Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 136/2017-T
Data da decisão: 2017-12-11  IRC  
Valor do pedido: € 12.541,38
Tema: IRC - Gastos dedutíveis - Falta de fundamentação.
*Decisão arbitral anulada parcialmente por acórdão do STA de 28 de novembro de 2018, recurso n.º 87/18.0BALSB, que fixa jurisprudência..
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

 

1.      A…, sociedade residente em Malta, com o número de pessoa coletiva português … (doravante designada por “Requerentes”), vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante apenas “RJAT”), apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral, no qual é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante apenas "Requerida" ou “AT”).

 

2.      O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 23/02/2017;

 

3.      No respetivo pedido, os Requerentes solicitaram ao Conselho Deontológico do CAAD a designação de Árbitro, nos termos previstos nos artigos 6.º, n.º 1 e 11.º, ambos do RJAT.

 

4.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 27/02/2017, tendo as Partes sido notificadas, em 11/04/2017, do árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, o aqui signatário.

 

5.      Após aceitação por parte do árbitro então designado, o presente Tribunal Arbitral considerou-se constituído no dia 28/04/2017, em conformidade com o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, todos do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro).

 

6.      No âmbito do pedido de pronúncia arbitral por si apresentado, os Requerentes peticionaram a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) dos períodos de tributação de 2012 e 2013, a saber os seguintes: i) quanto ao período de 2012, a demonstração de liquidação de IRC n.º 2016…, de 28 de janeiro de 2016, a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016 … e a demonstração de acerto de contas n.º 2016 …, ambas datadas de 1 de fevereiro de 2016, e (ii) quanto ao período de 2013, a demonstração de liquidação de IRC n.º 2016 …, de 28 de janeiro de 2016, a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016 … e a demonstração de acerto de contas n.º 2016 …, ambas de 2 de fevereiro de 2016.

 

7.      Peticiona, ainda, a declaração da ilegalidade da decisão de deferimento parcial que recaiu sobre a Reclamação Graciosa deduzida pela ora Requerente com referência aos aludidos atos de liquidação de IRC de 2012 e 2013.

 

8.      A Requerente juntou 4 documentos com o pedido arbitral, a que acresce toda a documentação que acompanhou a Reclamação Graciosa deduzida contra os atos de liquidação em crise.

 

9.      Analisados os argumentos invocados pela Requerente no pedido arbitral, podemos sumariá-los da seguinte forma:

 

i)                   O Relatório de Inspeção em causa absteve-se de indicar quais são em concreto as despesas que não são dedutíveis quando o descritivo não permite enquadrar o bem/prestação de serviços suportado, aquelas que não são dedutíveis por se tratarem de ‘despesas correntes’ ou as outras despesas não dedutíveis;

ii)                 Adicionalmente, a AT baseia a obrigação de imposto que afirma impender sobre a Requerente numa alegada proporcionalidade que deverá existir entre as despesas incorridas e os períodos em que o imóvel da Requerente gera rendimentos;

iii)               A prova que a AT exige à Requerente não é, na opinião desta, uma prova que tenha que apresentar, pois tal afetação não tem qualquer influência na dedutibilidade de despesas ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRS;

iv)               Impor sobre a Requerente o ónus de arrendar o seu imóvel em todos os dias do ano para que as despesas de manutenção e conservação possam ser dedutíveis nos termos do artigo 41.º do Código do IRS não só é, uma realidade que a Requerente não pode controlar, mas também uma interferência supérflua e desadequada na gestão quotidiana da mesma;

v)                  A título exemplificativo, algumas das despesas de manutenção e conservação do imóvel da Requerente, dizem respeito a trabalhos de manutenção e conservação que apenas poderão ser realizados quando o mesmo não se encontra ocupado;

vi)               No caso da eletricidade e da água, é totalmente descabido por um lado não aceitar estas despesas, assim como ser efetuada uma proporcionalidade de uma despesa em que a Requerente tem obrigatoriamente que incorrer, pois a qualquer momento pode necessitar de arrendar o seu imóvel;

