Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 141/2016-T
Data da decisão: 2017-01-23  IVA  
Valor do pedido: € 19.278,00
Tema: IVA – Renúncia Isenção; Entidade Privada; Serviço Nacional de Saúde
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), João Taborda da Gama e José Nunes Barata, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 8 de Março de 2016, A…, Lda., portadora do número de identificação de pessoa coletiva…, com sede na…, …, em …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento proferido pelo Exmo. Senhor Diretor de Finanças de … em 04.12.2015 da reclamação graciosa apresentada por aquela contra as liquidações adicionais de IVA n.º…, respeitante ao período 1206T, n.º…, respeitante ao período 1212T, n.º …, respeitante ao período 1303T, n.º…, respeitante ao período 1306T, n.º…, respeitante ao período 1309T, n.º…, respeitante ao período 1312T, n.º…, respeitante ao período 1401M, n.º…, respeitante ao período 1402M, n.º 2014…, respeitante ao período 1403M, bem como das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2014…, 2014… e 2014…, no valor total de € 1.445.683,39.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que a Requerida:

                                                              i.      Fez uma errada interpretação do disposto nos artigos 9.º, n.º 2, e 12.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA, bem como da verba 2.7, da Lista I, anexa ao Código do IVA;

                                                            ii.      Fez uma errada interpretação dos artigos 132.º, n.º 1, alínea b), 377.º e 391.º, da Diretiva do IVA (os quais estão na génese das normas nacionais atrás mencionadas);

                                                          iii.      Fez uma errada (ou, pelo menos, confusa) interpretação dos diversos acórdãos do TJUE com relevância para o caso.

Defende ainda a Requerente que, caso viesse a “perder” o direito à renúncia do IVA, então o imposto por si liquidado nos períodos de tributação compreendidos durante os anos de 2012.06T a 2014.02M, deveria ser regularização a seu favor, sem que uma tal regularização a seu favor conduzisse a uma situação de enriquecimento sem causa.

Contesta ainda a Requerente correcções relativas a:

a)      IVA indevidamente deduzido - evento de inauguração da B…;

b)      Falta de liquidação de IVA – cedência de espaço ao C… .

 

  1. No dia 09-03-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 04-05-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 19-05-2016.

 

  1. No dia 17-06-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação, suscitando ainda diversas questões prévias, abaixo analisadas.

 

  1. Atendendo a que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.ºe n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias, após a apresentação de alegações da Requerida, ou o termo do respectivo prazo, para apresentação da decisão final, e apreciação das questões prévias suscitadas, prazo esse que foi prorrogado até ao dia 19/11/2016.

 

  1. Atenta a complexidade do processo e o seu reflexo no processo de discussão interna do tribunal arbitral, não foi possível, até àquela data, a prolação de decisão final, pelo que, nos termos e para os efeitos do art.º 21.º/2 do RJAT, foi prorrogado por dois meses o prazo para emissão e notificação daquela, a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo, e por mais 30 dias a data indicada nos termos e para os efeitos do art.º 18.º/2 do RJAT.

 

  1. Atenta a complexidade do processo e o seu reflexo no processo de discussão interna do tribunal arbitral, não foi possível, até àquela data, a prolação de decisão final, pelo que, nos termos e para os efeitos do art.º 21.º/2 do RJAT, prorrogou-se por dois meses o prazo para emissão e notificação daquela, a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo, e por mais 30 dias a data indicada nos termos e para os efeitos do art.º 18.º/2 do RJAT.

 

  1. Atenta a existência de um acto autónomo de reenquadramento da situação da Requerente em IVA (documento 1 junto pela Requerente em 15-07), e a eventualidade de se ter de respeitar o determinado no referido acto que alterou o enquadramento da Requerente em sede de IVA, foi facultada às partes a possibilidade de exercerem o contraditório relativamente a tal questão, o que fizeram.

 

  1. Foi indicada nova data, o dia 19-01-2017, para efeitos do artigo 18.º/2 do RJAT.

 

  1. Estando ainda o projecto de decisão final elaborado pelo Relator em fase de revisão e assinatura, nos termos e para os efeitos do art.º 21.º/2 do RJAT, prorrogou-se por mais dois meses o prazo para emissão e notificação daquela, a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo, e indicou-se o dia 23-01-2017, nos termos e para os efeitos do art.º 18.º/2 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A Requerente iniciou actividade em 01/01/2012, encontrando-se colectada no CAE … – Actividades dos estabelecimentos de saúde com internamento.

2-      A Requerente é um sujeito passivo de IVA que entregou a sua declaração de início de actividade em janeiro de 2012.

3-      A Requerente optou, na referida declaração de início de actividade, por renunciar à isenção a que se refere o artigo 9.º, n.º 2, do Código do IVA, nos termos artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código.

4-      A 21/09/2012, a Requerente celebrou uma convenção com a E… e, posteriormente, em Fevereiro de 2014, celebrou uma convenção com a D… no âmbito do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC).

5-      A Requerente, na declaração periódica de IVA de Março de 2014 solicitou um reembolso de IVA no valor de € 1.281.130,12.

6-      Na sequência deste pedido, a AT emitiu a Ordem de Serviço n.º OI2014…, destinada a dar início a uma ação inspectiva externa de âmbito parcial – IVA – para o período de 2014.03M, inspecção que se iniciou a 05-06-2014.

7-      Posteriormente, o âmbito e a extensão da ordem de serviço foram alterados, passando a ser geral para os exercícios de 2012 e 2013 e parcial, face ao reenquadramento da Requerente, de periodicidade trimestral para mensal, para os períodos de imposto de 2014.01M, 2014.02M e 2014.03M, no que respeita ao IVA.

8-      Uma vez analisada a contabilidade e respectivos documentos de suporte, os Serviços de Inspecção Tributária concluíram que a percentagem de operações efectuadas pela Requerente, ao abrigo da convenção celebrada com a E…, no total das prestações de serviços médicos é de 34,87% em 2012 (Setembro a Dezembro), 32,92% em 2013, e de 34,61% em 2014 (Janeiro e Março), conforme exarado a fls. 20 e ss. do RIT.

9-      Por outro lado, considerou também a AT, face à facturação da Requerente, que a maioria dos 10 actos médicos mais facturados foi prestada a utentes da E…, conforme quadro seguinte:

10-  Tendo concluído ainda a AT, no procedimento inspectivo, que, não podendo a Requerente ter efectuado a renúncia à isenção de IVA, por falta de fundamento legal, esta deveria ser enquadrada como sujeito passivo isento, nos termos do artigo 9.º do CIVA.

11-  Face ao exposto concluiu a AT que a Requerente não poderia deduzir o imposto suportado na aquisição de bens e serviços, porquanto, no exercício da sua actividade, efectuava operações que não conferiam direito à dedução.

12-  Concluiu, igualmente, a AT no âmbito do respectivo procedimento, que ocorreu falta de liquidação de IVA no período 2013 12T, relativamente à cedência de espaço realizada à C…, Lda., nos termos do artigo 4º, nº 2, alínea b) do CIVA.

13-  E, também, a dedução indevida de IVA, no período 2012 06T, nos termos do artigo 21º, nº 1, alínea d) do CIVA, relativo a despesas de recepção, nomeadamente, com um espectáculo pirotécnico, aluguer de tenda e decoração do espaço onde decorreu um evento, gestão e apoio a convidados, animação musical e equipamentos associados.

14-  Em 03-09-2014, foi a Requerente notificada do projeto de relatório de inspecção tributária, no qual a AT propunha a realização de liquidações em sede de IVA, no montante total de € 1.450.879,63, com referência aos períodos compreendidos entre o 2.º trimestre de 2012 e março de 2014, assim discriminado:

15-  De acordo com esse projeto de relatório de inspeção tributária, a AT propunha a realização das seguintes liquidações:

                                                              i.            IVA indevidamente deduzido nas aquisições de bens e serviços afectos à actividade de prestação de serviços médicos, no montante total de € 1.410.468,47, nos períodos de 2012.12T a 2014.03M;

                                                            ii.            IVA indevidamente deduzido nas aquisições de bens e serviços decorrentes do evento de inauguração da B…, no montante de € 24.817,22, no período de 2012.06T; e

                                                          iii.            Falta de liquidação de IVA sobre a operação de cedência gratuita de espaço ao C…, no montante total de € 15.593,94, nos períodos de 2012.12T e 2013.12T.

16-  A Requerente exerceu atempadamente, a 18-09-2014, o respetivo direito de audição prévia.

17-  Na sequência deste direito de audição, foi a Requerente notificada, a 01-10-2014, através do ofício n.º…, de 30-09-2014, do Relatório Final de Inspecção Tributária, no âmbito do qual foram efetuadas correcções em sede de IVA no valor de € 1.437.322,96.

