Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 139/2017-T
Data da decisão: 2017-12-28   Outros 
Valor do pedido: € 11.221,50
Tema: CSB – Contribuição para o Setor Bancário (sucursais) - competência do Tribunal arbitral.
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Decisão Arbitral

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A… S.A. – Sucursal em Portugal, com o NIPC … e morada na Avenida …, nº … –…, …, … - …, em Lisboa, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação do indeferimento da Reclamação Graciosa e declaração de ilegalidade da autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário (doravante CSB) relativa ao ano de 2015, no valor total de €11.221,50.

 

  1. Estão em causa nos presentes autos os atos de indeferimento da Reclamação Graciosa e de autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), emitida pela Requerente em 2016 (ano a que respeita a contribuição) mas determinada com base nos saldos médios de Passivo apurados durante o ano de 2015.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi apresentado pela Requerente em 27-02-2017, na mesma data foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado automaticamente à AT, nos termos e para os efeitos legalmente previstos.
  2. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, por despacho de 11-04-2017, foi indicada a ora signatária como árbitro para constituição do Tribunal Arbitral singular, o qual se constituiu em 28-04-2017.

 

  1. Em 28-04-2017 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.  A Requerida veio juntar aos autos o Processo Administrativo e a sua Resposta, respetivamente, em 05-06-2017 e 06-06-2017, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

 

  1. Em 23-06-2017, face à posição das partes evidenciadas nos autos, no sentido de apurar a necessidade de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, foi proferido despacho arbitral convidando a Requerente a pronunciar-se sobre o interesse em produzir a prova testemunhal indicada no pedido arbitral e, no caso de manter esse interesse, indicar a matéria de facto para a referida inquirição, cuja data, não obstante, ficou designada para o dia 07-07-2017, pelas 10 horas.

 

  1. Por requerimento apresentado em 03-06-2017 veio a Requerente pronunciar-se dizendo manter o interesse na produção da prova testemunhal, indicou a matéria de facto para inquirição requereu depoimento de parte e adiamento da diligência, para data posterior a 01-09-2017, por impedimento do mandatário constituído.

 

  1. Em 04-07-2017 foi proferido despacho arbitral que admitiu o requerido e notificou a AT para, querendo, requerer o que tivesse por conveniente. No mesmo despacho arbitral foi indicada nova data para realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, em 04-09-2017, pelas 10 horas.

 

  1. Na data designada realizou-se a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, foram ouvidas as testemunhas, como bem consta na ata da reunião que aqui se dá por integralmente reproduzida. A Requerida AT, no uso da palavra declarou a sua oposição à realização da inquirição por consubstanciar um ato inútil. Ouvidas as partes, o Tribunal deferiu parcialmente o requerimento apresentado pela Requerida, mantendo a inquirição das testemunhas relativamente aos artigos 204º e 243º do correspondente pedido arbitral, relativos à questão contabilística referente à determinação da base de incidência da contribuição.

 

  1. Em 29-09-2017 as partes juntaram aos autos as suas alegações escritas. 

 

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:

 

  1. Em síntese, a Requerente formula o seu pedido de declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e, mediatamente, da autoliquidação da CSB, por considerar que a dita contribuição não era devida com referência ao ano de 2015, sendo que, a exigência da sua emissão e pagamento no ano de 2016 implica que a base de incidência da CSB seja, necessariamente, determinada pelos valores apurados em 2015, ano em que tal contribuição não estava legalmente prevista para as sucursais. Invoca o vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos da liquidação, porquanto, embora emitida no ano de 2016, incide sobre factos ocorridos em 2015. Assim, alega violação do princípio da não retroatividade dos tributos, resultante do disposto no artigo 103º da Constituição da República Portuguesa, e ainda a violação dos princípios da equivalência, e da reserva de lei parlamentar.

Por último, subsidiariamente, invoca violação do direito da União Europeia. Pelo que, apesar de considerar que a matéria em discussão é pacífica, caso outro seja o entendimento deste tribunal arbitral ou subsista qualquer dúvida sobre a legalidade da autoliquidação da CSB, entende a Requerente que deve ser promovido o reenvio prejudicial para o TJUE, nos termos previstos no artigo 277º do TFUE, para que se pronuncie sobre as seguintes questões:

 

1ª O artigo 56.° do TFUE opõe-se a uma legislação nacional, como a que está em causa no regime da Contribuição sobre o Sector Bancário, que tributa as sucursais de instituições financeiras não residentes sobre a totalidade do seu passivo, sem lhes dar a possibilidade de deduzir os capitais próprios, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes, colocando as primeiras em situação desfavorável face às segundas?

 

2ª A Diretiva 2014/59/UE opõe-se à aplicação do regime da Contribuição sobre o Sector Bancário às instituições financeiras (residentes ou não residentes) a operar em Portugal, devendo este regime ter sido eliminado e substituído, aquando da transposição para o ordenamento jurídico português da referida Diretiva, pelas contribuições previstas naquela Diretiva?

