Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 138/2018-T
Data da decisão: 2018-09-03  IVA  
Valor do pedido: € 37.279,97
Tema: IVA – Caducidade do direito de dedução, artigo 98.º n.º 2 CIVA – Bens de Utilização Mista – Erro de Direito.
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

I - Relatório

A -Identificação Das Partes

Requerente: Município de A..., com o NIPC ..., com sede na Rua ..., nº ... - ... ..., doravante designado como Requerente ou Sujeito Passivo.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada como Requerida ou AT.

O Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), adiante abreviadamente designado por RJAT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, foi 2018-03-22 notificada a Autoridade Tributária.

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra a Dra. Rita Guerra Alves, aceite por esta nos termos legalmente previstos.

Em 2018-05-15, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de recusar a designação da árbitra, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Singular, foi regularmente constituído em 2018-06-05, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente nesse mesmo dia foi notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, conforme consta da respetiva ata.

Não foi arrolada prova testemunhal pelo que no seguimento processual foi aceite por ambas as partes, a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT,

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

B – PEDIDO

  1. O Requerente peticiona a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), n.º..., n.º ..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º ... e ..., correspondentes aos anos fiscais de 2014 e 2015, no montante global de 37.279,97€ (trinta e sete mil duzentos e setenta e nove euros e noventa e sete cêntimos).

C – CAUSA DE PEDIR

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alega com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), já descrito no ponto 1 desta decisão, o seguinte:
  1. O Município de A... é uma pessoa coletiva de direito público local, cuja atividade consiste na prossecução das suas atribuições municipais nas mais diversas áreas de atividade, encontrando-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal trimestral.
  2. Na prossecução das suas atribuições, o Município realiza um vasto conjunto de operações inseridas no âmbito dos seus poderes de autoridade (e.g. fixação de sinais de trânsito, loteamento de obras), as quais são excluídas da sujeição a IVA, em virtude de o Município não atuar na qualidade de sujeito passivo do imposto, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 2.º do Código do IVA
  3. Por outro lado, o Município realiza também um conjunto de operações, quer sejam transmissões de bens, quer sejam prestações de serviços, que não se encontram enquadradas no âmbito dos seus poderes de autoridade, estando, por isso, sujeitas a IVA nos termos gerais do Código deste imposto.
  4. Neste âmbito, o Município realiza tanto operações tributadas em IVA (e.g. distribuição de água aos munícipes) como operações isentas deste imposto.
  5. No decurso dos anos 2014 e 2015, o Município apenas deduziu o imposto incorrido, com base na aplicação do método da afetação real, na aquisição de determinados recursos diretamente relacionados com a distribuição de água aos munícipes (atividade integralmente tributada do Município)
  6. Em 2016 e 2017, no âmbito de uma revisão de procedimentos, a Requerente verificou que limitou indevidamente o exercício do direito a dedução do IVA incorrido em 2014 e 2015, tendo, assim, suportado imposto que, de acordo com as regras do Código deste imposto, seria recuperável.
  7. Alega o Requerente que durante os anos de 2014 e 2015, havia limitado indevidamente o seu direito à dedução do IVA incorrido na aquisição dos recursos "comuns" (i.e., recursos utilizados, simultaneamente, quer na atividade tributada quer não tributada - cujo IVA e recuperável pelo método do prorata ou com base em critérios objetivos), bem como em determinados recursos afetos integralmente a realização de operações tributadas (cujo IVA e, portanto, recuperável na totalidade).
  8. Neste âmbito, e tendo em consideração o disposto nos artigos 22.º e 98.º do Código do IVA, o Requerente efetuou no ano de 2016 e 2017, a dedução do IVA incorrido na aquisição de bens e serviços relacionados com os mencionados recursos "comuns", bem como na aquisição de bens e serviços diretamente afetos a operações tributadas
  9. Para este efeito, o Município submeteu, no dia 18 de maio de 2016 e 3 de Março de 2017, duas declarações de substituição relativas ao 4.º trimestre de 2014 e ao 4.º trimestre de 2015, respetivamente, apurando um crédito de IVA no valor de € 63.525,91 e de € 77.146,46.
  10. Entende que as declarações de substituição acima mencionadas foram, assim, submetidas dentro do prazo legal previsto para o efeito.
  11. Posteriormente, na sequência de um pedido de reembolso solicitado na declaração periódica referente ao 3.º trimestre de 2017, o Município foi alvo de procedimentos de inspeção interna, que incidiram sabre os anos de 2014 e 2015, tendo em vista averiguar a legitimidade dos créditos de IVA em apreço.
  12. O Requerente sustenta que a Autoridade Tributaria, nos relatórios de inspeção, em momento algum contesta o facto de o Município ter efetivamente suportado o IVA em causa durante os anos de 2014 e 2015 e de o mesmo ser, portanto, dedutível.
  13. Efetivamente, as correções efetuadas pela Autoridade Tributária estão relacionadas apenas com o prazo e o momento em que o Município exerceu o seu direito à dedução.
  14. Defende o Requerente que se limitou a seguir o preceituado na legislação em vigor, tendo deduzido o IVA em causa nos termos dos artigos 20.º a 23.º do Código de IVA.
  15. O Requerente procedeu à recuperação do imposto incorrido em excesso, de acordo com os métodos de dedução aplicáveis, dentro do prazo legal.
  16. Sustenta que, que não podem restar quaisquer dúvidas de que o Município de A... incorreu num erro de direito, susceptível de correção, tendo assim exercido o seu direito à dedução do imposto incorrido em conformidade com a lei - i.e. no momenta posterior ao da data de receção das faturas, dentro do prazo legal previsto para o efeito 4 anos.
  17. Assim, os sujeitos passivos podem exercer o direito à dedução (através de inclusão do imposto a seu favor na declaração periódica) em qualquer período posterior ao da receção (e respetiva contabilização) das faturas, tendo, naturalmente, que o fazer no prazo previsto no n.º do artigo 98.º do Código do IVA (i.e. 4 anos).
  18. Termina o Requerente pugnando pela anulação das liquidações adicionais por serem ilegais.