vii)             A ausência de eletricidade e água, mesmo que temporariamente, inviabilizaria toda e qualquer atividade económica do imóvel;

viii)           A Requerente forneceu à AT os elementos probatórios que lhe eram exigidos, demonstrando, designadamente, as faturas das despesas de manutenção e conservação em que incorreu;

ix)               A Requerente não encontra qualquer razão pela qual a AT deva presumir que, ao não conseguir a Requerente arrendar o seu imóvel, as despesas de manutenção e conservação subjacentes ao mesmo, não sejam dedutíveis para efeitos fiscais;

x)                  Neste contexto, a fundamentação que suporta a correção em análise não passa de um mero exercício de simplificação da AT;

xi)               A intenção legislativa por detrás da exigência de fundamentação dos atos administrativos tributários, estabelecida no artigo 77.º da LGT, é a da garantia da transparência (e da ponderação) da atuação da Administração, para assegurar a possibilidade de controlo hierárquico e jurisdicional da mesma e para que ao administrado (contribuinte) possa ser dada a hipótese de formular um juízo consciente sobre a necessidade e conveniência de a impugnar;

xii)                 À AT cabia, no mínimo, fundamentar a correção que efetuou;

xiii)           A fundamentação é obscura e insuficiente, porque o seu conteúdo não é bastante para explicar as verdadeiras razões por que foram praticados os atos em causa;

xiv)           O n.º 1 do artigo 74.º da LGT é claro ao dispor que sobre AT recai o ónus de provar os factos constitutivos dos direitos que invoca;

xv)                    Tal demonstração deveria ter sido logo inscrita no próprio Relatório de Inspeção, uma vez que, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 268.º da CRP, todos os atos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos;

xvi)           Mais do que considerados isoladamente, os elementos invocados pelo Relatório de Inspeção e pela decisão final de deferimento parcial da Reclamação Graciosa para aplicar uma proporcionalidade devem ser enunciados de forma a construírem um quadro global, sólido e coerente, capaz de permitir com razoável certeza concluir pelo erro de interpretação das leis pela Requerente;

xvii)         Considerando o incumprimento, por parte da AT, do especial dever de fundamentação a que a lei a obriga, todas as demonstrações de liquidação em crise, bem como a decisão final de deferimento parcial da Reclamação Graciosa, deverão ser consideradas não fundamentadas, ao abrigo do n.º 2 do artigo 153.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) – aplicável por força da alínea d) do artigo 2.º do CPPT –, bem como dos supra citados artigos, e, consequentemente, por vício de forma, serem anuladas;

xviii)       Adicionalmente, os atos de liquidação devem ser anulados em virtude de erro sobre os pressupostos de facto e de direito;

xix)           No que diz respeito às despesas de manutenção e conservação, as mesmas cumprem agora as condições para serem aceites nos termos do artigo 41.º do Código do IRS;

xx)                  Tendo em consideração que o Código do IRS não define o que se entende por ‘despesas de manutenção e conservação’, a interpretação daquele conceito deverá ser efetuada tendo por referência o disposto no artigo 11.º da LGT;

xxi)           Parece pacífica a posição doutrinária que defende que a ratio subjacente ao conceito de ‘despesas de conservação’ consiste em aceitar para efeitos da dedutibilidade nos termos do artigo 41.º do Código do IRS, todas as despesas de conservação, sejam elas ordinárias ou extraordinárias;

xxii)         Esta é também claramente a posição da jurisprudência existente relativamente a este conceito, como resulta da Decisão Arbitral n.º 435/2014, de 10 de novembro de 2014;

xxiii)       No que concerne em concreto ao conceito de ‘despesas de manutenção’, o entendimento da Requerente é que a AT procura restringir injustificadamente o conceito das mesmas;

xxiv)       Este conceito de ‘despesas de manutenção’ não é importado de qualquer outro ramo do Direito, pelo que para a interpretação do mesmo, deverão ser postos em prática os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis;