 

3ª A Diretiva 2014/59/UE opõe-se especificamente à aplicação do regime da Contribuição sobre o Sector Bancário às sucursais em Portugal de instituições financeiras residentes noutro Estado Membro da União Europeia?”

 

Termina pugnando pela procedência do pedido arbitral, com a consequente anulação dos atos impugnados, com todas as legais consequências.

Peticiona, ainda, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos previstos nos artigos 43º da LGT.

 

 

C – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

12.  Na sua resposta veio a Requerida alegar que a CSB em causa nos autos é referente ao ano de 2016 e que a aceitar a tese defendida pela Requerente, segundo a qual a CSB em causa se refere a 2015, o presente processo arbitral ficaria sem objeto, porquanto a mesma não era devida em 2015, o que implicaria a imediata absolvição da instância. Segundo a Requerida a CSB em causa diz respeito a 2016 e não a 2015 como afirma a Requerente.

Seguidamente, a Requerida invoca a incompetência material do Tribunal arbitral, por entender que a Requerente visa atacar a legalidade da própria norma que prevê a CSB e não a respetiva autoliquidação. Está vedado à AT, bem assim como ao próprio Tribunal Arbitral o conhecimento da inconstitucionalidade de normas, pelo que, na perspetiva da Requerida o Tribunal arbitral não tem competência para o conhecimento da matéria em causa, o que obsta ao conhecimento do mérito. Segundo o raciocínio da AT a vinculação os tribunais arbitrais cinge-se à legalidade de liquidação de tributos, e não à legalidade de normas que permitem atos de liquidação. Invoca ainda a incompetência material do tribunal por se tratar de uma contribuição e não de um imposto.

Não obstante as exceções invocadas alega, ainda, a AT que a tese da Requerente sobre a alegada falta de fundamentação dos atos impugnados não tem qualquer sustentação bem assim como a alegada inconstitucionalidade por aplicação retroativa da CSB, da violação da reserva de lei, do princípio da equivalência. Também entende, por último que não ocorre qualquer violação do direito da União Europeia, conforme consta da Resposta que se dá por reproduzida. Contesta o pedido de juros indemnizatórios por entender inexistir erro imputável aos serviços na autoliquidação posta em crise. Conclui pugnando pela legalidade dos atos impugnados e pela sua manutenção na ordem jurídica com a consequente improcedência dos pedidos.

 

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

 

13.  O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

 

14.  O processo não padece de vícios que o invalidem, pelo que se verificam todos os pressupostos processuais para o tribunal arbitral conhecer do pedido.

 

15.   Tendo em conta a prova documental junta aos autos e o alegado pelas partes, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a decisão sobre as alegadas exceções e sobre o mérito da questão.

 

 

III – Matéria de facto

 

A)    Factos Provados

 

  1. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

 

a.       A Requerente é a sucursal em Portugal do A…, S.A., instituição de crédito de direito luxemburguês, com sede e administração efetiva no Luxemburgo, que começou a operar em Portugal em 2013;

b.      Em 26-06-2016 a Requerente submeteu a declaração Modelo 26, relativa à Contribuição sobre o Sector Bancário, através da Guia nº…, no valor de €11.221,50;

c.       Na declaração submetida consta como “Ano da Contribuição: 2016”, como ano de apresentação;

d.      A incidência da CSB foi determinada a partir da média anual dos saldos finais do Passivo, apurados mensalmente, ao longo do ano de 2015;

e.       A Requerente pagou o respetivo montante apurado em 30-06-2017;

f.        Em 26-07-2017 a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, que tramitou com o nº …2016…;

g.      No âmbito do processo de Reclamação Graciosa foi elaborada proposta de decisão de indeferimento, notificada ao sujeito passivo para exercício do seu direito de audição prévia e este pronunciou-se, como consta do Processo Administrativo junto aos autos;

h.      Em 28-11-2016 foi a Requerente notificada do indeferimento da Reclamação Graciosa;

i.        Em 27-02-2017 a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral singular.

 

 

B)    FACTOS NÃO PROVADOS

 

  1. Não existem factos relevantes para a decisão que devam considerar-se como não provados.

 

C)    FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

 

  1. Os factos descritos foram dados como provados com base na prova documental junta aos autos pela Requerente (documentos nºs 1 a 5 em anexo ao pedido arbitral), confirmada pelo processo administrativo junto aos autos pela AT.

Os factos constantes das alíneas a) a c) e e) a i) resultam demonstrados pelos documentos nºs 1 a 5 juntos pela Requerente ao pedido arbitral e pelo Processo Administrativo (PA) junto aos autos pela Requerida. O facto constante na alínea d) resulta provado pela prova documental juntos aos autos, nomeadamente o Doc. 1 e 5 em anexo ao pedido arbitral, ao que acresce a prova testemunhal produzida, respetivos depoimentos e declarações de parte prestados na reunião de 04-09-2017.

