Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 138/2013-T
Data da decisão: 2013-12-20  Selo  
Valor do pedido: € 8.885,70
Tema: Verba 28.1 da TGIS
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Processo Arbitral n.º 138/2013-T

 

Requerente

A

 

Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.  A, contribuinte n.º …, com domicílio na …, vem, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

 

O Requerente pede pronúncia com vista à declaração de ilegalidade, com todas as consequências legais, dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor de € 8.885,70 (“Actos tributários contestados”, que constam dos documentos 2 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

O Requerente entende, em suma, que:

 

a)   A verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) é inaplicável a terrenos para construção;

 

b)   A referida verba foi introduzida, pelo legislador, na TGIS, em reforço do princípio da equidade social na austeridade e visou tributar a propriedade de imóveis que traduzem, de forma evidente, manifestações de riqueza;

 

c)   Só quem detém uma capacidade contributiva particularmente elevada pode suportar os custos de aquisição e conservação associados a habitações de valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000;

 

d)  O imóvel que foi objecto de liquidação de Imposto do Selo não é uma habitação, mas um terreno para construção;

 

e)   E, não obstante, possuir aptidão para nele se construírem habitações – ou edifícios com outros fins – não é, ele próprio, um prédio susceptível de ser habitado;

 

f)    A única interpretação da verba 28.1 da TGIS conforme com a Constituição da República Portuguesa é a que aplica exclusivamente a prédios imediatamente destinados a habitação, uma vez que só esses revelam a capacidade contributiva que o legislador visou atingir;

 

g)   Interpretar de forma diferente aquela verba, fazendo-a abranger terrenos para construção, torná-la-ia incompatível com o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado;

 

h)   Ao liquidar Imposto do Selo sobre a propriedade do terreno para construção, a Autoridade Tributária e Aduaneira incorreu em ilegalidade.

 

1.2.  A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, não suscitando qualquer questão prévia e defendendo, quanto ao mérito da pretensão do Requerente, que o pedido formulado não deve proceder.

 

A posição da Autoridade Tributária e Aduaneira estriba-se em defender que o prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho do …, tem afectação habitacional.

 

Para concluir nesse sentido, a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca que:

 

a)         Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de Imposto do Selo, importa recorrer ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“Código do IMI”);

 

b)        Com efeito, o artigo 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo prevê que às matérias não reguladas no presente Código, respeitantes à verba 28 da TGIS, se aplica subsidiariamente o disposto no Código do IMI;

 

c)         A noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação;

 

d)        O legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes aplicável o coeficiente de afectação previsto no artigo 41.º do Código do IMI;

 

e)         Se, para efeitos da determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação, a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada, na medida em que:

 

a.              Na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 11.º da Lei Geral Tributária;

b.             O artigo 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo manda aplicar subsidiariamente o disposto no Código do IMI;

c.              A afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;

d.             A própria verba 28 da TGIS remete para a expressão “prédios com afectação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI;

 

f)         A verba 28 da TGIS compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção;

 

g)        O legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afectação habitacional”, expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do Código do IMI;

 

h)        Concluindo que as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei.

 

1.3.  No dia 18 de Novembro de 2013 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi acordado não haver necessidade de produção de prova adicional e da realização de alegações.

 

2.      SANEAMENTO

O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria
n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

3.        FUNDAMENTAÇÃO

 

3.1.  Matéria de facto

 

3.1.1.      Factos que se consideram provados

 

a)   O Requerente é proprietário de uma quota-parte correspondente a 50% do prédio urbano composto por terreno para construção, inscrito no artigo ... da matriz predial urbana da freguesia de …, concelho do … (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

b)   Em Novembro de 2012, o Requerente foi notificado do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo n.º 2012 …, relativo ao ano 2012, no valor de € 2.961,90, efectuado ao abrigo do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro (documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), com data limite de pagamento de 20 de Dezembro de 2012, tendo efectuado o respectivo pagamento nessa data;

 

c)   Em 21 de Março de 2013, o Requerente apresentou reclamação graciosa do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo, a qual foi indeferida (documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

d)  Em Abril de 2013, o Requerente foi notificado do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo n.º 2013 …, relativo ao ano 2013, no valor de € 5.923,80, efectuado ao abrigo do n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro e verba 28.1 da TGIS (documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), com prazo limite de pagamento da primeira prestação em Abril de 2013, tendo efectuado o respectivo pagamento em data não determinada;

 

e)   Em 17 de Junho de 2013, o Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

 

3.1.2.      Factos que se consideram não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão que se consideram não provados.