xxv)          Assim, a interpretação daquele conceito deverá ser efetuada nos termos do artigo 9.º do Código Civil, norma fundamental a proporcionar uma orientação legislativa para tal tarefa;

xxvi)       O facto de a redação em 2012 e 2013 do artigo 41.º do Código do IRS não exemplificar as ‘despesas de manutenção’ não torna, per si, este conceito mais restritivo;

xxvii)     A interpretação conjugada do artigo 8.º e 41.º do Código do IRS não pode deixar de atender aos critérios de prudência e prognose que devem nortear (e norteiam) um bom gestor, assim como não pode deixar de respeitar a realidade económica da atividade em que a Requerente está inserida;

xxviii)   Assim, deverão ser consideradas ‘despesas de manutenção’ todas aquelas que sejam necessárias à manutenção dos imóveis e da sua atividade económica, pelo que serão as que, tendo prova suficiente, tenham uma causalidade direta com o imóvel, na aceção económica do mesmo, ou seja, a de produzir rendimento;

xxix)       Se assim não fosse estaríamos perante uma cabal injustiça por violação do princípio da capacidade contributiva, o      qual resulta que a Categoria F visa tributar o rendimento líquido decorrente das rendas, isto é, rendas menos os encargos incorridos e fulcrais para obtenção daquelas rendas;

xxx)          As despesas que não são aceites para efeitos fiscais na decisão final de deferimento parcial da Reclamação Graciosa, inserem-se no conceito de ‘despesas de manutenção e conservação’, revelando-se indispensáveis para a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto, nos termos da interpretação do artigo 41.º do Código do IRS;

xxxi)       Entende a Requerente ter ficado demonstrado que as despesas não aceites fiscalmente na decisão final de deferimento parcial da Reclamação Graciosa são despesas que se encontram documentalmente provadas, cujo descritivo das faturas e respetivos documentos de suporte são claros e são efetivamente de manutenção e/ou de conservação, nos termos do artigo 41.º do Código do IRS, razão pela qual deveriam ter sido consideradas dedutíveis por parte da AT;

xxxii)     Acresce que, nos termos do Relatório de Inspeção, a Requerente deveria ter aplicado um coeficiente de proporcionalidade às despesas dedutíveis nos termos do artigo 41.º do Código do IRS tendo por base o número de dias de arrendamento do imóvel, estando em causa, concretamente, 74 dias em 2012 e 85 dias em 2013;

xxxiii)   Esta situação seria caricatamente comparável a uma unidade hoteleira, que só poderia deduzir todas as suas despesas proporcionalmente ao número de quartos e de noites alugadas;

xxxiv)   A pretensão da AT em querer fazer prevalecer uma sua interpretação manifestamente ilegal das normas tributárias é, à luz dos princípios constitucionais, ilegal;

xxxv)      Ao defender que a aplicação de um coeficiente de proporcionalidade de despesas de manutenção e conservação Vs. rendimentos deverá ser aplicado à Requerente, a AT assenta num raciocínio ilegal, como se considerou na Decisão Arbitral n.º 201/2015-T, de 7 de dezembro de 2015 ou na Decisão Arbitral n.º 294/2015-T, de 21 de janeiro de 2016;

xxxvi)   Entende a Requerente ter ficado demonstrado que a aplicação de um método de proporcionalidade, não possuí qualquer suporte legal, podendo-se considerar apenas um mero exercício académico, demonstrativo de um algum desconhecimento da realidade funcional de um imóvel afeto à exploração, razão pela qual não deverá ser aplicado qualquer coeficiente de proporcionalidade, no que concerne às despesas dedutíveis nos termos do artigo 41.º do Código do IRS;

xxxvii) Em face do exposto, a Requerente solicitou a anulação na sua totalidade das correções respeitantes a IRC alegadamente devido em razão da aplicação de um coeficiente de proporcionalidade e, consequentemente, dos atos de liquidação e da decisão final de deferimento parcial da Reclamação Graciosa que lhes estão associados;