 

Os factos elencados em a), b), c) e e) a i) resultam, ainda, aceites pelas partes, conclusão que se extrai das respetivas peças processuais juntas aos autos.

 

Assim sendo, tendo em consideração todo o exposto, as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, todos factos elencados.

 

 

IV – DECISÃO

 

A)    Questão Decidenda:

 

  1. Face a todo o exposto, a questão que verdadeiramente opõe as partes no presente litígio é a de saber se a CSB autoliquidada pela Requerente em 2016 era ou não legalmente devida, dado que a sua base de incidência é reportada a factos ocorridos ao longo do ano de 2015, a saber: saldos médios do Passivo, apurados mensalmente ao longo do exercício de 2015.

A questão coloca-se, porquanto a obrigação tributária de liquidação e pagamento da CSB, passou a incidir também sobre as sucursais de entidades bancárias não residentes por força da alteração introduzida na Lei de Orçamento de Estado para 2016 (Lei 7-A/2016) que entrou em vigor no dia 31 de março de 2016.

Nestes termos, impõe-se decidir em primeiro lugar as exceções invocadas pela Requerida e, se for o caso, decidir sobre o mérito da questão.

 

B)    Questões Prévias: das Exceções invocadas pela Requerida

 

  1. Fixada a matéria de facto relevante e os contornos da questão a decidir importa agora conhecer das exceções alegadas pela AT.  Na sua resposta veio a Requerida alegar a falta de objeto do presente processo arbitral, a incompetência material do Tribunal arbitral, por entender que a Requerente visa atacar a legalidade da própria norma que prevê a CSB e não a respetiva autoliquidação e, por último, por se tratar de “contribuição” e não de um “imposto”, entendo a AT que está vedado ao tribunal arbitral o conhecimento desta matéria.

 

Se assim for, o Tribunal arbitral por não ter competência material para o conhecimento da matéria em causa, não poderia conhecer do mérito. Segundo o raciocínio da AT a vinculação os tribunais arbitrais cinge-se à legalidade de liquidação de tributos, e não à legalidade de normas que permitem atos de liquidação. Invoca ainda a incompetência material do tribunal por se tratar de uma contribuição e não de um imposto.

 

Vejamos, pois, se lhe assiste razão quanto às alegadas exceções.

 

  1. Da Falta de objeto do Pedido arbitral

 

  1. Quanto à falta de objeto que vem alegada, não há dúvida que assenta numa interpretação equívoca sobre a descrição factual constante do pedido arbitral e sobre os contornos da questão fulcral em análise.

Face ao teor do pedido arbitral apresentado e de toda a argumentação desenvolvida pela Requerente resulta claro que o ano a que respeita a autoliquidação é, formalmente, o ano de 2016. Isso mesmo resulta do documento nº 1 junto em anexo ao pedido arbitral, bem assim como, do exposto nos artigos 3º a 16º e 33º a 40º do pedido arbitral.

 

Assim, resulta absolutamente clara a delimitação do objeto do presente processo arbitral: conhecer da legalidade da CSB autoliquidada em 2016, por incidir sobre factos ocorridos em 2015.

 

A Requerente não contesta, pelo menos a titulo principal, nos presentes autos a CSB sobre as sucursais que foi introduzida pela LOE para 2016, mas sim a exigência de autoliquidação no ano de 2016, quando é certo que a incidência real desta contribuição assenta em factos tributários que ocorreram no ano de 2015. Ora, em 2015 a incidência pessoal da CSB não abrangia as sucursais de entidades de crédito não residentes. A configuração do objeto do processo afigura-se, pois, clara e objetivamente tem como referência a CSB de 2016, porém, a sua base de incidência reporta a factos ocorridos em 2015. Isso mesmo resulta do Modelo submetido e dos campos nele constantes e preenchidos pela Requerente.

 

  1. O que releva para aferir sobre o objeto do pedido arbitral é formulação da questão que opõe as partes, em torno da base de incidência da autoliquidação, a qual, conforme alegado e provado pela Requerente, tem como referência os saldos médios do Passivo (determinados mensalmente), apurados durante o ano de 2015, os quais constam dos documentos contabilísticos que serviram de base à autoliquidação. De resto, a Requerida reconhece que assim é, como resulta do alegado nos artigos 16 e 17 da Resposta.

 

  1. Assim, como é óbvio e aceite, quer pela AT quer pela Requerente, em 2015 a CSB nem sequer era devida pelas sucursais, pelo que o problema não se colocava. O que se discute é se a CSB sobre as sucursais de instituições bancárias residentes na União Europeia, introduzida pela LOE para 2016, pode imediatamente ser liquidada em 2016, sabendo que a sua base de incidência se reporta, necessariamente, à média dos saldos do Passivo por referência ao ano anterior (2015) e se isso representa ou não uma aplicação retroativa incompatível com o disposto no artigo 103º da CRP.

