso. O Estado Fiscal contemporâneo supõe uma metodologia jurídico-fiscal própria, avessa a assintonias legislativas flagrantes que tributem na base da mera forma.”

Por seu turno, MARCELO COSTENARI CAVALI, Cláusula Gerais Antielusivas: Reflexões acerca da sua conformidade constitucional em Portugal e no Brasil, Almedina, Coimbra, 2006, p. 250, sustenta que: “(...) a cláusula somente será aplicável se o intérprete entender que, na sua ausência, o resultado seria contrário à razão de ser da lei e do próprio ordenamento.”

Olhando ao caso constante do processo, poderemos concluir que o resultado obtido pelo contribuinte contraria o Sistema Fiscal ou a Lei, defraudando por esta via a mens legis?

Pese embora a Administração Fiscal se tenha, novamente, abstido de alegar e demonstrar – aqui, apenas em termos jurídicos, por se tratar de um requisito exclusivamente de Direito – a verificação deste elemento da Cláusula Geral Anti Abuso, julgamos dever, ainda assim e em atenção à prudência aconselhada nestes casos, responder, sem prejuízo de se alegar, desde já, a falta de um (mais um) dos requisitos da Cláusula Geral Anti Abuso.

A resposta é, fundadamente, negativa, no sentido de que não existem razões válidas para sustentar a reprovação normativo-sistemática do resultado que o contribuinte obteve.

 

Veja-se inclusive, quanto à tributação das mais valias, que a norma que a Administração Fiscal parece considerar contornada pelo contribuinte foi o artigo 10.º/n.º 2/alínea a) do Código do IRS, cuja redação dispõe:

“Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de:

a)            Ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses;”

Esta norma possui, atualmente, a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, que alterou, em termos fundamentais, a opção fiscal anterior decorrente da Reforma Fiscal da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro e, posteriormente mantida, com a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, as quais, por seu turno, alteraram as opções idênticas à atual e que se mantinham desde a redação inicial do Código do IRS.

Pelos diplomas legislativos de 2000 e 2001, as mais-valias decorrentes da alienação onerosa de ações ficaram sujeitas a tributação como os demais rendimentos do Código do IRS, independentemente de serem detidas por mais ou por menos de 12 meses. A solução era, então, a de tributação e tratamento igualitário das mais-valias, como os demais rendimentos.

Desde 2002, repôs-se a opção legislativa que durou também entre 1988 (data da aprovação do Código do IRS e da grande Reforma Fiscal do Rendimento) e 2000. Que opção é essa? A resposta é simples – a opção de não tributação, por via da atribuição de uma isenção ex lege.

Trata-se, aliás, de uma não tributação especial, posto que muito ampla: trata-se de um benefício fiscal deliberado e manifesto, consistente numa isenção total (a 100%) de tributação – que constou mesmo, entre 1988 e 1992, do artigo 34.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, só depois vindo a transitar para o Código do IRS.

É, com efeito, uma opção de política fiscal que contrasta com o tratamento dado à generalidade dos rendimentos e que surge particularmente evidente quando confrontado, por exemplo, com tributação dos rendimentos da Categoria A (Trabalho Dependente), Categoria H (Pensões) ou, como no caso, com os dividendos.

Tal regalia fiscal – só brevemente suprimida entre finais de 2000 e 2002, como vimos – é tão mais inusitada quanto esta opção de tratamento fiscal altamente preferencial das mais-valias de ações foi sempre objeto de críticas duríssimas por parte da doutrina mais reputada que alertou não só para a discriminação de outros rendimentos (objeto de um tratamento fiscal muito mais pesado [infinitamente mais pesado, face a uma situação de isenção fiscal total de tais mais-valias]), como para o incentivo notório que assim se concedia e às possibilidades de planeamento que incentivava.

Basta recordar as fortes e sustentadas críticas que TEIXEIRA RIBEIRO logo cedo endereçou a um tal tratamento privilegiado das mais-valias de ações – vd. TEIXEIRA RIBEIRO, “Comentários ao Código do IRS”, A Reforma Fiscal, Coimbra Editora, 1989, p. 243 ou TEIXEIRA RIBEIRO, “As opções fiscais da Constituição”, A Reforma Fiscal, Coimbra Editora, 1989, p. 206 (onde advogava uma taxa mais baixa para as mais-valias, como benefício máximo admissível face à Constituição).

Ou SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 237-40, que sempre endereçou críticas a um tal regime preferencial: “(…) a dificuldade do alargamento da base perante a resistência dos interesses instalados fez com que “a história das reformas fiscais” fosse a história desta batalha” [da tributação das mais-valias] e ”(…) que o que se passou entre nós, com o alargamento do conceito de rendimento nas linhas gerais da reforma e as sucessivas restrições à tributação das mais-valias que lhe sucederam, confirma esta característica das reformas.” (p. 240)

Perante este convite fiscal ao investimento, negociação e alienação de participações, a única resposta expectável do contribuinte mais atento às matérias de benefícios fiscais não pode deixar de ser a de investir e organizar os seus negócios de modo a aumentar a respetiva eficiência fiscal, de acordo com as medidas fiscais promovidas pela legislação fiscal. É, aliás, co-natural ao próprio conceito de benefício fiscal gerar um comportamento reativo por parte do contribuinte que o leve a preferir a situação positivamente discriminada pelo legislador.