xxxviii) Quanto à liquidação de juros compensatórios, a mesma reside no pressuposto, previsto na lei, de que o retardamento da liquidação do imposto se deva a facto imputável ao contribuinte (cfr. n.º 1 do artigo 35.º da LGT), sendo que o Relatório de Inspeção não se refere à existência de culpa imputável à Requerente;

xxxix)   Ao proceder assim, o Relatório de Inspeção desconsidera a relevância de a Requerente conhecer, em toda a sua extensão, as razões do encargo adicional que lhe é imposto, bem como de apreciar a sua legalidade;

xl)                     Impõe-se, assim, concluir haver ausência de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios, nomeadamente no que respeita à culpa da Requerente no suposto atraso na liquidação de imposto, o que viola o disposto no n.º 1 do artigo 35.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 77.º, ambos da LGT, bem como o disposto no n.º 3 do artigo 268.º da CRP;

xli)                   Por fim, a Requerente requer que, caso o presente pedido seja deferido, lhe sejam pagos, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, ambos da LGT, os respetivos juros indemnizatórios por pagamento indevido da prestação tributária, incluindo os respetivos juros compensatórios.

 

10.  Notificada para o efeito, a AT, ora Requerida, apresentou a sua resposta, na qual se defendeu por impugnação, podendo sumariar-se os fundamentos por si invocados da seguinte forma:

 

i)                         A Requerente alega factos que servem de fundamento e que substancialmente configuram a alegada posição jurídica de que se arroga, sem que o prove, sendo que cabe à parte que alega determinados factos fornecer a demonstração da realidade dos mesmos;

ii)                       A prova dos factos não se faz pela insistência nem tão pouco com meras alegações e suposições, antes pela sua demonstração, que deve assentar antes de mais na realidade;

iii)                     Sobre a falta de fundamentação, não tem qualquer sustentação a tese da Requerente, a qual não pode pretender ver ou fazer crer ao Tribunal que as liquidações, demonstração de liquidação e demonstrações de acerto de contas que receberam estão isoladas no procedimento, uma vez que sabem perfeitamente que todas as notificações que lhe foram efetuadas, o foram como consequência de um procedimento inspetivo;

iv)                     No que respeita à fundamentação dos atos administrativos, os mesmos estão fundamentados quando, pela motivação aduzida, se mostram aptos a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesividade;

v)                        Resulta demonstrado que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance da liquidação sobre a qual recai o presente pedido de pronúncia arbitral, tal como resulta do próprio exercício jurídico-argumentativo que faz no seu extensíssimo excurso;

vi)                     Não é possível afirmar que determinado ato se encontra infundamentado quando, no caso concreto, a motivação contextual permitiu ao seu destinatário ficar a saber as razões de facto e de direito que levaram a Requerida a tomar a decisão em causa, com aquele sentido e conteúdo;

vii)                   Ainda que o ato sub judice padecesse de deficiências ao nível do discurso fundamentador – o que só por mera hipótese académica se admite – tais deficiências degradar-se-iam em meras irregularidades não essenciais, uma vez que, ainda assim, tais deficiências permitem o cabal esclarecimento do seu destinatário, possibilitando-lhe insurgir-se contra elas, como, aliás, fez a Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral;

viii)           E ainda que se entendesse que o ato padecia de qualquer omissão de fundamentação, o que não se concede, a Requerente teria sempre ao seu dispor o procedimento previsto no art.º 37.º do CPPT;

ix)                      Não tendo a Requerente lançado mão daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que o acto sub judice continha, e contém, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que eventualmente padecia ficou sanado;

x)                        Também no que respeita à invocada violação do artigo 41.º do Código do IRS, não assiste razão à Requerente, como se encontra amplamente demonstrado na informação que fundamentou a decisão da correção proposta e do indeferimento da Reclamação Graciosa para onde se remete;

xi)                     Aos rendimentos prediais auferidos são dedutíveis as despesas documentadas, necessárias e diretamente ligadas à obtenção desses mesmos rendimentos, desde que suportadas pelo próprio sujeito passivo;