 

 

3.1.3.      Fundamentação da matéria de facto provada

Os factos provados baseiam-se nos documentos indicados no ponto 3.1.1. acima, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas.

 

3.2.  Do Direito

 

3.2.1. No que respeita ao mérito da causa, a questão que é objecto do presente processo é a de saber se há incidência de Imposto do Selo nos termos da verba 28.1 da TGIS, aditado pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de terrenos para construção.

 

O n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo determina que “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”.

 

A verba 28.1 da TGIS foi introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a seguinte redacção:

 

“Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 Por prédio com afetação habitacional: 1%”

 

 

O artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012 dispõe sobre as regras aplicáveis à liquidação do Imposto do Selo à factualidade prevista na verba 28.1, e em concreto:

 

“Artigo 6.º

Disposições transitórias

 

1 - Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:

 

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de outubro de 2012;

 

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

 

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

 

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;

 

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;

 

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

 

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

 

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

 

iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

 

2 - Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.

 

3 - A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infração tributária, punida nos termos da lei.”.

 

 

Resulta das normas acima transcritas que há incidência de Imposto do Selo:

a)      Na propriedade, usufruto ou direito de superfície;

b)      De prédio com afectação habitacional; e

c)      Com Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) constante da matriz, nos termos do Código do IMI, igual ou superior a € 1.000.000.

Está em causa saber se o conceito de “prédio com afectação habitacional” compreende terrenos para construção.

O referido conceito não encontra assento na legislação tributária, nomeadamente no Código do IMI, que consubstancia a legislação subsidiária para efeitos de liquidação do imposto (cf. artigos 23.º, n.º 7, 46.º e 67.º do Código do Imposto do Selo).

Todavia, aquele compêndio tributário define diversos conceitos de prédios. A este propósito, importa atender aos preceitos legais relevantes nesta matéria, que em seguida se transcrevem:

“Artigo 2.º

Conceito de prédio

1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

 

Artigo 3.º

Prédios rústicos

1 - São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 - São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.

3 - São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º

4 - Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.

 

Artigo 4.º

Prédios urbanos

Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

 

Artigo 5.º

Prédios mistos

1 - Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

 2 - Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.

 

Artigo 6.º

Espécies de prédios urbanos

 1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos. 

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3. “

 

O que os preceitos acima não dizem e que cabe a este Tribunal Arbitral apreciar e decidir é o que se entende por “prédio com afectação habitacional”, conforme previsto na verba 28.1 da TGIS, e respectiva abrangência da realidade de terreno para construção. Ou seja, importa interpretar o referido conceito.

Em matéria de interpretação das leis tributárias, importa atender, desde logo, ao artigo 11.º da Lei Geral Tributária:

“Artigo 11.º

Interpretação

1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3 - Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4 - As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”

 

Os princípios gerais da interpretação das leis, mencionado no n.º 1 do artigo 11.º supra encontram-se estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, nos seguintes termos:

“Artigo 9.º

Interpretação da lei

 1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

Conforme já referido, a legislação tributária, nomeadamente, o Código do IMI, não inclui uma definição do conceito de “prédio com afectação habitacional”.

Inexistindo uma correspondência terminológica exacta do conceito de «prédio com afectação habitacional» com qualquer outro utilizado noutros diplomas, importa interpretar a norma, tendo, contudo, presente que o elemento literal não pode ser ignorado, uma vez que, à luz do artigo 11.º da LGT, o intérprete deve observar as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis previstos no artigo 9.º do Código Civil, o qual manda reconstruir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, devendo presumir-se que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”[1].

O artigo 6.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código do IMI refere-se a “prédio urbano habitacional”, o qual corresponde aos edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal esse fim.

