Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 139/2016-T
Data da decisão: 2016-09-28  Selo  
Valor do pedido: € 9.635,22
Tema: IS - Isenção prevista no artigo 269.º, n.º 2 do CIRE
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Decisão Arbitral

RELATÓRIO

A -PARTES

A…, S.A., com o NIF…, com sede na Rua…, n.º…, …-… Lisboa, doravante designada de Requerente ou sujeito passivo.

AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA doravante designada por Requerida ou AT.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD, e o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, no dia 23-05-2016, para apreciar e decidir o objeto do presente processo, e automaticamente notificado a Autoridade Tributaria e Aduaneira no dia 23-05-2016, conforme consta da respetiva ata.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitro Paulo Ferreira Alves, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

Em 04-05-2016 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular fica regularmente constituído em 23-05-2016.

Ambas as partes concordam com a dispensa de apresentação de alegações escritas e da realização da dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (art.ºs 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

B – PEDIDO  

1.             O ora Requerente, pretende a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto de Selo: n.º … de 2015, nº … de 2016, n º … de 2016, nº … de 2016, nº … de 2016, nº … de 2016, nº … de 2016, que fixou um imposto global a pagar de € 9.635,22 (nove mil seiscentos e trinta e cinco euros e vinte e dois cêntimos).

C – CAUSA DE PEDIR

2.             A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto de Selo, já descritos no ponto 1 deste Acórdão, síntese, o seguinte:

                                i.            A Requerente adquiriu bens imóveis, no âmbito de processo de insolvência de diversos sujeitos passivos, agindo na qualidade de credor dos mesmos.

                              ii.            No âmbito destas operações de aquisição de imóveis foi automaticamente reconhecida ao Requerente a isenção de Imposto do Sela prevista no artigo 269.º do CIRE, não tendo assim liquidado imposto com referenda aquelas operações de aquisição.

                            iii.            Alega a Requerente a verificação do principio da primazia da vontade dos credores no CIRE, modo, e configurando o património dos devedores insolventes a garantia de satisfação dos créditos existentes, cumprira aos credores decidir quanta a efetivação dessa garantia.

                            iv.            Pelo que, tal efetivação poderá ser viabilizada seja por meio de liquidação integral do património dos devedores, seja através da manutenção da atividade e consequente reestruturação da empresa insolvente, sendo "por essa via que, seguramente, melhor se satisfaz o interesse publico da preservação do bom funcionamento do mercado".

                              v.            Defende a Requerente que da alínea e) do artigo 269.º do CIRE, estão também isentas de Imposto do Selo as aquisições onerosas de bens imóveis que se consubstanciem em qualquer um dos seguintes atos: 1. Venda; 2. Permuta; 3. Cessão do ativo da empresa, desde que o ato em apreço: a. seja ab initio sujeito a imposto do Sela; e b. seja praticado em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

                            vi.            Deste modo, a isenção de Imposto do Selo sub júdice e concedida, por um lado, no âmbito de operações de aquisição integral ou parcial da empresa objeto do processo de insolvência, e, por outro, a meros atos de aquisição de bens imóveis isoladamente considerados realizados na fase de liquidação do ativo da mesma.

                          vii.            Sustenta a Requerente que a intenção expressa do legislador relativamente a manutenção dos regimes existentes no CPEREF quanto a isenção de emolumentos e benefícios fiscal, impõe-se, por conseguinte, sufragar o entendimento que se encontram compreendidos no escopo da isenção de Imposto do Selo, prevista na alínea e) do artigo 269.º do CIRE, as operações de alienação de elementos do ativo da empresa no âmbito da Liquidação da sua massa insolvente.

                        viii.            Resulta evidente que as operações de bens imóveis em analise no presente Pedido, realizadas pelo Requerente, se encontram abrangidas pelo âmbito de aplicação da alínea e) do artigo 269.º do CIRE e que, como tal, beneficiaram as mesmas legitimamente da isenção de Imposto do Selo ali consagrada, não podendo proceder o entendimento da AT e as consequentes liquidações de imposto sub júdice.

                            ix.            Defende a Requerente que qualquer interpretação mais restritiva da norma em analise colidiria manifestamente com a ratio legis da mesma: promover a agilização da concretização do processo de insolvência, por forma a satisfazer os interesses dos credores.