18-  No Relatório, a AT reproduziu a argumentação anteriormente apresentada no projecto, tendo dado razão à Requerente no que tange à necessidade de reduzir o valor inicialmente proposto na importância de € 13.556,67.

19-  Do relatório de inspecção consta, para além do mais, o seguinte:

                                                              i.            a “Diretiva IVA consagra (…) o regime de isenção de imposto (simples ou incompleta) para [as prestações de serviços de hospitalização e assistência médica] quando sejam realizadas por organismos de direito público e por estabelecimentos hospitalares em condições análogas às que vigoram para os hospitais públicos”;

                                                            ii.             “Portugal pode conceder aos sujeitos passivos a faculdade de optarem pela tributação das referidas operações” desde que “não sejam organismos de direito público ou que, não tendo essa natureza, não exerçam a sua atividade em condições sociais análogas”;

                                                          iii.            Para efeitos de “determinar quando é que um estabelecimento privado pode ser considerado como “devidamente reconhecido” como praticando condições análogas às existentes para os organismos de direito público”, a AT centrou-se, primeiramente no critério de “quem suporta o custo das prestações de serviços efetuadas pela instituição privada”;

                                                          iv.            Com referência à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante “TJUE”), uma unidade privada de saúde opera “em condições sociais análogas a um organismo público [no caso de] o custo das suas prestações de serviços [ser] eventualmente assumido em grande parte pelo setor público”;

                                                            v.             “o número de utentes do sujeito passivo” beneficiários da E…“é bastante relevante” no contexto da actividade médica exercida pela Requerente;

                                                          vi.            entre os “dez atos médicos mais faturados” por aquela a todas as entidades, “a grande maioria foram faturados à E…”;

                                                        vii.            tendo por referência “o número de atos médicos faturados a todas as entidades (públicas e privadas) (...) o número de serviços médicos faturados à E… (por prestação cuidados de saúde a utentes beneficiários deste subsistema) representa cerca de 61% do total de serviços faturados a todas as entidades (tais como, empresas privadas, outros subsistemas de saúde privados e seguradoras)”;

                                                      viii.            foram facturadas à E… “cerca de um terço do total das prestações de serviços de saúde efetuadas pelo sujeito passivo” sendo este subsistema público de saúde responsável pela “maioria da atividade” da Requerente quando medida através do número de actos médicos realizados;

                                                          ix.             “as entidades privadas que celebrem acordos ou convénios com o Serviço Nacional de Saúde ou com os seus respetivos subsistemas, se encontram integradas no sistema nacional de saúde (prestando serviços em condições sociais análogas às pessoas coletivas de direito público), não podendo, deste modo, renunciar à isenção de imposto a partir do momento em que celebram tais convenções”;

                                                            x.             O conceito de ““sistema nacional de saúde” abrange as entidades públicas integradas no SNS [Serviço Nacional de Saúde], bem como as entidades privadas que, nos termos da lei vigente, tivessem celebrado acordos ou convénios com o SNS ou com um dos subsistemas de saúde pública para prestação de cuidados de saúde”;

                                                          xi.            A Requerente “celebrou, em 21 de setembro de 2012, uma convenção com um subsistema público de saúde (E…)” e não poderia, a partir daquele momento, estar enquadrada no “regime normal de IVA no que respeita à atividade principal de prestação de cuidados de saúde”, a qual dependia “[n]uma parte significativa” dos “utentes beneficiários da E…”;

20-  O resultado final em sede de IVA passou a ascender ao montante global de € 1.437.322,96, assim discriminado por anos e por temas:

21-  Nos dias 13-11-2014 e 26-02-2015 foram recebidas pela Requerente as seguintes liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios, fundadas no referido relatório final de inspeção tributária:

22-  Por força destas liquidações, resultou um valor a pagar de € 339.777,29, tendo a Requerente pago esta importância, acrescida de juros de mora no montante de € 669,83 e custas no montante de € 1.537,34, num total de € 341.984,46.

23-  A Requerente apresentou atempadamente reclamação graciosa contra estas liquidações, tendo sido notificada, em 09-12-2015, do seu indeferimento, por despacho proferido pelo Director de Finanças de … em 04-12-2015.

24-  A 05-11-2014 a AT praticou, oficiosamente, acto expresso ao reenquadramento cadastral da Requerente em sede de IVA o enquadramento que a Requerente apresentava em sede de IVA, passando esta a ser qualificada como um sujeito passivo misto, ou seja, como realizando operações tributadas em IVA e operações isentas de IVA, atribuindo eficácia retroactiva a tal acto, reportada a 01-01-2012.

25-  Justificou a AT esse reenquadramento cadastral apontando para as conclusões que haviam decorrido da anterior inspecção tributária, acima referida, promovida pelos seus serviços de inspecção.

26-  A 30-01-2015, a Requerente interpôs uma acção administrativa especial, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de…, contra o referido acto reenquadramento cadastral em sede de IVA, praticado pela AT.

27-  A Requerente é uma sociedade por quotas de capitais privados, com fins lucrativos, cujo objecto social consiste na gestão e exploração de unidades de saúde, prestação de serviços médicos, de meios complementares de diagnóstico, radiologia, análises clínicas, enfermagem e fisioterapia.

28-  Está enquadrada, de acordo com a Classificação Portuguesa de Actividades Económicas - CAE Rev 3, no Código de Actividade … que se caracteriza por “actividades dos estabelecimentos de saúde com internamento”.

29-  De acordo com a nota descritiva deste Código de Actividade, o mesmo compreende “as actividades de hospitais (gerais e especializados), clínicas (inclui clínicas dentárias), casas de saúde e outros estabelecimentos de saúde com instalações para internamento dos doentes de curta e longa duração. Estas actividades são dirigidas principalmente para os doentes internados, sob a supervisão directa de médicos, englobando uma grande variedade de serviços de cuidados de saúde (medicina, cirurgia, análises, radiologia, urgências, etc.). Inclui os hospitais oficiais (públicos, militares, paramilitares e prisionais) e privados”.

30-  A Requerente exerce a sua actividade económica através da exploração de cinco estabelecimentos de saúde, a saber:

                                                              i.            A…– Clínica …(…);

                                                            ii.            A…– Clínica …;

                                                          iii.            A…– Clínica …;

                                                          iv.            A… – Clínica …(…), e

                                                            v.            A…– B…;

31-  A actividade da Requerente compreende, para além da prestação de serviços médicos, a gestão e exploração de estabelecimentos de saúde.

32-  Neste âmbito, a Requerente celebrou contratos de cedência de espaço equipado e prestação de serviços com diversas outras entidades que desenvolvem a sua atividade no sector da saúde.

33-  A Requerente apenas presta directamente parte de serviços médicos disponibilizados na B…, sendo outra parte dos serviços médicos disponíveis ao público executados por essas entidades que acordam com aquela a utilização do espaço e serviços.

34-  Uma dessas cedências de espaço realizadas pela Requerente teve por contraparte a sociedade C…, Lda.

35-  A C… desenvolve a sua actividade de prestação de serviços e cuidados de saúde, designadamente nas áreas da ginecologia, obstetrícia e pediatria e actividades e serviços instrumentais ou complementares nas instalações da B… (explorada pela Requerente).

36-  O espaço utilizado (de forma não exclusiva) pela C… foi cedido pela Requerente sem que tenha havido uma remuneração directa associada a esta operação.

37-  Parte dos serviços prestados pela C… (sempre que esta presta serviços a utentes beneficiários de subsistemas de saúde públicos e privados) são facturados pela própria Requerente (cabendo a esta entidade receber a totalidade do montante facturado e posteriormente atribuir uma parte desse valor aos médicos da C…, a exemplo do que sucede com outros médicos ao serviço daquela, a quem não são debitados quaisquer verbas a título de cedência de espaço).

38-  A C… integra o mesmo grupo de sociedades que a Requerente.

39-  Aquando da inauguração da B…, a Requerente organizou um evento destinado à promoção do seu nome, da sua marca e da sua imagem junto do público e de potenciais clientes.

40-  Para a realização deste evento promocional e publicitário da B…, foram contratados pela Requerente diversos serviços, nomeadamente, um espetáculo pirotécnico, aluguer de tenda, decoração do espaço onde decorreu o evento.

41-  A Requerente celebrou diversos acordos/protocolos com entidades privadas a operar no âmbito dos seguros de saúde, conforme o seguinte quadro:

42-  A convenção entre a Requerente e a E… (“E…”) foi celebrada a 21-09-2012.

43-  Os preços dos serviços de saúde prestados pela Requerente ao abrigo da mesma, em ambulatório ou em internamento, encontram-se definidos nas tabelas publicadas no Portal da E… .

