Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 137/2014-T
Data da decisão: 2014-10-21  IUC  
Valor do pedido: € 10.059,70
Tema: IUC - Incidência subjetiva do IUC na vigência do contrato de locação financeira
Versão em PDF

REQUERENTE: A..., s.a.

REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Decisão Arbitral[1]

 

I RELATÓRIO

 

A)    As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral

 

1. A... sa, pessoa colectiva nº …, com sede na Rua …, em …, doravante designado por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo do disposto no artigo 10º, e na alínea a), do nº 1, do artigo 2º, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, para apreciar a demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, tendo em vista a anulação, com fundamento em ilegalidade, de 147 actos de liquidação oficiosa de Imposto Único de Circulação (IUC), referentes aos anos de 2009 a 2012, no valor global de €10.059,70, referente a 41 veículos automóveis identificados pelo respectivo número de matrícula nas liquidações juntas em anexo ao pedido arbitral e conforme listagem anexa como Anexo A ao pedido de pronúncia arbitral, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 14 de Fevereiro de 2014, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18.02.2014. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº 1, do artigo 6º do RJAT, foi designada, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a ora signatária como árbitro do Tribunal Arbitral singular. A nomeação foi aceite e as partes, notificadas da aceitação, em 4 de Abril de 2014, não recusaram a designação, nos termos previstos nas alíneas a) e b), do nº1, do artigo 11º, do RJAT, conjugado com o disposto nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228º, da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 22 de Abril de 2014.

No dia 22 de Abril de 2014, foi a Requerida “AT” notificada para apresentar resposta no prazo legal, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2, artigo 17º, do RJAT. A 23 de Maio de 2014 a AT juntou aos autos a sua Resposta.

No dia 13 de Junho de 2014, foi proferido despacho arbitral no sentido das partes se pronunciarem sobre a necessidade de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT ou a possibilidade da sua dispensa. Ambas se pronunciaram em sentido favorável à dispensa da realização da reunião, pelo que foi fixado prazo para alegações escritas pelas partes, conforme despacho arbitral proferido em 24 de Junho de 2014. Em 7 de Julho de 2014 a Requerente juntou aos autos as suas alegações escritas. Cumpre decidir.

 

B)    Dos Pressupostos Processuais

 

 

3. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (Cfr. Artigos 4º e 10º, nº 2, do DL nº 10/2011 e artigo 1º, da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março).

Quanto à cumulação de pedidos, pretendendo-se a apreciação conjunta da legalidade das 147 liquidações de IUC, relativas aos anos de 2009 a 2012, apesar de constituírem actos autónomos, verificando-se os pressupostos exigidos pelo disposto no nº 1, do artigo 3º, do RJAT e artigo 104º do CPPT, é de admitir a cumulação. Assim, aceita-se no mesmo pedido arbitral a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade de todos os actos tributários de liquidação de IUC e respectivos juros compensatórios que lhes estão associados, dada a identidade do imposto e a apreciação dos actos tributários em causa depender da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da aplicação das mesmas regras de direito.

O processo não enferma de nulidades que o invalidem e não foram suscitadas excepções que obstem ao julgamento do mérito da causa, pelo que o Tribunal está em condições de proferir a decisão arbitral.

 

 

C) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE

 

4. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade e consequente anulação, dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação, referentes aos anos de 2009 a 2012, no montante global de €10.059,70, com referência a quarenta e um veículos, identificados pelo respectivo número de matrícula na lista constante do pedido de pronúncia arbitral (Anexo A), que aqui se dá por reproduzida, bem assim como nas notas de demonstração de liquidação de imposto e dos respectivos juros compensatórios, todas juntas aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzidas.

Fundamenta o seu pedido na ilegalidade das liquidações de imposto e respectivos juros, alegando em síntese o seguinte:

a)      A Requerente é uma instituição de crédito com forte presença no mercado nacional, consistindo o financiamento ao sector automóvel numa das áreas de actividade com especial relevância;

b)       Uma parte substancial da sua actividade reconduz-se à celebração, entre outros, de contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis;

c)      Estes contratos obedecem, como resulta da sua própria configuração legal, a um guião comum, próprio deste tipo de financiamentos: a Requerente, depois de contactada pelo cliente – que, nessa fase, escolheu já o tipo de veículo que pretende adquirir, as suas características (marca, modelo, acessórios, etc.), e inclusive o seu preço – adquire o veículo ao fornecedor que lhe for indicado pelo cliente, e procede, de seguida, à sua entrega ao referido cliente – que assume, pois, a qualidade de locatário;

d)     Durante o período que vier a ser estipulado no contrato, este locatário mantém o gozo temporário do veículo – que permanece propriedade da Requerente –, mediante remuneração a entregar à Requerente sob a forma de rendas, podendo vir a adquirir, no termo do contrato, o veículo mediante o pagamento de um valor residual;

e)      Assim, o ponto-chave deste tipo de contratos reside no facto de, em circunstância alguma, o gozo do automóvel adquirido pertencer à Requerente, permanecendo o veículo no gozo exclusivo do cliente/locatário durante todo o tempo de vigência do contrato;

f)       Os veículos automóveis identificados na listagem junta à PI como ANEXO A (cuja matrícula consta da coluna C) foram dados em locação financeira pela Requerente aos clientes ali também identificados (coluna K) conforme contratos de locação financeira (identificados na coluna N) juntos em anexo ao pedido arbitral como documentos nºs 42 a 82;

g)      A Requerente jamais usufruiu enquanto entidade locadora dos veículos que estiveram desde o momento da sua aquisição a ser utilizados (apenas e só) pelos locatários;

h)      Recentemente a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das liquidações de IUC constantes do presente pedido arbitral (Anexo A), tendo efectuado o pagamento conforme comprovativos juntos aos autos com os nºs 1 a 41;

i)        Por ter procedido ao pagamento ao abrigo do regime excepcional instituído pelo Decreto-Lei 151-A/2013, beneficiou doa dispensa de pagamento dos correspondentes juros compensatórios;

j)         A exigência do pagamento do IUC em causa, referente aos anos de 2009 a 2012, sucedeu mesmo sabendo a AT – ou devendo saber – que sobre os veículos automóveis em apreço incidiam contratos de locação financeira e conhecendo inclusive a identidade dos locatários, razão pela qual a Requerente não pode assumir a qualidade de sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado;

k)      Exemplifica com o caso da viatura com a matrícula ..-..-.., constante das linhas 1 a 4 da tabela junta como ANEXO A;

 

 

5.      A fundamentação de direito do pedido de pronúncia arbitral, assenta, sumariamente, no seguinte:

a.       A AT ao exigir o imposto em falta à Requerente age com base num fundamento errado, pois considera a entidade locadora como sujeito passivo de IUC;

b.      Assim, subjacente a estes autos encontra-se, essencialmente, uma única questão que consiste em determinar quem assume a qualidade de sujeito passivo do IUC devido na vigência de um contrato de locação financeira: se o locatário, ou se a entidade locadora (ainda que proprietária).

c.       A Requerente pugna pelo entendimento de que o IUC é sujeito passivo o locatário, invocando para tal: a ratio subjacente ao IUC; o disposto no artigo 3º, nºs 1 e 2 e no artigo 19º, todos do CIUC; conclui pela legitimidade substantiva do locatário e, consequentemente, pela ilegitimidade das entidades locadoras para pagar o IUC;

d.      Junta aos autos Pareceres Jurídicos emitidos pelos Senhores professores Doutores … e …, emitidos, respectivamente, a pedido da ALF - Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting e da ASFAC – Associação de Instituições de Crédito Especializado;

e.       Invoca jurisprudência arbitral, com destaque para as decisões arbitrais nºs 14/2013 T, 27/2013-T e 73/2013-T.

 

Termina peticionando a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação relativos ao IUC respeitantes aos 41 veículos identificados pelo respectivo número de matrícula na listagem junta como ANEXO A, bem assim como o reembolso do montante de €10.059,70, respeitante ao imposto indevidamente pago pela Requerente e o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

 

D) – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

6. A Requerida alega na sua resposta, em síntese, que não assiste razão à Requerente quanto quanto aos fundamentos que servem de base ao pedido arbitral, não ocorrendo qualquer ilegalidade invalidante dos actos de liquidação, porquanto:

a) O entendimento da Requerente plasmado no presente pedido arbitral incorre numa enviesada leitura da letra da lei, numa interpretação que não atende ao elemento sistemático, que viola a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal que ignora a ratio legis do regime consagrado no CIUC;

b) No disposto nos n.ºs 1, do artigo 3.º do CIUC o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito, aliás à semelhança do que sucede em outros normativos legais, exemplificando algumas situações previstas na lei; entende a Requerente que nos casos em que o legislador fiscal utiliza a expressão “considera-se”, não está a estabelecer uma presunção; enuncia, a título meramente exemplificativo, diversas normas constantes de diferentes códigos fiscais que utilizam a expressão “considera-se”. Entender que o legislador consagrou aqui uma presunção, assenta numa interpretação contra a lei, porquanto “a opção clara do legislador foi a de considerar que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários aqueles que como tal constem do registo automóvel;” invoca, em defesa deste entendimento, a decisão proferida no âmbito do Processo nº 210/13.0BEPNF, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel;

c) É esta a interpretação que atende ao elemento sistemático e preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal, além do que, outra interpretação, nomeadamente a que é defendida pela Requerente, seria ignorar o elemento teleológico de interpretação da lei, a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC;

d) Admite que a Requerente só se poderia exonerar do imposto caso tivesse dado cumprimento à obrigação específica prevista na norma contida do artigo 19º do CIUC. Alega, porém, que a Requerente não deu cumprimento à obrigação contida no artigo 19º do CIUC, da qual decorre responsabilidade contraordenacional e pelas custas devidas no presente processo arbitral;

e) A acrescentar a tudo isto, alega a Requerida que a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição, na medida em que viola o princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade. Por último, atendendo às regras do ónus da prova, alega ainda a falta de prova da transmissão da propriedade do veículo, dado que as facturas não são, na óptica da AT, por si só, documentos aptos a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda.

Conclui que os actos de liquidação de IUC não padecem de ilegalidade, pugnando pela improcedência do pedido arbitral e pela absolvição da Requerida no pedido.

 

II. QUESTÕES A DECIDIR

 

7. Atendendo às posições das Partes assumidas nos argumentos apresentados, ao Tribunal cumpre decidir as seguintes questões:

 

1ª -Da incidência subjectiva do IUC na vigência do contrato de locação financeira;

2ª – Do ónus da prova

3ª - Do direito ao pagamento de juros indemnizatórios e a responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

A)    Factos Provados

 

8.Como matéria de facto relevante para a decisão a proferir, o Tribunal dá por assente os seguintes factos:

1º) A Requerente é uma instituição de crédito cuja actividade substancial consiste no financiamento ao sector, através da celebração, entre outros, de contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis;

2º) A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das liquidações de imposto único de circulação aqui impugnadas, relativamente aos anos de 2009 a 2012 referentes a quarenta e um veículos com as matrículas devidamente identificadas nas liquidações de IUC juntas aos autos como documentos nºs 1 a 41 em anexo ao pedido arbitral, todos devidamente discriminados na tabela junta à PI como anexo A, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

3º) Todas as liquidações de IUC foram pagas no prazo indicado para pagamento e totalizam o valor de €10.059,70; (cfr. Docs. nºs 1 a 41 juntos à PI);

4º) As referidas viaturas foram adquiridas pela Requerente, no âmbito da sua actividade, para de de imediato serem objecto de locação financeira com os respectivos titulares, conforme documentos nºs 42 a 82 juntos em anexo à PI;

5º) À data dos factos tributários, as viaturas automóveis referenciadas nas liquidações de IUC aqui impugnadas encontravam-se no gozo exclusivo do locatário, apesar de inscritas no registo automóvel na titularidade da ora Requerente, na qualidade de proprietária;

6º) À data dos actos tributários de liquidação a AT dispunha dos elementos de informação constantes da contabilidade da Requerente, da base registral e, posteriormente, dos que lhe foram comunicados já no âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

 

B)    FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

9. A decisão sobre a matéria de facto nos termos supra descritos tem por base a prova documental que as Partes juntaram ao processo e que integram os presentes autos. O Tribunal considerou em particular o objecto social da Requerente e a natureza específica da sua actividade realidade factual subjacente às situações negociais respeitantes aos diversos veículos, comprovados pelos documentos juntos em anexo ao pedido arbitral respeitantes às viaturas objecto das liquidações impugnadas.

 

C)    FACTOS NÃO PROVADOS

 

10.Não existem outros factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

IV – FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

11. Fixada a matéria de facto, importa conhecer das questões de direito supra indicadas, correspondendo, em síntese, às questões de ilegalidade suscitadas pela Requerente no presente pedido arbitral. Vejamos pois a primeira questão a decidir.

 

 

1ª - Da incidência subjectiva do IUC na vigência do contrato de locação financeira

 

 

12. Para análise da questão a decidir, importa verificar se a Requerente deve ser qualificada como sujeito passivo do Imposto Único de Circulação, liquidado em relação aos anos de 2009 a 2012, quanto aos veículos identificados no pedido de pronúncia arbitral.

Como a própria Requerente refere no pedido arbitral a questão de fundo a decidir é a de saber se a circunstância dos veículos identificados na tabela junta como ANEXO A, se encontrarem locados por força dos contratos de locação financeira em vigor aos respectivos titulares, os quais se mantêm durante todo o período de vigência do contrato no gozo exclusivo e pleno dos veículos, tem como efeito a ilegitimidade da requerente como sujeito passivo do IUC devido, apesar de todos os veículos automóveis em questão se encontrarem inscritos no Registo automóvel em seu nome na qualidade de proprietária.

Em primeiro lugar há que apreciar os termos da configuração da incidência subjetiva do IUC à luz do disposto no artigo 3.º do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC), nomeadamente, a questão de saber se a incidência subjetiva assenta estritamente na inscrição da titularidade/ propriedade do veículo no Registo Automóvel.

           

13.O quadro jurídico fundamental aplicável nesta matéria é o previsto nos artigos 1º a 6º, do CIUC, aprovado pela Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho.

 O artigo 1º do CIUC define a incidência objectiva do imposto, distinguindo os veículos por categorias especificadas, norma que se afigura clara e sem dificuldades de aplicação. Porém, o mesmo já não sucede com a norma de incidência subjectiva contida no nº1, do artigo 3º do CIUC, a qual está na origem do presente litígio e constitui, assim, questão a decidir no caso em apreciação.

A análise de ambos os preceitos (artigos 1º e 3º) permitem concluir que no funcionamento do IUC o registo automóvel tem um papel fundamental. O que importa, pois, é determinar qual o sentido e alcance da norma de incidência subjectiva constante do artigo 3º, nº 1, do CIUC e da eventual existência ou não de uma presunção ilidível, conexionada com o disposto no nº 2 do mesmo dispositivo legal.

Vejamos pois o que resulta do regime legal em vigor e a sua aplicação ao caso concreto dos autos.

 

Dispõe o artigo 3º do CIUC que:

“ARTIGO 3º

 

INCIDÊNCIA SUBJECTIVA

 

1 – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

2 – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.

 

Estabelece o nº1, do artigo 11º, da LGT que “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”.

 

A interpretação e aplicação da norma jurídica, pressupõe a realização de uma actividade interpretativa, a qual deve ser objectiva, equilibrada, e conforme com a letra e o espírito da lei. Qualquer texto, e a lei não é excepção, comporta múltiplos sentidos e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras. Por essa razão, embora a letra da lei seja “o fio condutor” do intérprete, ela há-de ser interpretada tendo em conta os objectivos subjacentes, “a ratio” ou a motivação do legislador ao estabelecer a norma em análise.[2]

 

A estes elementos acresce um outro segundo o qual a interpretação da norma jurídica há-de respeitar a “unidade do sistema jurídico”, a sua coerência e lógica intrínseca. O artigo 9º, do Código Civil (CC), fornece as regras e os elementos fundamentais para a interpretação da norma jurídica, ao qual também obedece a interpretação da lei fiscal deve obedecer ao disposto naquele normativo, o qual começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”.[3]

 

A estes princípios gerais acrescem, ainda, os princípios constantes da LGT, nomeadamente no artigo 73º, que estabelece que as presunções contidas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

No que se refere à questão em análise, há que salientar o contributo das decisões arbitrais já proferidas nos processos nºs 14/2013-T, de 15 de Outubro, 26/2013-T de 19 de Julho, 27/2013-T, de 10 de Setembro, 217/2013-T de 28 de Fevereiro e, mais recentemente, nas decisões proferidas nos processos 286/2013-T, de 2 de Maio de 2014 e 293/2013-T, de 9 de Junho de 2014, 46/2014-T e 89/2014-T de 5 de Setembro, entre outros, revelando uma apurada reflexão sobre a questão fundamental em apreciação, estabelecendo um entendimento uniforme sobre esta mesma questão, aliás, sufragado pelo Acórdão arbitral 63/2014- T e pelas decisões 150/2014-T e 220/2014-T. Em todas, o entendimento quanto ao sentido e alcance do normativo contido no nº1 do artigo 3º do CIUC é unânime: estamos perante uma presunção ilidível.

 

14. Ainda quanto a esta questão, face ao teor literal do disposto no nº1, do artigo 3º, do CIUC, pode questionar-se qual o alcance da expressão “considerando-se como tais”, dado que na actual versão o legislador não usou o termo “presumem-se” (o qual constava do extinto Regulamento do Imposto Sobre Veículos). Entende este Tribunal que só pode ser o seguinte: o legislador presume (considera) que os proprietários são aqueles em nome dos quais os veículos se encontrem registados. Significa isto que, tal presunção, implícita, é naturalmente ilidível nos termos previstos no artigo 73º da LGT.

Não se acompanha neste ponto o que vem alegado na resposta da AT nos presentes autos. Não se trata, pois de uma interpretação enviesada da lei nem desconforme à Constituição, como alega a AT. Aliás , contrariamente ao alegado pela Requerida, a consideração de que o disposto no art. 3.º, n.º 1, do CIUC consagra uma presunção ilidível representa a melhor interpretação e a mais conforme à Constituição, conforme resulta do acórdão do TC com o n.º 348/97, de 29.4.1997, posição reiterada no acórdão n.º 311/2003, de 28.4.2003, os quais declaram a inconstitucionalidade do “estabelecimento pelo legislador fiscal de uma presunção “juris et de jure” já que “veda por completo aos contribuintes a possibilidade de contrariarem o facto presumido, sujeitando-os a uma tributação que pode fundar-se numa matéria colectável fixada à revelia do princípio da igualdade tributária”. Nesta conformidade, não se vislumbra a alegação da Requerida possa ter acolhimento.

 

De resto a presunção estabelecida no artigo 3º, nº1, do actual CIUC, já estava consagrada nas versões anteriores dos códigos abolidos com a entrada em vigor do CIUC. Já o artigo 3.º do Regulamento do Imposto Sobre Veículos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 143/78) estabelecia que: “o imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrem matriculados ou registados”. Do mesmo modo, o art. 2.º, do Regulamento dos Impostos de Circulação e de Camionagem (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 116/94) estabelecia que: “são sujeitos passivos do imposto de circulação e do imposto de camionagem os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas singulares ou colectivas em nome das quais os mesmos se encontram registados”.

Na verdade, na versão actual do Código apenas mudou o verbo, optando agora o legislador pela expressão “considerando-se”. Certo é que, entre as versões legislativas anteriores e a actual entrou em vigor a LGT, que consagrou expressamente o princípio contido no artigo 73º, do qual resulta que em matéria de incidência tributária qualquer presunção admite sempre prova em contrário. Logo, torna-se indiferente a adopção de uma presunção expressa ou implícita, porquanto, uma como a outra são igualmente ilidíveis.

 

E, também, nesta linha de reflexão o Tribunal não pode acompanhar a argumentação aduzida pela Autoridade Tributária. No que toca ao elemento histórico, há que referir, que desde a origem do imposto de circulação, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 599/72 de 30 de Dezembro, foi, explicitamente, consagrada uma presunção, relativamente aos sujeitos passivos do imposto como sendo aqueles em nome de quem os veículos se encontravam matriculados ou registados. Essa versão da lei usava a expressão literal “presumindo-se como tais”. [4]

Pelo que, a norma do artigo 3º, nº1 do CIUC consagra uma presunção ilidível admitindo prova em contrário.

 

15. Posto isto, para a decisão do caso em apreciação nos presentes autos importa, isso sim, ter em devida conta o disposto no nº 2 do artigo 3º do CIUC, quanto refere que: “São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”

Atendendo aos fins do imposto em presença, há que reconhecer que o legislador pretendeu com este nº 2 reconhecer que a ideia subjacente à incidência subjectiva do imposto, assenta no custo ambiental gerado pelos utilizadores dos veículos automóveis, razão pela qual referiu expressamente o caso dos locatários equiparando-os a proprietários para os efeitos previstos no nº1 do referido normativo legal

Se alguma dúvida persistisse a este propósito, sempre se dirá que, quanto aos elementos de interpretação de pendor racional ou teleológico, a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 118/X de 07/03/2007, subjacente à Lei nº 22-A/2007, de 29/06, é bastante expressiva ao esclarecer que a reforma da tributação automóvel é concretizada por via da deslocação de parte da carga fiscal do momento da aquisição dos veículos para a fase de circulação e visa “formar um todo coerente” que, embora destinado à angariação de receita pública, pretende que a mesma seja angariada na medida dos custos ambientais que cada indivíduo provoca à comunidade”, acrescentando-se, a propósito do imposto em causa e dos diferentes tipos e categorias de veículos, que como elemento estruturante e unificador (…) consagra-se o princípio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária”, referindo, ainda, ser “(…) este princípio que dita a oneração dos veículos em função da respectiva propriedade e até ao momento do abate (…)”.

Assim, a lógica e racionalidade do novo sistema de tributação automóvel pressupõe e almeja um sujeito passivo coincidente com o proprietário do veículo, no pressuposto de ser esse, e não outro, o real e efetivo sujeito causador dos danos ambientais, tal como decorre do princípio da equivalência inscrito no art.º 1º, do CIUC.

Este princípio da equivalência, que informa o actual imposto único de circulação, tem subjacente o princípio do poluidor - pagador, e concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar. Trata-se, afinal, de alcançar as externalidades ambientais negativas que advêm da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários e/ou pelos utilizadores, como custos que só eles deverão suportar. [5]

Outro entendimento implicaria aceitar a possibilidade de tributar pessoas colectivas ou físicas sem responsabilidade na produção de quaisquer danos ambientais (no caso as locadoras), enquanto os reais causadores desses mesmos danos (os locatários) não estariam sujeitos ao imposto, frustrando em absoluto os propósitos reguladores da própria lei, ou seja, a sua verdadeira ratio legis.

 

Pelo que, na vigência do contrato de locação o locatário é equiparado a proprietário, para efeitos de incidência subjectiva do respectivo imposto único de circulação. No caso dos presentes autos, as quarenta e uma viaturas mencionadas nas liquidações de imposto impugnadas foram objeto de contrato de locação financeira, com opção de compra, e todos eles se mantiveram no gozo pleno e exclusivo dos locatários nos períodos de tributação em causa (anos de 2009 a 2012).

 

Dir-se-á, assim, que encontrando-se os veículos registados na titularidade da ora Requerente enquanto proprietária, a presunção do nº 1, do artigo 3º, pode ser afastada mediante a prova da existência dos referidos contratos e do seu período de vigência, bem assim como da identificação dos respectivos locatários, já que tal presunção é ilidível, seja por força do estabelecido no nº 2 do art.º 350º do Código Civil, seja à luz do disposto no art.º 73º da LGT. Daí que, a partir do momento em que se afaste a referida presunção, mediante prova em contrário, a AT não poderá persistir em considerar como sujeito passivo do IUC a locadora.

 

Mas, ainda a este propósito, acresce lembrar que o disposto no art.º 19º do CIUC, justamente, para efeitos do disposto no nº2 do art.º 3º do referido CIUC (ou seja, para efeitos da incidência subjectiva) vem impor às entidades que procedem à locação financeira, a obrigação de fornecer à AT os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.

Desta obrigação é possível extrair duas conclusões: 1ª) o legislador foi claro quanto ao valor jurídico do registo, exigindo conhecer os reais utilizadores dos veículos locados, o que, aliás, está em perfeita sintonia com o entendimento de que o nº 1 do art.º 3º do CIUC pretende, tão só, consagrar uma presunção ilidível; 2ª) existindo contrato de locação financeira e durante a sua vigência é o locatário o sujeito passivo do imposto.

 

A explicação para esta segunda conclusão decorre da intencionalidade legislativa, dado estarmos perante um imposto com finalidades ambientais, que visa claramente tributar a queles que efectivamente usam, têm o gozo dos bens, quando simultaneamente lhes assiste a faculdade de virem a tornar-se proprietários dos mesmos, por efeito decorrente do contrato em vigor. Só assim se compreende o disposto no nº 2 do artigo 3º do CIUC, o qual está em perfeita sintonia com o princípio da equivalência inspirador da arquitectura jurídica subjacente ao IUC. Nesta matéria a letra da lei é, além do mais, muito explícita.

 

 

2ª Do ónus da Prova

 

16. Alega a requerida AT que a Requerente não cumpriu a obrigação declarativa prevista no artigo 19º do CIUC e que, por isso, não pode vir agora alegar a sua condição de locadora para os efeitos pretendidos. Também neste ponto não assiste razão à AT, porquanto, inserindo-se a locação financeira de veículos automóveis na actividade económica desenvolvida pela Requerente, todos os contratos de locação financeira formalizados têm de constar da sua contabilidade, geram facturação corrente e abundante associada ao processamento das rendas em vigor, o que só por si, gera obrigações fiscais várias que têm de ser cumpridas regularmente. De tudo isto a AT tem conhecimento pois que tal só não sucederia se a Requerente incumprisse as suas obrigações fiscais mais básicas.

 

Mas ainda que se considere a eventual obrigação declarativa prevista no artigo 19º do CIUC, isoladamente, e que a AT agora alega não ter sido cumprida pela Requerente, sempre se dirá que quem alega um facto tem o ónus da sua prova. O incumprimento desta obrigação vem alegado pela AT, pelo que lhe cabia a demonstração do que alega e não à Requerente. De resto, como refere a AT na sua Resposta, se de facto se verifica esse incumprimento então há, isso sim, que desencadear os procedimentos próprios previstos na lei para sancionar com a eventual contraordenação.

 

17. Para o que releva nos presentes autos, à Requerente bastava provar a existência dos contratos de locação em vigor durante o período em que ocorreram os factos tributários, de acordo com as regras gerais do ónus da prova. É esta a factualidade por si invocada com base na qual pretende demonstrar a legitimidade substantiva do locatário. Esta factualidade encontra-se provada por todos os documentos juntos aos autos, mormente por todos os contratos de locação financeira que se encontram juntos em anexo ao pedido arbitral (cfr. docs. 41 a 82).

Por último há que referir, ainda, que no caso particular das locadoras não é credível que a AT não tenha acesso a qualquer informação acessória sobre a existência dos contratos celebrados por estas empresas e sobre os respectivos utilizadores, não só porque o disposto no art.º 19º do CIUC impõe, justamente, para efeitos do disposto no art.º 3º do referido CIUC (ou seja, para efeitos da incidência subjectiva), às entidades que procedem à locação financeira, a obrigação de fornecer à AT os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados, mas por todas as outras consequências fiscais daí decorrentes em sede de outros tributos, que certamente a AT controla com regularidade.

 Mais uma vez a solução legal não deixa dúvidas sobre quem o legislador quis fazer incidir o ónus do pagamento do imposto: o proprietário, equiparando a este os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação” (art. 3º, nº2 do CIUC).

 

Considerando a matéria de facto provada nos autos e os documentos juntos pela Requerente verifica-se ilidida a presunção prevista no nº1, do artigo 3º do CIUC e devidamente identificados os locatários, sujeitos passivos do imposto à luz do disposto no nº2 do artigo 3º do CIUC.

 

Nestes termos se conclui que os meios de prova juntos aos autos são suficientes para ilidir a presunção assente no registo automóvel e para a demonstração de que a Requerente não pode ser considerada sujeito passivo de imposto mas sim os locatários titulares dos respectivos contratos de locação financeira em conformidade com o disposto no nº2 do artigo 3º do CIUC.

 

            Em consequência, a decisão da AT que a conduziu à emissão e cobrança das liquidações de imposto agora impugnadas partiu de um pressuposto errado, segundo o qual, nos termos do disposto no nº1, do artigo 3º, do CIUC, o imposto era devido pelo titular inscrito no registo automóvel, independentemente da posterior demonstração da existência de contratos de locação financeira em vigor ao tempo em que ocorreram os factos tributários, pelo que, padecem de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Nestes termos devem ser objecto de anulação, procedendo-se, consequentemente, ao reembolso à Requerente do montante indevidamente pago.

 

 

3ª) do pedido e do direito a pagamento de juros indemnizatórios e pelas custas do processo

 

18.Dispõe a alínea b), do nº 1, do art.º 24º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.

Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no art.º 100º, da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do nº 1, do art.º 29º, do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

 Dispõe, por sua vez, o artigo 43º, nº1, da Lei Geral Tributária que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

19. Da análise dos elementos probatórios constantes dos presentes autos é possível inferir que, por força do disposto no artigo 19º do CIUC, que obriga as locadoras a comunicarem à AT (justamente, para efeitos do disposto no art.º 3º do referido CIUC em sede de incidência subjectiva de imposto) os dados relativos à identificação fiscal das entidades que procedem à locação financeira e dos utilizadores dos veículos locados, é possível concluir que a AT tinha conhecimento de elementos factuais, no essencial, suficientes para proceder à correcta liquidação do imposto ou, usando as prerrogativas do princípio do inquisitório, averiguar junto da ora Requerente todos os elementos em falta para proceder à correcta liquidação. Mas, mesmo que assim não fosse, sempre se dirá que teve a possibilidade de revogação dos actos tributários ilegalmente praticados, que poderia ter efectuado no prazo para resposta ao presente pedido de pronúncia arbitral.

O erro pelo qual está obrigada a indemnizar advém, pois, da errónea aplicação do direito vigente, pelo que o tribunal não pode sufragar a alegação da Requerida segundo a qual esta se limitou a aplicar a lei pelo que, na óptica da AT, daí não resultaria qualquer erro imputável aos serviços, ou dito de outro modo, nunca a administração seria responsabilizada pela aplicação ilegal das normas em vigor nem pelos prejuízos causados.

Assim sendo, atento o disposto no artigo 61º do CPPT e considerando que se encontram preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do art.º 43º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia de €10.059,70, a contar da data em que foi efectuado o pagamento até ao seu integral reembolso.

 

20. Quanto a custas: a Requerida, na sua resposta vem suscitar a questão da responsabilidade pelo pagamento das custas na eventualidade do Tribunal vir a considerar o pedido arbitral procedente, pretendendo que não seja considerada responsável pelo seu pagamento, já que se limitou a aplicar o disposto no artigo 3º, nº1 do CIUC.O argumento da Requerida baseia-se no mesmo argumento invocado para tentar afastar a sua responsabilidade quanto ao pagamento dos juros indemnizatórios, o qual improcede pelas mesmas razões.

Tudo o que se deixa exposto supra quanto à questão da condenação em sede de pagamento de juros indemnizatórios colhe também como fundamento para a decisão de condenação em matéria de custas arbitrais. A requerida teve oportunidade, como já referimos supra, de revogar os actos tributários ilegais, pelo menos dentro do prazo para resposta nos presentes autos. O processo só prosseguiu porque a AT assim entendeu, pois podia ter revogado os actos impugnados à semelhança do sucedido no processo arbitral nº 129/2014-T.

Acresce que, em matéria de fixação de custas devidas pelo processo arbitral aplicam-se as regras especialmente previstas no RJAT e no respectivo Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), sendo de recorrer

Pelo que, se considera improcedente o pedido da Requerida AT quanto à responsabilidade pelas custas do processo.

 

Não se afigura existirem outras questões relevantes suscitadas pelas partes.

 

V - DECISÃO

 

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

A) - Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade das liquidações de IUC impugnadas nos presentes autos, por padecerem do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, anulando-se, consequentemente, os correspondentes actos tributários;

 

B)- Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de €10.059,70, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde o dia do pagamento efectuado até ao integral reembolso do mencionado montante, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar estes pagamentos.

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nºs 1 e 2 do CPC, artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €10.059,70.

 

Custas: Nos termos do disposto no nº 4, do art.º 22º, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €918,00, a cargo da Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Registe-se e notifique-se. 

Lisboa, 21 de Outubro de 2014

 

O Árbitro singular,

 

 

(Maria do Rosário Anjos)

 



[1] A presente decisão é redigida de acordo com a ortografia antiga.

[2] Neste sentido, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Discurso Legitimador, p. 175 e seguintes.

[3] Neste sentido, vd., entre outros, os Acórdãos do STA de 05/09/2012 e 06/02/2013, respectivamente, proferidos nos processos nºs 0314/12 e 01000/12, disponíveis em www.dgsi.pt.

[4] Neste sentido, cfr. Afonso, A. Brigas e Fernandes, M. (2009) Imposto Sobre Veículos e Imposto Único de Circulação, Coimbra Editora, p. 187.

[5] Neste sentido, e a propósito do princípio da equivalência vd. a decisão arbitral nº 286/2013 – T de 2 de Maio de 2014. No mesmo sentido, vd. Decisões Arbitrais nºs 14/2013-T, 26/2013-T de 19 de Julho de 2013, 27/2013 – T, 217-2013-T de 28 de Fevereiro e, mais recentemente, e 293/2013-T de 9 de Junho de 2014, 46/204 –T entre outros.137