                              x.            A Requerente alega que quanto ao conceito de "comerciante em nome individual" a definição de "empresa" um conceito geral e abrangente, e necessariamente aplicável a pessoas singulares que atuem na qualidade de comerciantes em nome individual.

                            xi.            Assim a isenção de Imposto do Sela, prevista na alínea e) do artigo 269.º do CIRE, afigura-se igualmente aplicável as situações de aquisição de bens imóveis realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente de pessoas singulares, que atuem na qualidade de empresários em nome individual.

                          xii.            Termina a Requerente alegando que nos termos e com os fundamentos acima expendidos, os atos tributários de liquidação de imposto do Selo sub júdice (no montante global de € 9.635,22, emitidos pela AT com referenda as aquisições em analise, enfermam de ilegalidade, devendo os mesmos ser anulados com todos as efeitos legais

D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA

3.             A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

                                i.            A AT considerou que o Requerente beneficiou indevidamente da isenção de imposto do selo, porquanto, as operações em causa não reuniam os pressupostos necessários à aplicação da alínea e) do artigo 269.º do CIRE, dado não se ter verificado a aquisição de uma “universalidade dos imóveis da empresa insolvente".

                              ii.            A isenção fiscal em apreciação decorre do disposto no artigo 269.º, alínea e), conjugado com o artigo 16.º, n.º 2 (a contrario sensu), ambos do CIRE.

                            iii.            Ou seja, a isenção fiscal prevista nos citados preceitos assenta na verificação de dois pressupostos: 1.º Que esteja em causa a realização de operações de financiamento, o trespasse ou a cessão da exploração de estabelecimentos da empresa, a constituição de sociedades e a transferência de estabelecimentos comerciais, a venda [in casu], permuta ou cessão de elementos do ativo da empresa, bem como a locação de bens; e 2.º Que tais atos, in casu, a venda, estejam previstos em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou sejam praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

                            iv.            Nestes termos, em face dos factos alegados pelo Requerente, não pode se não concluir-se que o Tribunal Arbitral Singular não detém sequer os elementos mínimos para aferir da verificação dos pressupostos legais exigidos no artigo 269.º, alínea e) do CIRE, elementos esses que, tal como supra se referiu, o Requerente nem sequer alega e, menos ainda, prova.

                              v.            Para poder beneficiar a isenção é necessário que o Requerente prove, designadamente que a referida venda está integrada no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou tenha sido praticada no âmbito da liquidação da massa insolvente e que a venda se reporte a uma empresa ou estabelecimento.

                            vi.            Ora o Requerente não alega, e muito menos prova, a que título foram efetuadas as aquisições dos imóveis, se estão ou não integradas no âmbito de planos de insolvência ou de pagamentos ou se foram praticadas no âmbito da liquidação da massa insolvente, pelo que se dá, por falta de prova como não verificado este pressuposto.

                          vii.            Até porque, decorre do disposto no artigo 16.º, n.º 2 do CIRE (supra citado) que os benefícios fiscais constantes dos artigos 268.º a 270.º dependem de reconhecimento prévio da Autoridade Tributária e Aduaneira, quando aplicados no âmbito do Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto (decreto-Lei que institui o Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial - SIREVE)

                        viii.            Em suma, em face dos escassos elementos carreados para os autos, forçoso se torna concluir que o Requerente não fez qualquer prova dos factos constitutivos do direito à isenção que invoca, ou seja, de que reunia os pressupostos para beneficiar da isenção de imposto do selo prevista no artigo 269.º, alínea e) do CIRE.

                            ix.            O Requerente não fez qualquer prova dos factos constitutivos do direito à isenção que invoca, ou seja, de que reunia os pressupostos para beneficiar da isenção de imposto do selo prevista no artigo 269.º, alínea e) do CIRE.

                              x.            Pois bem, confrontando o teor daquelas duas normas duas conclusões se retiram: Por um lado, a isenção de IMT resultante da dação em cumprimento e da cessão de bens aos credores que constava do artigo 121.º-b) do CPREF passou tal atualmente para o artigo 270.º/1-c) do CIRE. Por outro lado, o mesmo já não sucedeu relativamente aos atos de venda, permuta ou cessão, pois que o legislador não se limitou a uma tarefa de reordenação [como fez relativamente ao artigo 270.º/1-c) do CIRE], mas sim a uma alteração de fundo.