D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA

  1. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta, na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
    1. Tendo em conta que esteve em causa uma alteração do método de dedução do imposto, não se trata pois de um erro material ou de cálculo de registo ali mencionado, pelo que não pode o Requerente socorrer-se desse mecanismo legal nem proceder a qualquer regularização do imposto anteriormente deduzido. 
    2. Efetivamente, nos anos de 2014 e 2015, adotando o critério da afetação real total, o Requerente registou os documentos de custos associados à atividade desenvolvida e procedeu ao seu enquadramento em sede de IVA
    3. Acresce que, nas declarações periódicas de substituição, em resultado de alteração de metodologia de cálculo, deduziu a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços afetos ao sector das águas.
    4. Ora, ao contrário do que entende o Requerente, o prazo para o exercício do direito à dedução encontra-se previsto no Código do IVA, não sendo permitido ao sujeito passivo escolher a seu bel prazer o momento da sua determinação.
    5. Na verdade, o que se constata é que, relativamente ao IVA suportado nos inputs alegadamente de utilização mista, o Requerente considerou-o como um gasto, porquanto entendia que o mesmo não era dedutível.
    6. Ora, o mecanismo das deduções do IVA está previsto nos artigos 19º a 26º do Código do IVA e faz parte da essência do próprio imposto, referindo o artigo 19º que, para apuramento do imposto devido (autoliquidação), os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis num determinado período, o imposto que lhes foi faturado na aquisição de bens e serviços por outros sujeitos passivos, mencionado em facturas ou documentes equivalentes passados em forma legal, no mesmo período, situação que deverá ser refletida na declaração periódica a que se refere a alínea c) do nº 1 do artigo 29º do Código do IVA.
    7. Na verdade, no seguimento do disposto no artigo 23º do Código do IVA, a dedução deveria ter sido consumada mensalmente ou trimestralmente com base num pro rata provisório, a regularizar em dezembro de cada exercício.
    8. Assim, as deduções de imposto efetuadas por um sujeito passivo de IVA apresentam, em princípio carácter definitivo, podendo, contudo, em certos casos expressamente previstos no artigo 78º do Código do IVA, ser objeto de alteração.
    9. O Requerente pretende fazer-se valer, no caso sub judice, do prazo de quatro anos para proceder à correção do IVA que conforme alega suportou em excesso, o qual decorre, em seu entender, do nº 2 do artigo 98º do Código do IVA.
    10.  Na verdade, apesar de o nº 2 do artigo 98º do IVA estabelecer que, sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução poder ser exercido até ao limite de quatro anos, o sujeito passivo de IVA não tem liberdade para determinar o momento de exercício desse direito, limitando-se aquela norma a fixar, apenas, um limite máximo de carácter geral, a partir do qual aquele direito não pode já ser exercido.
    11.  A segregação dos custos associadas a específicos sectores de atividade de um sujeito passivo misto – como o caso do Requerente - tem de ser realizada no momento do exercício do direito à dedução ou, no limite, nos termos do n.º 6 do artigo 23º do Código do IVA, não sendo aceitáveis alegações de erro com base em segregações de custos só posteriormente realizadas.
    12.  Efetivamente, aquando do exercício do direito à dedução, o Requerente não segregava contabilisticamente os custos associados aos seus diferentes sectores de atividade, inexistindo qualquer erro na omissão de dedução de imposto, mas antes uma impreparação para diferenciar aqueles custos relativamente aos quais poderia proceder à dedução integral por imputação direta nos termos do artigo 20º do Código do IVA. 
    13.  Pelo que, face à legislação aplicável ao caso concreto, não pode deixar de se entender que, quer o prazo de dois anos estabelecido no nº 6 do artigo 78º, quer o de quatro anos estatuído no nº 2 do artigo 98º, ambos do Código do IVA, não podem ser aplicáveis no caso dos presentes autos, uma vez que não estamos perante uma qualquer retificação em concreto, nem num erro de direito quanto ao exercício do direito à dedução.
    14.  Assim, o que se constata é que o Requerente deveria ter cumprido com as regras previstas no artigo 23º do Código do IVA, ou seja, deveria ter efetuado a dedução do imposto referente dos bens e serviços de utilização mista, os quais seguramente registou na sua contabilidade, respeitando quer a regra geral do nº 2 do artigo 22º do Código do IVA, quer ainda o nº 6 do seu artigo 23º, corrigindo no final de cada ano esses montantes.
    15.  Não o tendo feito, por lapso seu, conforme afirma no presente pedido de pronúncia arbitral.
    16.  Termina a Requerida pugnado pela improcedência do pedido, por não provado, e, consequentemente, absolvida de todos os pedidos com as legais consequências.