xii)                   E são essas as despesas que se entendem como necessárias para produzir os rendimentos prediais englobados e para manter íntegra a respetiva fonte produtora, ou seja, os prédios objeto de arrendamento;

xiii)           Como despesas de manutenção consideram-se, nomeadamente, as suportadas com energia e manutenção de elevadores, escadas rolantes e monta-cargas, porteiros, limpeza, energia para iluminação, aquecimento ou climatização central e prémios de seguro do prédio, enquanto que como despesas de conservação se consideram as realizadas com obras destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, reparação e limpeza;

xiv)           Despesas de conservação, manutenção e IMl pago relativamente a imóvel arrendado durante alguns meses - uma vez que, para efeitos de tributação em sede da Categoria F do Código do IRS, se atende ao rendimento líquido obtido, i.e., às rendas recebidas deduzidas das despesas e encargos suportados para produzir os rendimentos prediais englobados e para manter íntegra a respetiva fonte produtora, ou seja, os prédios objeto de arrendamento, afigura-se deverem tais despesas ser proporcionalmente consideradas tendo por base o número de meses de arrendamento;

xv)                    Na inexistência de rendimentos, i.e., na inexistência de um rendimento bruto, não pode ser considerado um qualquer encargo suportado, por, em tal situação, não haver de se proceder à determinação de um rendimento líquido sujeito a tributação em sede da Categoria F do Código do IRS;

xvi)           Nessa mesma ordem de ideias e numa situação de arrendamento parcial, ou seja, em que o imóvel se encontra arrendado apenas durante parte do ano, apenas poderão ser consideradas como elegíveis para efeitos do estabelecido no artigo 41.° do Código do IRS as despesas que, proporcionalmente, se mostrem imputáveis ao número de meses do arrendamento;

xvii)         A correção dos montantes dedutíveis com referência às despesas que realmente se enquadram nos encargos dedutíveis para este tipo de rendimentos, teve em consideração que o imóvel apenas esteve ocupado uma parte do ano, não podendo ser deduzidas todas as despesas, pelo que procedeu-se à contabilização das noites em que o imóvel se encontrou ocupado por clientes;

xviii)       Para efeitos de tributação em sede de categoria F do Código do IRS, haverá que atender ao rendimento líquido obtido, isto é, ao rendimento global obtido, deduzido das despesas e encargos suportados para produzir os rendimentos prediais englobados e para manter integra a fonte produtora de rendimentos, ou seja, o imóvel em causa o que implica a existência de uma correspondência e proporcionalidade dos encargos e despesas suportados;

xix)           Não são, pois, todos e quaisquer encargos suportados pela Requerente;

xx)                    As despesas respeitantes à conservação, manutenção e IMI pago relativamente ao imóvel, desde que devidamente documentadas e que devam ser consideradas como custos hão-de conter uma relação e ou correspondência com a obtenção dos rendimentos prediais englobados para efeitos da categoria F do Código do IRS;

xxi)           Nos períodos em que o imóvel não esteve ocupado e, por tal razão, não produziu qualquer rendimento predial, não existindo um rendimento bruto a que possa ser deduzido qualquer encargo suportado, pelo que, na circunstância, não será possível apurar um rendimento líquido sujeito a tributação em sede de categoria F do Código do IRS;

xxii)         Só através da consideração do coeficiente de ocupação foi possível à administração fiscal estabelecer uma adequação e proporcionalidade entre os rendimentos prediais ilíquidos e os encargos e despesas dedutíveis para efeitos da categoria F do IRS para assim obter os rendimentos prediais líquidos;

xxiii)       Qualquer outra interpretação que não sufrague a posição vertida no RIT, e que é a interpretação da AT, viola frontalmente o principio da igualdade (art.º 13.º CRP) e, bem assim, o da capacidade contributiva (104.º CRP), ao discriminar aqueles que arrendam um imóvel por escassos dias, deduzindo todas e quaisquer despesas previstas no art.º 41.º sem qualquer limite, daqueles que, usando constantemente e durante todo o ano fiscal o imóvel para arrendamento, se vêm na contingência de serem colocados no mesmo patamar de capacidade contributivo (que não é de todo igual) que aqueles outros;