É, portanto, inconcebível sustentar outra opinião que não a de que o sistema fiscal, ao invés de reprovar, promove operações como aquela precisamente aqui em causa – de aquisição de acções próprias – assim como promove transformações do tipo societário (Sociedades de Quotas em Anónimas) que permitam usufruir do dito artigo 10.º/n.º 2/alínea a) do Código do IRS.

A Cláusula Geral Anti Abuso não pode, deste modo, ser interpretada no sentido de que o legislador pretendeu, por um lado, conceder um benefício fiscal às mais-valias mobiliárias de ações e, por outro lado, impossibilitar essa mesma utilização.

Ao incentivo fiscal estabelecido pela Lei de 2002 – por muito criticável e mesmo injusto que tal solução possa ser considerada dum ponto de vista de política económica fiscal – não pode a Cláusula Geral Anti Abuso vir responder com a sua negação, porque isso equivaleria a forçar o contribuinte a “optar” pela via fiscal mais onerosa, eliminando de uma assentada o direito a qualquer planeamento fiscal.

A ser assim, a utilização da Cláusula Geral Anti Abuso pela Administração Fiscal serviria para esta aceder ao poder, por enquanto ainda reservado à Assembleia da República (ou ao Governo, com autorização desta), de legislar. Ora, esse poder não está, segundo a Constituição da III.ª República Portuguesa, acessível à Administração Fiscal.

A levar ao limite tal intenção da Administração Fiscal, todo o Estatuto dos Benefícios Fiscais, assim como toda a plêiade de benefícios fiscais espalhados pelos diversos códigos e legislação fiscal avulsa poderiam acabar derrogados por meio do recurso casuístico e arbitrário à Cláusula Geral Anti Abuso, o que seria, obviamente contrário à correta interpretação desta e defraudaria o espírito e propósito (verdadeira fraude à Lei) da própria Cláusula Geral Anti Abuso.

Não se vislumbra, por conseguinte, o preenchimento do requisito da reprovação normativo-sistemática estabelecida na CGAA – não há uma situação de Fraude à Lei.

 

Quanto à doação das prestações acessórias remetemos para o que já foi referido no 1.º Requisito.

 

Com efeito, a aceitação inquestionável das operações realizadas são fatores com que o contribuinte contou e a partir dos quais elaborou a sua estrutura e que, por isso, merecem adequada tutela jurídica.

Ora, se o legislador delimitou negativamente a área de elisão fiscal, a Cláusula Geral Anti Abuso é inaplicável sob pena de o intérprete se estar a arrogar funções normo-genéticas, o que seria evidentemente inconstitucional.

Em resumo, não existem fundamentos suficientes para sustentar uma aplicação ao caso da CGAA, em face dos requisitos supra identificados.

 

Conclui-se, assim, que não se verifica um dos pressupostos de facto de que depende a aplicação da cláusula geral anti abuso, que é o ato ou negócio ter sido essencial ou principalmente dirigido à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos.

À face do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, quando esta norma refere que, para aplicação da cláusula geral anti abuso, os negócios devem ser dirigidos à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos, não basta que sejam obtidas vantagens fiscais, sendo antes indispensável que a obtenção destas tenha sido um objetivo essencial ou principal visado pelo contribuinte.

Ora é a prova da essencialidade desse objetivo para finalidades de menor tributação, o que, no caso, não se afigura evidente.

 

A argumentação exposta basta para se proceder à anulação da liquidação impugnada, com as demais legais consequências.

 

C4. Dos juros indemnizatórios

 

Cumula, ainda, o Requerente com o pedido anulatório, os pedidos de restituição do valor de imposto indevidamente pago, bem como de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

                De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, sendo consequentemente devida a restituição da quantia paga pela Requerente.

Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

No caso, o erro que afeta as liquidações adicionais anuladas é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as praticou sem o necessário suporte factual e legal.

Tem, pois, direito o Requerente a ser reembolsado da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos atos anulados e, ainda, a ser indemnizado do pagamento indevido, através de juros indemnizatórios, desde a data do correspondente pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

a)            Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e determinar a anulação das liquidações de imposto objeto dos autos e demais acréscimos (juros compensatórios), bem como da decisão da reclamação graciosa que teve aqueles atos como objeto; e

E em consequência:

b)           Ordenar a devolução à requerente dos referidos montantes, caso tenham sido pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados da data do seu pagamento até integral reembolso.