 

Este é o objeto do pedido arbitral, ou seja, a questão de fundo que opõe as partes no presente processo.

Assim, e sem necessidade de mais fundamentação, tem de improceder a alegada exceção de falta de objeto do pedido arbitral.

 

 

b. Da incompetência material do tribunal arbitral para aferir sobre ilegalidade e inconstitucionalidade de normas;

 

  1. Da incompetência material do tribunal por não se encontrar materialmente habilitado a apreciar a questão da ilegalidade de normas ou a sua inconstitucionalidade. Na sua resposta veio a Requerida alegar que a Requerente visa atacar a legalidade e inconstitucionalidade da própria norma que prevê a CSB e não a respetiva autoliquidação. Alega, ainda, que está vedado à AT, bem assim como ao próprio Tribunal Arbitral o conhecimento da inconstitucionalidade de normas, pelo que, na perspetiva da Requerida o Tribunal Arbitral não tem competência para o conhecimento da matéria em causa, o que obsta ao conhecimento do mérito.

 

Segundo o raciocínio da AT a vinculação os tribunais arbitrais cinge-se à legalidade de liquidação de tributos, e não à legalidade de normas que permitem atos de liquidação.  Ora, em primeira linha recorde-se que o contencioso de legalidade de atos tributários implica necessariamente o conhecimento das normas subjacentes e a sua correta interpretação sob pena de esvaziamento total do âmbito de competência dos tribunais arbitrais e não só. O controlo da legalidade dos atos tributários pressupõe aferir se determinado ato concreto, praticado pela administração, respeitou ou não a vinculação à lei e se esta foi corretamente aplicada. Nesta função, necessariamente, está incluído o controlo concreto da constitucionalidade, já que no nosso sistema não existe outra via para suscitar a inconstitucionalidade concreta de determinada norma.

 

Por ser assim, os tribunais arbitrais têm competência, nos termos dos artigos 209.º e 204.º da C.R.P., para proceder, no âmbito do processo, ao controlo concreto de constitucionalidade das normas que sustentem atos de liquidação impugnados. Isso mesmo se extrai, também, do disposto no artigo 25.º do RJAT.

 

Ora, no caso dos autos, a Requerente é clara quanto à sua pretensão de impugnação dos atos tributários de indeferimento da reclamação graciosa e, concomitantemente, da autoliquidação da CSB. Definido o objeto do processo nestes termos, não se alcança a conclusão pretendida pela AT, pois estamos precisamente no âmago da competência material do Tribunal Arbitral.

 

Sucede ainda que, ao contrário do alegado pela AT, a Requerente invoca em primeiro plano o vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito que conduziram aos atos impugnados. Coisa diferente é saber se lhe assiste razão quanto ao mérito da questão, mas não se diga que estamos fora do âmbito da competência do Tribunal Arbitral.

 

O âmbito de discussão centra-se na apreciação de atos tributários (indeferimento de reclamação graciosa e autoliquidação subjacente), cuja impugnação se pretende. Pelo que estamos no cerne da competência atribuída aos tribunais arbitrais em matéria tributária. Outro entendimento seria esvaziar, sem critério nem fundamento legal, o âmbito da competência destes tribunais. O mesmo se aplica ao controlo concreto de constitucionalidade das normas legais no âmbito da apreciação da legalidade dos atos tributários em processo arbitral.

Por tudo o que vem exposto improcede, também, a exceção de incompetência material do tribunal invocada pela Requerida.

 

 

c.       Incompetência material por se tratar de uma contribuição e não de um imposto

 

  1. Por último, veio a AT alegar a incompetência material do tribunal arbitral por entender que a AT se encontra apenas formalmente vinculada aos tribunais arbitrais constituídos para a apreciação de questões relacionadas com “impostos” e não “contribuições”. Na perspetiva da AT, o tribunal arbitral está apenas habilitado a conhecer de questões relacionadas com impostos, em sentido restrito, o que não abrange as “contribuições”. E caso o tribunal venha a concluir de modo diverso, a sua decisão não seria oponível à AT, na medida em que esta, por efeito do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, apenas se encontra vinculada à “jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º [do RJAT]”.

Vejamos.

O RJAT refere expressamente, na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º. que o âmbito material da arbitragem abrange “a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos” (sublinhado nosso). Mas, entende a AT que o facto do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 ter usado a expressão “impostos” em vez de manter a de “tributos” significa que o Governo terá desejado restringir os litígios a que a AT se vincula aos que se relacionam com impostos.