xxiv)       A interpretação dada pela AT e que aliás vem vertida nas instruções de preenchimento da MOD. 3 que expressamente refere que no quadro 5 do Anexo F «… devem ser declarados os gastos efetivamente suportados e pagos no ano pelo sujeito passivo, pelo período em que o prédio esteve arrendado, nomeadamente  os que digam respeito a conservação e manutenção do prédio, a despesas de condomínio, a impostos e a taxas autárquicas. O valor do Imposto Municipal sobre Imóveis a mencionar é o que foi pago no ano a que os rendimentos respeitam.» (cf. Doc. 1 que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) é a única que invoca os princípios da igualdade e da capacidade contributiva numa ótica de justiça fiscal;

xxv)          No caso em apreço, e conforme resulta da decisão vertida quer no RIT, quer no indeferimento da reclamação graciosa, para as quais se remete e aqui se dá por integralmente reproduzida, não estão em causa apenas natureza das despesas suportadas, mas também a sua quantificação;

xxvi)       O artigo 41º do CIRS consagra a expressa dedução do valor de IMI “(…)que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento tenha sido englobado”, estabelecendo a própria norma uma causa direta entre o rendimento englobado e a despesa suportada, na medida em que aquela fonte geradora de rendimento, enquanto o foi, teve a si associado um custo;

xxvii)     Nessa medida, e com o devido respeito, não faz sentido que um imóvel que gerou rendimento durante apenas uns meses seja associado a uma despesa anual;

xxviii)   Posto isto, é evidente a conformidade legal do ato tributário objeto do presente pedido arbitral, não podendo considerar-se que tenha existido erro imputável aos serviços na emissão da liquidação em causa, condição indispensável para a condenação no pagamento de juros indemnizatórios;

xxix)       Assim, requereu que fosse julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido

 

11.  Através de despacho arbitral de 24/10/2017, o Tribunal determinou a prorrogação do prazo para prolação da decisão arbitral, por um período de 2 (dois) meses, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, fixando a o dia 11/12/2017 como a data para a decisão.

 

12.  No despacho referido no ponto anterior, foi também dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, por não ter sido requerida a produção de prova adicional, tendo as Partes sido notificadas para, querendo, apresentar alegações escritas.

 

13.  Após a prolação daquele despacho, as Partes nada disseram, não tendo apresentado alegações.

 

II. Saneamento

 

O tribunal é competente e está regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, estando devidamente representadas.

O meio processual é o próprio, sendo possível a cumulação de pedidos, em face, quer da identidade dos atos contestados, quer da causa de pedir e dos pedidos formulados pela Requerente, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT.

Não foram invocadas exceções ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

 

III. Matéria de facto considerada assente

 

Em face dos elementos probatórios trazidos aos autos e da factualidade aceite por ambas as Partes e não contestada, considera o Tribunal como provados, com relevância para a decisão final, os seguintes factos:

 

A)    A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo de natureza interna, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Faro em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI2015…/…, de 18/09/2015, o qual foi de âmbito parcial em sede de IRC e incidiu sobre os períodos de tributação de 2012 e 2013;

B)    Daquele procedimento inspetivo resultou a realização de correções aritméticas, nos montantes de € 32.802,95 e de € 31.005,46, relativas, respetivamente, aos períodos de tributação de 2012 e de 2013;

C)    No Relatório Final de Inspeção Tributária que foi elaborado no âmbito do referido procedimento inspetivo, as correções então efetuadas em sede de IRC, foram justificadas, no que ora releva, do seguinte modo:

i)     Nos anos de 2012 e 2013, foram declarados pela Requerente os rendimentos e despesas relacionados com o imóvel de que a mesma é proprietária (evidenciados no Quadro n.º 1, reproduzido a págs. 5 do Relatório):

ii)   Nos anos de 2012 e 2013, as rendas recebidas corresponderam às seguintes faturas (evidenciadas nos Quadros n.ºs 2 e 3, reproduzidos respetivamente a págs. 5 e 6 do Relatório):