E-        FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

  1. Para a apreciação das questões suscitadas, cumpre previamente apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão a proferir, tendo como base os factos alegados e a prova documental produzida nos autos.
  2. Em matéria de facto considerada relevante, dá o presente Tribunal por assente os seguintes factos:
  3. O Requerente é uma pessoa coletiva de direito público enquadrado para efeitos de IVA, como sujeito passivo misto, de periodicidade trimestral.
  4. O Requerente submeteu, em 18/05/2016 e 03/03/2017, declarações periódicas de substituição relativas ao 4º trimestre de 2014 e ao 4º trimestre de 2015, onde apurou um crédito de imposto a seu favor no valor de € 63.525,91 e de € 77.146,46, respetivamente.
  5. A AT procedeu no âmbito do procedimento inspetivo ao exercício de 2014 - através da ordem de serviço n.º OI2017... e uma ação inspetiva ao exercício de 2015 – OI n.º 2017... .
  6. O Requerente foi notificado, através dos ofícios n. ...e ... de 15 de dezembro de 2017, dos relatórios de inspeção tributária, onde foram efetuadas correções aritméticas no valor de € 18.939,76 e de € 19.543,57 para os anos de 2014 e 2015, respetivamente.
  7. Subsequentemente, a Autoridade Tributaria emitiu as liquidações adicionais de IVA n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... no valor global de € 38.483,33.

 

F-   FACTOS NÃO PROVADOS

  1. Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

       G- QUESTÕES DECIDENDAS

  1. Atenta as posições das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentado, constitui apreciar e decidir a seguinte questão central:

(i)       Da declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), n.º ..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º ... e nº..., referente aos anos fiscais de 2014 e 2015, no montante global de 37.279,97€ (trinta e sete mil duzentos e setenta e nove euros e noventa e sete cêntimos).

(ii)      Do pagamento de Juros indemnizatórios;

            H-        MATÉRIA DE DIREITO

  1. Conforme anteriormente exposto, a questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral, prende-se na apreciação da legalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), n.º..., n.º ..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º..., n.º ... e ..., referente aos anos fiscais de 2014 e 2015.
  2. Para tanto, iniciaremos por determinar o direito aplicável, dando prioridade, em cumprimento do disposto na alínea a) do nº 2 do artº 124º do CPPT, à análise dos vícios do ato de liquidação.
  3. Desse modo, perante a factualidade dada como provada e as normas legais em vigor à data dos factos, iniciaremos a apreciação da questão do enquadramento jurídico-fiscal do Erro a atribuir ao Requerente pela apresentação das declarações de substituição relativas ao 4º trimestre de 2014 e ao 4º trimestre de 2015, submetidas em 18/5/2016 e 3/3/2017, respetivamente.
  4. Importa assim, analisar a moldura jurídico-fiscal, doutrinal e jurisprudencial sobre a questão sub júdice.
  5. Salientamos, para o efeito o artigo 22º do Código do IVA:

1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.