Não sufragamos tal posição, porquanto tal interpretação não se afigura juridicamente correta face ao teor literal e à articulação sistemática dos preceitos em causa. Se algum sentido se pode atribuir à interpretação literal-sistemática dos preceitos é o de que a referência a “impostos” em vez de “tributos” no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, seguida da remissão expressa para o n.º 1 do artigo 2.º do RJAT  e da enunciação expressa de um conjunto de exceções, indicia que o ‘legislador’ da Portaria não teve a intencionalidade restritiva que a AT invoca, pois se assim fosse teria feito alusão expressa a essa restrição no leque das alíneas que contemplam as exceções. (Neste sentido vd., entre outro, Acórdão Arbitral proferido no processo nº 312/2015-T, sobre matéria análoga)

 

Acompanhamos o entendimento vertido no Acórdão Arbitral supra mencionado, também por se entender que, “ convocados os elementos teleológico e racional da interpretação jurídica também não apontam no sentido de uma tal restrição, mas apenas para a “limitação do âmbito de vinculação da AT através da titularidade dos poderes para administrar os tributos”, sendo esse, de resto, o limite lógico da vinculação – não abrangendo a restrição assim os relacionados com “contribuições” também por ela liquidadas.”

 

O facto é que, no caso dos presentes autos, o procedimento de liquidação e cobrança da CSB, mesmo que a consideremos inserida na categoria jurídica de “contribuições” em nada se distingue, na sua natureza e estrutura, do dos “impostos”, já que a AT atua como se de impostos se tratasse, como resulta até da disponibilização no portal da autoliquidação. Ao que acresce a natureza claramente unilateral da contribuição em causa, em tudo semelhante à que caracteriza, tipicamente, o imposto. Logo, não há razão válida para excluir a vinculação da AT, nesses casos, à arbitrabilidade. A inexistência de uma referência expressa no texto do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 a esse tipo de tributos dever-se-á apenas ao facto de, à data, ainda não se encontrar atribuído à administração da AT qualquer tributo com tais características.

 

A este propósito, a doutrina acompanha o nosso entendimento. Assim, como refere SÉRGIO VASQUES e CARLA CASTELO TRINDADE[1] que “os serviços e organismos referidos no artigo anterior [hoje, a AT] vincularam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

Nos termos do art.º 2.º do DL n.º 118/2011, de 15/12, o qual aprovou a Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, esta entidade tem assim sob a sua égide a administração dos direitos aduaneiros, dos impostos sobre o rendimento, dos impostos sobre o património e dos impostos sobre o consumo e, bem assim, dos demais tributos que lhe sejam legalmente atribuídos como, por exemplo, as contribuições especiais”.

 

Considera-se, pois, que o âmbito da arbitrabilidade abrange, como decorre da interpretação conjugada dos artigos 2.º do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, a apreciação das pretensões relativas a tributos cuja administração esteja cometida à AT, com exceção dos casos enunciados nas alíneas do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 ̶ abrangendo, portanto, também as pretensões relativas a “contribuições” por ela administradas. Consequentemente e uma vez que a CSB é um tributo administrado pela AT, cujo procedimento de liquidação e cobrança é estruturalmente idêntico ao dos impostos, o tribunal arbitral é competente para dirimir o presente litígio, independentemente de este tributo vir a ser qualificado como contribuição ou como imposto.

Nesta conformidade, improcede a exceção de incompetência material, ora em causa.

 

  1. Em conformidade com o que vem exposto, o processo é próprio e tempestivo, as partes são legítimas e estão devidamente representadas, não existem nulidades ou mais exceções de que cumpra conhecer, pelo que, está o tribunal em condições de conhecer do mérito da questão suscitada nos autos.

 

C)     DA DECISÃO DE MÉRITO

 

  1. Retornando ao objeto do presente pedido arbitral importa conhecer da questão decidenda, que se reconduz a saber se em 2016 a Requerente, enquanto sucursal de uma instituição de crédito não residente, com sede num estado da União Europeia, está ou não sujeita à incidência de CSB e, caso se conclua que sim, quando e como deveria a mesma ser apurada e liquidada. Vale por dizer que o que está em causa é saber se ao fazer incidir a CSB, do ano de 2016, sobre factos ocorridos ao longo do ano de 2015, a autoliquidação está ferida ou não de ilegalidade por violação dos pressupostos de facto e de direito e de eventual inconstitucionalidade por aplicação retroativa do normativo que institui a CSB sobre as sucursais, contido na LOE de 2016.

 

  1. Antes de entrar mais concretamente na questão importa considerar o disposto no artigo 124.º do CPPT, a saber:

“1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”.

           

Como se escreveu no Ac. do STA de 18-05-2016, proferido no processo 0100/16:

Nos termos do disposto no nº 2 do art. 124º do CPPT deve conhecer-se, em primeiro lugar, dos vícios de violação de lei stricto sensu (salvo nos casos em que não possa apreender-se o conteúdo do acto), assim se assegurando tutela mais eficaz dos direitos do contribuinte.”.