                            xi.            Com efeito, a isenção de IMT resultante de atos de venda, permuta ou cessão da empresa deixou de fazer referência aos “elementos do ativo da empresa” e aos “arrendamentos a longo prazo” [artigo 121.º/2-c) do CPEREF], mas apenas e só à “empresa” ou “estabelecimentos desta” última [artigo 270.º/2) do CIRE].

                          xii.            Resumindo, a isenção de IMT constante do artigo 270.º/2 do CIRE abrange os atos de venda, permuta ou cessão integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos, de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, porém (agora) com uma reserva face àquilo que o (então) artigo 121.º/2-c) do CPEREF dispunha: que o objeto da transmissão seja a empresa ou estabelecimento(s) desta última, e não somente elementos do ativo da empresa.

                        xiii.            Conclui a requerida alegando que em face da argumentação até aqui aduzida, é evidente a conformidade legal do atos objeto do presente pedido arbitral, falecendo, consequentemente, as pretensões formuladas pelo Requerente.

E-          FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

4.             Antes de entrar na apreciação destas questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, efetuou-se com base na prova documental, e tendo em conta os factos alegados.

5.             Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

6.             A Requerente adquiriu os seguintes imoveis, aos quais foram emitidas as seguintes liquidações adicional de Imposto de Selo:

a)      Processo de insolvência de pessoa singular de B…, NIF…, o imóvel adquirido Artigo…, Freguesia de…, a qual corresponde a liquidação de imposto de selo n.º…, com a data de 2015-12-16, e um imposto a liquidar de 676,00€.

b)     Processo de insolvência de pessoa singular de C…, NIF…, o imóvel adquirido Artigo…, Freguesia de…, a qual corresponde a liquidação de imposto de selo n.º…, com a data de 2016-01-12, e um imposto a liquidar de 1.016,00€.

c)      Processo de insolvência de pessoa singular de D…, NIF…, o imóvel adquirido Artigo…, Freguesia de…, a qual corresponde a liquidação de imposto de selo n.º…, com ad ata de 2016-01-28, e um imposto a liquidar de 286,40€.

d)     Processo de insolvência de pessoa singular de E…, NIF …, o imóvel adquirido Artigo…, Freguesia do…, a qual corresponde a liquidação de imposto de selo n.º…, com a data de 2016-01-28, e um imposto a liquidar de 387,56€.

e)      Processo de insolvência de pessoa singular de F…, NIF…, o imóvel adquirido Artigo…, Freguesia de…, a qual corresponde a liquidação de imposto de selo n.º…, com a data de 2016-01-28, e um imposto a liquidar de 6.105,35€.

f)       Processo de insolvência de pessoa singular de G…, NIF…, o imóvel adquirido Artigo…, Freguesia de…, a qual corresponde a liquidação de imposto de selo n.º…, com a data de 2016-01-28, e um imposto a liquidar de 998,80€.

g)      Processo de insolvência de pessoa singular de H…, NIF…, o imóvel adquirido Artigo…, Freguesia de … (…), a qual corresponde a liquidação de imposto de selo n.º…, com a data de 2016-02-29, e um imposto a liquidar de 720.00€.

7.             Todos os imoveis supra referidos, resultaram da liquidação da massa insolvente, de pessoas singulares.

8.             A Requerente procedeu a liquidação do imposto dos atos aqui impugnados.

          F-          FACTOS NÃO PROVADOS

9.             Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos os objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

          G-          QUESTÕES DECIDENDAS

10.         Atenta as posições das partes assumidas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimendas a seguinte, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:

a.       A alegada pela Requerente:

(i)     A alegada pela Requerente, da declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto de Selo n.º: n.º … de 2015, nº … de 2016, n º … de 2016, nº … de 2016, nº … de 2016, nº … de 2016, nº … de 2016, no valor de 9.635,22€ (nove mil seiscentos e trinta e cinco euros e vinte e dois cêntimos).

(ii)   Pagamento de juros indemnizatórios.