44-  O preço fixado nessas tabelas e que é devido pela E… pelos serviços médicos prestados pela Requerente aos utentes daquele subsistema de saúde é independente do seu enquadramento cadastral em sede de IVA, ou seja, independentemente de a Requerente liquidar ou não IVA nos serviços médicos prestados ao abrigo da convenção celebrada com a E…, o preço que esta pagará pelos mesmos será sempre igual.

45-  Os serviços prestados aos utentes da E… pela Requerente têm o mesmo preço que os praticados a esses utentes por quaisquer outros hospitais que tenham igualmente celebrado convenções com aquele ente público.

46-  Durante o período de setembro de 2012 a março de 2014, e por força do exercício das actividades afectas ao seu objeto social, a Requerente apresentou o seguinte volume de facturação líquida:

47-  Uma parte desse volume de negócios da Requerente ficou a dever-se à convenção celebrada com a E…, conforme discriminado infra:

48-  Durante os anos de 2012 a 2014, a Requerente liquidou, nas prestações de serviços que realizou, IVA no montante total de € 1.858.044,12 (sendo € 722.659,51 alusivos a prestações de serviços médicos), assim discriminados:

49-  A Requerente entregou a sua declaração de início de atividade no dia 06.01.2012, onde optou por renunciar à isenção conferida pelo artigo 9.º, n.º 2, do Código do IVA, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, pelo que ficou enquadrada no regime normal de tributação, com periodicidade trimestral.

50-  Em resultado dessa opção, desde o início da sua atividade, a Requerente passou a liquidar IVA sobre:

                                                              i.            Os serviços médicos por si prestados, à taxa reduzida de imposto, conforme verba 2.7, da Lista I anexa ao Código do IVA;

                                                            ii.            Os demais serviços por si realizados (cedência de espaço e gestão de parque de estacionamento), à taxa normal de 23%.

51-   Passou também a deduzir o IVA suportado na aquisição de bens e serviços necessários à prossecução da sua actividade.

52-  Os serviços médicos prestados pela Requerente representam uma parte significativa das suas operações, e são tributados à taxa reduzida de IVA (6%).

53-  Uma parte significativa do IVA suportado nos bens e serviços adquiridos para a realização das suas operações é liquidado à taxa normal (23%).

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

B. DO DIREITO

 

i. Questões prévias

            a.

            Começa a Requerida por arguir que “os presentes autos não podem prosseguir nos termos do artigo 497º e do nº2 do artigo 498º do Código do Processo Civil, por se verificar a excepção de litispendência[1].

            Para tanto, alega que a ora Requerente apresentou uma acção administrativa especial em 29.01.2015, no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., que corre os seus termos sob o Processo nº .../15. ... ... em que solicita a “anulação do acto administrativo de alteração oficiosa do enquadramento em sede de IVA da impugnante, com efeitos a 1 de Outubro de 2012, cuja proposta de alteração foi notificada à impugnante a 7 de Outubro de 2014, através do Ofício nº…, de 3 de Outubro de 2014, da Direcção de Finanças de ..., tendo-se convertido em definitiva a 23 de Outubro de 201, e cumulativamente, de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a adoptar os actos e operações necessários à reconstituição da situação que existiria se o acto cuja anulação se requer não tivesse sido praticado, i.e., a reenquadrar a impugnante no regime normal de IVA, como praticando apenas operações tributadas em IVA que conferem o direito à dedução, com efeitos a 1 de Outubro de 2012, o que faz nos termos seguintes:”.

            Relativamente à litispendência, dispõe o artigo 580.º/1 do Código de Processo Civil que “As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado.”.

            Mais dispõe o artigo 581.º do mesmo diploma:

“1 - Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.”

            Desde logo, e antes de mais, cumpre ter presente que, na medida em que é ela que invoca a excepção que ora nos ocupa, competiria à Requerida demonstrar os pressupostos da mesma, que, como decorre das normas atrás transcritas consiste na “repetição de uma causa”, que se dá “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.

            Se quanto à identidade de sujeitos, não se verifica qualquer dúvida, no que à sua verificação diz respeito, já o mesmo não se poderá dizer quanto à identidade do pedido e causa de pedir.

Com efeito, nas acções tributárias de índole impugnatória, como é o caso e como se sabe, a causa de pedir é a ilegalidade do acto tributário impugnado. Deste modo apenas se verificaria identidade do pedido e causa de pedir entre a presente acção e o processo nº .../15. ... ..., se o acto tributário impugnado fosse o mesmo e as ilegalidades invocados fossem também iguais. Situação que, repete-se, competiria à parte que invoca a litispendência demonstrar.

Ora, na acção especial administrativa nº .../15. ... ..., por definição, estará em causa a apreciação da legalidade de um acto tributário que não é de liquidação, enquanto que no presente processo arbitral está em causa a apreciação de ilegalidades relativas às liquidações indicadas pela Requerente no seu requerimento inicial.

Tanto basta – a falta de identidade do objecto, para que não se verifique a invocada litispendência, excepção que, como tal, improcede.

 

*

b.

Entende ainda que a Requerida que o processo n.º .../15. ... ..., constitui causa prejudicial face aos presentes autos, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 272º do Código do Processo Civil.

Considera-se, todavia, que não lhe assiste razão.

Para que se verifique uma relação de prejudicialidade, é necessário que “o conhecimento do objeto da ação dependa, no todo ou em parte, da decisão de uma ou mais questões da competência de tribunal pertencente a outra jurisdição” (artigo 15.º/1 do CPTA).

Ora, no caso isso não se verifica.

Com efeito, e ressalvado o respeito devido a outras opiniões, o acto de reenquadramento da Requerente em sede de IVA, praticado a 05-11-2014, na parte em que abrange tal reenquadramento com relevância para a liquidação de IVA nos períodos abrangidos pelas liquidações objecto da presente acção arbitral tributária, é meramente confirmativo, nada inovando na ordem jurídica.

            Como se escreveu no Ac. do STA de 06-03-2008, proferido no processo 01011/07[2]:

“I - Para que um acto administrativo se possa considerar meramente confirmativo de outro, torna-se necessário que ambos tenham por pressupostos a mesma situação fáctica e o mesmo regime jurídico, para além de em ambos ser utilizada a mesma fundamentação e ainda que o acto confirmado tenha sido regularmente notificado ao seu destinatário.

II - O acto confirmativo – porque se limita a manter, sem alteração, a situação jurídica já definida pelo acto confirmado e porque não introduz qualquer modificação naquela situação - não se traduz em qualquer ofensa aos direitos ou interesses legalmente protegidos do administrado e que, por isso, não sendo lesivo, não é recorrível contenciosamente.”.

            No mesmo sentido escreveu-se:

-          No Ac. do STA de 28-10-2010, proferido no processo 0390/10: “Acto confirmativo é aquele que, emanado da mesma entidade, e dirigindo-se ao mesmo destinatário, repete o conteúdo de um acto anterior, perante pressupostos de facto e de direito idênticos, e sem que o reexame desses pressupostos decorra de revisão imposta por lei.”;

-          No Ac. do TCA-Norte, de 08-03-2012, proferido no processo 01172/09.4BEPRT: “O acto meramente confirmativo é proferido na sequência de acto administrativo contenciosamente impugnável, em idêntico sentido, pela mesma entidade, e subsistindo os sujeitos e as circunstâncias legais e factuais do acto confirmado.”;

-          Ac. do TCA-Norte, de 22-02-2013, proferido no processo 00003/09.0BEBRG: “Será ato meramente confirmativo aquele, de entre os atos confirmativos, que tenham por objeto ato(s) lesivo(s) anteriormente praticado(s), sendo que para a sua verificação importa que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: a) Que o ato confirmado fosse lesivo; b) Que tal ato fosse do conhecimento do interessado; c) Que entre o ato confirmado e o ato confirmativo haja identidade de sujeitos, de objeto e de decisão.”

-          No Ac. do TCA-Norte, de 14-02-2014, proferido no processo 03303/10.2BEPRT: “Um acto confirmativo pressupõe que os dois actos (confirmado e confirmativo) tenham sido praticados sob a mesma disciplina jurídica, que o interessado tenha tido conhecimento oportuno do acto confirmado e que entre ambos haja correspondência de fundamentos e de efeitos jurídicos.”.

Neste matéria, dever-se-á, ainda, ter em conta o escrito no Ac. do STA de 20-10-2011, proferido no processo 0500/10, onde se refere que “A relação de confirmatividade entre dois actos administrativos pressupõe, além do mais, que se mantenham inalteradas, entre a prolação do primeiro e a prática do segundo, as circunstâncias de facto e de direito.”.