 

O artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, estatui, portanto, que o tribunal deve apreciar prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, seguidamente, os vícios que conduzam à sua anulação (n.º 1). No concernente aos vícios que consubstanciem inexistência ou nulidade, o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. No tocante aos vícios que constituam anulabilidade, é estabelecido o mesmo critério, que só não será aplicável se o impugnante tiver estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao ato – o que é permitido pelo artigo 101.º do CPPT –, pois nesse caso é dada primazia à sua vontade (desde que o Ministério Público não tenha arguido outros vícios) (n.º 2).

 

As regras emanadas desta norma legal sobre a ordem de conhecimento de vícios destinam-se a tutelar o interesse do impugnante com a máxima economia processual, omitindo pronúncia sobre vícios invocados quando o vício ou vícios já reconhecidos impedem a renovação do ato com o mesmo sentido. Efetivamente, o estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios pressupõe que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do ato impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao ato, seria indiferente a ordem de conhecimento.

 

Por outro lado, a tutela dos interesses ofendidos é mais estável quando a decisão impede a renovação do ato lesivo dos interesses do impugnante e será mais eficaz quando permitir ao interessado, em execução de julgado, obter uma melhor satisfação dos seus interesses, ofendidos pelo ato anulado.

 

Assim, se se tratar, por exemplo, de um vício de violação de lei, a anulação do ato impedirá a prática de um novo ato tributário, em que se aplique ou desaplique a mesma norma que esteve em causa no ato anterior, o que se traduzirá na impossibilidade de praticar um novo ato que imponha tributação ao impugnante.

 

Como se infere do que se vem de dizer, é tendo em consideração a execução do julgado anulatório e a influência que nela tem o tipo de vício que fundamentou a anulação que se justifica o estabelecimento de uma ordem de conhecimento dos vícios do ato impugnado.

Nesta conformidade, retornando ao caso concreto, impõe-se, então, começar pela apreciação do vício de violação de lei, pois, a verificar-se, afastará definitivamente a possibilidade de impor à Requerente um novo ato impositivo de tributação, alcançando-se, dessa forma, a mais estável e eficaz tutela dos seus interesses.

 

*

 

  1. A CSB foi criada pela LOE para 2011, porém, só com a LOE para 2016 (Lei 7-A/2016) foi alargada a sua incidência pessoal, também, às sucursais de instituições de crédito não residentes, ou seja, com sede noutros Estados, nomeadamente, em Estados membros da União Europeia. A LOE para 2016 entrou em vigor em março de 2016.

 

A base de incidência real da CSB, aplicada às sucursais, nos termos supra expostos, vem a ser a matéria coletável determinada pelos saldos médios dos passivos apurados pela contabilidade, com referência a todos os meses do ano. Por sua vez, estes saldos médios só podem ser determinados com exatidão após a aprovação de contas, porquanto até lá, podem ser efetuados ajustamentos ou correções, determinados pelas auditorias de contas e por consequente deliberação social. Assim, sendo, não há dúvida que o tributo designado por CSB se aplica a factos tributáveis ocorridos ao longo do exercício económico, desde que plenamente verificados e consolidados à data de 31 de dezembro de cada ano.

*

  1. O regime jurídico da Contribuição do Setor Bancário (CSB) introduzido pela LOE para 2016, consta do seu artigo 185º, o qual integra o capítulo XVI da LOE, sob a epígrafe “Outras disposições de carácter fiscal”.

 

Dispõe este artigo o seguinte:

 

“Artigo 185º

Alteração ao regime da contribuição sobre o setor bancário

 

 

Os artigos 2.º, 3.º e 4.º do regime que cria a contribuição sobre o setor bancário, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 2.º

(…)
1 – (…)

a) …

b) …

c) As sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.

 
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se instituições de crédito, filiais e sucursais as definidas, respetivamente, nas alíneas w), u) e ll) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.

 
Artigo 3º


[...] 

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro, e republicado pelo Decreto-Lei n.º 142/2009, de 16 de junho.

 
b) …

 

Artigo 4.º

 
[...] 
1 - A taxa aplicável à base de incidência definida pela alínea a) do artigo anterior varia entre 0,01 /prct. e 0,110 /prct. em função do valor apurado. 
2 - ...»

*

 

Por sua vez a Portaria n.º 165-A/2016, de 14 de junho, dispõe o seguinte:

 

A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aprova a Lei do Orçamento do Estado para 2016, procedeu à alteração do regime da contribuição sobre o setor bancário, designadamente ao âmbito das incidências subjetiva e objetiva, bem como ao intervalo das taxas aplicáveis à base de incidência definida pela alínea a) do artigo 3.º daquele regime, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011).