H-          MATÉRIA DE DIREITO

 

11.         Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente tribunal arbitral consiste em apreciar a legalidade dos atos de liquidação de imposto do selo, por violação do beneficio fiscal previsto no artigo 269.º alínea e) conjugado com o artigo 16.º, n.º 2 do CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/3 e alterado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

12.        

13.         A apreciação da referida legalidade e face a factualidade apresentada, o presente tribunal irá debruçar-se sobre duas questões cumulativas, em primeiro lugar, cabe apreciar a legalidade e abrangência da isenção aqui em apreço quanto as insolvência de pessoas singulares no âmbito da sua atividade empresarial em nome pessoal. Em segundo lugar, é necessário provar se os referidos créditos resultaram de relações estabelecidas entre a Requerente e pessoas singulares no âmbito do exercício de uma atividade empresarial em nome individual.

14.         Quanto a interpretação do beneficio fiscal previsto no artigo 269.º alínea e) conjugado com o artigo 16.º, n.º 2 do CIRE, para abranger a atividade empresarial em nome individual.

15.         Resulta do artigo 269.º alínea e) do CIRE (Benefício relativo ao imposto do selo), o seguinte:

"Estão isentos de imposto do selo, quando a ele se encontrem sujeitos, os seguintes atos, desde que previstos em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente: (…)

e) A realização de operações de financiamento, o trespasse ou a cessão da exploração de estabelecimentos da empresa, a constituição de sociedades e a transferência de estabelecimentos comerciais, a venda, permuta ou cessão de elementos do ativo da empresa, bem como a locação de bens;"

16.         Nos termos do artigo 269.º alínea e) do CIRE, para poder usufruir do beneficio fiscal em sede de Imposto de Selo, é necessário preencher os seguintes requisitos cumulativos:

                                                              i.      Primeiro que o ato de venda do imóvel esteja previsto no plano de insolvência ou seja praticado no âmbito da liquidação da massa insolvente.

                                                            ii.      Segundo que a venda resulte do ativo da empresa.

17.         Quanto ao primeiro requisito, a requerida alega que a Requerente não prova que os imoveis foram adquiridos no âmbito de um processo de insolvência.

18.         Não existe qualquer duvida que os atos de transmissão do imóvel para a Requerente resultaram de uma venda efetuada no âmbito de um processo de insolvência, no âmbito do respetivo plano de insolvência e da sua liquidação.

19.         Tal facto é retirado da descrição efetuada pela AT nos atos tributários aqui impugnados, a qual se cita "para efeitos de isenção de Imposto de Selo, prevista na alínea e) do artigo 269 do CIRE, só os atos de venda, permuta ou cessão de elementos dos ativos das empresas entendias como organizações complexas se poderão considerar abrangias pela previsão legal. Deste modo, não, estão abrangidos por esta previsão legal os insolventes que sejam pessoas singulares e, não exerça uma atividade industrial, comercial ou agrícola.".

20.         Não sendo fundamento do ato tributário a falta de prova quanto a verificação da existência e natureza da transmissão do imóvel.

21.         É igualmente descrito pela AT, na notificação do oficio n.º … de 11-09-2015, notificado a Requerente, para o exercício da audição previa, o seguinte "Após análise aos elementos disponíveis neste Serviço de Finanças, foi verificado que foi adquirido em 2013-10-03, no âmbito do processo de insolvência de C…, o bem acima identificado tendo usufruído do benefício de IMT e imposto de selo o que contraria os requisitos previsto no art.º 269 e 270 do Código de Insolvência e recuperação de empresas (CIRE)".

22.         Verifica-se nas restantes notificações juntas ao processo, que a AT em nenhuma instancia duvidou da natureza da venda e da sua proveniência.

23.         Nestes termos encontra-se preenchido o primeiro requisito previsto no primeiro paragrafo do artigo 269.º do CIRE, de o que os imoveis foram todos adquiridos no âmbito do processo de insolvência.

24.         Quanto ao segundo requisito, sobre o qual foi de acordo com as posições das partes e as respetivas liquidações, o principal motivo da não atribuição da isenção.

25.         Conforme resulta das liquidações de Imposto de Selo a AT descreve: "Deste modo, não, estão abrangidos por esta previsão legal os insolventes que sejam pessoas singulares e, não exerça uma atividade industrial, comercial ou agrícola."