A expressão prevista na referida norma do Código do IMI apresenta alguma semelhança com o conceito constante da verba 28.1 da TGIS, contudo, não é totalmente coincidente. Por outro lado, no pressuposto de que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, se o legislador distinguiu e utilizou terminologia diferente é porque o quis fazer.

Portanto, a falta de coincidência exacta entre as duas expressões – in casu, a expressão constante da verba 28.1 da TGIS e aquela prevista na alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 6.º do Código do IMI – leva-nos a concluir que o legislador não quis utilizar o mesmo conceito.

O conceito previsto na verba 28.1 da TGIS vai mais além, pressupõe uma “afectação”, a qual pode ser definida como um “destino, aplicação a um fim determinado[2].

Por seu turno, o Código do IMI utiliza, em diversos artigos, a expressão “afectação” mas sempre com um intuito de a mesma ser efectiva. Veja-se, a título exemplificativo, os artigos 3.º e 27.º deste compêndio tributário.

Ora, a intenção do legislador foi claramente de abarcar na antedita verba 28.1 da TGIS os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais.

No mesmo sentido, a referida verba deve ser interpretada no sentido de que não abrange os prédios que ainda não têm definido qualquer tipo de utilização, uma vez que não se encontram aplicados a fins habitacionais.

Em suma, o legislador pretendeu apenas visar aqueles prédios que já se encontram “afectos” a determinado fim.

Sem prejuízo do exposto, importa ainda aferir se o referido conceito de «prédio com afectação habitacional» compreende prédios (v.g., terrenos para construção) que, não estando ainda aplicados a fins habitacionais, já têm um destino pré-determinado (nomeadamente, na licença de loteamento) ou apenas quando a efectiva atribuição desse destino é concretizada (através da edificação ou construção que permita tal uso).

Da análise conjugada da verba 28.1 da TGIS e da alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 6.º do Código do IMI conclui-se que a melhor interpretação é a de que «prédio com afectação habitacional» pressupõe uma afectação efectiva, não abrangendo os terrenos para construção que, embora não estando ainda aplicados a fins habitacionais, já têm um destino pré-determinado, nomeadamente, na licença de loteamento.

Com efeito, e conforme já mencionado, existe uma clara diferença terminológica entre os conceitos consagrados na verba 28.1 da TGIS e na alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 6.º do Código do IMI.

Se o legislador pretendesse que o conceito de «prédio com afectação habitacional» compreendesse os prédios licenciados para habitação ou, mesmo sem licença, que tivessem como destino normal a habitação, teria utilizado a terminologia constante do
n.º 2 daquele artigo 6.º do Código do IMI, que define estes prédios como “prédios habitacionais”, o que claramente não fez.

Por conseguinte, o conceito de «prédio com afectação habitacional» tem em vista uma realidade distinta, exigindo-se uma efectiva afectação habitacional.

A tese da Requerida de que deve prevalecer, para efeitos da verba 28.1 da TGIS, o coeficiente de afectação em sede de avaliação conferido ao prédio, não merece acolhimento, uma vez que tal facto não determina, por si só, a efectiva afectação do prédio a determinado fim.

À face do exposto, na medida em que o prédio sobre o qual incidem os actos tributários contestados não tem uma efectiva afectação habitacional, decide-se pela procedência do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, suscitado pelo Requerente, devendo os actos de liquidação de Imposto do Selo em questão ser anulados.

 

4.        DISPOSITIVO

Face ao exposto, julga-se procedente o pedido do Requerente e, em consequência, anulam-se os actos tributários de liquidação de Imposto do Selo n.os 2012 … e 2013 …, com fundamento em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, determinando-se que a quantia paga seja devolvida ao Requerente nos termos legais.

 

Valor do processo: fixa-se em € 8.885,70 (oito mil, oitocentos e oitenta e cinco euros e setenta cêntimos), de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), no artigo 97.º-A, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

 

Custas: fixa-se em € 918,00 (novecentos e dezoito euros) o valor das custas, nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida.

 

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Notifique.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2013.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

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A Árbitro,

Lina Ramalho

 



[1] Cf. artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil.

[2] In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013, disponível em http://www.priberam.pt/dlpo/afectação.