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €745.211,02, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €10.710,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 5 de fevereiro de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho – Com declaração de voto)

 

O Árbitro Vogal

(Daniel Taborda)

 

O Árbitro Vogal

(Guilherme W. d’Oliveira Martins - Relator)

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Voto favoravelmente o texto da decisão, julgando apenas que a mesma deveria realçar mais enfaticamente os factores que, do meu ponto de vista, são, no caso, determinantes e justificam a divergência com o decidido no processo arbitral 142/2020-T, e que serão os seguintes:

•             Desde logo, o espaçamento temporal dos actos qualificados pela AT como integrantes do esquema elisivo, que se prolongarão desde, pelo menos, 2007 até 2015, sem que se apure nenhuma circunstância objectiva que os conexione;

•             Relacionado com o ponto precedente a circunstância de, aquando do início do putativo comportamento elisivo, não ser previsível que a legislação fiscal fosse alterada, no sentido de passarem as ser tributadas as mais valias resultantes da alienação de participações sociais detidas há mais de 12 meses;

•             A circunstância de haver uma dissonância evidente, entre a tributação evitada pelo suposto esquema elisivo e a tributação efectivamente aplicada pela AT. Com efeito, o crédito por prestações acessórias, como, de resto bem, aponta o Requerente, emerge da alienação de acções detidas há mais 12 meses, tratando-se por isso, de um rendimento de mais valias, enquanto que a tributação efectivamente aplicada é uma tributação por lucros distribuídos.

•             A circunstância de, como actuação alternativa, os intervenientes nas operações em causa poderem ter optado pela simples venda das suas acções à SGPS, pelos mesmos valores ora em causa, venda essa cujas mais-valias não seriam tributadas, e que geraria um crédito idêntico ao ora em causa, precisamente com os mesmos efeitos fiscais (repetindo-se aqui o previamente notado, a propósito de, em 2006/7 não ser previsível que isenção de tributação das mais valias emergentes da alienação de participações sociais detidas há mais de 12 meses viesse a ser revogada);

•             Nesta sequência, julgo também ser de relevar especialmente, a circunstância – constante do próprio RIT – de a B... SA ser uma empresa bastante rentável: nos períodos de tributação compreendidos entre 2005 e 2016, acumulou Resultados Transitados (€7.086.560,03) e Reservas Livres (€2.012.796,94), no montante global de €9.099.356,97, dos quais nada distribuiu até 2007. Assim sendo, julgo ser evidente, que se se houvesse algum propósito elisivo, e designadamente o pretendido pela AT, tal seria consumado imediatamente em 2007, mediante a venda das acções à SGPS – isenta por força da exclusão de tributação consagrada, à data, para a alienação de acções detidas pelos titulares há mais de 12 meses, inscrita na norma do artigo 10º, nº 2 alínea a), do CIRS – sendo notório que o grupo económico criado tinha já naquela altura os meios para pagar exactamente os mesmos valores que – apenas parcialmente – foram entregues ao Requerente e seus irmãos, quase 10 anos depois;

•             A dissonância derivada do facto de o Requerente ter sido beneficiário de uma doação dos seus pais, isenta de tributação nos termos legais e sem qualquer conotação elisiva, e, por força da aplicação da CGA operada, ser sujeito a tributação que, mesmo a aceitar-se a existência de um comportamento elisivo, não deveria em caso algum incidir sobre si, mas sobre os seus pais. Esta circunstância, de resto, denota bem, julgo, o desajustamento da aplicação, in casu, da CGA, dado evidenciar que o acréscimo patrimonial na esfera dos intervenientes nas operações em causa se verificou em 2007, com a constituição na sua esfera jurídica de um crédito por prestações acessórias, sendo por isso à luz do ordenamento jurídico-fiscal vigente à data que se deve procurar a censura sistémica às operações realizadas;

•             Não julgo ter relevância determinante, a circunstância, sublinhada no processo 142/2020T, de a SGPS constituída ter uma actividade reduzida ou despicienda. Com efeito, as SGPS podem ser passivas, restringindo-se à mera detenção de participações sociais, e os motivos para a sua constituição podem ser variados e diversos (como se apurou nos autos, tendo resultado da prova testemunhal que à criação da SGPS assistiram, entre outros, motivações relativas à imagem social dos proprietários). Assim, o apuramento da existência de um propósito e efeito elisivo deve preceder a atribuição de relevância da passividade de uma SGPS interveniente num esquema que os vise, não se podendo/devendo presumir aquele propósito e finalidade da referida passividade;

•             Ex abundanti, poderia ainda ter sido feito constar da decisão o facto acessório apurado em sede de inquirição da prova testemunhal, relativo à circunstância de, no caso concreto, o reembolso (parcial) de prestações acessórias, qualificado como distribuição de dividendos, se ter devido, exclusivamente, à decisão familiar de, através de uma outra empresa totalmente detida pela mesma família, mas não participada pela SGPS, ser adquirido um imóvel, tendo sido esse o destino dos montantes entregues ao Requerente e seus irmãos.

 

O Árbitro-Presidente

(José Pedro Carvalho)