26.         A Requerente por sua parte sustenta que as operações que realizou as pessoas singulares atuavam na qualidade de comerciantes em nome individual, e como tal integram a definição de "empresa", e estão abrangidas pela prevista no artigo 269.º alínea e) do CIRE.

27.         No caso sub judicie, a Requerente, adquiriu como credora no âmbito de diversos processos de insolvência de pessoas singulares, diversos imoveis já descritos, que no entender da Requerente se encontram isentos do pagamento de Imposto de Selo.

28.         Contudo a requerida, sucintamente que as operações em causa não reuniam os pressupostos necessários à aplicação da alínea e) do artigo 269.º do CIRE, dado não se ter verificado a aquisição de uma “universalidade dos imóveis da empresa insolvente”.

29.         De importante relevo para a presente decisão arbitral, a jurisprudência administrativa sobre um tema análogo, quanto a interpretação dos requisitos previstos no artigo 270.º do CIRE, em factos em tudo semelhantes, a qual entende «isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente»[1].

30.         Resulta o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 0765/13 de 07/03/2013:

«Contra esta interpretação, lê-se a dado passo, na sentença recorrida, que tal “interpretação restritiva não se mostra respaldada pela disposição legal acima transcrita, pois que nela se prevêem diversas hipóteses, sendo que a última delas respeita a «actos de venda ... praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente», sem qualquer distinção relativa ao facto de a massa insolvente ser de uma pessoa colectiva ou de uma pessoa singular, bem como sem qualquer referência à existência de uma «empresa», como defende a administração fiscal. Foi justamente neste sentido que se pronunciou o Acórdão do STA 0949/11, de 30-05-2012, 2.ª Secção, publicado em www.dgsi.pt e onde se entendeu que os actos a que se refere o n.º 2 do art.º 270.º do CIRE abrangem, não apenas as transmissões de bens imóveis integrados numa universalidade da empresa ou estabelecimento da massa insolvente, mas também as transmissões isoladas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”. (…)

Em suma, enquanto que a Fazenda Pública defende uma interpretação restritiva no sentido de o nº 2 do art. 270º do CIRE apenas abranger as transmissões onerosas de bens que integram a universalidade de empresa ou estabelecimento vendido, permutado ou cedido no âmbito do plano de insolvência, o acórdão atrás transcrito concluiu que o mais adequado ao sentido e alcance da lei de autorização legislativa para aprovação do CIRE será admitir uma interpretação mais ampla de modo a incluir também os bens imóveis que integram o património da empresa insolvente. De qualquer modo, para o que nos interessa no caso dos autos, o ponto é que terá de tratar-se de bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não os bens imóveis de pessoas singulares, com a única justificação de fazerem parte de um processo de insolvência, como se defende na sentença recorrida.»

31.         No mesmo sentido e sobre o mesmo tema, pronunciou-se igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 1345/15 de 16/12/2015.

«[a] sentença recorrida, a fls. […] dos autos, julgou procedente a impugnação deduzida pelo ora recorrido contra liquidação de IMT incidente sobre aquisição de prédio em fase de liquidação do activo em processo de insolvência, anulando o acto de liquidação impugnado e condenando a Administração à restituição do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, no entendimento de que tal aquisição está abrangida pela norma de isenção constante do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE. Fundamentou-se o decidido no acórdão deste STA de 30 de Maio de 2012, processo n.º 0949/11, para ele remetendo e procedendo à respectiva transcrição […].Discorda do decidido a Fazenda Pública, alegando que os pressupostos para o preenchimento dos requisitos que determinam a obtenção do benefício de isenção, não foram preenchidos pelo adquirente, uma vez que não adquiriu a empresa ou estabelecimento desta e que o disposto no art. 270.º, n.º 2 do CIRE, mesmo por via de uma interpretação extensiva, não contempla a venda pura e simples de elementos do activo da empresa.