 

 

iii) No Anexo 1 ao Relatório Final de Inspeção Tributária “estão discriminadas as despesas suportadas, tendo sido elaborados com base nos documentos facultados pelo sujeito passivo” (pág. 6 do Relatório);

iv) As importâncias recebidas a título de renda pela Requerente “são consideradas rendimentos prediais (categoria F do IRS, artigo 8.º”) (pág. 6 do Relatório);

v)    “As despesas suscetíveis de serem dedutíveis aos rendimentos prediais encontram-se previstas no artigo 41.º do CIRS “Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º, deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontram documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis que incide sobre o valor dos prédios…cujo rendimento tenha sido englobado” - redação em vigor em 2012” (págs. 6 e 7 do Relatório);

vi) “No Anexo 1, coluna «Despesas enquadráveis no artigo 41.º do CIRS», estão identificadas as despesas suscetíveis de serem dedutíveis aos rendimentos prediais” (pág. 7 do Relatório);

vii)   Tratando-se de um imóvel arrendado durante alguns períodos, “as despesas dedutíveis deverão ser consideradas proporcionalmente tendo por base o número de dias do arrendamento, ou seja, 74 dias em 2012 e 85 em 2013, conforme resulta do quadro n.º 2, o que corresponde a 20,22% (74/365) e 23,29% (85/365)” (pág. 7 do Relatório);

viii)  Aplicando tais percentagens aos valores considerados nos termos do artigo 41.º do CIRS, temos o seguinte (evidenciado no Quadro n.º 4 reproduzido a págs. 7 do Relatório):

 

ix)      O rendimento líquido da categoria F, nos montantes constantes do Quadro n.º 4 (evidenciado a págs. 8 do Relatório) “corresponde à matéria tributável em sede de IRC”:

 

 

x)    Apurou-se, assim, IRC a pagar adicionalmente no montante de € 4.920,44, no ano de 2012, por aplicação da taxa de 15%, nos termos da alínea f) do n.º 4 do artigo 87.º do CIRC e, no ano de 2013, no montante de € 7.751,37, por aplicação da taxa de 25% em 2013, nos termos da mesma norma;

xi) Os Quadros constantes do Anexo 1 do Relatório evidenciam a seguinte informação:

 

 

 

 

D)    Foram emitidos em nome da Requerente a demonstração de liquidação de IRC n.º 2016…, de 28 de janeiro de 2016, a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e a demonstração de acerto de contas n.º 2016…, ambas datadas de 1 de fevereiro de 2016, por referência ao período de 2012, bem como, a demonstração de liquidação de IRC n.º 2016…, de 28 de janeiro de 2016, a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e a demonstração de acerto de contas n.º 2016…, ambas de 2 de fevereiro de 2016, por referência ao período de 2013;

E)     A Requerente procedeu, em 29 de março de 2016, ao pagamento do imposto e dos juros compensatórios apurados naquelas liquidações, no montante total de € 5.439,71 (cfr. Documento n.º 5 da Reclamação Graciosa junta como Documento n.º 1 do pedido arbitral);

F)     A Requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças de …, Reclamação Graciosa contra os atos de liquidação de IRC de 2012 e 2013 identificados no ponto D) do probatório (cf. carimbo de entrada de 6 de julho de 2016);

G)    Através do Ofício n.º…, de 17 de outubro de 2016, da Direção de Finanças de Faro, a Requerente foi notificada do Projeto de Indeferimento Parcial da referida Reclamação Graciosa, com os fundamentos que aí constam (Cf. Doc. n.º 2 junto com o pedido arbitral);

H)    Por Ofício n.º…, de 24 de novembro de 2016, da Direção de Finanças de Faro, a Requerente foi notificada da decisão final proferida no processo de reclamação graciosa referido nos pontos F) e G) do probatório, tendo sido mantida a decisão de deferimento parcial projetada (Cf. Doc. n.º 2 junto com o pedido arbitral);

I)       Na sequência da decisão referida no ponto H) do probatório, foram emitidos atos de liquidação de IRC e Juros Compensatórios n.ºs 2016 … e 2016 …, com referência, respetivamente, a 2012 e 2013.