2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.

  1. Assim como, o estabelecido no artigo 23º do Código do IVA, quanto aos métodos de dedução relativa a bens de utilização mista:

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

  1. E quanto a alterações,  estabelece o n.º 6 do artigo 78º do Código do IVA , que podem ser objeto de alteração em momento posterior nas situações aí previstas: “6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.”
  2. Prevê assim o artigo 78º do Código do IVA, que o sujeito passivo poderá proceder a alteração da sua declaração de IVA, mediante uma declaração de substituição quando se verifique uma das situações elencadas no artigo 78.º (erros materiais ou de cálculo), no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º.
  3. E conforme prescreve o artigo 7º n.º 1 aliena a) e b) do Código do IVA, o momento da exigibilidade do imposto, nas transmissões de bens, é no momento em que os bens são postos à disposição do adquirente e nas prestações de serviços, no momento da sua realização.
  4. Contudo o nº 2 do art. 98º do Código do IVA prevê um prazo de 4 anos, desde que os pressupostos elencados sejam cumpridos, a saber:

1 - Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária.

2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.

  1.  Por remissão do nº 1 para o artigo 78.º da Lei Geral Tributaria, vejamos também o que esta dispõe: 1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

  1. Face ao anteriormente exposto, passamos agora de seguida a analisar o enquadramento jurídico a conferir ao tipo de erro praticado pelo Requerente, nos termos do artigo 78.º n.º 6 do CIVA e do artigo 98.º n.º 2 do CIVA.
  2. Sobre a questão ora em causa, existe abundante jurisprudência que se seguirá de perto, temos presente, em particular, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no  processo 1427/14, de 28-6-2017, e as decisões proferidas pelo  CAAD nos processos número: 91/2013-T, 117-2013-T, 502/2014-T, 549/2016-T, 85/2017-T, 252/2017-T, que acolhemos.
  3. Realçamos para caso sub júdice, o Acórdão do STA no Processo 1427/14, de 28-6-2017:

A aplicação dos métodos de dedução relativos a bens de utilização mista é juridicamente complexa pelo que o erro decorrente da aplicação deste regime jurídico não constitui nem erro material nem erro de cálculo. Estabelece o artigo 95.º-A, n.º 2, do CPPT que se consideram erros materiais ou manifestos os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso. Incluem-se neste conceito (cf. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª ed. 2011) “todo o tipo de lapsos materiais, que são situações em que o autor do acto deixou nele escrito algo que não correspondia à sua vontade, como por exemplo, errada indicação do nome do contribuinte ou do tributo em causa ou erro aritmético no cálculo do tributo. Neste conceito de lapsos materiais incluem-se ainda os derivados do deficiente funcionamento do sistema informático da administração tributária.”. Ora no caso controvertido é convicção deste Tribunal Arbitral que o “erro” cometido pelo Requerente ao efetuar a regularização do imposto após a última declaração do último período de 2011 (isto é, na DP de 201203T) é um erro de direito, sendo aplicável o regime legal previsto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, entendimento conforme com o STA no aresto acima referido “O prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA”. (nosso negrito).

  1. Realçamos também o Acórdão Arbitral proferido no processo nº 502/2014-T: “Na redacção dada àquele n.º 2 do artigo 22.º pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro), passou a estabelecer-se o seguinte: «Sem prejuízo do disposto no artigo 71.º, a dedução deverá ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação».

A enorme diferença está na possibilidade de dedução do IVA não só na declaração do período de recepção dos documentos, mas também em declaração «de período posterior», sem qualquer restrição.

Com efeito, no pressuposto de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como se tem de presumir, por força do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, o uso da expressão «de período posterior», sem artigo definido, e não «do período posterior» revela que não se exige sequer que o IVA seja deduzido na declaração do período imediatamente seguinte ao da recepção dos documentos, sendo permitida na declaração de qualquer período posterior, sem prejuízo, naturalmente, dos limites especiais e geral, designadamente os que constam dos artigos 78.º e 92.º, n.º 2.