Face a todos estes critérios, outra conclusão não se pode tirar que, na parte em que se sobrepõe às liquidações objecto da presente acção arbitral, o acto objecto do processo n.º .../15. ... ... é meramente confirmativo, verificando-se todos os critérios de tal qualificação, designadamente:

-          foi “emanado da mesma entidade, e dirigindo-se ao mesmo destinatário”;

-          tem “por pressupostos a mesma situação fáctica”, ou seja a actividade concretamente exercida pela Requerente nos períodos abrangidos pelas liquidações objecto da presente acção arbitral e “o mesmo regime jurídico”, ou seja, as normas dos artigo 9.º e 12.º do CIVA, ou seja, foi praticado “perante pressupostos de facto e de direito idênticos, e sem que o reexame desses pressupostos decorra de revisão imposta por lei.”;

-          em ambos foi “utilizada a mesma fundamentação”, ou seja, a constante do relatório de inspecção tributária efectuada ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2014…;

-          o acto confirmado foi “regularmente notificado ao seu destinatário” e foi lesivo;

-          mantiveram-se “inalteradas, entre a prolação do primeiro e a prática do segundo, as circunstâncias de facto e de direito” relavantes.

Deste modo, dúvidas não subsistirão que, na parte em que se sobrepõe às liquidações objecto da presente acção arbitral, o acto de reenquadramento da Requerente em sede de IVA, “se limita a manter, sem alteração, a situação jurídica já definida” por aquelas liquidações, e “não introduz qualquer modificação naquela situação”, pelo que “não se traduz em qualquer ofensa ao direitos ou interesses legalmente protegidos do administrado (...) por isso, não sendo lesivo”.

Assim sendo, como se afigura que é, não existirá qualquer relação de prejudicialidade entre o processo n.º .../15. ... ... e a presente acção arbitral, uma vez que o conhecimento do objecto da presente acção não depende, no todo ou em parte, da decisão de uma ou mais questões que se venham ali a decidir.

 

*

c.

            Coloca também a Requerida em causa, como questão a dirimir antes da apreciação do mérito da causa, a competência material deste Tribunal para arbitrar a presente causa, considerando que “a primeira questão a decidir prende-se com o facto de poder ser ou não reconhecido o direito de renúncia à isenção, por parte da Requerente, dado que os pressupostos para o seu reconhecimento foram alterados”, e que “Por assim ser, não temos dúvidas em afirmar que, nos presentes autos, os actos de liquidação adicional de IVA efectuados deverão ser qualificados como actos consequentes”, já que “os actos de liquidação adicional de IVA, pendentes de apreciação nesta instância arbitral, estão numa relação de dependência do reconhecimento ou não do direito por parte da ora Requerente à renúncia da isenção de IVA, nos termos do artigo 12.º, nº 1, alínea b), do Código do IVA”.

            Assim, ainda na perspectiva da Requerida, “atenta esta circunstância, o reconhecimento do direito que a ora Requerente tem, ou não, a renunciar à isenção nos termos referidos, determinará, ou não, a anulação das liquidações adicionais de imposto, uma vez que esta depende directa e exclusivamente daquele”, pelo que, conclui aquela, “a presente instância arbitral é materialmente incompetente para conhecer de um dos vários pedidos formulados nos presentes autos, a saber, se a ora Requerente tem ou não o direito de renúncia à isenção prevista nos termos da alínea 2) do artigo 9º, conforme disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código do IVA”.

            Antes de mais, diga-se que a conclusão de incompetência material formulada pela Requerida, é desde logo infundada, na medida em que a relação de consequência entre actos, na qual aquela se funda, não tem como efeito a incompetência do tribunal, mas, antes a suspensão da instância por prejudicialidade, no caso do acto pressuposto ter sido objecto de impugnação, ou a improcedência do pedido, no caso daquele se ter consolidado na ordem jurídica.

            No mais, esta mesma questão foi suscitada no processo 168/2015-T do CAAD[3], que tratando sobre matéria em tudo idêntica à dos presentes autos, onde se escreveu o que ora, com a devida vénia, se transcreve:

“A Portaria n.º 112-A/2011, relativamente aos actos enquadráveis indicados no artigo 2.º, apenas afastou do âmbito da vinculação da Administração Tributária, em matéria não aduaneira, as pretensões relativas a actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa e as pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão.

É manifesto que não se está perante qualquer das situações em que a Portaria n.º 112-A/2011 afasta a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, pelo que a competência tem de ser aferida apenas à face do RJAT.

Como se vê pelo artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foi definida pelo RJAT apenas tendo em atenção o tipo de actos que são objecto das pretensões dos contribuintes e não em função do tipo de questões que é necessário apreciar para decidir se os actos são legais ou ilegais.

Não há, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas à verificação dos pressupostos do direito de renúncia à isenção de IVA ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT. Uma liquidação de imposto que parta da desconsideração de uma isenção ou de uma renúncia a isenção não deixa de ser um acto tributário de liquidação. E a pretensão de apreciação da legalidade ou da ilegalidade dessa desconsideração subjacente a um acto de liquidação não deixa, portanto, de ser a apreciação de uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação, em que se materializa essa desconsideração.

Assim, no processo arbitral, à semelhança do que sucede no processo de impugnação judicial, pode, em regra, ser imputada aos actos de liquidação qualquer ilegalidade, como decorre do artigo 99.º do CPPT, subsidiariamente aplicável.

Só não será assim nos casos em que a lei preveja a impugnabilidade autónoma de actos administrativos que são pressuposto dos actos de liquidação, sendo só nessa medida que fica afastada a apreciação da legalidade dos actos de liquidação em todas as vertentes. Mas, para haver essa impugnabilidade autónoma, é necessário que haja algum acto administrativo em matéria tributária, pois a impugnabilidade reporta-se a actos e não a posições jurídicas assumidas explícita ou implicitamente como pressupostos dos actos de liquidação mas não materializadas em actos tributários autónomos.

Os actos consequentes, de que fala a Autoridade Tributária e Aduaneira, são consequentes de outros actos tributários ou administrativos anteriores e, no caso em apreço, não há notícia de que tenha sido praticado qualquer acto administrativo apreciando se a Requerente tem ou não direito a renunciar à isenção de IVA.

Isto é, para haver limitação à impugnabilidade dos actos de liquidação impugnados, teria de ser praticado, anteriormente, algum acto administrativo que fosse pressuposto destes actos de liquidação, o que não sucedeu no caso em apreço.

Por isso, sendo os actos de liquidação lesivos dos interesses da Requerente e sendo os únicos actos praticado pela administração tributária sobre a situação neles apreciada, tem de ser assegurada a sua impugnabilidade contenciosa com fundamento em qualquer ilegalidade, como decorre do princípio da tutela judicial efectiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.

Por outro lado, quando não há qualquer acto autonomamente impugnável anterior a um acto de liquidação versando sobre os seus pressupostos, pode «ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida» (parte final do artigo 54.º do CPPT), pelo que todas as questões relativas à legalidade dos actos de liquidação podem ser apreciadas nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º e do artigo 99.º do mesmo Código.

Na verdade, nos tribunais tributários, mesmo quando, tendo sido praticados actos de liquidação, se estiver perante uma situação em que poderia ser mais útil para o contribuinte o uso da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo (por possibilitar, para além da apreciação da legalidade de actos a definição para o futuro dos direitos do contribuinte), o uso da acção em vez da impugnação judicial é uma mera faculdade, como decorre do próprio texto do artigo 145.º, n.º 3, do CPPT, ao dizer que «as acções apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido». Isto é, o que se prevê nesta norma é limitação ao uso da acção e não limitação ao uso do processo de impugnação judicial.

Com efeito, é manifesto que o processo de impugnação judicial inclui a possibilidade de reconhecimento de direitos em matéria tributária, como o são o direito à anulação ou declaração de nulidade de liquidações, o direito a juros indemnizatórios e o direito a indemnização por garantia indevida, pelo que o facto de estar em causa o reconhecimento de direitos não é obstáculo à utilização do processo de impugnação judicial.

Assim, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo o processo arbitral tributário sido criado como alternativa ao processo de impugnação judicial, é de concluir que não há obstáculo a que a legalidade dos actos de liquidação em causa neste processo seja apreciada por este Tribunal Arbitral, pois nos tribunais tributários essa legalidade poderia ser apreciada em processo de impugnação judicial.

Por isso, quanto ao pedido de anulação dos actos de liquidação, improcede a excepção da incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira com fundamento em estar em causa o reconhecimento de um direito em matéria tributária.”.

É certo que, no presente caso, se verifica uma circunstância adicional em relação à situação apreciada no processo onde foi proferido o acórdão transcrito, designadamente a prática de um acto expresso de enquadramento da Requerida em sede de IVA autonomamente impugnável (e impugnado). Todavia, tal acto é, como se viu, não anterior, mas posterior aos actos objecto da presente acção arbitral, pelo que, naquilo que releva para a decisão, a situação sub iudice identifica-se com a do referido acórdão, na medida em que, efectivamente, “não há qualquer acto autonomamente impugnável anterior a um acto de liquidação versando sobre os seus pressupostos”.

Assim, a competência do Tribunal em sede de impugnação judicial, afere-se em função do(s) acto(s) que lhe sirva(m) de objecto, sendo este Tribunal, inquestionavelmente, competente para conhecer da legalidade do actos de liquidação que integram o objecto da presente acção arbitral tributária, à luz dos respectivos fundamentos[4].

            Não se vendo, assim, razão para divergir do doutamente expendido no aresto em causa, antes se subscrevendo integralmente o quanto ali se expôs, julga-se improcedente a excepção da incompetência material suscitada pela Requerida.

 

*

d.

            A Requerida, na sua resposta, solicita também que seja ordenado o reenvio do processo ao TJUE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, para efeitos de definir o recorte da renúncia ao referido regime de isenção.

            Para o efeito alega a mesma que “toda a jurisprudência do TJUE, com alguma similitude ao caso dos presentes autos, resultou de casos que se situam numa posição antagónica ou, se quisermos, numa posição em espelho face à situação dos presentes autos.”, já que nesse casos “os operadores económicos de natureza privada pretendiam beneficiar da isenção relativamente à prestação dos serviços médicos que efectuavam face à posição das administrações fiscais respectivas que pugnavam pela sua sujeição/tributação”, pelo que haverá “que averiguar qual o enquadramento em sede de IVA das actividades de gestão de unidades de saúde, prestação de serviços médicos, meios complementares de diagnóstico, radiologia, análises clínicas, enfermagem e fisioterapia, levadas a cabo pela ora Requerente, e da possibilidade de renúncia a isenção de IVA relativamente a essa actividade, uma vez que parece decorrer da jurisprudência comunitária, nomeadamente nos acórdãos Kügler, Dornier e L.U.P, que essas prestações são efectuadas em condições sociais análogas às dos estabelecimentos públicos”.

            Como se refere no ponto 7. das recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), do TJUE[5]:

“o papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.

            Mais se recorda, no ponto 12. daquelas mesmas recomendações que o reenvio prejudicial para o referido Tribunal, não se deverá dar quando:

i.                           já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou

ii.                         quando o modo correto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.

Consequentemente, continua-se no ponto 13., “um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece”.

Por fim, conforme consta do ponto 18. das mesmas recomendações, “O órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considere que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão.”.

            No caso, não se considera que uma decisão sobre a interpretação das normas comunitárias seja necessária para proferir a sua decisão, nem a Requerente o demonstra, não tendo, sequer, apresentado qualquer questão concreta susceptível de ser ponderada.

            Por outro lado, e como se verá infra, entende-se que a Jurisprudência disponível do TJUE esclarece suficientemente, em termos de se poder decidir da interpretação correcta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que se conhece.

            Este tem sido, de resto, o entendimento dos Tribunais Arbitrais que têm abordado a mesma questão, podendo ver-se, nesse sentido, o referido nos processos arbitrais 227/2015T e 341/2015T[6], a cujos fundamentos aqui se adere.

            Não se descortina qualquer inconstitucionalidade no entendimento seguido, nomeadamente por violação dos artigos 13.º e 20.º da CRP, conforme alegado pela Requerida nas suas Alegações, desde logo porquanto o que esta contesta, por meio de tal vício, não é a interpretação normativa operada, que é pacífica, mas a aplicação de tal interpretação ao caso concreto.

            Assim, como se escreveu no Ac. do Tribunal Constitucional 73/2016, de 03-02-2016[7]:

“Ora, no âmbito do recurso de constitucionalidade cabe apenas, como se sabe, o escrutínio da constitucionalidade de normas e não de quaisquer outras operações, designadamente o modo como o tribunal recorrido interpretou ou aplicou o direito infraconstitucional. Não compete ao Tribunal Constitucional sindicar o juízo hermenêutico seguido nas instâncias, em face dos concretos elementos trazidos aos autos sub judice, para apreciar da aplicabilidade do regime contestado.

É que não cabe, em sede de recurso de constitucionalidade, a revisão das decisões judiciais e do seu acerto. Essa é matéria de direito comum, para a qual são competentes os tribunais comuns. À jurisdição constitucional cabe antes o controlo da conformidade constitucional de normas, excluindo a apreciação de decisões judiciais, sob pena de inadmissibilidade.”

            Deste modo, e pelo exposto, indefere-se o requerido pedido de reenvio prejudicial.

 

*

e.

            Pede, por fim, a Requerida que “seja requerido o reenvio prejudicial para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos termos consagrados no artigo 93.º do CPTA e 25.º, n.º 2, do ETAF, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, na medida em que sempre terá de considerar-se que se trata de uma questão de direito nova que suscita dificuldades sérias e pode vir a ser suscitada noutros litígios, verificando-se todos os pressupostos necessários para o efeito.”.

            Mais aventa a Requerida que “ao não admitir-se tal possibilidade de controlo por parte do STA, estará a violar-se o direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP), da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP) e, ainda, o artigo 266.º, n.º 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT.”.

            Dispõem as invocadas normas dos artigos 93.º/1 do CPTA e 25.º, n.º 2, do ETAF, que:

- “Quando à apreciação de um tribunal administrativo de círculo se coloque uma questão de direito nova que suscite dificuldades sérias e possa vir a ser suscitada noutros litígios, pode o respetivo presidente, por proposta do juiz da causa, adotar uma das seguintes providências:

a) Determinar que no julgamento intervenham todos os juízes do tribunal, sendo o quórum de dois terços e havendo lugar à aplicação do disposto no artigo anterior;

b) Submeter a sua apreciação ao Supremo Tribunal Administrativo, para que este emita pronúncia vinculativa dentro do processo sobre a questão, no prazo de três meses.”;

- “Compete ainda ao pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo pronunciar-se, nos termos estabelecidos na lei de processo, relativamente ao sentido em que deve ser resolvida, por um tribunal administrativo de círculo, questão de direito nova que suscite dificuldades sérias e se possa vir a colocar noutros litígios.”.

            Como se retira da leitura das normas em causa, no contexto da orgânica jurisdicional administrativa e fiscal, aquelas destinam-se exclusivamente aos Tribunais Administrativos e Fiscais.

            Com efeito, a competência para o reenvio em causa, tal como decorre das normas em causa, pertence ao Presidente do Tribunal Administrativo de Círculo, a que se refere o artigo 43.º do ETAF.

            Ora, tal orgânica não é transponível para o CAAD, que, por um lado, não tem um quadro de juízes do Tribunal (como pressupõe a al. a ) do n.º 1 do artigo 93.º do CPTA), sendo os juízes nomeados ad hoc para cada processo e restringindo-se as suas funções aos processos para que estão nomeados, e por outro, não dispõe de um Presidente que exerça funções análogas às de um presidente de um Tribunal Administrativo de Círculo, sejam as genericamente previstas no artigo 43.º-A do ETAF, sejam as especialmente previstas no CPTA, relevando aqui especialmente a impossibilidade de o Presidente do CAAD intervir, a qualquer título, nos processos arbitrais e, em concreto, praticar actos de natureza jurisdicional, como inegavelmente é aquele a que se reportam as als. a) e b) do referido artigo 93.º/1 do ETAF, o que se explicará, para além do mais, pela circunstância de os presidentes dos Tribunais Administrativos de Círculo serem nomeados, por regra, juízes (cfr. artigo 43.º/3 do ETAF) habilitados com um curso de formação (cfr. artigo 43.º/3 do ETAF).

            Deste modo, não havendo, no quadro da orgânica da jurisdição arbitral tributária figura análoga à do Presidente do Tribunal Administrativo de Círculo, é impossível a aplicação da norma em causa, não se tratando, por isso, a situação em causa de um caso omisso, abrangido pela remissão do artigo 29.º/1 do RJAT, pelo que necessariamente haverá que indeferir o requerido reenvio para o STA.

            Tal impossibilidade não acarreta, julga-se, qualquer inconstitucionalidade por violação do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP), da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP) e, ainda, o artigo 266.º, n.º 2, da CRP, na medida em que reflecte exclusivamente especificidades e constrangimentos próprios da jurisdição arbitral, análogas, por exemplo, à inexistência de recursos ordinários de mérito das decisões proferidas, que são inerentes à própria adesão à mesma.

 

***

 

Aqui chegados, cabe a este Tribunal arbitral verificar sobre a legalidade das liquidações de IVA impugnadas, acima identificadas.

Estando em causa correcções com três tipos de fundamentos distintos, a saber:

                                                              i.            IVA indevidamente deduzido nas aquisições de bens e serviços afectos à actividade de prestação de serviços médicos, no montante total de € 1.410.468,47, nos períodos de 2012.12T a 2014.03M;

                                                            ii.            IVA indevidamente deduzido nas aquisições de bens e serviços decorrentes do evento de inauguração da B…, no montante de € 24.817,22, no período de 2012.06T; e

                                                          iii.            Falta de liquidação de IVA sobre a operação de cedência gratuita de espaço ao C…, no montante total de € 15.593,94, nos períodos de 2012.12T e 2013.12T.

 passar-se-á à apreciação de cada um deles, separadamente.

 

*

Relativamente à correcção respeitante a IVA indevidamente deduzido nas aquisições de bens e serviços afectos à actividade de prestação de serviços médicos, no montante total de € 1.410.468,47, nos períodos de 2012.12T a 2014.03M, funda-a, em suma, a AT na circunstância de terem sido facturadas pela Requerente à E…“cerca de um terço do total das prestações de serviços de saúde efetuadas” sendo este subsistema público de saúde responsável pela “maioria da atividade” da Requerente quando medida através do número de actos médicos realizados, entendendo a referida Autoridade que “as entidades privadas que celebrem acordos ou convénios com o Serviço Nacional de Saúde ou com os seus respetivos subsistemas, se encontram integradas no sistema nacional de saúde (prestando serviços em condições sociais análogas às pessoas coletivas de direito público), não podendo, deste modo, renunciar à isenção de imposto a partir do momento em que celebram tais convenções”, e que o conceito de ““sistema nacional de saúde” abrange as entidades públicas integradas no SNS [Serviço Nacional de Saúde], bem como as entidades privadas que, nos termos da lei vigente, tivessem celebrado acordos ou convénios com o SNS ou com um dos subsistemas de saúde pública para prestação de cuidados de saúde”, pelo que, como a Requerente “celebrou, em 21 de setembro de 2012, uma convenção com um subsistema público de saúde (E…)” e não poderia, a partir daquele momento, estar enquadrada no “regime normal de IVA no que respeita à atividade principal de prestação de cuidados de saúde”, a qual dependia “[n]uma parte significativa” dos “utentes beneficiários da E…”.

Normativamente, assenta a correcção ora em apreço nos artigos 9.º e 12.º do CIVA, que dispõem que:

Artigo 9.º

Isenções nas operações internas

Estão isentas do imposto:

1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;

2) As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares; (...)

Artigo 12.º

Renúncia à isenção

1 - Podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações: (...)

b) Os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas; (...)

2 - O direito de opção é exercido mediante a entrega, em qualquer serviço de finanças ou noutro local legalmente autorizado, da declaração de início ou de alterações, consoante os casos, produzindo efeitos a partir da data da sua apresentação.

3 - Tendo exercido o direito de opção nos termos dos números anteriores, o sujeito passivo é obrigado a permanecer no regime por que optou durante um período de, pelo menos, cinco anos, devendo, findo tal prazo, no caso de desejar voltar ao regime de isenção:

a) Apresentar, durante o mês de Janeiro de um dos anos seguintes àquele em que se tiver completado o prazo do regime de opção, a declaração a que se refere o artigo 32.º, a qual produz efeitos a partir de 1 de Janeiro do ano da sua apresentação;

b) Sujeitar a tributação as existências remanescentes e proceder, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º, à regularização da dedução quanto a bens do activo imobilizado.

As referidas normas têm correspondência no artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE, de 28-11-2006 (Directiva IVA), que dispõe:

1. Os Estados–Membros isentam as seguintes operações:(...)

b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;

c) As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa; (…)

A alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA permite apenas a renúncia à isenção das entidades isentas enquadradas no nº 2 do artigo 9.º desse mesmo Código, enquadramento esse que é expressamente reconhecido à Requerente no RIT (cfr. p. 18).

A Autoridade Tributária e Aduaneira, entende, como se viu, que a Requerente integra o Sistema Nacional de Saúde e opera em condições análogas às de um organismo público, pelo que lhe estaria vedada a renúncia à isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CIVA.

Esta questão foi objecto já de profunda e detalhada análise no âmbito dos processos arbitrais 278/2013T[8], 227/2015T e 341/2015T[9].

No que diz respeito a fundamento principal das correcções operadas pela AT, ora em apreço, ou seja, o de que a referência, no artigo 12.º/1/b) do CIVA, a “sistema nacional de saúde”, deve ser equiparada à noção de Serviço Nacional Saúde, contida em legislação específica e própria da área em causa, remete-se integralmente para o quanto foi expendido naqueles arestos, cuja fundamentação, nessa parte, se subscreve na íntegra.

Conclui-se assim, aqui como ali, que “O termo "sistema nacional de saúde", constante do artigo 12.º, n.º 1,do CIVA tem de interpretar-se de acordo com o critério imposto pelas normas aplicáveis da Directiva IVA”, ou seja, como reportando-se a “estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas (...), que efectuem prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas” em condições sociais análogas às que vigoram para as operações asseguradas por organismos de direito público.

Esta questão, de resto, acaba por ser desvalorizada pela própria AT nos autos (não obstante dedicar-lhe os pontos 131.º a a 156.º da Resposta), concedendo que “a questão não pode sequer estar centrada no recorte das expressões “serviço nacional de saúde”, “sistema de saúde” e “sistema nacional de saúde”, que tanto deleite intelectual tem proporcionado a alguns peritos, nesta matéria, mas questionar e por a nu o facto de o “direito” ou “não direito” de renúncia à isenção prevista no n.º 2) do artigo 9º do Código do IVA, poder ou não subverter integralmente as regras da neutralidade que presidem a todo e qualquer sistema de imposto sobre o valor acrescentado, em vigor na União Europeia.” (ponto 34.º da Resposta).

Neste ponto, a questão primordial, igualmente formulada pela AT nos autos, passa a ser a de “saber se, por força das convenções celebradas com o Estado, no caso concreto, com a E…, deve a ora Requerente considerar-se como uma instituição privada integrada no “sistema nacional de saúde”, nos termos e para os efeitos do artigo 12.º, n.º 1, alínea b) do CIVA.” (ponto 126.º da Resposta).

Acabando por reconhecer a AT nos autos, em termos coincidentes aos acima vistos, que “o conceito de "sistema nacional de saúde"  introduzido na alínea b), do n.º 1, do artigo 12º do Código do IVA, deve ser interpretado, à luz da Directiva e do quadro legal então em vigor, no sentido de abranger as entidades públicas integradas no Serviço Nacional de Saúde, bem como as entidades privadas que, nos termos da lei vigente, prestem serviços de saúde em “condições análogas” às que vigoram para os organismos de direito público.” (ponto 162 da resposta), cumpre apurar se a Requerente presta de facto os seus serviços de saúde, em tais condições.

A AT centra esta equiparação em dois aspectos, a saber:

-          a circunstância de entre 32,92% e 34,87% da facturação da Requerente ser proveniente de receitas relativas ao convénio celebrado com a E…, sendo que os 10 actos médicos mais facturados o foram, maioritariamente, conforme quadro constante do ponto 9 da matéria de facto provada, a utentes da E…;

-          a alegada violação do princípio da neutralidade do IVA, decorrente da aceitação do direito à isenção de IVA, pela Requerente.

Diga-se, desde logo, que se consideram qualquer um dos aspectos, isolada ou conjuntamente como susceptíveis de fundar a necessária equiparação das condições em que a Requerente opera, com as entidades públicas detentoras de estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares.

Liminarmente, no que diz respeito ao dado relativo aos 10 actos médicos mais facturados, reputa-se o mesmo de, claramente, irrelevante para a questão em apreço, na medida em que, por um lado, o que está em causa é a proveniência pública ou privada do financiamento da actividade, sendo, como tal, unicamente relevantes os volumes totais de facturação, e que, por outro, a individualização dos 10 actos médicos mais praticados, é manifestamente arbitrária, na medida em que nenhum critério validante da mesma é adiantado, nem, sequer, é devidamente contextualizada, indicando-se, por exemplo, o total de actos médicos praticados (10 em 11 tem um significado completamente diferente de 10 em 11.000), ou a parte do volume de facturação total que tais actos significam.

No mais, reconhecendo-se que a natureza pública ou privada do financiamento da actividade do operador que pretende exercer o direito à renúncia à isenção em causa, poderá constituir “um indício de que a entidade exerce a sua actividade em “condições análogas” às que vigoram para os hospitais públicos”, como refere a AT no ponto 193.º da sua resposta, o certo é, por um lado, no caso, nem sequer a maioria da facturação da Requerente provém de receitas relativas ao convénio com a E…, e, por outro, a verificação de um índice, entre outros, de per si, nunca permitiria, sem mais, como seria o caso, concluir pela analogia de condições pressuposta pela norma do artigo 12.º/1/b) do CIVA, já que, para além do financiamento, as entidades públicas actuam num quadro caracterizado por constrangimentos (como, por exemplo, controle orçamental, vinculações de contratação pública) e prerrogativas (como, por exemplo, autoridade própria de entes de direito público, garantias próprias do envolvimento estatal) específicos, que sempre seria necessário ponderar e aferir no sentido de demonstrar a pretendida analogia nas condições do exercício de actividade.

Já no que se refere à alegada violação do princípio da neutralidade do IVA, e ressalvado o respeito devido a outras opiniões, julga-se que a AT labora em vários equívocos.

Assim, e desde logo, tal questão apenas se poderia validamente formular, se, e na medida, em que se verificasse que a Requerente exercia, efectivamente, a sua actividade em condições análogas às das entidades públicas detentoras de estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, o que, como se viu, não se encontra demonstrado.

            Por outro lado, a argumentação apresentada pela AT nos presentes autos, nesta matéria, está eivada de alguma contraditoriedade, na medida em que, por um lado, reconhece que “o objectivo do regime de isenção consiste em assegurar que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA” (ponto 182.º da Resposta), e que “sem sombra de dúvida, pode ser mais barato para os cidadãos abrangidos pela E… recorrer a um hospital privado em detrimento de um hospital público” (ponto 169.º da Resposta) por outro sustenta que renúncia à isenção, ora pugnada pela Requerente, e em situações análogas, “viola-se o princípio da igualdade/não discriminação porquanto as mesmas prestações de serviços estarão nuns casos sujeitas a imposto e, noutros casos, isentas.” (ponto 51.º da Resposta), já que “quem recorra aos serviços de uma instituição privada de saúde e tenha que suportar IVA na sua obtenção depara-se com uma clara discriminação face à aquisição dos mesmos serviços por quem recorra a um estabelecimento público de saúde – a protecção do seu direito à saúde é discriminada porquanto tem de suportar o imposto que onera esses serviços” (ponto 39.º da Resposta), verificando-se “numa clara discriminação face aos consumidores finais deste tipo de serviços (os doentes).” (ponto 49.º da Resposta).

            Ora, reconhecido que “sem sombra de dúvida, pode ser mais barato para os cidadãos abrangidos pela E… recorrer a um hospital privado em detrimento de um hospital público”, fica inviabilizada qualquer pretensão de desigualdade discriminação decorrente da renúncia à isenção de IVA, não afectando esta renúncia, pelo contrário, o confessado “o objectivo do regime de isenção”, o que desde logo comprova a não verificação de qualquer inconstitucionalidade nessa matéria, ao contrário do pretendido pela AT (cfr. pontos 37.º e 68.º da Resposta).

Sem prejuízo de tudo isto, sempre se dirá que o enquadramento apresentado pela AT na matéria em causa, carece, em si mesmo, de sustentação.

Assim, desde logo e sempre ressalvado o respeito devido, carecerá de sentido afirmar que no caso é necessário assegurar “uma igualdade de tratamento entre operadores económicos que apela mais a critérios de sã concorrência entre eles” (ponto 47.º da Resposta), já que, por definição, as entidades públicas em questão não operam, sob qualquer forma, num quadro de concorrência, já que se tratam, por definição, de entidades economicamente deficitárias, já que são instituídas em execução do comando constitucional contido no artigo 64.º da CRP, referido pela própria AT, segundo o qual “todos têm direito à protecção da saúde “, sendo este direito realizado “através de um serviço nacional de saúde universal e geral, (…) tendencialmente gratuito”, “incumb[indo] prioritariamente ao Estado”.

Ou seja, dito de outro modo, as “as entidades públicas integradas no Serviço Nacional de Saúde”, que a AT reconhece como privadas do direito de renúncia à isenção (ponto 162 da resposta), e relativamente às quais se deve aferir a analogia de condições de exercício da actividade, não visam, por natureza, assegurar o seu financiamento por meio do pagamento por terceiros dos serviços que prestam, já que, por imposição legal, esse serviço deve ser tendencialmente gratuito, o que é, evidentemente, incompatível com a operação em regime concorrencial.

Dito ainda doutro modo: sendo a disponibilização de um serviço público de saúde pelo Estado, por meio das entidades públicas que o prestam, um encargo para o Estado, a prestação de tais serviços é incompatível com a operação em ambiente concorrencial, uma vez que, logicamente, quanto maior o volume de serviços prestados, maior é o encargo, e não o lucro, como é natural num mercado de concorrência, pelo que, do lado da entidade pública nunca se poderá verificar uma violação do princípio da neutralidade, por distorção da concorrência[10].

O enquadramento, ainda nesta matéria, operado pela AT, afigura-se também desajustado ao caso quando refere que “a assunção pelo Estado, ainda que de forma parcial, dos custos com a prestação de determinados cuidados de saúde prestados por estas entidades privadas, implica o seu reconhecimento para efeitos da aplicação da isenção, tal como delimitada na alínea b) do no 1 do artigo 132° da Directiva IVA.” (ponto 183.º da sua Resposta), na medida em que aquilo que é comparticipado no quadro do convénio com a E… não é o custo “com a prestação de determinados cuidados de saúde prestados por estas entidades privadas”, mas a contraprestação que é devida pelos utentes dos serviços de saúde prestados, ao prestador privado, pelos serviços prestados. Ou seja, e em suma, quem é comparticipado é o beneficiário da E… destinatário dos serviços prestados (como contrapartida das comparticipações que suporta, ou suportou, para aquele serviço), e não a entidade prestadora.

Assim, e em suma, não se encontrando, por qualquer das formas ensaiadas pela AT, devidamente demonstrado que a Requerente presta os seus serviços em condições análogas às entidades públicas detentoras de estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, haverá que considerar que as correcções ora em análise enfermam de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro na aplicação do Direito, devendo, como tal, ser anuladas, procedendo o pedido arbitral nesta parte.

 

 

***

No que diz respeito às correcções relativas a IVA indevidamente deduzido nas aquisições de bens e serviços decorrentes do evento de inauguração da B…, no montante de € 24.817,22, no período de 2012.06T, respeitante a gastos incorridos com espectáculo pirotécnico, aluguer de tenda e decoração do espaço onde decorreu o evento, gestão e apoio a convidados e animação musical e respectivos equipamentos associados, funda-as a AT, dedicando-lhe um ponto da sua Resposta (ponto 114.º), na circunstância de que “tais despesas não têm conexão necessária à realização das operações levadas a cabo pela ora Requerente”, enquadrando-se na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA, que tem a seguinte redacção:

“Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:

d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções;”

Relativamente a esta matéria encontra-se provado que a Requerente organizou o evento destinado à promoção do seu nome, da sua marca e da sua imagem junto do público e de potenciais clientes.

Conforme se escreveu no Acórdão proferido no processo arbitral 238/2013T[11](que integrava o ora Relator), em posição acolhida subsequentemente nos processos 398/2014-T e 403/2014-T[12]:

“A Requerente defende, em suma, que os eventos em causa inserem-se em acções de divulgação e promoção da imagem e património da Requerente — especificamente … — intrinsecamente conexionados com a prossecução da sua actividade e que, sendo assim, se tais despesas não se consideram alheias à actividade exercida e, mais ainda, contribuem para a sua prossecução — ao serem subsumíveis, no entender da Requerente, a despesas de publicidade — não se vê por que razão haverá de ser questionado o direito à dedução do IVA.

A norma do artigo 21.º do CIVA exclui o direito à dedução de certas despesas, que, pela sua natureza, permitem presumir que possam ser aproveitadas para satisfação de necessidades particulares.

A Requerente defende que se trata de presunções que são ilidíveis, por força do disposto no artigo 73.º da LGT que estabelece que «As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário».

São normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação».

Neste sentido, são normas de incidência as que determinam os sujeitos activo e passivo da obrigação tributária, as que indicam qual a matéria colectável, a taxa e os benefícios fiscais.

As normas relativas ao direito a dedução de IVA têm como efeito o afastamento da incidência do imposto, pelo que se reconduzem a normas de delimitação negativa de incidência, devendo aplicar-se o regime do referido artigo 73.º da LGT às presunções nela contidas.

Como defende a Requerente, subjacentes às situações de afastamento do direito à dedução estarão presunções de que as despesas indicadas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 21.º não têm total ou parcialmente relação exclusiva com a actividade produtiva das empresas sujeita a IVA, pois é essa a única justificação aceitável para o afastamento da dedutibilidade deste imposto, que, como imposto sobre o consumo, se pretende que seja neutro para os intermediários no circuito económico.