Em consequência, deve ser alterada a Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, que regulamenta a referida contribuição, bem como a declaração de modelo oficial n.º 26, através da qual os sujeitos passivos efetuam a correspondente liquidação da contribuição. Foi ouvido o Banco de Portugal.

Assim:

Manda o Governo, pelo Ministro das Finanças, ao abrigo do disposto no artigo 8.º do regime da contribuição sobre o setor bancário, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, o seguinte: Artigo 1.º Alteração à Portaria n.º 121/2011, de 30 de março Os artigos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, alterada pelas Portarias n.os 77/2012, de 26 de março, 64/2014, de 12 de março, e 176-A/2015, de 12 de junho, passam a ter a seguinte redação:

 

Artigo 1.º

Alteração à Portaria n.º 121/2011, de 30 de março Os artigos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, alterada pelas Portarias n.os 77/2012, de 26 de março, 64/2014, de 12 de março, e 176-A/2015, de 12 de junho, passam a ter a seguinte redação:

 

«Artigo 2.º

1 - [...]

 a) [...]

 b) [...]

 c) As sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se instituições de crédito, filiais e sucursais as definidas, respetivamente, nas alíneas w), u) e ll) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.

 

Artigo 3.º

[...]

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro, e republicado pelo Decreto-Lei n.º 142/2009, de 16 de junho;

 

Artigo 5.º

 [...]

 1 - A taxa aplicável à base de incidência definida pela alínea a) do artigo 3.º é de 0,110 % sobre o valor apurado.

2 - [...]»

 

Ainda com relevância para a presente decisão, note-se o disposto nos artigos 2º e 3º da referida Portaria:

 

«Artigo 2.º

Modelo de declaração

É aprovada a nova declaração de modelo oficial n.º 26 e respetivas instruções, em anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante e que substitui a que consta do anexo à Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, alterada pela Portaria n.º 77/2012, de 26 de março.

Artigo 3.º

 Entrada em vigor e produção de efeitos

 A presente portaria entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1 de janeiro de 2016(sublinhado nosso)

 

  1. Posto isto, abstraindo por ora das questões suscitadas pela Requerente a propósito da violação dos princípios da legalidade fiscal e da reserva de lei, considerando apenas e só o regime jurídico resultante destes normativos legais, concluímos, facilmente e sem «necessidade de grandes construções jurídicas que o legislador foi claro quanto à entrada em vigor das alterações introduzidas em sede de CSB, as quais só podem aplicar-se a factos ocorridos em 2016, com a nota final de retroagir os efeitos a partir de 1 de janeiro de 2016.

 

  1. Isto posto, cingindo a nossa análise à questão prioritariamente enunciada, não há dúvida que nada consta do regime jurídico aplicável à CSB, instituído pela LOE para 2016 e regulamentado pela Portaria mencionada supra, que nos permita concluir, como fez a AT nos atos impugnados, que logo em 2016 esta contribuição havia de se aplicar sobre factos ocorridos em 2015.

 

Bem pelo contrário, o legislador foi claro quando definiu o âmbito da incidência real desta contribuição, a aplicar, a partir de 2016, também às sucursais. Mais ainda, foi muito claro quando, no artigo 3º da Portaria, dispõe sobre a entrada em vigor e efeitos do novo regime, delimitados ao ano de 2016.

 

Ora, não se vê que tenhamos outro critério para aplicar ao caso, senão o mesmo que constitui regra em todos os tributos, impostos ou contribuições de natureza fiscal, como a que agora analisamos, qual seja o de que a nova lei se aplica para o futuro e apenas para o futuro. Mas, se dúvidas houvesse, a letra da lei é absolutamente esclarecedora ao declarar expressamente que se aplica apenas e só a partir do ano (exercício) de 2016.

 

De resto, a situação concreta em apreciação poder-se-ia comparar, por absurdo, à tentativa de aplicar as novas regras instituídas pela LOE de 2016 em matéria de IRS às declarações de imposto apresentadas no ano de 2016.

 

AO que acresce, omo bem resulta do artigo 12º da Lei Geral Tributária, que as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor (nº1) e quando sejam de formação sucessiva (como é o caso) a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor (nº2).

 

  1. Por último, diga-se que a questão suscitada pela Requerida em torno da qualificação jurídica da CSB, como contribuição ou imposto não releva, quer pelas razões supra expostas a propósito da alegada exceção de incompetência material, quer porque a natureza unilateral e impositiva desta contribuição, são por si só, esclarecedoras quanto à sua natureza. Mas ainda que outro fosse o entendimento, sempre se diria que, o regime instituído pela LOE para 2016 vigora, por força do próprio texto legal regulamentador, apenas para o futuro, ou seja para factos tributários ocorridos no período de 2016.