O artigo 98.º, n.º 2, do CIVA estabelece que «sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente».

No caso em apreço, não se está perante uma situação enquadrável o artigo 78.º, n.º 6, do CIVA, em que se prevê um prazo especial de dois anos para regularização de «correcção de erros materiais ou de cálculo», inclusivamente nas declarações periódicas, nos seguintes termos: «a correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado».

O artigo 95.º-A, n.º 2, do CPPT (   ) fornece um conceito de «erros materiais ou manifestos» indicando que nele se integram, «designadamente os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexactidão ou lapso».

A associação do erro de cálculo ao erro material que se faz neste n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, à semelhança do que sucede noutras normas (como o artigo 249.º do Código Civil, o artigo 667.º do CPC de 1961 e o artigo 614.º do CPC de 2013) revela que os erros de cálculo a que se pretende aludir serão deste tipo, designadamente erros aritméticos nas operações de cálculo do montante a deduzir.

Assim, estar-se-á perante um erro material no preenchimento do montante de IVA dedutível numa declaração quando se pretendia escrever um determinado montante e, por descuido ou lapso, acabou por se escrever montante diferente ou quando o erro do preenchimento da declaração resulta de um erro anterior do mesmo tipo que exista na contabilidade ou em algum documento que sirva de base ao exercício do direito à dedução

Estar-se-á perante um erro de cálculo, quando as operações aritméticas para determinar o montante do IVA dedutível foram mal efectuadas, na própria declaração ou em algum dos documentos em que ela se baseou.

  1. Nesse mesmo sentido, remetemos também para o Acórdão proferido no processo 117-2013-T do CAAD:

estar-se-á perante um erro material no preenchimento do montante de IVA dedutível numa declaração quando se pretendia escrever um determinado montante e, por descuido ou lapso, acabou por se escrever montante diferente ou quando o erro do preenchimento da declaração resulta de um erro anterior do mesmo tipo que exista na contabilidade ou em algum documento que sirva de base ao exercício do direito à dedução. Estar-se-á perante um erro de cálculo, quando as operações aritméticas para determinar o montante do IVA dedutível foram mal efectuadas, na própria declaração ou em algum dos documentos em que ela se baseou. (...) O erro quanto à aplicação de determinados regimes jurídicos não constitui nem erro material nem erro de cálculo, pelo que é manifesto que não pode ser-lhe aplicado o regime do referido n.º 6 do artigo 78.º do CIVA.”.