No caso em apreço, sendo facto notório que a realização de concertos …, especialmente no caso do concerto que teve cobertura televisiva, têm potencialidade de divulgação e promoção da imagem da Requerente, deve considerar-se ilidida a presunção que justifica o afastamento da dedutibilidade do IVA, tanto mais que não é crível que uma empresa da dimensão da Requerente realize eventos deste género, tendo em vista a satisfação de interesses particulares dos que produzem e dos que assistem aos concertos.

Por isso, é de considerar ilidida a presunção ínsita na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, pelo que a Requerente tem direito a deduzir a totalidade do IVA relativo às despesas referidas, pelo que o não reconhecimento desse direito em relação à € 28.458,42 é ilegal, por violação daquela norma, conjugada com o artigo 20.º n.º 1, do CIVA e o artigo 73.º da LGT.”

Acolhendo-se aqui o entendimento que se vem de transcrever, e face à prova de que as despesas em questão dizem exclusivamente respeito a um evento destinado à promoção do nome, da marca e da imagem da Requerente junto do público e de potenciais clientes, conclui-se que a correcção ora em apreço enferma, ela também, de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro na aplicação do Direito, devendo, como tal, ser anulada, procedendo o pedido arbitral nesta parte.

 

 

***

Aqui chegados cumpre apreciar, por fim, a legalidade da correcção relativa à falta de liquidação de IVA sobre a operação de cedência gratuita de espaço ao C…, no montante total de € 15.593,94, nos períodos de 2012.12T e 2013.12T.

Esta correcção foi fundada, de acordo com o RIT, que no entendimento de que “esta cedência de espaço e prestação de serviços é qualificável como uma prestação de serviços efetuada com fins alheios” à Requerente “configurando assim, para efeitos de IVA, uma prestação de serviços a título oneroso sujeita a imposto, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º do CIVA”, artigo este que dispõe que são consideradas prestações de serviços a título oneroso “as prestações de serviços a título gratuito efectuadas pela própria empresa com vista às necessidades particulares do seu titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma”.

            A este propósito apurou-se que:

  • A actividade da Requerente compreende, para além da prestação de serviços médicos, a gestão e exploração de estabelecimentos de saúde.
  • Neste âmbito, a Requerente celebrou contratos de cedência de espaço equipado e prestação de serviços com diversas outras entidades que desenvolvem a sua atividade no sector da saúde.
  • A Requerente apenas presta directamente parte de serviços médicos disponibilizados na B…, sendo outra parte dos serviços médicos disponíveis ao público executados por essas entidades que acordam com aquela a utilização do espaço e serviços.
  • Uma dessas cedências de espaço realizadas pela Requerente teve por contraparte a sociedade C…, Lda.
  • A C… desenvolve a sua actividade de prestação de serviços e cuidados de saúde, designadamente nas áreas da ginecologia, obstetrícia e pediatria e actividades e serviços instrumentais ou complementares nas instalações da B… (explorada pela Requerente).
  • O espaço utilizado (de forma não exclusiva) pela C… foi cedido pela Requerente sem que tenha havido uma remuneração directa associada a esta operação.
  • Parte dos serviços prestados pela C… (sempre que esta presta serviços a utentes beneficiários de subsistemas de saúde públicos e privados) são facturados pela própria Requerente (cabendo a esta entidade receber a totalidade do montante facturado e posteriormente atribuir uma parte desse valor aos médicos da C…, a exemplo do que sucede com outros médicos ao serviço daquela, a quem não são debitados quaisquer verbas a título de cedência de espaço);
  • A C… integra o mesmo grupo de sociedades que a Requerente.

A este respeito, alega a Requerente que o seu modelo de negócio “depende, decisivamente, de poder contar, nas instalações da B…, um conjunto alargado de prestadores de serviços que, para além da própria, ali exercem de uma forma concertada, diversos serviços médicos”, pelo que “a presença da C… nas instalações da B… constitui um importante foco de atratividade e fidelização de clientes para aquela unidade e, como tal, potencia o incremento dos serviços prestados pela Peticionante, os quais são tributados em IVA.”, pelo que rejeita que “a prestação de serviços de cedência de espaço contratualizada gratuitamente entre a Peticionante e a C… tenha um fim alheio à atividade e ao modelo de negócio da Peticionante”.

Ressalvado o respeito devido, entende-se não assistir aqui razão à Requerente.

Com efeito, o que resulta dos factos provados é que a Requerente cedeu espaços sua propriedade, a terceiros, para estes exercerem aí uma actividade visando o lucro próprio, sem obter qualquer contrapartida directa, situação que, num contexto de normalidade, não é conforme à prossecução de um escopo lucrativo, próprio das pessoas colectivas do tipo da Requerente.

Ao contrário do que esta alega, os factos dados como provados não permitem sustentar a conclusão que fosse, de facto, decisivo para o seu modelo de negócio a disponibilização nas instalações da B… de um conjunto alargado de prestadores de serviços que, para além de si própria, ali exerçam de uma forma concertada, diversos serviços médicos, nem que a presença da C… nas instalações da B… constitui um importante foco de atratividade e fidelização de clientes para aquela unidade.

De resto, tal demonstração, sempre teria de passar por prova documental (como estudos económicos e demonstrações comparativas de facturação) que comprovasse e quantificasse os ganhos efectivos ou razoavelmente espectáveis para a Requerente, decorrentes da disponibilização a título gratuito do espaço, bem como que era economicamente inviável a própria Requerente assegurar a disponibilização dos serviços em causa por si própria ou por via de terceiros que suportassem o pagamento de uma contraprestação pela disponibilização do espaço.

Não estando feita, nem sequer ensaiada tal demonstração, haverá que concluir, com a AT, que a disponibilização do espaço em causa, a título gratuito, não corresponde a qualquer interesse relevante e comprovado da Requerente, pelo que, não estando questionada a quantificação do imposto efectuada pela AT, nada haverá a censurar à correcção ora em apreço, que, por isso, deve ser mantida, improcedendo, nesta parte, o pedido arbitral.

 

 

***

 

Cumula a Requerente, com o pedido anulatório dos actos tributários objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Face à procedência do pedido anulatório, deverão ser restituídas as prestações que, relativamente aos actos tributários anulados, se venham a verificar como pagas pela Requerente, se necessário em execução de sentença. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos actos de liquidação anulados, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efectuados, e calculados com base no respectivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

Deverá a Requerida dar execução ao presente acórdão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir ao Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento indevido até ao processamento da nota de crédito, em que são incluídos.

 

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Anular as liquidações adicionais de IVA n.º…, respeitante ao período 1206T, n.º…, respeitante ao período 1212T, n.º…, respeitante ao período 1303T, n.º…, respeitante ao período 1306T, n.º…, respeitante ao período 1309T, n.º …, respeitante ao período 1312T, n.º …, respeitante ao período 1401M, n.º…, respeitante ao período 1402M, n.º 2014…, respeitante ao período 1403M, bem como das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2014…, 2014 … e 2014…, com excepção da parte relativa à correcção relativa à falta de liquidação de IVA sobre a operação de cedência gratuita de espaço ao C…, no montante total de € 15.593,94, nos períodos de 2012.12T e 2013.12T, e respectivos juros compensatórios;

b)      Condenar a Requerida a restituir à Requerente os montantes indevidamente pagos por força dos actos de liquidação anulados, acrescidos dos juros indemnizatórios devidos, contados desde a data do pagamento;

c)      Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de € 357,00, a cargo da Requerente, e de 18.921,00, a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 1.445.683,39, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 19.278,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixada, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 23 de Janeiro de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(João Taborda da Gama)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(José Nunes Barata)

 



[1] Referência, seguramente por lapso, ao artigos 497º e do nº2 do artigo 498º do Código do Processo Civil, que correspondem aos artigos 580.º e 581.º do actual Código de Processo Civil.

[2] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência sem menção específica de proveniência.

[3] Disponível em www.caad.org.pt.

[4] Cfr. neste sentido Ac. do STA de 23-09-2015, proferido no processo 01034/11.

[6] Disponíveis em www.caad.org.pt.

[8] Disponível em www.caad.org.pt.

[9] Citados supra.

[10] A situação poderá ser diferente do lado do operador privado, aplicando-se aí as considerações do Acórdão The Rank Group (processos C-259/10 e C-260/10), citado pela Requerida na sua Resposta. Em todo o caso, sempre se dirá que situações como aquela contra a qual a AT veemente se insurge acabam por ser de alguma forma comuns, não sendo necessário ir mais longe do que verificar que a arbitragem, que actua em concorrência directa com os Tribunais estaduais, tem os seus serviços obrigatoriamente sujeitos a IVA, e sem possibilidade de renúncia, enquanto que aqueles prestam os seus serviços isentos de IVA.

[11] Disponível em www.caad.org.pt.

[12] Idem.