Não fornece, porém, a recorrente razão alguma que abale a nossa convicção de que a sentença recorrida bem julgou ao adoptar a interpretação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE que vem sendo de forma pacífica e reiterada adoptada por este STA desde o Acórdão mencionado na sentença recorrida – cfr. para além dos acórdãos já citados no parecer do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA supra transcrito, os recentes Acórdãos de 11 de Novembro de 2015, rec. n.º 0968/13 e de 18 de Novembro de 2015, recs. n.ºs 0575/15 e 1067/15 –, não sendo o facto de a AT ter do preceito uma interpretação desconforme à jurisprudência do STA – que terá, inclusive, feito constar de recente informação 1/2014 da DSIMT e prestado à Ordem dos Notários (cfr. alegações de recurso a fls. 67, verso e 68 dos autos) -, razão para postergar o entendimento que vem sendo adoptado e que aqui se reafirma, porquanto constitui o que melhor adequa o texto legal ao sentido e extensão da autorização legislativa ao abrigo da qual a norma foi emanada pelo Governo em matéria reservada à Assembleia da República e porque essa interpretação é a que melhor serve a teleologia do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE - «fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas, também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador», dando incentivos fiscais a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente e que serão vendidos em fase de liquidação – não havendo, a essa luz, razão para distinguir as situações em que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu activo e o seu passivo, das situações em que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, ou em que se estejam a vender bens imóveis que integravam o seu activo (cfr. o Acórdão do STA de 18 de Novembro último, rec. n.º 01067/15). Conclui-se, pois, que nada há a censurar à sentença recorrida que bem julgou, estando o recurso da Fazenda Pública votado ao insucesso»

32.         Perante o exposto, ambos os acórdãos decidiram quanto aos requisitos da isenção de IMT, respetivamente, o "universalidade dos imóveis da empresa insolvente" e quanto a interpretação de "empresa", requisitos esses em tudo previsto igualmente no artigo 269.º do CIRE, quanto a isenção de Imposto de Selo, os quais devem ser aplicados na presente situação seguinte:

33.         Adicionalmente, no âmbito da jurisprudência arbitral, tem-se decidido no mesmo sentido, que o STA, respetivamente nos acórdãos arbitrais n.º 764/2014-T de 29-05-2015 e nº 123/2015-T de 01-09-2015, e decisões arbitrais n.º 99/2015-T de 27-10-2015, n.º 95/2015-T.

34.         Conforme o Acórdão Arbitral no processo nº 599/2015-T e 123/2015-T:

«Para além de esta interpretação, permitida pelo teor literal do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, ser manifestamente a que se sintoniza com a teleologia da modalidade de isenção identificada, que é incentivar as aquisições de bens da empresa insolvente, no caso em apreço a venda foi efectuada a credor da empresa insolvente, pelo que se está perante uma situação cuja substância económica é essencialmente idêntica à das situações de dação em cumprimento de bens da empresa ou de cessão de bens aos credores, que estão expressamente previstas na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 270.º, como casos de isenção de IMT.

Por isso, nos casos em que a venda é efectuada a credores da empresa insolvente, a substância económica, a que o artigo 11.º, n.º 3, da LGT manda atender na interpretação das normas de incidência tributária, sempre imporia que se entendesse se trata de situações abrangidas pela isenção, pelo que, a não se enquadrar a situação no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, ela sempre caberia, por interpretação extensiva no n.º 1 do mesmo artigo.»

35.         Utilizando interpretação mais ampla de modo a incluir também os bens imóveis que integram o património da empresa insolvente, os imoveis adquiridos pela Requerente no âmbito dos processos de insolvência de pessoas singulares que exerciam uma atividade empresarial em nome individual, encontram-se abrangidos pela isenção prevista no artigo 269.º alínea e) do CIRE.

36.         Contudo cabe agora ao presente tribunal debruçar-se sobre o segundo ponto da presente decisão arbitral, respetivamente, se a referida divida contraída entre as pessoas singulares e a Requerente, do qual resultaria a presentes operações no âmbito do processo de insolvência, se as mesmas resultaram da atividade empresarial em nome individual da pessoa insolvente.

37.         Resulta da matéria de facto fixada que a Requerente adquiriu imóveis no âmbito da liquidação da massa insolvente de pessoas singulares.

38.         Contudo, e atendendo ao que foi escrito quanto a interpretação extensiva do Benefício Fiscal aqui em apreço, cabe comprovar que as operações foram realizadas por pessoas singulares no âmbito da sua atividade empresarial, ou seja, recorreram a financiamento junto da Requerente exclusivamente para a sua atividade empresarial.