  1. Em suma, da jurisprudência supracitada, resulta o entendimento no sentido de que ocorrendo um erro material ou de cálculo, em prejuízo do sujeito passivo, o mesmo possa ser corrigido no prazo fixado pelo disposto no artigo 78.º n.º 6 do CIVA, e que ocorrendo um Erro de Direito, que se tenha dado em prejuízo do sujeito passivo, o mesmo possa ser corrigido no prazo de quatro anos, nos termos do disposto pelo artigo 98.º n.º 2, do CIVA.
  2. Retomando a análise dos fatos provados, resulta que o Requerente é uma pessoa coletiva de direito público enquadrado, para efeitos de IVA, como sujeito passivo misto, e que entregou as declarações de substituição, por entender que “Em 2016 e 2017, no âmbito de uma revisão de procedimentos, a Requerente verificou que limitou indevidamente o exercício do direito a dedução do IVA incorrido em 2014 e 2015, tendo, assim, suportado imposto que, de acordo com as regras do Código deste imposto, seria  recuperável.” e durante os anos de 2014 e 2015, havia limitado indevidamente o seu direito à dedução do IVA incorrido na aquisição dos recursos "comuns" bem como em determinados recursos afetos integralmente a realização de operações tributadas (cujo IVA e, portanto, recuperável na totalidade)”.
  3. Não restam dúvidas que estamos perante bens de utilização mista, em que o Requerente não cometeu nem um erro material nem de calculo, mas sim um erro de Direito, pelo que é manifesto que não pode ser-lhe aplicado o regime do referido n.º 6 do artigo 78.º do CIVA.
  4. Nesse mesmo sentido os acórdãos supra citados, com os quais concordamos e seguimos, em concreto o STA Processo 1427/14, de 28-6-2017, do qual decorre que a aplicação dos métodos de dedução relativos a bens de utilização mista é juridicamente complexa pelo que o erro decorrente da aplicação deste regime jurídico não constitui nem erro material nem erro de cálculo.
  5. Com efeito, em regra a dedução do imposto deve ser efetuada, em conformidade com o previsto no artigo 22.º do CIVA, ou seja, na “declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas. Contudo, poderá ser exercido o direito à dedução em momentos posteriores”, de acordo com o estabelecido no artigo 98.º n.º 2, do CIVA, do qual um limite máximo de quatro anos, prazo este, que se configura como um prazo geral, só aplicável quando não esteja previsto um prazo especial, como é o caso do prazo previsto no artigo 78.º/6. (cfr acórdão Arbitral 549/2016-T).
  6. De acordo com o anteriormente exposto, estamos perante  um erro de direito, e como tal não lhe é aplicável ao Requerente o regime do artigo 78.º, n.º 6, além do mais não existe regime com limite temporal especial para exercício do direito à dedução com fundamento em erro de direito, pelo que será aplicável ao Requerente o regime geral de 4 anos previsto no n.º 2, do artigo 98.º do CIVA. Nesse sentido temos também o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-5-2011, proferido no processo n.º 966/10 (neste ponto atual), e Acórdão Arbitral, 502/2014-T.
  7. Pelo exposto, assiste razão do Requerente, que por se tratar de um erro de direito, o prazo para recuperar o imposto pago em excesso não é de 2 anos (prazo especial para a dedução do imposto), mas sim de 4 anos,  nos termos do disposto no artigo 98.º n.º 2 do Código do IVA (prazo geral para o exercício do direito à dedução ou reembolso do imposto entregue em excesso).
  8. Em consequência, o presente Tribunal dá provimento ao pedido do Requerente, e anula o ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), n.º..., n.º..., n.º ..., n.º..., n.º..., n.º ..., n.º ... e..., referente aos anos fiscais de 2014 e 2015, por enfermar de erro sobre os pressupostos de direito,  de erro de interpretação do artigo 98.º, n.º 2, do Código do IVA, conjugado com os artigos 22.º, n.º 2, e 78.º, n.º 6, do mesmo Código, vício esse que justifica a anulação [artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força do disposto no artigo 2.º alínea c), da LGT].
  9. O Tribunal Arbitral, os termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 679º do Código de Processo Civil por aplicação do artigo 29.º do RJAMT, não se encontra obrigado a apreciar todos os argumentos alegados pelo Requerente ou pela Requerida, quando a decisão fique prejudicada pela solução já proferida, como é o caso dos autos, motivo pelo qual ficam prejudicadas para a apreciação as restantes questões submetidas a pedido de pronúncia.

            J - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

  1. Peticiona ainda o Requerente, o pagamento de juros indemnizatórios.
  2. Perante o exposto, a liquidação na parte abrangida pela anulação, resulta de erros de facto e de direito imputáveis exclusivamente à administração fiscal, na medida em que, o Requerente cumpriu o seu dever de declaração.
  3. Na verdade, ficou demonstrado que o Requerente pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido. Desta forma e por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem o Requerente direito aos juros indemnizatórios devidos, juros esses que devem ser contabilizados  desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, cujo prazo para pagamento se conta da data de início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPTRIB), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo artigo 43.º da LGT.
  4. Face a todo o exposto e às invocadas normas legais, decide-se pelo provimento do pedido do Requerente.

 

            I - DECISÃO

Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

  1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), n.º..., n.º..., n.º ..., n.º ..., n.º..., n.º..., n.º ... e ..., referente ao ano fiscal de 2014 e 2015, no montante global de 37.279,97€ (trinta e sete mil duzentos e setenta e nove euros e noventa e sete cêntimos).
  2. Condenar a Requerida, a restituir ao Requerente essa quantia indevidamente liquidada e paga, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios já vencidos relativos ao período que mediou entre a data de pagamento do imposto até a sua devolução, bem como no pagamento dos juros indemnizatórios vincendos a contar da data da notificação da decisão até efetivo e integral pagamento, tudo nos termos dos n.ºs 2.ºa 5.ºdo art.º 61.º do CPPT,  à taxa legal apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo art.º 43.º da LGT até integral reembolso.

Fixa-se o valor do processo em 37.279,97€ (trinta e sete mil duzentos e setenta e nove euros e noventa e sete cêntimos), correspondente ao valor da liquidação atendendo ao valor económico do processo, aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 1.836,00€ (mil oitocentos e trinta e seis euros), a cargo da Requerida de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

Notifique.

Lisboa, 3 de setembro de 2018

A Árbitra

Rita Guerra Alves

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária.