Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 136/2018-T
Data da decisão: 2020-05-04  IVA  
Valor do pedido: € 2.203.643,65
Tema: IVA – Direito à dedução; Regularização após determinação de pro rata definitivo – Reenvio Prejudicial.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Cristina Aragão Seia e Prof. Doutor Luís Menezes Leitão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 01-06-2018, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A., com sede social na ..., n.º..., ...-... Lisboa, pessoa colectiva n.º ... (doravante “Requerente”) apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade e sejam anulados os seguintes actos de liquidação de IVA:

i) Liquidação de IVA notificada sob o número ..., no montante de € 67.935,03;

ii) Liquidação de IVA n.º 2017..., no montante de € 487.076,76;

iii) Liquidação de IVA n.º 2017 ..., no montante de € 1.480.491,06;

iv) Liquidação de juros n.º 2018..., no montante de € 42.527,46;

v) Liquidação de juros n.º 2018... (que adicionou juros no montante de € 2.428,29);

vi) liquidação de juros n.º 2018..., no valor de € 123.185,05.

 

A Requerente pretende que sejam também anuladas a antecedente correcção à dedução do IVA referente a 2015 e a antecedente correcção ao excesso de IVA a reportar.

A Requerente pretende ainda indemnização pelos prejuízos decorrentes de prestação das garantias indevidas, calculada com base nos custos incorridos com a prestação das mesmas até ao seu levantamento.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-03-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11-05-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 01-06-2018.

Por despacho de 05-07-2018, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.

Apenas a Requerente apresentou alegações.

Por despacho de 28-09-2018, as Partes foram notificadas para se pronunciarem sobre as questões a colocar em sede de reenvio prejudicial para o TJUE.

Apenas a Requerente se pronunciou.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

a)            A Requerente tem como actividade principal a prestação de serviços postais;

b)           No âmbito da sua actividade, a Requerente pratica operações que conferem direito a dedução de IVA e outras que não conferem esse direito (isentas sem direito a dedução), sendo um sujeito passivo misto, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado;

c)            A Requerente era uma empresa do sector empresarial do Estado, que foi privatizada;

d)           Enquanto permaneceu com a natureza de empresa do sector empresarial do Estado, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendia que as operações de "cobrança postal de títulos" se enquadravam como isentas para efeitos de IVA (informação vinculativa n.º 1604, de 17 de Julho de 2007, referenciada na página 13 do Relatório da Inspecção Tributária, que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

e)           A Requerente passou a liquidar IVA relativamente às operações de “cobrança postal de títulos” realizadas a partir de 01-01-2013, tendo promovido a liquidação adicional retroactiva de IVA com referência ao ano 2013, no montante de € 1.896.563,71, através da apresentação de declaração de substituição da declaração periódica de Dezembro de 2013, tendo-o feito, igualmente, com referência ao ano 2014, no montante de € 1.632.942,68, e ao ano 2015, no montante de € 356. 031, 50;

f)            A Requerente promoveu igualmente a revisão da metodologia de dedução que havia realizado naquele período fiscal de 2013 e subsequentes;

g)            Com esta revisão, parte do IVA que havia sido deduzido através do método do pro rata passou a ser deduzido através do método da afectação real;

h)           Adicionalmente, a Requerente identificou situações em que entendeu verificar-se uma ligação integral e direta dos gastos e operações tributadas em IVA, aplicando-se aí o método de imputação direta;

i)             A referida revisão traduziu-se globalmente numa dedução adicional de IVA de € 1.967. 567, 82;

j)             A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente relativa ao exercício de 2015, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2017..., de 19-12-2017, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

ll.1. IVA

III.1.1 IVA - Imposto sobre o Valor Acrescentado - Regularização indevida de imposto €1.967.567,82

a) Enquadramento dos A... para efeito de Imposto sobre o valor acrescentado

Os A... são uma sociedade que está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA. Parte da sua atividade é sujeita mas isenta de imposto, e outra parte é sujeita e não isenta de imposto, dai estarmos perante um sujeito passivo misto que, no âmbito da sua atividade pratica operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito.

a. 1) Operações ativas - outputs

Determina a alínea 23) do artigo 9.º do Código do IVA que estão isentas do imposto as ‹‹prestações de serviços e as transmissões de bens conexas efetuadas pelos serviços públicos postais, com exceção das telecomunicações››.

Esta norma transpõe o disposto na alínea a) do n.º 1 da parte A) do artigo 13.º da Sexta Diretiva (77/388/CEE, de 17 de maio de 1977) e atualmente consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (Diretiva do IVA), a qual estabelece que ‹‹1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações: a) As prestações de serviços e as entregas de bens acessórias das referidas prestações efetuadas pelos serviços públicos postais, com exceção dos transportes de passageiros e das telecomunicações››. A legislação nacional reproduz a norma europeia ao prever na alínea 23) do artigo 9.º do Código do IVA que estão isentas «As prestações de

serviços e as transmissões de bens conexas efetuadas pelos serviços públicos postais, com exceção das telecomunicações». Já a alínea 24) do artigo 9.º do Código do IVA estabelece a isenção nas «transmissões pelo seu valor facial, de selos de correio em circulação ou de valores selados» e respetivas comissões de venda. Refira-se que as alíneas 23) e 24) do artigo 9.º do Código do IVA não sofreram, desde o início da vigência do Código do IVA, qualquer alteração às suas redações, para além da respetiva renumeração.

Todavia, o regime jurídico aplicável à prestação dos serviços postais conheceu entretanto uma alteração significativa. Na sequência da Diretiva 2008/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de fevereiro de 2008, que respeita à plena realização do mercado interno postal da Comunidade, foi aprovada a Lei n.º 17/2012, de 26 de abril, e legislação associada, que revogou a Lei n.º 102/99, de 26 de julho, e legislação associada, e que estabelece o regime jurídico aplicável à prestação de serviços postais no território nacional, bem como de serviços internacionais com origem ou destino no território nacional.

Quanto à jurisprudência, e ainda na vigência da anterior Diretiva Postal, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pronunciou-se sobre o âmbito de aplicação da isenção consignada na alínea a) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA, através do Acórdão de 23 de abril de 2009, proc. C-357/07, a pedido de TNT Post UK Ltd contra The Commissioners for Her Majesty's Revenue and Customs, sendo interveniente o Royal Mail Group, Ltd. Conclui o TJUE que a sintaxe da norma atribui um sentido orgânico à expressão «serviço público postal››, devendo entender-se que a mesma designa os órgãos de gestão que efetuam prestações de serviços a exonerar. Por seu lado, entende o TJUE, esta interpretação, que se baseia na própria letra da Diretiva, não foi afetada pela liberalização do setor dos correios. Pelo contrário, a adoção, na Diretiva 2006/112/CE, da redação utilizada na disposição da sexta Diretiva demonstra que a isenção é mantida integralmente, apesar da liberalização do setor dos correios. Conclui assim que o conceito de «serviços públicos postais» "deve ser interpretado no sentido de que visa os operadores, públicos ou privados, que se obrigam a assegurar num Estado-membro a totalidade ou parte do serviço postal universal, tal como é definido na Diretiva 97/67”. Considera também esse

Acórdão que, muito embora estejam isentas as prestações de serviços e as entregas de bens acessórias destas, efetuadas por serviços postais, não se pode inferir que estejam isentas todas as prestações de serviços e entregas de bens acessórias destas, independentemente da sua natureza intrínseca, já que, por respeito ao princípio da neutralidade fiscal, a alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º-A, da sexta Diretiva deve ser interpretada simultaneamente de modo estrito e conforme com o objetivo prosseguido pela norma, o que significa que estão apenas isentas as operações que os «serviços públicos postais» realizam, precisamente, em virtude da qualidade em que estão investidos, ficando, portanto, excluídas as prestações de serviços cujas condições tenham sido negociadas individualmente e que, pela sua própria natureza não universal, correspondem a necessidades particulares dos utentes interessados.

A importância deste Acórdão reside na circunstância de o TJUE vir confirmar, já após a plena liberalização, introduzida pela Diretiva 2008/6/CE e não obstante a pronúncia assentar ainda no quadro legal anterior, em vigor à data dos factos, que a diferença entre os «serviços públicos postais» e os outros operadores não está ligada à natureza das prestações efetuadas, mas sim ao facto de os operadores que asseguram todo ou parte do serviço postal universal estarem sujeitos a um regime jurídico específico que inclui obrigações especificas, comprometendo-se a assegurar num Estado membro todo ou parte do «serviço postal universal, na aceção da Diretiva Postal. A este respeito a Comissão alega que os serviços prestados por estas entidades, de acordo com as suas obrigações decorrentes dos artigos 3.º a 6.º da Diretiva Postal, estão abrangidos pelo conceito de “prestações (...) efetuadas pelos serviços públicos postais” na aceção da alínea a) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva 2006/112. As considerações do TJUE, se bem que formuladas no contexto da anterior redação da Diretiva Postal, mantém, numa leitura adaptada, a sua atualidade face ao quadro jurídico resultante da Diretiva 2008/6/CE. Com efeito, ao conceito de «serviços públicos postais» deve corresponder agora o conceito de «empresas prestadoras do serviço universal››. O serviço postal universal encontra-se sujeito e isento de IVA, isto e, não é liquidado imposto ao cliente.

Os serviços postais universais são prestados em regime de exclusividade pelo sujeito passivo e, em termos simplificados, abrangem: correspondência e publicidade endereçada - seja ou não correio rápido, correspondência registada, correspondência com valor declarado, citação via postal e notificações penais, emissão e venda de selo com a menção ‹‹Portugal» e outros valores postais, emissão de vales postais, colocação na via pública de marcos e caixas de correio destinados a recolha de envios postais, e correio registado utilizado em procedimentos judiciais ou administrativos. O contrato de concessão entre o Estado português e o sujeito passivo prolonga-se até 2020.

Assim, os A... mantêm-se como prestador de serviço universal até 2020 tendo sido revistas as bases de concessão de acordo com o novo regime através do Decreto-Lei n.º 160/2013, de 19 de novembro.

Neste novo enquadramento legal os parâmetros de qualidade de serviço e os objetivos de desempenho associados à prestação do serviço universal, bem como as regras que consubstanciam a formação dos preços, são fixados pela entidade reguladoras.

Todas as operações realizadas pelos A... que não se subsumem no serviço postal universal ou que, embora reunindo caraterísticas objetivas do mesmo, resultam de contrato ou de negociação estabelecido entre a empresa e os interessados, mediante o qual são acordadas condições especificas na prestação de serviços postais, não se encontram abrangidas por qualquer das isenções previstas no artigo 9.º do Código do IVA, e são assim passíveis de IVA à taxa aplicável a cada bem ou serviço.

Considerando a diversidade de serviços e produtos vendidos pelo sujeito passivo, e as alterações legislativas que ocorreram ao longo do tempo quer ao nível europeu quer ao nível nacional, os A... solicitaram informações de caráter vinculativo à atual AT por diversas ocasiões quanto à liquidação do IVA, com destaque para o Pedido de informação Vinculativa (PIV) n.º..., de 17 de julho de 2007, e para o Pedido de informação Vinculativa (PIV) n.º..., de 20 de novembro de 2015.

Este último PIV foi solicitado com caráter de urgência e com o propósito de renovar o PIV n.º..., de 2007.07.17, e o PIV n.º ..., complementar ao anterior, por forma a conhecer o regime de IVA a aplicar aos produtos comercializados pelos A... . Essa urgência não foi reconhecida uma vez que o PIV anterior já tinha caducado em 31.12.2012 sem que tivesse sido em tempo solicitada a sua renovação (atento o n.º 2 do artigo 110.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro) ou seja «sem que no decurso dos três anos que medeiam entre a alteração do quadro legal que ditou a caducidade e a submissão desse novo pedido de IV, o sujeito passivo cuidasse de ver acautelado o correto enquadramento das operações envolvidas, do ponto de vista da sua qualificação jurídico-tributaria».

O PIV n.º ... veio esclarecer qual o novo enquadramento de algumas das operações dos A... no âmbito da nova legislação (Lei n.º 17/2012, de 26 de abril, e legislação associada).

Considerou a AT no referido PIV que «após a plena liberalização dos serviços postais continua a existir um núcleo de operações consideradas de interesse geral na aceção direta da Diretiva do IVA, que dão expressão à isenção consagrada na alínea a) do n.º 1 do seu artigo 132.º, embora ocorra uma alteração do paradigma face ao quadro legal anterior, que transfere o ênfase da natureza orgânica do prestador do serviço para a natureza intrínseca das operações (aliás, mais conforme com o escopo do IVA), cuja realização obedece a um conjunto de condições que o prestador do serviço universal deve assegurar.

Destacam-se a universalidade, a acessibilidade e publicitação dos preços, praticados em condições de igualdade e não discriminação, segundo parâmetros de qualidade e objetivos de desempenho fixados e sob controlo da autoridade reguladora, bem como o respetivo financiamento. Estão, assim, isentas de IVA nos termos da alínea 23) do artigo 9.º do CIVA, as prestações de serviços postais, de âmbito nacional e internacional, realizadas pelas entidades licenciadas, ou designadas para tal, que se consubstanciam no serviço postal universal, tal como se encontra definido no artigo 12.º da Lei n.º 17/2012. Estes serviços encontram-se tipificados nos números 1 a 3 da Base II aprovada pelo Decreto Lei n.º 448/99, com as alterações subsequentes. Estão, no entanto, excluídas do serviço postal universal as prestações de serviços postais quando, ainda que reúnam as caraterísticas previstas no artigo 12.º Da Lei n.º 17/2012 e sejam prestadas com recurso à rede postal afeta à concessão do serviço postal a que se refere o n.º 3 da Base ll, resultem de acordos ou contratos cujas condições tenham sido negociadas individualmente e que, pela sua própria natureza não universal, correspondem às necessidades particulares dos utentes interessados. (...) Mantém-se a isenção do imposto na transmissão, pelo seu valor facial, de selos do correio em circulação e de valores selados, bem como as respetivas comissões de venda, com a menção ‹‹Portugal››, conforme estabelece a alínea b) do n.º 1 da Base II aprovada pelo Decreto-Lei n.º 448/99, de 4 de novembro, republicada pelo Decreto-Lei n.º 160/2013, de 19 de novembro. (...) não são de enquadrar na isenção os produtos designados por «cobrança postal de títulos» e «cobrança domiciliária de títulos de terceiros», os quais devem ser tributados (à taxa normal do imposto) por falta de enquadramento em qualquer das alíneas do artigo 9.º do CIVA. As demais operações elencadas no grupo de serviços financeiros, enquadradas pela Requerente nas alíneas 27) e 28), bem como as que considera tributadas à taxa normal, não merecem reparo. ››

Na sequência das alterações legislativas consubstanciadas pela Lei n.º 17/2012, de 26 de abril, e legislação associada, o sujeito passivo retificou em 2015 a liquidação de IVA referente aos períodos de 2013, 2014 e 2015 como adiante se descreve.

Temos ainda a acrescentar que, relativamente às operações ativas dos A..., mais de 80% da sua atividade é isenta ou não sujeita a IVA.

(...)

b) Descrição dos factos

Os A... efetuaram alterações relativamente ao IVA liquidado e deduzido no período de 2015.

A solicitação da AT, a empresa esclareceu as alterações efetuadas:

«No âmbito da sua atividade, os A... prestam serviços de cobrança postal. O enquadramento em IVA conferido a estes serviços a par de outros serviços e produtos dos A... foi objeto de análise pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no âmbito de um Pedido de Informação Vinculativa apresentado pelos A... em agosto de 2007. Na informação Vinculativa então prestada, a AT pronunciou-se, por um lado, no sentido da tributação em IVA dos serviços de “cobrança postal impostos”, “cobrança postal coimas” e “cobrança postal segurança social” e, por outro, pela isenção em IVA nos serviços de “cobrança postal títulos” ao abrigo do artigo 9. º, n.º 28 do CIVA.

Deste modo os A... aplicaram a referida isenção nos serviços de cobrança, referentes a pagamentos de bens e serviços, nomeadamente água, eletricidade, gás, seguros e telecomunicações designados como serviços de “cobrança postal de títulos”.

Tendo os A... constatado no final de 2014 que a informação Vinculativa em causa havia caducado, suscitaram-se dúvidas sobre a renovação do enquadramento das suas operações.

Neste âmbito, em concreto no que se refere ao serviço de “cobrança postal de títulos", os A..., face às referidas dúvidas, procederam à retificação das operações, passando a liquidar IVA sobre as mesmas com referência a 1 de janeiro de 2013 (data em que havia caducado o enquadramento anteriormente confirmado pela AT) até à data. Este IVA ascendeu a:

2013 - € 1.896.563,71;

2014 - € 1.632.942,68

2015 - €365.031,50»

A liquidação de IVA por retificação no montante de €365.031,50 das operações de "cobrança postal de títulos" refere-se apenas às faturas do primeiro trimestre, uma vez que a partir de abril o IVA foi liquidado normalmente, isto e, logo no documento de faturação. Note-se que a correspondente dedução do IVA

suportado nos inputs utilizados nas operações de “cobrança postal de títulos” de janeiro a março de 2015 encontra-se incluída na regularização do pro rata provisório em pro rata definitivo e que foi declarado na primeira DP referente a dezembro de 2015 submetida pelos A... .

Chegados a este ponto, importa evidenciar todas as alterações efetuadas pelos A... nas declarações entregues referentes a dezembro de 2015. O sujeito passivo submeteu duas DP para aquele período conforme sobressai no quadro seguinte:

 

A primeira DP com o n.º..., submetida em 10.02.2016 dentro do prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA, registava o montante de €1.566.555,98 no campo 24º (outros bens e serviços) e €755.261,08 no campo 401º (regularizações a favor da empresa) com um total de imposto a pagar no valor de €67.934,71.

O valor inscrito no campo 40 tem por motivo a regularização da percentagem de dedução calculada provisoriamente (pro rata geral e pro rata filatelia) de acordo com os valores definitivos do ano de 2015, tal como previsto no n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA.

A segunda DP com o n.º ... submetida a 09.05.2016, portanto fora do prazo previsto na legislação, apresentava um valor adicional no campo 24 no montante de €1.967.567,82 totalizando assim €3.534.123,80. Trata-se de uma regularização a favor do sujeito passivo por alteração retroativa do método de dedução do IVA utilizado pelos A... .

Com base nesta alteração retroativa, o sujeito passivo preconizou acréscimos das deduções do IVA suportado em três exercícios - 2013, 2014 e 2015 - por idênticos motivos. Assim, a resposta dada as questões colocadas pela UGC sobre o exercício de 2013 permite compreender a alteração realizada em 2015 pelo contribuinte (neste caso no campo 24 da DP submetida a 9 de maio de 2016).

Assim, os A... mencionaram que «Em face da tributação, em IVA, dos serviços de cobrança postal reportada a 1 de janeiro de 2013, e na medida em que os A... incorreram em custos directos para a realização desta actividade, a empresa tomou a iniciativa de proceder a uma revisão do apuramento do IVA dedutível relativo ao ano de 2013, mediante a aplicação conjugada dos métodos legalmente disponíveis, a saber: (i) de imputação direta (ii) de afetação real a áreas específicas e (iii) a, título residual, do pro rata. Na sequência desta revisão, os A... concluíram que com a mudança do regime de tributação em IVA dos serviços de cobrança postal e com a correta aplicação dos referidos métodos, em particular da imputação direta e da afetação real, lhes assistia o direito à dedução adicional no valor acima assinalado. De notar que esta revisão ficou a dever-se, como referido, à mudança do regime de tributação dos “serviços de cobrança de títulos" que a AT veio a confirmar em resposta à renovação do pedido de informação Vinculativa submetido pelos A... .››

Tendo em conta o motivo subjacente à entrega da DP de substituição e os valores em causa, importa analisar a legalidade do acréscimo de dedução promovido pelo sujeito passivo na segunda DP com o n.º ... no montante de €1.967.567,82.

 

c) Alteração retroativa do método aplicado no cálculo do direito à dedução

No âmbito do presente relatório dirigimos o foco para a alteração efetuada na segunda declaração periódica (DP), a qual foi entregue fora do prazo.

Conforme acima referido, nessa DP de substituição de dezembro de 2015 (submetida a 9 de maio de 2016) o sujeito passivo registou o montante de €1.967.567,82 que resulta do facto do sujeito passivo ter alterado o método de dedução - passa a utilizar mais a afetação real a 100% e altera o critério de dedução dos inputs/áreas indicados nos quadros que se seguem - do pro rata para a afetação real procedendo a alterações das chaves de repartição aplicáveis originando um aumento da parte do IVA a montante que pretende deduzir.

Ou seja, ao longo do ano de 2015, os A... deduzem o IVA na percentagem do pro rata provisório (16%), à medida que registam os seus inputs.

No final do ano, efetuam uma regularização relativa ao pro rata definitivo (19%) conforme o n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA.

Posteriormente, relativamente aos inputs em que foi deduzido IVA pelo pro rata provisório – e regularizado posteriormente pelo pro rata definitivo - é aplicada ainda uma outra chave - em função de uma afetação real a cada grupo de inputs.

O diferencial entre o valor apurado pela aplicação do método de afetação real e o método do pro rata aos mesmos inputs vem resultar no acréscimo da dedução efetuado na declaração de substituição entregue fora de prazo.

Não obstante o sujeito passivo classificar o IVA adicional a recuperar em três grupos, trata-se de uma regularização que tem a mesma origem ou seja a alteração do método de dedução.

De facto, relativamente aos inputs da empresa e ao IVA suportado, conforme já descrito, os A..., no ano 2015:

a)            Relativamente às situações em que identificam uma conexão direta e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas que conferem o direito a dedução, a empresa aplicou, para efeitos do exercício deste direito, o n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, recuperando a totalidade do imposto incorrido;

b)           Relativamente às situações em que não foi possível encontrar aquela conexão entre inputs e outputs, para a dedução do imposto incorrido foram apuradas duas percentagens de dedução: o pro rata geral e o pro rata para o sector da filatelia dada a sua especificidade;

c)            No entanto, em 2015, após o ajustamento já mencionado na liquidação do imposto, a empresa verificou que o pro rata geral apurado para a recuperação do imposto incorrido nos recursos de utilização mista “(...) não só não traduzia a verdadeira medida do consumo desses mesmos recursos em algumas das actividades/operações realizadas pelos A..., desvirtuando, assim, a neutralidade do imposto, como representava um desvio significativo daquela que devia ser a medida do direito à dedução na esfera dos A... (nomeadamente, no que se refere à área dos serviços de cobrança postal) e procederam então à “revisão retrospectiva da metodologia de dedução do IVA incorrido adoptada pelos A... (nomeadamente, no que se refere à área dos serviços de cobrança postal) (...) abrangendo os anos que foram afectados pela alteração do enquadramento em IVA dos serviços de cobrança postal- anos de 2013, 2014 e 2015”.

O quadro seguinte indica o IVA a deduzir registado pelo sujeito passivo. Encontram-se indicados montantes declarados na primeira e na segunda DP referentes a dezembro de 2015. A totalidade do IVA adicional a recuperar na segunda DP tem por motivo o imposto a deduzir em virtude da alteração retroativa do método de dedução entretanto preconizada pelos A...”.

 

 

(...)

c.4) Em síntese

Ora, é nosso entendimento, e tal será demonstrado neste relatório, que esta alteração em virtude da qual o sujeito passivo regulariza a seu favor imposto no montante de €1.967.567,82:

             €41.777,64 - Em que todo o IVA suportado passa a ser deduzido.

             €1.828.265,91 - incremento do IVA dedutível por via do aumento da percentagem associada ao método da afetação real;

             €97.424,27 - incremento do IVA dedutível do imobilizado por via do aumento da percentagem associada ao método da afetação real.

 

Tal carece de fundamento legal, e portanto não deverá ser considerado valido este aumento do valor de IVA a deduzir a favor do sujeito passivo.

 

d) Enquadramento jurídico

d. 1) Da legislação comunitária

O direito a dedução encontra-se previsto em termos comunitários no título X “Deduções” da Diretiva IVA 2006/112/CE do Conselho (artigos 167.º a 192.º) e a nível do direito interno no capítulo V - secção I do Código do IVA (artigos 19.º a 26.º).

Nos termos do disposto no artigo 167.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, que faz parte do Capítulo “Origem e âmbito do direito à dedução”, o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

Por seu turno, o artigo 168.º da Diretiva IVA estabelece que os sujeitos passivos estão autorizados a deduzir o imposto suportado, nomeadamente, em aquisições de bens e serviços efetuadas a outros sujeitos passivos do imposto e em importações de bens, desde que estes recursos sejam utilizados para os fins das suas operações tributáveis.

Quando estiverem em causa inputs utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução como para operações sem direito à dedução, estatui o n.º 1 do artigo 173.º da Diretiva IVA que «a dedução só é concedida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações». Mais refere este artigo que essa proporção pode ser determinada para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo, podendo ser autorizados pelos Estados membros outros métodos de repartição, entre os quais a dedução com base na utilização da totalidade ou parte desses bens e serviços.

No artigo 174.º da Diretiva do IVA são estabelecidas regras para determinação do cálculo do pro rata de dedução, prevendo-se que o mesmo é determinado numa base anual. De acordo com o n.º 3 do artigo 175.º

 da Diretiva", o pro rata aplicável provisoriamente a determinado ano é calculado com base nas operações do ano anterior ou, não existindo estas, com base numa estimativa. A fixação do pro rata definitivo para cada ano, apurado no ano seguinte, implica o ajustamento das deduções que tenham sido efetuadas com base no pro rata provisório aplicado.

Quanto às restantes regularizações, encontram-se estatuídas no capítulo 5, com a epígrafe “Regularizações das deduções” do Título X da Diretiva, e que corresponde aos artigos 184.º a 192.º.

O preceito prevê que ocorram regularizações apenas em determinadas situações:

             Quando a dedução for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito;

             Quando posteriormente à declaração se verifiquem alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante de dedução, como seja o caso da anulação de compras ou de obtenção de descontos;

             Quando do não pagamento total das operações;

             Prevê ainda regularizações relativas aos bens de investimento, quando existam variações no direito à dedução nos anos subsequentes àquele em que os bens em questão foram adquiridos ou produzidos e exercido o direito à dedução inicial, quando esses bens sejam objeto de transmissão durante o período de regularização, e quando ocorram transições de regime de tributação para regime especial ou a situação inversa.

 

Quando o sujeito passivo utiliza bens ou serviços, sobre os quais suportou IVA a montante, para efetuar tanto operações com direito à dedução como sem direito à dedução, essa dedução só é concedida relativamente à parte do IVA proporcional as operações tributáveis, devendo essa percentagem ser calculada segundo as modalidades previstas no artigo 173.º da Diretiva do IVA.

No mesmo sentido refere o Acórdão do Tribunal de Justiça no Processo C-332/14 que quanto ao «cálculo do valor da dedução, importa recordar, relativamente aos bens e serviços afetados simultaneamente a operações que confiram direito à dedução e a operações que não conferem esse direito, que, nos termos do artigo 17.º, n.º 5, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, este valor é, em princípio, calculado com base num pro rata determinado, para todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, nos termos do artigo 19.º desta diretiva, através da aplicação de um critério de repartição baseado no volume de negócios.

32 - Dito isto, o Tribunal de Justiça reconheceu que os Estados-Membros podem, quando implementam algumas das opções previstas no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, da referida diretiva, aplicar um método de cálculo diferente do método referido no número anterior do presente acórdão, desde que, nomeadamente, o método seguido garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a que resulta da aplicação deste primeiro método (...) A referida condição não implica, todavia, que o método escolhido deva necessariamente ser o mais preciso possível. Com efeito, como o advogado geral referiu no n.º 90 das suas conclusões, o dispositivo do acórdão de 8 de novembro de 2012, BLC Baumarkt (C 511/10, EU:2012:689), limita-se a exigir que o método escolhido garanta um resultado mais preciso do que aquele que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios››.

O critério determinante para a dedutibilidade do IVA pago a montante é, assim, a utilização dos bens e serviços para operações tributáveis a jusante. Como refere o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) «os impostos que tenham incidido a montante sobre os bens ou os serviços utilizados por um sujeito passivo para os fins das suas operações tributáveis podem ser deduzidos. A dedução dos impostos pagos a montante está ligada à cobrança dos impostos a jusante. Quando os bens ou os serviços adquiridos por um sujeito passivo são utilizados para efeitos de operações isentas ou não abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA, não pode existir cobrança do imposto a jusante nem dedução do imposto a montante. Pelo contrário, na medida em que os bens ou os serviços sejam utilizados para efeitos de operações tributáveis a jusante, impõe-se uma dedução do imposto que incidiu sobre os mesmos a montante a fim de evitar uma dupla tributação”.

Da jurisprudência do TJUE resulta que a utilização que é dada aos recursos, ou a que lhes é destinada, determina o montante da dedução inicial a que o sujeito passivo tem direito, nos termos do artigo 173.º da Diretiva IVA, e o âmbito de eventuais ajustamentos durante os períodos seguintes, que devem ser efetuados nas condições previstas nos artigos 184.º a 192.º da Diretiva. Esses ajustamentos previstos das deduções permitem evitar inexatidões no cálculo das deduções e vantagens ou desvantagens injustificadas para o sujeito passivo quando, nomeadamente, se verificarem, posteriormente a declaração, alterações dos elementos inicialmente tomados em consideração para a determinação do montante das deduções”.(Acórdão de 30 de março de 2006, Uudenkaupungin kaupunki , c-184/04, n.º 25)

Como elucida o TJUE, o n.º 1 do artigo 185.º da Diretiva trata das «alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, por exemplo no caso de anulação de compras ou de obtenção de abatimentos nos preços”, ao passo que o n.º 2 do artigo 187.º da mesma Diretiva, que é específico para bens de investimento para os quais a duração do ajustamento é mais longa, esclarece que esse ajustamento é realizado em função das “alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos, produzidos ou, se for caso disso, utilizados pela primeira vez››.

Do referido, afigura-se que a Diretiva do IVA não prevê qualquer ajustamento em que sejam enquadráveis as alterações realizadas pelo sujeito passivo. Importa por isso analisar este ajustamento no quadro da legislação nacional, nomeadamente o Código do IVA.

 

d.2) Da legislação nacional

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 22.º do Código do IVA, o direito à dedução do imposto surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. E de conformidade com o artigo 7.º do Código do IVA, o imposto torna-se exigível no momento em que se efetua a transmissão de bens ou em que o serviço é prestado, salvo quando, nos termos do artigo 8.º do Código do IVA, exista a obrigação de emissão da fatura pela operação realizada, situação em que a exigibilidade ocorre na data em que a fatura e emitida ou, se o prazo de emissão não for respeitado, no momento em que termina esse mesmo prazo.

Mais acrescenta o n.º 2 do artigo 22.º do Código do IVA que «Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.››

Refira-se que o direito à dedução está dependente da utilização que for dada aos bens e serviços adquiridos ou que lhes for destinada pelo sujeito passivo.

Assim, tratando-se de bens e serviços exclusivamente afetos a operações sujeitas a imposto e dele não isenta, apresentando uma relação direta e imediata com essas operações, o IVA incorrido é objeto de dedução integral, nos termos do artigo 20.º do Código do IVA. E, a contrario, se os recursos adquiridos

se destinarem somente a operações tributáveis mas isentas ou a operações não sujeitas, o imposto neles contido não será dedutível.

Já a dedução do imposto que onere os recursos adquiridos e utilizados indistintamente em operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem tal direito, segue o estabelecido no artigo 23.º do Código do IVA, isto é, será dedutível em proporção correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar à dedução ou segundo o grau de utilização nessas operações com base em critérios objetivos.

O artigo 23.º do Código do IVA estabelece dois métodos de dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista: o método de afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados (previsto no n.º 2), e o método do pro rata genérico (previsto na alínea b) do n.º 1). Refira-se que o sujeito passivo pode, por sua iniciativa, efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou de parte dos recursos utilizados, desde que com base em critérios objetivos. No entanto, o legislador confere à administração tributária a possibilidade de impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou podem provocar distorções significativas na tributação.

Todavia, na utilização da metodologia da afetação real prevista no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, a legislação não aponta qualquer técnica a utilizar pelo sujeito passivo na construção desse método, deixando essa delimitação ao arbítrio deste. Tal significa que na construção concreta do método dever-se-á atender à especificidade da atividade desenvolvida bem como à natureza dos bens ou serviços mistos a repartir.

Quanto à utilização do pro rata, seja genérico ou especifico, estipula o n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA que a percentagem de dedução a aplicar ao imposto suportado nos recursos utilizados, calculada provisoriamente com base nas operações efetuadas no ano anterior, e corrigida de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a regularização das deduções inicialmente consideradas, as quais devem constar da declaração do último período a que respeitam.

Torna-se assim evidente que, nos termos deste preceito, quaisquer correções no cálculo da(s) percentagem(ns) de dedução utilizada(s) durante um determinado exercício devem ser efetuadas no final desse ano, tendo por base os valores definitivos das operações realizadas pelo sujeito passivo no decurso do mesmo.

Conclui-se assim que o artigo 23.º do Código do IVA não prevê a possibilidade de um sujeito passivo que, no momento em que se constitui o direito à dedução do IVA, tenha optado por um método de coeficiente e/ou chave de repartição para cálculo do direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista, possa alterar retroativamente tais elementos recalculando a dedução inicial efetuada e já regularizada nos termos do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA.

Deste normativo decorre que as correções aos critérios de dedução e ao cálculo do coeficiente de imputação devem ser feitas no final do ano em causa e também que devem ser refletidas na declaração referente ao último período cujo prazo de entrega esta definido no artigo 41.º do Código do IVA”.

Aliás, exercida a dedução inicial, o sujeito passivo só pode proceder a correções a essa dedução, nas condições previstas no artigo 23.º já descritas, bem como nos termos dos artigos 24.º a 26.º e 78.º do Código do IVA.

Os artigos 24.º a 26.º do Código do IVA referem-se a regularizações das deduções relativas a bens do ativo imobilizado e imóveis não utilizados para fins empresariais, pelo que não poderão constituir suporte legal para a alteração retroativa do método de dedução.

Quanto ao que estabelece o artigo78.º do Código do IVA, o n.º 6 refere que ‹‹A correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.››

Com o propósito de se determinar o sentido dos "erros materiais ou de cálculo" uma vez o legislador fiscal não o ter determinado, atentemos então, em observância do disposto no artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), como outros ramos do direito concetualizaram a expressão em causa:

a)            Artigo 249.º do Código Civil- Erro de cálculo ou de escrita

b)           «O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta»

c)            Artigo 614.º do Código do Processo Civil (artigo 667.º CPC 1961) - Retificação de erros materiais

«1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607. º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz. (...)»

d)           Artigo 95.º-A do Código do Procedimento e do Processo Tributário - Retificação de erros materiais - Procedimento de correção de erros da administração tributária

e)           «(...) 2 - Consideram-se erros materiais ou manifestos, designadamente os que resultaram do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso (...)››

 

Constatando-se que o preceito em causa abrange exclusivamente a correção de «erros materiais ou de cálculo nos registos ou nas declarações periódicas, importa delimitar o sentido dessa expressão, à luz dos princípios interpretativos delineados no artigo 9.º do Código Civil.

Desde logo, pode-se afirmar que os «erros materiais e de cálculo» referenciados não se podem reconduzir a nenhuma das situações que podem originar regularizações de imposto previstas nos demais números deste preceito. Por conseguinte, não estarão em causa no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA erros de determinação do valor tributável, erros cometidos nas faturas ou omissão de liquidação de imposto em situações de inversão do sujeito passivo.

Da mesma forma, entende-se não ser possível subsumir neste preceito as correções ou regularizações de imposto que são reguladas por normas específicas da legislação do IVA, tais como o cálculo e regularizações do pro rata previstos no artigo 23.º, ou as regularizações a que se referem os artigos 24.º a 26.º do Código do IVA.

Finalmente, decorre da formulação do n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA não estarem aí contemplados erros de direito cometidos nos registos ou nas declarações, como sejam, por exemplo, erros na qualificação da operação realizada.

Face a estes conceitos, poder-se-á concluir que a interpretação da AT veiculada logo em 1985 e posteriormente reafirmada no ponto 9.3 do Ofício-Circulado 30082/2005, de 17 de novembro - DSIVA, no sentido de que se consideram erros materiais ou de cálculo os que resultam de erros internos da empresa e que não tem qualquer interferência na esfera de terceiros, não se afasta, em substância, dos mesmos.

Assim, considerando o já afirmado, entende-se que as alterações retroativas aplicadas no cálculo do direito à dedução de bens e serviços de utilização mista, não tem por base nem erros materiais ou de cálculo previstos no artigo 78.º nem erros de qualquer outra natureza, pois nos termos do artigo 23.º do Código do IVA o sujeito passivo fez uma opção no momento do nascimento do direito à dedução, conforme estabelecido no n.º 1 do artigo 22.º do Código do IVA, a qual se encontra no âmbito da autonomia de atuação permitida pelo imposto e é materializada na autoliquidação efetuada pelo sujeito passivo.

Em sentido idêntico pronunciou-se a Direção de Serviços do IVA já no mencionado Oficio-Circulado n.º 30082/2005, esclarecendo no ponto 8 que «as regularizações previstas no artigo 71.º [atual artigo 78.º do CIVA] destinam-se a corrigir, a favor do sujeito passivo ou a favor do Estado, 0 imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de imposto, por força de diversas circunstâncias ocorridas após o envio da declaração periódica e que não estejam contempladas noutros normativos legais. Nesse sentido, os mecanismos previstos no artigo 71.º [atual artigo 78.º] não poderão ser utilizados noutras situações, nomeadamente:

f)            alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos;

g)            apuramento de prorata;

h)           regularizações de IVA sobre imóveis e outros bens do ativo imobilizado ou relativas à afetação de imóveis a fins distintos daqueles a que se destinam.

 

Estas situações deverão ser regularizadas ao abrigo dos artigos 23.º, 24. º, 24. º-A [atual artigo 25.º] e 25.º [atual artigo 26. º] do CIVA, consoante o caso»

E esta interpretação decorre, aliás, do próprio artigo 22.º do Código do IVA, ao salvaguardar de forma expressa, no seu nº 2, o preceituado no artigo 78.º: «Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior (...)»

Importa referir que também o artigo 98.º do Código do IVA não acolhe a pretensão dos A... . Esta norma interna está amparada no artigo 180.º da Diretiva do IVA, e como tal no seu n.º 2 impõe um prazo máximo ao exercício do direito à dedução mas que ainda não se efetivou acautelando situações excecionais, que poderiam impedir a dedução de imposto nos termos dos artigos 22.º e 23.º do Código do IVA. Aliás, esta realidade está bem expressa na parte inicial do preceituado e nos termos da qual o prazo de quatro anos é aplicável «sem prejuízo de disposições especiais».

Tal significa que este prazo não opera sempre que exista uma norma especial que estabeleça um limite temporal diferente. É o que acontece nos artigos 22.º e 23.º do Código do IVA. E este entendimento pode ser extraído do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 2011.05.18, processo n.º 966/2010, quando refere: «O n.º 2 do art.º 92.º do CIVA [atual artigo 98.º] ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efetuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução se pode efetuar em momentos diferentes dos indicados naquele artigo 22.º».

 

e) Conclusão

 

 Em síntese podemos concluir o seguinte:

1) O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível e é delimitado pela afetação que o sujeito passivo faça dos bens e serviços destinados à sua atividade económica;

2) No caso de bens e serviços de utilização mista, a escolha do método de cálculo da dedução inicial só pode ser feita para cada aquisição de bens ou serviços no momento em que se constitui o direito à dedução, nas condições do n.º 1 do artigo 20.º, do n.º 1 do artigo 22.º e do artigo 23.º do Código do IVA;

3) O artigo 23.º do Código do IVA não contempla a possibilidade de um sujeito passivo que tenha optado por um método de dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista poder alterar retroativamente o mesmo, recalculando a dedução inicial efetuada;

4) Este artigo prevê unicamente, no seu n.º 6, as correções ao cálculo dos coeficientes de dedução, previstas na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2, ambos do artigo 23.º do Código do IVA, sendo esta a norma utilizada pelo sujeito passivo, determinando o preceito que estas correções devem ser feitas no final do ano em que está a ser aplicada e refletidas na declaração referente ao último período do ano em causa (dezembro de 2015);

5) As regularizações previstas nos artigos 24.º a 26.º do Código do IVA não podem igualmente constituir suporte para qualquer alteração retroativa do coeficiente de dedução inicialmente utilizado;

6) A escolha de um método de dedução constitui uma opção legítima do sujeito passivo que no momento da aquisição do bem ou serviço de utilização mista escolheu o método de cálculo do direito à dedução do IVA, que, no seu entender, melhor se coadunava com a sua realidade empresarial, e nunca de um erro, pelo que não é passível de enquadramento no artigo 78.º do Código do IVA;

7) Note-se que o n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA reporta-se exclusivamente a correção de "erros materiais ou de cálculo", não estando aí abrangidas correções já contempladas noutras disposições deste artigo, as que estejam reguladas por outras normas específicas da legislação do IVA (caso da regularização prevista no n.º 6 do artigo 23.º), e os erros de direito cometidos nos registos ou nas declarações;

8) Ou seja, a expressão "erros materiais ou de cálculo nos registos ou declarações periódicas” abrange erros de transposição dos dados dos documentos de suporte para a contabilidade ou desta para a declaração periódica ou erros aritméticos cometidos na contabilidade ou nas declarações, pelo que não constitui base legal para uma alteração retroativa do método de cálculo do direito a dedução inicial referente aos bens e serviços de utilização mista ou para uma correção do cálculo da percentagem de dedução;

9) A regularização de imposto já deduzido também não cabe na previsão do artigo 98.º do Código do IVA, visto que esta norma alcança apenas situações de exercício do direito à dedução e não regularizações de deduções já efetuadas.

10) Por fim, salienta-se que a norma do artigo 23.º - na qual se apoia o sujeito passivo - não foi devidamente aplicada e que a regularização também não tem sustentação legal no artigo 78.º ou no artigo 92.º do Código do IVA.

 

Ao longo do ano os A... efetuaram as deduções de acordo com os métodos previstos no artigo 23.º do Código do IVA. Terminado o período de 2015 foi possível determinar o pro rata definitivo e regularizá-lo em conformidade com o n.º 6 do artigo 23.º. Em maio de 2016 os A... entregaram uma DP de substituição em que alteram as deduções a seu favor no campo 24 no montante de €1.967.567,82 por alteração do método de dedução alegando indevidamente o n.º 6 do artigo 23.º. Tal alteração, no entanto, não tem qualquer cabimento legal de acordo com o Código do IVA, com relevo para os artigos 20º, 22.º a 26.º, 78.º, 98.º conforme fundamentação expendida neste Projeto de Relatório.

Face a tudo o que antecede e de acordo com os normativos legais citados, propõe-se uma correção a regularização de imposto incluída no Campo 24 da declaração periódica de substituição de IVA (DP n.º ... de 9 de maio de 2016), referente ao mês de dezembro de 2015, no montante de €1.967.567,82.

 

k)            Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações:

i) Liquidação de IVA notificada sob o número ..., no montante de € 67.935,03;

ii) Liquidação de IVA n.º 2017..., no montante de € 487.076,76;

iii) Liquidação de IVA n.º 2017..., no montante de € 1.480.491,06;

iv) Liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no montante de € 42.527,46;

v) Liquidação de juros compensatórios n.º 2018... (que adicionou juros no montante de € 2.428,29);

vi) liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no valor de € 123.185,05.

 

l)             Em 21-03-2018, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.1. Factos não provados

 

Não há factos potencialmente relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos dados como provados constam do processo administrativo junto com a Resposta e dos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

3. Matéria de direito

 

O artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece o seguinte:

Artigo 173.º

 

No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

 

O artigo 175.º do mesmo diploma estabelece o seguinte:

 

Artigo 175.º

1. O pro rata de dedução é determinado anualmente, fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior.

2. O pro rata aplicável provisoriamente a determinado ano é calculado com base nas operações do ano anterior. Na falta de tal referência, ou quando esta não seja significativa, o pro rata é estimado provisoriamente, sob controlo da administração, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões.

Todavia, os Estados–Membros podem continuar a aplicar a sua regulamentação em vigor em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados–Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão.

3. A fixação do pro rata definitivo, que é determinado para cada ano durante o ano seguinte, implica a regularização das deduções operadas com base no pro rata aplicado provisoriamente.

 

Os artigos 22.º, 23.º e 98.º do Código do IVA (CIVA) estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 22.º

Momento e modalidades do exercício do direito à dedução

 

1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.

2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação. (Redacção do Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de Agosto)

3 - Se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, pode a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar.

(...)

 

Artigo 23.º

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

 

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

(...)

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

                (...)

6 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.

 

Artigo 78.º

 

Regularizações

 

(...)

6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.

(...)

 

Artigo 98.º

 

Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução

 

(...)

 

2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.

(...)

 

Ao longo do ano de 2015, a Requerente efectuou as deduções de IVA de acordo com os métodos previstos no artigo 23.º do Código do IVA, deduzindo o IVA na percentagem do pro rata provisório (16%), à medida que registam os seus inputs.

No final do ano de 2015, a Requerente efetuou uma regularização aplicando o pro rata definitivo (19%), nos termos do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, o que constou da declaração do último período desse ano.

Essa regularização foi efectuada pela Requerente no pressuposto de que a actividade que desenvolve de serviço de “cobrança postal de títulos" estava isento de IVA, de harmonia com uma Informação Vinculativa da Administração Tributária emitida e 2007.

Posteriormente, face a dúvidas, sobre a continuação da aplicação daquela isenção, após a emissão de nova legislação, designadamente a Lei n.º 17/2012, de 26 de Abril, a Requerente procedeu à rectificação das operações, passando a liquidar IVA sobre as mesmas com referência a 1 de janeiro de 2013, rectificando em 2015 a liquidação de IVA referente aos períodos de 2013, 2014 e 2015.

Na sequência desta liquidação retroactiva de IVA, a Requerente, relativamente aos inputs em que tinha deduzido IVA pelo pro rata provisório e regularizado posteriormente pelo pro rata definitivo, aplicou uma outra chave, em função de uma afetação real a cada grupo de inputs.

O diferencial entre o valor apurado pela aplicação do método de afetação real e o método do pro rata aos mesmos inputs, no montante de €1.967.567,82, foi acrescido em dedução a favor da Requerente efectuada no campo 24 da declaração de substituição apresentada em Maio de 2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a alteração do método de dedução, após ter sido efectuada a regularização nos termos do n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, não tem qualquer cabimento legal de acordo com o Código do IVA, designadamente à face dos artigos 20º, 22.º a 26.º, 78.º, 98.º do CIVA.

A Requerente entende, em suma, que o direito à dedução pode ser exercido depois do período de tributação no qual nasce o direito à dedução, nos termos do artigo 22.º, n.º 2, do CIVA, dentro do prazo de 4 anos previsto no artigo 98.º, n.º 2, do mesmo Código, quando não está previsto prazo especial (como será o caso do artigo 78.º, n.º 6, do CIVA).

A Requerente defende que os princípios da efectividade e da equivalência são incompagináveis com uma interpretação do artigo 22.º, n.º 2, do CIVA no sentido de a dedução do IVA só ser possível num único momento ou oportunidade (a do período de recepção das facturas) e sugere que, em caso de dúvida se efectue reenvio prejudicial para o TJUE.

Nas alegações, a Requerente refere ainda que a regulamentação do IVA quer efectivamente ver desonerado de modo a evitar efeitos distorcivos na economia – princípio da neutralidade.

No artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia prevê-se o reenvio prejudicial para o TJUE, que é obrigatório sempre que uma questão sobre a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.

 Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º 14).

Porém, no caso em apreço, está em causa a interpretação de normas do Direito da União Europeia sobre a qual existem dúvidas interpretativas e não se conhece jurisprudência do TJUE que decida de forma clara sobre as questões essenciais que são colocadas no presente processo.

O TJUE tem pacificamente admitido reenvio prejudicial em processos arbitrais tributários (como se vê, entre outros, pelo acórdão de 11-06-2015, proferido no processo n.º C-256/14).

Assim, não havendo possibilidade de recurso relativamente às questões colocadas relativas ao princípio da neutralidade, da efectividade e da equivalência e da aplicação do n.º 3 do artigo 175.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, é de entender que é obrigatório o reenvio prejudicial, à face do preceituado no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Nestes termos, é de efectuar reenvio prejudicial para o TJUE, que deve ser precedido de possibilidade de pronúncia das Partes.

Notificadas as Partes para se pronunciarem, querendo, sobre as questões a colocar em sede de reenvio prejudicial, apenas a Requerente se pronunciou sugerindo a seguinte pergunta:

 

- O princípio da proporcionalidade, da efectividade e da equivalência impedem que por um lado o Estado português proíba a dedução acrescida de IVA cujo défice de dedução haja sido revelado por revisão da metodologia de dedução e aplicação do método da afectação real, depois do período de recepção de factura abrangida por esta revisão (cfr. artigo 22.º, n.º 2, do Código do IVA, na interpretação que 0 Tribunal Arbitral pondere adoptar), e por outro lado permita a dedução acrescida de IVA durante um período adicional de dois anos nas situações de erro de cálculo ou de escrita (situações de défice de IVA à partida mais simples de detectar) - cfr. artigo 78.º, n.º 6, do Código do IVA - ?

 

Ponderando a sugestão da Requerente e o que atrás se referiu sobre as questões que importa apreciar, mas tendo em conta que «compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (acórdãos do TJUE Acórdão de 10 de julho de 2018, processo C-25/17, e de 02-10-2018 processo C-207/16), formulam-se as seguintes questões em

 

Reenvio prejudicial

 

1) Os princípios da neutralidade, da efectividade e da equivalência e da proporcionalidade opõem-se a uma interpretação do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA no sentido de que não se aplica a situações de alteração ou regularização de deduções já efectuadas?

2) Os referidos princípios opõem-se a uma legislação como o artigo 23.º, n.ºs 1, alínea b), e 6, do CIVA, interpretados no sentido de que um sujeito passivo que tenha optado por um método de coeficiente e/ou chave de repartição para cálculo do direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista e tenha efectuado a correcção com base nos valores definitivos referentes ao ano a que se reporta a dedução, nos termos daquele n.º 6, não pode alterar retroactivamente tais elementos, recalculando a dedução inicial já regularizada nos termos dessa norma, na sequência de liquidação retroactiva de IVA relativamente a uma actividade que inicialmente considerara isenta?

 

Termos em que acordam em suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à daquele, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias do presente acórdão, do pedido de pronúncia arbitral, da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira e das alegações da Requerente e do requerimento desta de 09-10-2018, bem como cópia do processo administrativo e dos documentos juntos com as peças processuais.

 

Lisboa, 15-10-2018

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Cristina Aragão Seia)

(Luís Menezes Leitão)

 

2.ª DECISÃO Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Cristina Aragão Seia e Prof. Doutor Luís Menezes Leitão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 01-06-2018, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A., com sede social na ..., n.º ..., ...-... Lisboa, pessoa colectiva n.º ... (doravante “Requerente”) apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade e sejam anulados os seguintes actos de liquidação de IVA:

i) Liquidação de IVA notificada sob o número ..., no montante de € 67.935,03;

ii) Liquidação de IVA n.º 2017..., no montante de € 487.076,76;

iii) Liquidação de IVA n.º 2017..., no montante de € 1.480.491,06;

iv) Liquidação de juros n.º 2018..., no montante de € 42.527,46;

v) Liquidação de juros n.º 2018... (que adicionou juros no montante de € 2.428,29);

vi) liquidação de juros n.º 2018..., no valor de € 123.185,05.

 

A Requerente pretende que sejam também anuladas a antecedente correcção à dedução do IVA referente a 2015 e a antecedente correcção ao excesso de IVA a reportar.

A Requerente pretende ainda indemnização pelos prejuízos decorrentes de prestação das garantias indevidas, calculada com base nos custos incorridos com a prestação das mesmas até ao seu levantamento.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-03-2018.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11-05-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 01-06-2018.

Por despacho de 05-07-2018, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.

Apenas a Requerente apresentou alegações.

Por despacho de 28-09-2018, as Partes foram notificadas para se pronunciarem sobre as questões a colocar em sede de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

Apenas a Requerente se pronunciou.

Por acórdão de 15-10-2018, foi decidido efectuar reenvio prejudicial para o TJUE.

No âmbito do processo de reenvio prejudicial, as Partes pronunciaram-se sobre as questões colocadas, nos termos em que o TJUE as equacionou.

O TJUE veio a proferir, em 30-04-2020, acórdão no processo n.º C-661/18, em que concluiu:

1) O artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lido à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado Membro que, ao abrigo dessa disposição, autoriza os sujeitos passivos a efetuar a dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução proíba esses sujeitos passivos de alterar o método de dedução do IVA após a fixação do pro rata definitivo.

2) Os artigos 184.º a 186.º da Diretiva 2006/112, lidos à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual é recusada a um sujeito passivo que efetuou deduções de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) que incidiu sobre a aquisição de bens ou de serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução, segundo o método baseado no volume de negócios, a possibilidade de, após a fixação do pro rata definitivo em aplicação do artigo 175.º, n.º 3, desta diretiva, retificar essas deduções aplicando o método da afetação, numa situação em que:

– ao abrigo do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da referida diretiva, o Estado Membro em causa autoriza os sujeitos passivos a efetuar deduções de IVA com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução;

– no momento em que optou pelo método de dedução, o sujeito passivo ignorava de boa fé que uma operação que considerava isenta, na realidade, não o estava;

– o prazo geral de caducidade fixado pelo direito nacional para regularizar as deduções ainda não terminou; e

– a alteração do método de dedução permite estabelecer com maior precisão a parte do IVA referente a operações com direito à dedução.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

A)           A Requerente tem como actividade principal a prestação de serviços postais;

B)           No âmbito da sua actividade, a Requerente pratica operações que conferem direito a dedução de IVA e outras que não conferem esse direito (isentas sem direito a dedução), sendo um sujeito passivo misto, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado;

C)           A Requerente era uma empresa do sector empresarial do Estado, que foi privatizada;

D)           Enquanto permaneceu com a natureza de empresa do sector empresarial do Estado, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendia que as operações de "cobrança postal de títulos" se enquadravam como isentas para efeitos de IVA (informação vinculativa n.º 1604, de 17 de Julho de 2007, referenciada na página 13 do Relatório da Inspecção Tributária, que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

E)            A Requerente passou a liquidar IVA relativamente às operações de “cobrança postal de títulos” realizadas a partir de 01-01-2013, tendo promovido a liquidação adicional retroactiva de IVA com referência ao ano 2013, no montante de € 1.896.563,71, através da apresentação de declaração de substituição da declaração periódica de Dezembro de 2013, tendo-o feito, igualmente, com referência ao ano 2014, no montante de € 1.632.942,68, e ao ano 2015, no montante de € 356. 031, 50;

F)            A Requerente promoveu igualmente a revisão da metodologia de dedução que havia realizado naquele período fiscal de 2013 e subsequentes;

G)           Com esta revisão, parte do IVA que havia sido deduzido através do método do pro rata passou a ser deduzido através do método da afectação real;

H)           Adicionalmente, a Requerente identificou situações em que entendeu verificar-se uma ligação integral e direta dos gastos e operações tributadas em IVA, aplicando-se aí o método de imputação direta;

I)             A referida revisão traduziu-se globalmente numa dedução adicional de IVA de € 1.967. 567, 82;

J)            A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente relativa ao exercício de 2015, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2017..., de 19-12-2017, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

ll.1. IVA

III.1.1 IVA - Imposto sobre o Valor Acrescentado - Regularização indevida de imposto €1.967.567,82

a) Enquadramento dos A... para efeito de Imposto sobre o valor acrescentado

Os A... são uma sociedade que está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA. Parte da sua atividade é sujeita mas isenta de imposto, e outra parte é sujeita e não isenta de imposto, dai estarmos perante um sujeito passivo misto que, no âmbito da sua atividade pratica operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito.

a. 1) Operações ativas - outputs

Determina a alínea 23) do artigo 9.º do Código do IVA que estão isentas do imposto as ‹‹prestações de serviços e as transmissões de bens conexas efetuadas pelos serviços públicos postais, com exceção das telecomunicações››.

Esta norma transpõe o disposto na alínea a) do n.º 1 da parte A) do artigo 13.º da Sexta Diretiva (77/388/CEE, de 17 de maio de 1977) e atualmente consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (Diretiva do IVA), a qual estabelece que ‹‹1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações: a) As prestações de serviços e as entregas de bens acessórias das referidas prestações efetuadas pelos serviços públicos postais, com exceção dos transportes de passageiros e das telecomunicações››. A legislação nacional reproduz a norma europeia ao prever na alínea 23) do artigo 9.º do Código do IVA que estão isentas «As prestações de serviços e as transmissões de bens conexas efetuadas pelos serviços públicos postais, com exceção das telecomunicações». Já a alínea 24) do artigo 9.º do Código do IVA estabelece a isenção nas «transmissões pelo seu valor facial, de selos de correio em circulação ou de valores selados» e respetivas comissões de venda. Refira-se que as alíneas 23) e 24) do artigo 9.º do Código do IVA não sofreram, desde o início da vigência do Código do IVA, qualquer alteração às suas redações, para além da respetiva renumeração.

Todavia, o regime jurídico aplicável à prestação dos serviços postais conheceu entretanto uma alteração significativa. Na sequência da Diretiva 2008/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de fevereiro de 2008, que respeita à plena realização do mercado interno postal da Comunidade, foi aprovada a Lei n.º 17/2012, de 26 de abril, e legislação associada, que revogou a Lei n.º 102/99, de 26 de julho, e legislação associada, e que estabelece o regime jurídico aplicável à prestação de serviços postais no território nacional, bem como de serviços internacionais com origem ou destino no território nacional.

Quanto à jurisprudência, e ainda na vigência da anterior Diretiva Postal, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pronunciou-se sobre o âmbito de aplicação da isenção consignada na alínea a) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva do IVA, através do Acórdão de 23 de abril de 2009, proc. C-357/07, a pedido de TNT Post UK Ltd contra The Commissioners for Her Majesty's Revenue and Customs, sendo interveniente o Royal Mail Group, Ltd. Conclui o TJUE que a sintaxe da norma atribui um sentido orgânico à expressão «serviço público postal››, devendo entender-se que a mesma designa os órgãos de gestão que efetuam prestações de serviços a exonerar. Por seu lado, entende o TJUE, esta interpretação, que se baseia na própria letra da Diretiva, não foi afetada pela liberalização do setor dos correios. Pelo contrário, a adoção, na Diretiva 2006/112/CE, da redação utilizada na disposição da sexta Diretiva demonstra que a isenção é mantida integralmente, apesar da liberalização do setor dos correios. Conclui assim que o conceito de «serviços públicos postais» "deve ser interpretado no sentido de que visa os operadores, públicos ou privados, que se obrigam a assegurar num Estado-membro a totalidade ou parte do serviço postal universal, tal como é definido na Diretiva 97/67”. Considera também esse

Acórdão que, muito embora estejam isentas as prestações de serviços e as entregas de bens acessórias destas, efetuadas por serviços postais, não se pode inferir que estejam isentas todas as prestações de serviços e entregas de bens acessórias destas, independentemente da sua natureza intrínseca, já que, por respeito ao princípio da neutralidade fiscal, a alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º-A, da sexta Diretiva deve ser interpretada simultaneamente de modo estrito e conforme com o objetivo prosseguido pela norma, o que significa que estão apenas isentas as operações que os «serviços públicos postais» realizam, precisamente, em virtude da qualidade em que estão investidos, ficando, portanto, excluídas as prestações de serviços cujas condições tenham sido negociadas individualmente e que, pela sua própria natureza não universal, correspondem a necessidades particulares dos utentes interessados.

A importância deste Acórdão reside na circunstância de o TJUE vir confirmar, já após a plena liberalização, introduzida pela Diretiva 2008/6/CE e não obstante a pronúncia assentar ainda no quadro legal anterior, em vigor à data dos factos, que a diferença entre os «serviços públicos postais» e os outros operadores não está ligada à natureza das prestações efetuadas, mas sim ao facto de os operadores que asseguram todo ou parte do serviço postal universal estarem sujeitos a um regime jurídico específico que inclui obrigações especificas, comprometendo-se a assegurar num Estado membro todo ou parte do «serviço postal universal, na aceção da Diretiva Postal. A este respeito a Comissão alega que os serviços prestados por estas entidades, de acordo com as suas obrigações decorrentes dos artigos 3.º a 6.º da Diretiva Postal, estão abrangidos pelo conceito de “prestações (...) efetuadas pelos serviços públicos postais” na aceção da alínea a) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva 2006/112. As considerações do TJUE, se bem que formuladas no contexto da anterior redação da Diretiva Postal, mantém, numa leitura adaptada, a sua atualidade face ao quadro jurídico resultante da Diretiva 2008/6/CE. Com efeito, ao conceito de «serviços públicos postais» deve corresponder agora o conceito de «empresas prestadoras do serviço universal››. O serviço postal universal encontra-se sujeito e isento de IVA, isto e, não é liquidado imposto ao cliente.

Os serviços postais universais são prestados em regime de exclusividade pelo sujeito passivo e, em termos simplificados, abrangem: correspondência e publicidade endereçada - seja ou não correio rápido, correspondência registada, correspondência com valor declarado, citação via postal e notificações penais, emissão e venda de selo com a menção ‹‹Portugal» e outros valores postais, emissão de vales postais, colocação na via pública de marcos e caixas de correio destinados a recolha de envios postais, e correio registado utilizado em procedimentos judiciais ou administrativos. O contrato de concessão entre o Estado português e o sujeito passivo prolonga-se até 2020.

Assim, os A... mantêm-se como prestador de serviço universal até 2020 tendo sido revistas as bases de concessão de acordo com o novo regime através do Decreto-Lei n.º 160/2013, de 19 de novembro.

Neste novo enquadramento legal os parâmetros de qualidade de serviço e os objetivos de desempenho associados à prestação do serviço universal, bem como as regras que consubstanciam a formação dos preços, são fixados pela entidade reguladoras.

Todas as operações realizadas pelos A... que não se subsumem no serviço postal universal ou que, embora reunindo caraterísticas objetivas do mesmo, resultam de contrato ou de negociação estabelecido entre a empresa e os interessados, mediante o qual são acordadas condições especificas na prestação de serviços postais, não se encontram abrangidas por qualquer das isenções previstas no artigo 9.º do Código do IVA, e são assim passíveis de IVA à taxa aplicável a cada bem ou serviço.

Considerando a diversidade de serviços e produtos vendidos pelo sujeito passivo, e as alterações legislativas que ocorreram ao longo do tempo quer ao nível europeu quer ao nível nacional, os A... solicitaram informações de caráter vinculativo à atual AT por diversas ocasiões quanto à liquidação do IVA, com destaque para o Pedido de informação Vinculativa (PIV) n.º 1604, de 17 de julho de 2007, e para o Pedido de informação Vinculativa (PIV) n.º 9022, de 20 de novembro de 2015.

Este último PIV foi solicitado com caráter de urgência e com o propósito de renovar o PIV n.º1604, de 2007.07.17, e o PIV n.º1871, complementar ao anterior, por forma a conhecer o regime de IVA a aplicar aos produtos comercializados pelos A... . Essa urgência não foi reconhecida uma vez que o PIV anterior já tinha caducado em 31.12.2012 sem que tivesse sido em tempo solicitada a sua renovação (atento o n.º 2 do artigo 110.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro) ou seja «sem que no decurso dos três anos que medeiam entre a alteração do quadro legal que ditou a caducidade e a submissão desse novo pedido de IV, o sujeito passivo cuidasse de ver acautelado o correto enquadramento das operações envolvidas, do ponto de vista da sua qualificação jurídico-tributaria».

O PIV n.º 9022 veio esclarecer qual o novo enquadramento de algumas das operações dos A... no âmbito da nova legislação (Lei n.º 17/2012, de 26 de abril, e legislação associada).

Considerou a AT no referido PIV que «após a plena liberalização dos serviços postais continua a existir um núcleo de operações consideradas de interesse geral na aceção direta da Diretiva do IVA, que dão expressão à isenção consagrada na alínea a) do n.º 1 do seu artigo 132.º, embora ocorra uma alteração do paradigma face ao quadro legal anterior, que transfere o ênfase da natureza orgânica do prestador do serviço para a natureza intrínseca das operações (aliás, mais conforme com o escopo do IVA), cuja realização obedece a um conjunto de condições que o prestador do serviço universal deve assegurar.

Destacam-se a universalidade, a acessibilidade e publicitação dos preços, praticados em condições de igualdade e não discriminação, segundo parâmetros de qualidade e objetivos de desempenho fixados e sob controlo da autoridade reguladora, bem como o respetivo financiamento. Estão, assim, isentas de IVA nos termos da alínea 23) do artigo 9.º do CIVA, as prestações de serviços postais, de âmbito nacional e internacional, realizadas pelas entidades licenciadas, ou designadas para tal, que se consubstanciam no serviço postal universal, tal como se encontra definido no artigo 12.º da Lei n.º 17/2012. Estes serviços encontram-se tipificados nos números 1 a 3 da Base II aprovada pelo Decreto Lei n.º 448/99, com as alterações subsequentes. Estão, no entanto, excluídas do serviço postal universal as prestações de serviços postais quando, ainda que reúnam as caraterísticas previstas no artigo 12.º Da Lei n.º 17/2012 e sejam prestadas com recurso à rede postal afeta à concessão do serviço postal a que se refere o n.º 3 da Base ll, resultem de acordos ou contratos cujas condições tenham sido negociadas individualmente e que, pela sua própria natureza não universal, correspondem às necessidades particulares dos utentes interessados. (...) Mantém-se a isenção do imposto na transmissão, pelo seu valor facial, de selos do correio em circulação e de valores selados, bem como as respetivas comissões de venda, com a menção ‹‹Portugal››, conforme estabelece a alínea b) do n.º 1 da Base II aprovada pelo Decreto-Lei n.º 448/99, de 4 de novembro, republicada pelo Decreto-Lei n.º 160/2013, de 19 de novembro. (...) não são de enquadrar na isenção os produtos designados por «cobrança postal de títulos» e «cobrança domiciliária de títulos de terceiros», os quais devem ser tributados (à taxa normal do imposto) por falta de enquadramento em qualquer das alíneas do artigo 9.º do CIVA. As demais operações elencadas no grupo de serviços financeiros, enquadradas pela Requerente nas alíneas 27) e 28), bem como as que considera tributadas à taxa normal, não merecem reparo. ››

Na sequência das alterações legislativas consubstanciadas pela Lei n.º 17/2012, de 26 de abril, e legislação associada, o sujeito passivo retificou em 2015 a liquidação de IVA referente aos períodos de 2013, 2014 e 2015 como adiante se descreve.

Temos ainda a acrescentar que, relativamente às operações ativas dos A..., mais de 80% da sua atividade é isenta ou não sujeita a IVA.

(...)

b) Descrição dos factos

Os A... efetuaram alterações relativamente ao IVA liquidado e deduzido no período de 2015.

A solicitação da AT, a empresa esclareceu as alterações efetuadas:

«No âmbito da sua atividade, os A... prestam serviços de cobrança postal. O enquadramento em IVA conferido a estes serviços a par de outros serviços e produtos dos A... foi objeto de análise pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no âmbito de um Pedido de Informação Vinculativa apresentado pelos A... em agosto de 2007. Na informação Vinculativa então prestada, a AT pronunciou-se, por um lado, no sentido da tributação em IVA dos serviços de “cobrança postal impostos”, “cobrança postal coimas” e “cobrança postal segurança social” e, por outro, pela isenção em IVA nos serviços de “cobrança postal títulos” ao abrigo do artigo 9. º, n.º 28 do CIVA.

Deste modo os A... aplicaram a referida isenção nos serviços de cobrança, referentes a pagamentos de bens e serviços, nomeadamente água, eletricidade, gás, seguros e telecomunicações designados como serviços de “cobrança postal de títulos”.

Tendo os A... constatado no final de 2014 que a informação Vinculativa em causa havia caducado, suscitaram-se dúvidas sobre a renovação do enquadramento das suas operações.

Neste âmbito, em concreto no que se refere ao serviço de “cobrança postal de títulos", os A..., face às referidas dúvidas, procederam à retificação das operações, passando a liquidar IVA sobre as mesmas com referência a 1 de janeiro de 2013 (data em que havia caducado o enquadramento anteriormente confirmado pela AT) até à data. Este IVA ascendeu a:

2013 - € 1.896.563,71;

2014 - € 1.632.942,68

2015 - €365.031,50»

A liquidação de IVA por retificação no montante de €365.031,50 das operações de "cobrança postal de títulos" refere-se apenas às faturas do primeiro trimestre, uma vez que a partir de abril o IVA foi liquidado normalmente, isto e, logo no documento de faturação. Note-se que a correspondente dedução do IVA suportado nos inputs utilizados nas operações de “cobrança postal de títulos” de janeiro a março de 2015 encontra-se incluída na regularização do pro rata provisório em pro rata definitivo e que foi declarado na primeira DP referente a dezembro de 2015 submetida pelos A... .

Chegados a este ponto, importa evidenciar todas as alterações efetuadas pelos A... nas declarações entregues referentes a dezembro de 2015. O sujeito passivo submeteu duas DP para aquele período conforme sobressai no quadro seguinte:

 

A primeira DP com o n.º..., submetida em 10.02.2016 dentro do prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA, registava o montante de €1.566.555,98 no campo 24º (outros bens e serviços) e €755.261,08 no campo 401º (regularizações a favor da empresa) com um total de imposto a pagar no valor de €67.934,71.

O valor inscrito no campo 40 tem por motivo a regularização da percentagem de dedução calculada provisoriamente (pro rata geral e pro rata filatelia) de acordo com os valores definitivos do ano de 2015, tal como previsto no n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA.

A segunda DP com o n.º ... submetida a 09.05.2016, portanto fora do prazo previsto na legislação, apresentava um valor adicional no campo 24 no montante de €1.967.567,82 totalizando assim €3.534.123,80. Trata-se de uma regularização a favor do sujeito passivo por alteração retroativa do método de dedução do IVA utilizado pelos A... .

Com base nesta alteração retroativa, o sujeito passivo preconizou acréscimos das deduções do IVA suportado em três exercícios - 2013, 2014 e 2015 - por idênticos motivos. Assim, a resposta dada as questões colocadas pela UGC sobre o exercício de 2013 permite compreender a alteração realizada em 2015 pelo contribuinte (neste caso no campo 24 da DP submetida a 9 de maio de 2016).

Assim, os A... mencionaram que «Em face da tributação, em IVA, dos serviços de cobrança postal reportada a 1 de janeiro de 2013, e na medida em que os A... incorreram em custos directos para a realização desta actividade, a empresa tomou a iniciativa de proceder a uma revisão do apuramento do IVA dedutível relativo ao ano de 2013, mediante a aplicação conjugada dos métodos legalmente disponíveis, a saber: (i) de imputação direta (ii) de afetação real a áreas específicas e (iii) a, título residual, do pro rata. Na sequência desta revisão, os A... concluíram que com a mudança do regime de tributação em IVA dos serviços de cobrança postal e com a correta aplicação dos referidos métodos, em particular da imputação direta e da afetação real, lhes assistia o direito à dedução adicional no valor acima assinalado. De notar que esta revisão ficou a dever-se, como referido, à mudança do regime de tributação dos “serviços de cobrança de títulos" que a AT veio a confirmar em resposta à renovação do pedido de informação Vinculativa submetido pelos A... .››

Tendo em conta o motivo subjacente à entrega da DP de substituição e os valores em causa, importa analisar a legalidade do acréscimo de dedução promovido pelo sujeito passivo na segunda DP com o n.º ... no montante de €1.967.567,82.

 

c) Alteração retroativa do método aplicado no cálculo do direito à dedução

No âmbito do presente relatório dirigimos o foco para a alteração efetuada na segunda declaração periódica (DP), a qual foi entregue fora do prazo.

Conforme acima referido, nessa DP de substituição de dezembro de 2015 (submetida a 9 de maio de 2016) o sujeito passivo registou o montante de €1.967.567,82 que resulta do facto do sujeito passivo ter alterado o método de dedução - passa a utilizar mais a afetação real a 100% e altera o critério de dedução dos inputs/áreas indicados nos quadros que se seguem - do pro rata para a afetação real procedendo a alterações das chaves de repartição aplicáveis originando um aumento da parte do IVA a montante que pretende deduzir.

Ou seja, ao longo do ano de 2015, os A... deduzem o IVA na percentagem do pro rata provisório (16%), à medida que registam os seus inputs.

No final do ano, efetuam uma regularização relativa ao pro rata definitivo (19%) conforme o n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA.

Posteriormente, relativamente aos inputs em que foi deduzido IVA pelo pro rata provisório – e regularizado posteriormente pelo pro rata definitivo - é aplicada ainda uma outra chave - em função de uma afetação real a cada grupo de inputs.

O diferencial entre o valor apurado pela aplicação do método de afetação real e o método do pro rata aos mesmos inputs vem resultar no acréscimo da dedução efetuado na declaração de substituição entregue fora de prazo.

Não obstante o sujeito passivo classificar o IVA adicional a recuperar em três grupos, trata-se de uma regularização que tem a mesma origem ou seja a alteração do método de dedução.

De facto, relativamente aos inputs da empresa e ao IVA suportado, conforme já descrito, os A..., no ano 2015:

             Relativamente às situações em que identificam uma conexão direta e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas que conferem o direito a dedução, a empresa aplicou, para efeitos do exercício deste direito, o n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, recuperando a totalidade do imposto incorrido;

             Relativamente às situações em que não foi possível encontrar aquela conexão entre inputs e outputs, para a dedução do imposto incorrido foram apuradas duas percentagens de dedução: o pro rata geral e o pro rata para o sector da filatelia dada a sua especificidade;

             No entanto, em 2015, após o ajustamento já mencionado na liquidação do imposto, a empresa verificou que o pro rata geral apurado para a recuperação do imposto incorrido nos recursos de utilização mista “(...) não só não traduzia a verdadeira medida do consumo desses mesmos recursos em algumas das actividades/operações realizadas pelos A..., desvirtuando, assim, a neutralidade do imposto, como representava um desvio significativo daquela que devia ser a medida do direito à dedução na esfera dos A... (nomeadamente, no que se refere à área dos serviços de cobrança postal) e procederam então à “revisão retrospectiva da metodologia de dedução do IVA incorrido adoptada pelos A... (nomeadamente, no que se refere à área dos serviços de cobrança postal) (...) abrangendo os anos que foram afectados pela alteração do enquadramento em IVA dos serviços de cobrança postal- anos de 2013, 2014 e 2015”.

O quadro seguinte indica o IVA a deduzir registado pelo sujeito passivo. Encontram-se indicados montantes declarados na primeira e na segunda DP referentes a dezembro de 2015. A totalidade do IVA adicional a recuperar na segunda DP tem por motivo o imposto a deduzir em virtude da alteração retroativa do método de dedução entretanto preconizada pelos A... ”.

 

 

(...)

c.4) Em síntese

Ora, é nosso entendimento, e tal será demonstrado neste relatório, que esta alteração em virtude da qual o sujeito passivo regulariza a seu favor imposto no montante de €1.967.567,82:

€41.777,64 - Em que todo o IVA suportado passa a ser deduzido.

€1.828.265,91 - incremento do IVA dedutível por via do aumento da percentagem associada ao método da afetação real;

€97.424,27 - incremento do IVA dedutível do imobilizado por via do aumento da percentagem associada ao método da afetação real.

 

Tal carece de fundamento legal, e portanto não deverá ser considerado valido este aumento do valor de IVA a deduzir a favor do sujeito passivo.

 

d) Enquadramento jurídico

d. 1) Da legislação comunitária

O direito a dedução encontra-se previsto em termos comunitários no título X “Deduções” da Diretiva IVA 2006/112/CE do Conselho (artigos 167.º a 192.º) e a nível do direito interno no capítulo V - secção I do Código do IVA (artigos 19.º a 26.º).

Nos termos do disposto no artigo 167.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, que faz parte do Capítulo “Origem e âmbito do direito à dedução”, o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

Por seu turno, o artigo 168.º da Diretiva IVA estabelece que os sujeitos passivos estão autorizados a deduzir o imposto suportado, nomeadamente, em aquisições de bens e serviços efetuadas a outros sujeitos passivos do imposto e em importações de bens, desde que estes recursos sejam utilizados para os fins das suas operações tributáveis.

Quando estiverem em causa inputs utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução como para operações sem direito à dedução, estatui o n.º 1 do artigo 173.º da Diretiva IVA que «a dedução só é concedida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à

primeira categoria de operações». Mais refere este artigo que essa proporção pode ser determinada para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo, podendo ser autorizados pelos Estados membros outros métodos de repartição, entre os quais a dedução com base na utilização da totalidade ou parte desses bens e serviços.

No artigo 174.º da Diretiva do IVA são estabelecidas regras para determinação do cálculo do pro rata de dedução, prevendo-se que o mesmo é determinado numa base anual. De acordo com o n.º 3 do artigo 175.º

 da Diretiva", o pro rata aplicável provisoriamente a determinado ano é calculado com base nas operações do ano anterior ou, não existindo estas, com base numa estimativa. A fixação do pro rata definitivo para cada ano, apurado no ano seguinte, implica o ajustamento das deduções que tenham sido efetuadas com base no pro rata provisório aplicado.

Quanto às restantes regularizações, encontram-se estatuídas no capítulo 5, com a epígrafe “Regularizações das deduções” do Título X da Diretiva, e que corresponde aos artigos 184.º a 192.º.

O preceito prevê que ocorram regularizações apenas em determinadas situações:

Quando a dedução for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito;

Quando posteriormente à declaração se verifiquem alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante de dedução, como seja o caso da anulação de compras ou de obtenção de descontos;

Quando do não pagamento total das operações;

Prevê ainda regularizações relativas aos bens de investimento, quando existam variações no direito à dedução nos anos subsequentes àquele em que os bens em questão foram adquiridos ou produzidos e exercido o direito à dedução inicial, quando esses bens sejam objeto de transmissão durante o período de regularização, e quando ocorram transições de regime de tributação para regime especial ou a situação inversa.

 

Quando o sujeito passivo utiliza bens ou serviços, sobre os quais suportou IVA a montante, para efetuar tanto operações com direito à dedução como sem direito à dedução, essa dedução só é concedida relativamente à parte do IVA proporcional as operações tributáveis, devendo essa percentagem ser calculada segundo as modalidades previstas no artigo 173.º da Diretiva do IVA.

No mesmo sentido refere o Acórdão do Tribunal de Justiça no Processo C-332/14 que quanto ao «cálculo do valor da dedução, importa recordar, relativamente aos bens e serviços afetados simultaneamente a operações que confiram direito à dedução e a operações que não conferem esse direito, que, nos termos do artigo 17.º, n.º 5, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, este valor é, em princípio, calculado com base num pro rata determinado, para todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, nos termos do artigo 19.º desta diretiva, através da aplicação de um critério de repartição baseado no volume de negócios.

32 - Dito isto, o Tribunal de Justiça reconheceu que os Estados-Membros podem, quando implementam algumas das opções previstas no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, da referida diretiva, aplicar um método de cálculo diferente do método referido no número anterior do presente acórdão, desde que, nomeadamente, o método seguido garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a que resulta da aplicação deste primeiro método (...) A referida condição não implica, todavia, que o método escolhido deva necessariamente ser o mais preciso possível. Com efeito, como o advogado geral referiu no n.º 90 das suas conclusões, o dispositivo do acórdão de 8 de novembro de 2012, BLC Baumarkt (C 511/10, EU:2012:689), limita-se a exigir que o método escolhido garanta um resultado mais preciso do que aquele que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios››.

O critério determinante para a dedutibilidade do IVA pago a montante é, assim, a utilização dos bens e serviços para operações tributáveis a jusante. Como refere o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) «os impostos que tenham incidido a montante sobre os bens ou os serviços utilizados por um sujeito passivo para os fins das suas operações tributáveis podem ser deduzidos. A dedução dos impostos pagos a montante está ligada à cobrança dos impostos a jusante. Quando os bens ou os serviços adquiridos por um sujeito passivo são utilizados para efeitos de operações isentas ou não abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA, não pode existir cobrança do imposto a jusante nem dedução do imposto a montante. Pelo contrário, na medida em que os bens ou os serviços sejam utilizados para efeitos de operações tributáveis a jusante, impõe-se uma dedução do imposto que incidiu sobre os mesmos a montante a fim de evitar uma dupla tributação”.

Da jurisprudência do TJUE resulta que a utilização que é dada aos recursos, ou a que lhes é destinada, determina o montante da dedução inicial a que o sujeito passivo tem direito, nos termos do artigo 173.º da Diretiva IVA, e o âmbito de eventuais ajustamentos durante os períodos seguintes, que devem ser efetuados nas condições previstas nos artigos 184.º a 192.º da Diretiva. Esses ajustamentos previstos das deduções permitem evitar inexatidões no cálculo das deduções e vantagens ou desvantagens injustificadas para o sujeito passivo quando, nomeadamente, se verificarem, posteriormente a declaração, alterações dos elementos inicialmente tomados em consideração para a determinação do montante das deduções”.(Acórdão de 30 de março de 2006, Uudenkaupungin kaupunki , c-184/04, n.º 25)

Como elucida o TJUE, o n.º 1 do artigo 185.º da Diretiva trata das «alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, por exemplo no caso de anulação de compras ou de obtenção de abatimentos nos preços”, ao passo que o n.º 2 do artigo 187.º da mesma Diretiva, que é específico para bens de investimento para os quais a duração do ajustamento é mais longa, esclarece que esse ajustamento é realizado em função das “alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos, produzidos ou, se for caso disso, utilizados pela primeira vez››.

Do referido, afigura-se que a Diretiva do IVA não prevê qualquer ajustamento em que sejam enquadráveis as alterações realizadas pelo sujeito passivo. Importa por isso analisar este ajustamento no quadro da legislação nacional, nomeadamente o Código do IVA.

 

d.2) Da legislação nacional

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 22.º do Código do IVA, o direito à dedução do imposto surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. E de conformidade com o artigo 7.º do Código do IVA, o imposto torna-se exigível no momento em que se efetua a transmissão de bens ou em que o serviço é prestado, salvo quando, nos termos do artigo 8.º do Código do IVA, exista a obrigação de emissão da fatura pela operação realizada, situação em que a exigibilidade ocorre na data em que a fatura e emitida ou, se o prazo de emissão não for respeitado, no momento em que termina esse mesmo prazo.

Mais acrescenta o n.º 2 do artigo 22.º do Código do IVA que «Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.››

Refira-se que o direito à dedução está dependente da utilização que for dada aos bens e serviços adquiridos ou que lhes for destinada pelo sujeito passivo.

Assim, tratando-se de bens e serviços exclusivamente afetos a operações sujeitas a imposto e dele não isenta, apresentando uma relação direta e imediata com essas operações, o IVA incorrido é objeto de dedução integral, nos termos do artigo 20.º do Código do IVA. E, a contrario, se os recursos adquiridos

se destinarem somente a operações tributáveis mas isentas ou a operações não sujeitas, o imposto neles contido não será dedutível.

Já a dedução do imposto que onere os recursos adquiridos e utilizados indistintamente em operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem tal direito, segue o estabelecido no artigo 23.º do Código do IVA, isto é, será dedutível em proporção correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar à dedução ou segundo o grau de utilização nessas operações com base em critérios objetivos.

O artigo 23.º do Código do IVA estabelece dois métodos de dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista: o método de afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados (previsto no n.º 2), e o método do pro rata genérico (previsto na alínea b) do n.º 1). Refira-se que o sujeito passivo pode, por sua iniciativa, efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou de parte dos recursos utilizados, desde que com base em critérios objetivos. No entanto, o legislador confere à administração tributária a possibilidade de impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou podem provocar distorções significativas na tributação.

Todavia, na utilização da metodologia da afetação real prevista no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, a legislação não aponta qualquer técnica a utilizar pelo sujeito passivo na construção desse método, deixando essa delimitação ao arbítrio deste. Tal significa que na construção concreta do método dever-se-á atender à especificidade da atividade desenvolvida bem como à natureza dos bens ou serviços mistos a repartir.

Quanto à utilização do pro rata, seja genérico ou especifico, estipula o n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA que a percentagem de dedução a aplicar ao imposto suportado nos recursos utilizados, calculada provisoriamente com base nas operações efetuadas no ano anterior, e corrigida de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a regularização das deduções inicialmente consideradas, as quais devem constar da declaração do último período a que respeitam.

Torna-se assim evidente que, nos termos deste preceito, quaisquer correções no cálculo da(s) percentagem(ns) de dedução utilizada(s) durante um determinado exercício devem ser efetuadas no final desse ano, tendo por base os valores definitivos das operações realizadas pelo sujeito passivo no decurso do mesmo.

Conclui-se assim que o artigo 23.º do Código do IVA não prevê a possibilidade de um sujeito passivo que, no momento em que se constitui o direito à dedução do IVA, tenha optado por um método de coeficiente e/ou chave de repartição para cálculo do direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista, possa alterar retroativamente tais elementos recalculando a dedução inicial efetuada e já regularizada nos termos do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA.

Deste normativo decorre que as correções aos critérios de dedução e ao cálculo do coeficiente de imputação devem ser feitas no final do ano em causa e também que devem ser refletidas na declaração referente ao último período cujo prazo de entrega esta definido no artigo 41 .º do Código do IVA”.

Aliás, exercida a dedução inicial, o sujeito passivo só pode proceder a correções a essa dedução, nas condições previstas no artigo 23.º já descritas, bem como nos termos dos artigos 24.º a 26.º e 78.º do Código do IVA.

Os artigos 24.º a 26.º do Código do IVA referem-se a regularizações das deduções relativas a bens do ativo imobilizado e imóveis não utilizados para fins empresariais, pelo que não poderão constituir suporte legal para a alteração retroativa do método de dedução.

Quanto ao que estabelece o artigo78.º do Código do IVA, o n.º 6 refere que ‹‹A correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.››

Com o propósito de se determinar o sentido dos "erros materiais ou de cálculo" uma vez o legislador fiscal não o ter determinado, atentemos então, em observância do disposto no artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), como outros ramos do direito concetualizaram a expressão em causa:

             Artigo 249.º do Código Civil- Erro de cálculo ou de escrita

             «O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta»

             Artigo 614.º do Código do Processo Civil (artigo 667.º CPC 1961) - Retificação de erros materiais

«1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607. º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz. (...)»

             Artigo 95.º-A do Código do Procedimento e do Processo Tributário - Retificação de erros materiais - Procedimento de correção de erros da administração tributária

             «(...) 2 - Consideram-se erros materiais ou manifestos, designadamente os que resultaram do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso (...)››

 

Constatando-se que o preceito em causa abrange exclusivamente a correção de «erros materiais ou de cálculo nos registos ou nas declarações periódicas, importa delimitar o sentido dessa expressão, à luz dos princípios interpretativos delineados no artigo 9.º do Código Civil.

Desde logo, pode-se afirmar que os «erros materiais e de cálculo» referenciados não se podem reconduzir a nenhuma das situações que podem originar regularizações de imposto previstas nos demais números deste preceito. Por conseguinte, não estarão em causa no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA erros de determinação do valor tributável, erros cometidos nas faturas ou omissão de

liquidação de imposto em situações de inversão do sujeito passivo.

Da mesma forma, entende-se não ser possível subsumir neste preceito as correções ou regularizações de imposto que são reguladas por normas específicas da legislação do IVA, tais como o cálculo e regularizações do pro rata previstos no artigo 23.º, ou as regularizações a que se referem os artigos 24.º a 26.º do Código do IVA.

Finalmente, decorre da formulação do n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA não estarem aí contemplados erros de direito cometidos nos registos ou nas declarações, como sejam, por exemplo, erros na qualificação da operação realizada.

Face a estes conceitos, poder-se-á concluir que a interpretação da AT veiculada logo em 1985 e posteriormente reafirmada no ponto 9.3 do Ofício-Circulado 30082/2005, de 17 de novembro - DSIVA, no sentido de que se consideram erros materiais ou de cálculo os que resultam de erros internos da empresa e que não tem qualquer interferência na esfera de terceiros, não se afasta, em substância, dos mesmos.

Assim, considerando o já afirmado, entende-se que as alterações retroativas aplicadas no cálculo do direito à dedução de bens e serviços de utilização mista, não tem por base nem erros materiais ou de cálculo previstos no artigo 78.º nem erros de qualquer outra natureza, pois nos termos do artigo 23.º do Código do IVA o sujeito passivo fez uma opção no momento do nascimento do direito à dedução, conforme estabelecido no n.º 1 do artigo 22.º do Código do IVA, a qual se encontra no âmbito da autonomia de atuação permitida pelo imposto e é materializada na autoliquidação efetuada pelo sujeito passivo.

Em sentido idêntico pronunciou-se a Direção de Serviços do IVA já no mencionado Oficio-Circulado n.º 30082/2005, esclarecendo no ponto 8 que «as regularizações previstas no artigo 71.º [atual artigo 78.º do CIVA] destinam-se a corrigir, a favor do sujeito passivo ou a favor do Estado, 0 imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de imposto, por força de diversas circunstâncias ocorridas após o envio da declaração periódica e que não estejam contempladas noutros normativos legais. Nesse sentido, os mecanismos previstos no artigo 71.º [atual artigo 78.º] não poderão ser utilizados noutras situações, nomeadamente:

             alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos;

             apuramento de prorata;

             regularizações de IVA sobre imóveis e outros bens do ativo imobilizado ou relativas à afetação de imóveis a fins distintos daqueles a que se destinam.

 

Estas situações deverão ser regularizadas ao abrigo dos artigos 23.º, 24. º, 24. º-A [atual artigo 25.º] e 25.º [atual artigo 26. º] do CIVA, consoante o caso»

E esta interpretação decorre, aliás, do próprio artigo 22.º do Código do IVA, ao salvaguardar de forma expressa, no seu nº 2, o preceituado no artigo 78.º: «Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior (...)»

Importa referir que também o artigo 98.º do Código do IVA não acolhe a pretensão dos A... . Esta norma interna está amparada no artigo 180.º da Diretiva do IVA, e como tal no seu n.º 2 impõe um prazo máximo ao exercício do direito à dedução mas que ainda não se efetivou acautelando situações excecionais, que poderiam impedir a dedução de imposto nos termos dos artigos 22.º e 23.º do Código do IVA. Aliás, esta realidade está bem expressa na parte inicial do preceituado e nos termos da qual o prazo de quatro anos é aplicável «sem prejuízo de disposições especiais».

Tal significa que este prazo não opera sempre que exista uma norma especial que estabeleça um limite temporal diferente. É o que acontece nos artigos 22.º e 23.º do Código do IVA. E este entendimento pode ser extraído do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 2011.05.18, processo n.º 966/2010, quando refere: «O n.º 2 do art.º 92.º do CIVA [atual artigo 98.º] ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efetuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução se pode efetuar em momentos diferentes dos indicados naquele artigo 22.º».

 

e) Conclusão

 

 Em síntese podemos concluir o seguinte:

1) O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível e é delimitado pela afetação que o sujeito passivo faça dos bens e serviços destinados à sua atividade económica;

2) No caso de bens e serviços de utilização mista, a escolha do método de cálculo da dedução inicial só pode ser feita para cada aquisição de bens ou serviços no momento em que se constitui o direito à dedução, nas condições do n.º 1 do artigo 20.º, do n.º 1 do artigo 22.º e do artigo 23.º do Código do IVA;

3) O artigo 23.º do Código do IVA não contempla a possibilidade de um sujeito passivo que tenha optado por um método de dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista poder alterar retroativamente o mesmo, recalculando a dedução inicial efetuada;

4) Este artigo prevê unicamente, no seu n.º 6, as correções ao cálculo dos coeficientes de dedução, previstas na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2, ambos do artigo 23.º do Código do IVA, sendo esta a norma utilizada pelo sujeito passivo, determinando o preceito que estas correções devem ser feitas no final do ano em que está a ser aplicada e refletidas na declaração referente ao último período do ano em causa (dezembro de 2015);

5) As regularizações previstas nos artigos 24.º a 26.º do Código do IVA não podem igualmente constituir suporte para qualquer alteração retroativa do coeficiente de dedução inicialmente utilizado;

6) A escolha de um método de dedução constitui uma opção legítima do sujeito passivo que no momento da aquisição do bem ou serviço de utilização mista escolheu o método de cálculo do direito à dedução do IVA, que, no seu entender, melhor se coadunava com a sua realidade empresarial, e nunca de um erro, pelo que não é passível de enquadramento no artigo 78.º do Código do IVA;

7) Note-se que o n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA reporta-se exclusivamente a correção de "erros materiais ou de cálculo", não estando aí abrangidas correções já contempladas noutras disposições deste artigo, as que estejam reguladas por outras normas específicas da legislação do IVA (caso da regularização prevista no n.º 6 do artigo 23.º), e os erros de direito cometidos nos registos ou nas declarações;

8) Ou seja, a expressão "erros materiais ou de cálculo nos registos ou declarações periódicas” abrange erros de transposição dos dados dos documentos de suporte para a contabilidade ou desta para a declaração periódica ou erros aritméticos cometidos na contabilidade ou nas declarações, pelo que não constitui base legal para uma alteração retroativa do método de cálculo do direito a dedução inicial referente aos bens e serviços de utilização mista ou para uma correção do cálculo da percentagem de dedução;

9) A regularização de imposto já deduzido também não cabe na previsão do artigo 98.º do Código do IVA, visto que esta norma alcança apenas situações de exercício do direito à dedução e não regularizações de deduções já efetuadas.

10) Por fim, salienta-se que a norma do artigo 23.º - na qual se apoia o sujeito passivo - não foi devidamente aplicada e que a regularização também não tem sustentação legal no artigo 78.º ou no artigo 92.º do Código do IVA.

 

Ao longo do ano os A... efetuaram as deduções de acordo com os métodos previstos no artigo 23.º do Código do IVA. Terminado o período de 2015 foi possível determinar o pro rata definitivo e regularizá-lo em conformidade com o n.º 6 do artigo 23.º. Em maio de 2016 os A... entregaram uma DP de substituição em que alteram as deduções a seu favor no campo 24 no montante de €1.967.567,82 por alteração do método de dedução alegando indevidamente o n.º 6 do artigo 23.º. Tal alteração, no entanto, não tem qualquer cabimento legal de acordo com o Código do IVA, com relevo para os artigos 20º, 22.º a 26.º, 78.º, 98.º conforme fundamentação expendida neste Projeto de Relatório.

Face a tudo o que antecede e de acordo com os normativos legais citados, propõe-se uma correção a regularização de imposto incluída no Campo 24 da declaração periódica de substituição de IVA (DP n.º ... de 9 de maio de 2016), referente ao mês de dezembro de 2015, no montante de €1.967.567,82.

 

K)           Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações:

i) Liquidação de IVA notificada sob o número ..., no montante de € 67.935,03;

ii) Liquidação de IVA n.º 2017..., no montante de € 487.076,76;

iii) Liquidação de IVA n.º 2017..., no montante de € 1.480.491,06;

iv) Liquidação de juros moratórios n.º 2018..., no montante de € 42.527,46;

v) Liquidação de juros moratórios n.º 2018... (que adicionou juros no montante de € 2.428,29);

vi) liquidação de juros moratórios n.º 2018..., no valor de € 123.185,05.

L)            A Requerente prestou garantias bancárias para suspender execuções fiscais instauradas para cobrança coerciva das quantias liquidadas (documentos n.º 15, 16, 17, 18, e 19 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

M)          Em 21-03-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.1. Factos não provados

 

Não há factos potencialmente relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos dados como provados constam do processo administrativo junto com a Resposta e dos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

 

3. Matéria de direito

 

O artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece o seguinte:

 

Artigo 173.º

 

No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

 

O artigo 175.º do mesmo diploma estabelece o seguinte:

 

Artigo 175.º

1. O pro rata de dedução é determinado anualmente, fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior.

2. O pro rata aplicável provisoriamente a determinado ano é calculado com base nas operações do ano anterior. Na falta de tal referência, ou quando esta não seja significativa, o pro rata é estimado provisoriamente, sob controlo da administração, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões.

Todavia, os Estados–Membros podem continuar a aplicar a sua regulamentação em vigor em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados–Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão.

3. A fixação do pro rata definitivo, que é determinado para cada ano durante o ano seguinte, implica a regularização das deduções operadas com base no pro rata aplicado provisoriamente.

 

Os artigos 184.º a 186.º da Directiva n.º 2006/112/CE estabelecem o seguinte:

 

Artigo 184.º

A dedução inicialmente efectuada é objecto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito.

 

Artigo 185.º

1.  A regularização é efectuada nomeadamente quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, por exemplo no caso de anulação de compras ou de obtenção de abatimentos nos preços.

2.  Em derrogação do disposto no n.º 1, não é efectuada qualquer regularização no caso de operações total ou parcialmente por pagar, no caso de destruição, perda ou roubo devidamente comprovados ou justificados, bem como no caso das afectações de bens a ofertas de pequeno valor e a amostras referidas no artigo 16.º.

No caso de operações total ou parcialmente por pagar e nos casos de roubo, os Estados-Membros podem, todavia, exigir a regularização.

 

Artigo 186.º

Os Estados-Membros determinam as normas de aplicação dos artigos 184.º e 185.º.

 

Os artigos 22.º, 23.º e 98.º do Código do IVA (CIVA) estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 22.º

Momento e modalidades do exercício do direito à dedução

 

1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.

2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação. (Redacção do Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de Agosto)

3 - Se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, pode a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar.

(...)

 

Artigo 23.º

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

 

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

(...)

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

                (...)

6 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.

 

 

Artigo 78.º

 

Regularizações

 

(...)

6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.

(...)

 

Artigo 98.º

 

Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução

 

(...)

 

2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.

(...)

 

Ao longo do ano de 2015, a Requerente efectuou as deduções de IVA de acordo com os métodos previstos no artigo 23.º do Código do IVA, deduzindo o IVA na percentagem do pro rata provisório (16%), à medida que registam os seus inputs.

No final do ano de 2015, a Requerente efetuou uma regularização aplicando o pro rata definitivo (19%), nos termos do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, o que constou da declaração do último período desse ano.

Essa regularização foi efectuada pela Requerente no pressuposto de que a actividade que desenvolve de serviço de “cobrança postal de títulos" estava isenta de IVA, de harmonia com uma Informação Vinculativa da Administração Tributária emitida em 2007.

Posteriormente, face a dúvidas sobre a continuação da aplicação daquela isenção, após a emissão de nova legislação, designadamente a Lei n.º 17/2012, de 26 de Abril, a Requerente procedeu à rectificação das operações, passando a liquidar IVA sobre as mesmas com referência a 1 de janeiro de 2013, rectificando em 2015 a liquidação de IVA referente aos períodos de 2013, 2014 e 2015.

Na sequência desta liquidação retroactiva de IVA, a Requerente, relativamente aos inputs em que tinha deduzido IVA pelo pro rata provisório e regularizado posteriormente pelo pro rata definitivo, aplicou uma outra chave, em função de uma afetação real a cada grupo de inputs.

O diferencial entre o valor apurado pela aplicação do método de afetação real e o método do pro rata aos mesmos inputs, no montante de €1.967.567,82, foi acrescido em dedução a favor da Requerente efectuada no campo 24 da declaração de substituição apresentada em Maio de 2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a alteração do método de dedução, após ter sido efectuada a regularização nos termos do n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, não tem qualquer cabimento legal de acordo com o Código do IVA, designadamente à face dos artigos 20º, 22.º a 26.º, 78.º, 98.º do CIVA.

A Requerente entende, em suma, que o direito à dedução pode ser exercido depois do período de tributação no qual nasce o direito à dedução, nos termos do artigo 22.º, n.º 2, do CIVA, dentro do prazo de 4 anos previsto no artigo 98.º, n.º 2, do mesmo Código, quando não está previsto prazo especial (como será o caso do artigo 78.º, n.º 6, do CIVA).

A Requerente defendeu que os princípios da efectividade e da equivalência são incompagináveis com uma interpretação do artigo 22.º, n.º 2, do CIVA no sentido de a dedução do IVA só ser possível num único momento ou oportunidade (a do período de recepção das facturas) e sugere que, em caso de dúvida se efectue reenvio prejudicial para o TJUE.

Nas alegações, a Requerente refere ainda que a regulamentação do IVA quer efectivamente ver desonerado de modo a evitar efeitos distorcivos na economia – princípio da neutralidade.

Efectuado reenvio prejudicial, o TJUE veio a pronunciar-se, em suma, no sentido de que:

– o artigo 173.°, n.º 2, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE, lido à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que o Estado Português proíba aos sujeitos passivos mistos de IVA alterar o método de dedução do IVA após a fixação do pro rata definitivo;

– os artigos 184.º a 186.º daquela Directiva lidos à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da efectividade e da proporcionalidade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que seja recusada a possibilidade a esses sujeitos passivos de rectificação da dedução de IVA, após a fixação do pro rata definitivo,  quando ignoravam de boafé que uma operação que considerava isenta não o estava, dentro do prazo geral de caducidade do direito de regularizar deduções, em situação em que a alteração do método de dedução permite estabelecer com maior precisão a parte do IVA referente a operações com direito à dedução.

 

É esta a situação da Requerente, como, aliás, se reconhece no acórdão do TJUE ao referir-se que:

– o facto de a «isenção ter sido posta em causa teve como consequência, em relação aos anos de 2013 a 2015, uma alteração, na aceção do artigo 185.° da Diretiva IVA, de um dos elementos inicialmente tomados em consideração para o cálculo das deduções. Daqui resulta que os A... dispunham de um direito à regularização ao abrigo do artigo 184.° desta diretiva» (n.º 50);

– «a regularização das deduções devia levar a que o montante das deduções que acabaram por ser operadas correspondesse ao montante das deduções que um sujeito passivo como os A... teria o direito de fazer se tivesse inicialmente considerado que os serviços de cobrança postal de títulos não estavam isentos de IVA» (n.º 51).

 

Pelo exposto, conclui-se que as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por errada interpretação dos artigos 22.º, n.º 2, e 23.º, n.º 6, do CIVA, interpretados em conformidade com os artigos 184.º a 186.º da Directiva n.º 2006/112/CE, lidos à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade. 

Este vício justifica a anulação das liquidações impugnadas nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, nem como as antecedentes correcção à dedução do IVA referente a 2015 e correcção ao excesso de IVA a reportar.

 

 

4. Liquidações de juros de mora

 

As liquidações de juros de mora impugnadas têm como pressupostos as respectivas liquidações de IVA, pelo que a ilegalidade destas implica a ilegalidade daquelas, justificando-se também a sua anulação.

 

 

5. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente prestou garantias para suspender execuções fiscais instauradas para cobrança coerciva das liquidações impugnadas e formula um pedido de indemnização, nos termos do artigo 53.º da LGT.

O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

                1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

                2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

                3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

                4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que os erros subjacentes às liquidações impugnadas são imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois estas foram de sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pelas garantias prestadas.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

6. Decisão

 

                De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular as seguintes liquidações de IVA e juros de mora:

i) Liquidação de IVA notificada sob o número ..., no montante de € 67.935,03;

ii) Liquidação de IVA n.º 2017..., no montante de € 487.076,76;

iii) Liquidação de IVA n.º 2017..., no montante de € 1.480.491,06;

iv) Liquidação de juros moratórios n.º 2018..., no montante de € 42.527,46;

v) Liquidação de juros moratórios n.º 2018... (que adicionou juros no montante de € 2.428,29);

vi) liquidação de juros moratórios n.º 2018..., no valor de € 123.185,05.

 

c)            Julgar procedente para pedido de indemnização por garantias indevidas e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão.

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.203.643,65.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 28.764,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 04-05-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Cristina Aragão Seia)

(Luís Menezes Leitão)