 

A aplicação concreta deste novo regime, efetuado pela AT, contraria expressamente o próprio regime jurídico instituído pela LOE para 2016 ao tentar tributar logo neste mesmo ano a contribuição por referência a factos tributários ocorridos em 2015. Dir-se-á que este é um erro clamoroso de aplicação da lei, da exclusiva responsabilidade da AT e sem qualquer suporte legal para o fazer, violando desde logo a própria letra da lei.

 

Neste enquadramento, nem sequer é necessário convolar a eventual violação dos princípios constitucionais invocados pela Requerente, pois que se é certo que o forma, não é sequer necessário ir por essa via para anular os atos impugnados dada a ostensiva violação do regime legal instituído.

Dir-se-á que, como é óbvio, a aplicação da CSB às sucursais, criada pela LOE para 2016, fazendo-a incidir sobre factos tributários ocorridos no passado (em 2015), quando tal obrigação não existia, viola princípios constitucionais invocados pela Requerente, com destaque para o princípio da não retroatividade tributária. Mas, essa questão nem sequer merece a apreciação deste Tribunal no caso em apreço, por desnecessária, já que as normas jurídicas introduzidas pela LOE para 2016 são claras quanto à sua aplicabilidade, apenas e só, a factos tributários ocorridos no próprio ano de 2016 e após. A interpretação e aplicação concreta realizada pela AT é, por isso, ilegal, sem necessidade de discorrer sobre eventuais inconstitucionalidades que, pelo menos no que respeita ao ano em causa e ao caso em concreto, não são sequer necessárias para fundamentar a anulação dos atos impugnados.

 

  1. Não há, pois, dúvida que o novo regime da CSB instituído, se aplica ao ano de 2016, o que vale por dizer, que a primeira autoliquidação de CSB deveria ocorrer em 2017, por referência aos factos tributários formados ao longo do ano de 2016.

 

A autoliquidação ora impugnada foi emitida pela Requerente no cumprimento das orientações emanadas pela AT, pois que, para emitir uma autoliquidação é suposto que a mesma tenha sido gerada pelo sistema informático da AT, disponibilizada no Portal do sujeito passivo, gerando o dever deste cumprir com a obrigação de autoliquidação sob pena de gerar uma dívida fiscal e eventual execução.

 

A interpretação e aplicação deste regime por parte da AT violou a lei e o seu alcance temporal, incidindo sobre factos passados ocorridos antes da sua entrada em vigor, em desconformidade com os pressupostos instituídos pelo legislador, pelo que, isso basta para ferir os atos impugnados de ilegalidade por violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito aplicáveis.

 

 

  1. Chegados aqui, importa referir que todas as demais questões suscitadas pela Requerente, nomeadamente as inconstitucionalidades e a desconformidade com o direito da União Europeia, ficam prejudicadas pela resposta à primeira ilegalidade invocada, fundamentada no vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos, que se verifica e que impõe a anulação dos atos tributários impugnados.

 

Compulsados os factos dados como provados, verifica-se que a AT agiu voluntaria e conscientemente, dando um entendimento à nova lei que extravasa aquele que o próprio legislador lhe impôs, sem qualquer fundamento para tal.

Acresce que, a AT própria defende que a CSB em causa respeita ao ano de 2016 e, apesar disso, promoveu a sua incidência sobre factos ocorridos em 2015. Tal erro, por manifesto, só pode ter sido consciente e nessa medida e imputável aos serviços.

 

  1. Deste modo, e face ao exposto, enfermando os atos impugnados objecto da presente acção arbitral de erro nos pressupostos de facto e consequente erro de direito, deverão os mesmos ser anulados, procedendo o pedido arbitral e ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas.

 

*

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente:

 

  1. Dispõe o n.º 1, do artigo 43.º da LGT, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, os erros que afectam os atos agora anulados são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que os praticou por sua iniciativa e em contravenção com o plasmado na lei.

 

Tem, pois, a Requerente direito a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e n.º 1 do artigo 24.º do RJAT) e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

*

 

V - DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)      Julgar improcedentes todas as exceções alegadas pela Requerida AT;

b)     Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular os atos tributários de indeferimento da reclamação graciosa e subjacente autoliquidação de contribuição do setor bancário, objeto desta acção arbitral e acima identificados, no valor total de €11.221,50.

c)      Condenar a Requerida na restituição do valor indevidamente pago pela Requerente em cumprimento dos atos ora anulados, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados, bem assim como no pagamento das custas do processo.

 

 

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €11.221.50 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00 nos termos da Tabela II do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 5º do citado Regulamento.

 

 

Notifique.

 

 

Lisboa, 28 de dezembro de 2017

 

 

O Tribunal Arbitral Singular,

 

 

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(Maria do Rosário Anjos)

 



[1] SÉRGIO VASQUES e CARLA CASTELO TRINDADE (2013) «O âmbito material da arbitragem tributária», Cadernos de Justiça Tributária, nº 00 (Abril/Junho 2013), pág. 24.