39.         A comprovação dos pressupostos, sendo um ponto fulcral nesta matéria, é decidir sobre quem recai o ónus da prova quanto ao preenchimento do requisito do artigo 269.º alínea e) do CIRE.

40.         Quanto a comprovação do preenchimento dos requisitos dos benefícios fiscais, quer sejam eles automáticos ou dependes de reconhecimento recai sobre o sujeito passivo (conforme o artigo 7.º do EBF), ou seja, cabe ao sujeito passivo nos termos do artigo 269.º do CIRE, comprovar que as operações foram realizadas com empresas ou pessoas singulares no âmbito da sua atividade empresarial.

41.         Adicionalmente, sendo necessário para a atribuição do presente Beneficio Fiscal do artigo 269.º, do reconhecimento prévio da AT nos termos do artigo 16.º n.º 2.º do CIRE, fica ainda mais claro a necessidade da comprovação dos seus pressupostos por parte do sujeito passivo.

42.         Em ambos os casos, quer se trate da comprovação de uma operação com uma empresas ou de uma pessoa singulares que agiu no âmbito da sua atividade empresarial, cabe a Requerente comprovar o preenchimento desse requisito.

43.         Tendo a Requerente sustentado que as operações que realizou, foram com pessoas singulares que atuavam na qualidade de comerciantes em nome individual, e como tal integram a definição de "empresa", como tal cabe-lhe comprovar tal invocação.

44.         Perante o exposto, o ónus da prova recai sobre o sujeito passivo, conforme resulta do artigo 74.º da LGT " 1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.",

45.         Considerando que as pessoas singulares, ao contrario das empresas, não exercem exclusivamente uma atividade empresarial e comercial, é razoável considerar necessários elementos adicionais para comprovar que uma pessoa singular atuou exclusivamente no âmbito empresarial nestas operações de financiamento.

46.         O sujeito passivo tem ao seu dispor todos meios de prova que considere essenciais para comprovar a atividade empresarial no âmbito das operações realizadas.

47.         Todavia, a sua mera invocação não é suficiente.

48.         Perante a prova fatual apresentada e os elementos constantes do respetivo processo administrativo, não existe qualquer documento apresentado pela Requerente e Requerida que prove que a operações fossem exclusivamente para financiar a atividade empresarial em nome individual da pessoa insolvente.

49.         Face ao exposto, e não tendo sido provado que a operações realizadas foram exclusivamente no âmbito da atividade empresarial da pessoa singular, o presente tribunal tem de decidir no sentido de que as referias operações realizadas por pessoas singulares não foram efetuadas exclusivamente no âmbito empresarial.

50.         Assim, face ao exposto quanto a interpretação e âmbito da isenção prevista no artigo 269.º alínea e) do CIRE, não se encontra assim preenchido um dos requisitos fundamentais.

51.         Destarte, o presente tribunal conclui pela declaração de legalidade das liquidações sub Júdice, por não violarem o disposto no artigo 269.º alínea e) do CIRE, que justifica a declaração da sua legalidade.

J - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

52.         Peticiona, ainda, a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios.

53.         Perante o exposto, verificado a legalidade das liquidações sub Júdice, não há lugar a pagamento de juros.

54.         Indefere-se o pedido da Requerente.

            I - DECISÃO

Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide-se:

a.       Julgar improcedentes o pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributário de liquidação em sede de Imposto de Selo, que fixou um imposto global a pagar de € 9.635,22 (nove mil seiscentos e trinta e cinco euros e vinte e dois cêntimos);

b.      Julgar improcedentes o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

Fixa-se o valor do processo em € 9.635,22 do valor da liquidação atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor das liquidações de imposto impugnadas, e em conformidade fixa-se as custas, no respetivo montante em 918,00€ (novecentos e dezoito euros), a cargo da Requerente de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último. –, n.º 10 do art.º 35º, e, n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

 

Notifique.

Lisboa, 28 de Setembro de 2016

O Árbitro

Dr. Paulo Ferreira Alves

 

 



[1] No mesmo sentido, de forma reiterada e uniforme já foram publicados os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo já 17 de Dezembro de 2014, proferido no processo n.º 1085/13; 11 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 968/13; 18 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 575/15; 18 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 1076/15; 3 de Julho de 2013, proferido no processo n.º 765/13; 25 de Setembro de 2013, proferido no processo n.º 866/13.