 

Não se identificaram outros factos com relevância para a decisão final.

V.    Motivação da Decisão

Antes da análise do mérito das pretensões das partes aqui em confronto, é essencial referir que os Tribunais, aqui se incluindo os Tribunais Arbitrais, não têm que apreciar todos os argumentos apresentados pelas mesmas, tal como se constata a título exemplificativo do Acórdão do Pleno da 2ª Secção do STA, de 07/06/1995, proferido no recurso nº 5239.

Como lapidarmente se refere naquele aresto «Não sendo de confundir o conceito de "questões" com o de "argumentos" ou "razões", o tribunal, devendo embora "resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação", não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, tal como, e obviamente, não está impedido de, na decisão, usar considerandos por elas não produzidos».

Efetivamente, as questões invocadas pelas partes não se confundem com os argumentos, as razões ou as motivações produzidas. Questões, nomeadamente para efeito do disposto no n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil, são apenas as de fundo e que integram a matéria decisória, isto é, as que se relacionem com o pedido, a causa de pedir e as exceções (vide neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/11/2005, proferido no recurso n.º 05S2137 ou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25/09/2012, proferido no recurso n.º 05073/11).

E não só o Tribunal não se encontra adstrito a pronunciar-se sobre todos os argumentos apresentados pelas partes, sejam de facto ou de direito, como também não está, nem poderia estar em face do princípio do inquisitório, subjugado a esses mesmos argumentos ou questões. O Tribunal goza igualmente de liberdade quanto ao percurso e ao iter cognoscitivo a utilizar para a prolação da decisão de mérito.

Assim, tendo em consideração o que acima expôs, o que as partes trouxeram aos autos e o núcleo da argumentação utilizada, quer em sede do pedido arbitral e da correspetiva resposta apresentada pela Requerida, considera o Tribunal que as questões de direito a decidir são as seguintes:

i)                   Falta de fundamentação dos atos de liquidação;

ii)     Ilegalidade dos atos de liquidação, à luz das normas que definem as regras de dedutibilidade de despesas relacionadas com rendimentos prediais, nomeadamente, o artigo 41.º do Código do IRS e os demais princípios jurídico- tributários aplicáveis.

 

VI. Do Direito

A)    Da falta de fundamentação

 

Como se constatou, a Requerente aponta aos atos de liquidação que agora contesta, como primeiro vício, a sua falta de fundamentação.

Vejamos então.

Para que se possa fazer uma análise adequada deste vício, tal como o mesmo vem alegado pela Requerente, importa evidenciar que esta última foi sujeita ao procedimento inspetivo interno a que acima se aludiu, no âmbito do qual foram realizadas correções em sede de IRC.

Foi também na sequência deste procedimento de inspeção tributária que os atos de liquidação de IRC de 2012 e 2013, ora colocados em crise, foram emitidos pela AT.

Por não concordar com a sua emissão, a ora Requerente deduziu contra tais atos de liquidação a competente Reclamação Graciosa, já decidida em definitivo, da qual parece evidente que já resultou a emissão de novos atos de liquidação, por referência aos anos em causa (identificados no ponto I do Probatório).

A questão que se coloca é a de saber se os elementos de facto e de direito, ínsitos nos atos de liquidação sob análise - não nos que foram entretanto emitidos, nem na decisão proferida em sede de Reclamação Graciosa -, são suficientes para podemos afirmar que tais atos se encontram, devida e suficientemente, fundamentados.

Para tal, teremos então que analisar a suficiência e adequação dos fundamentos que se encontram plasmados no Relatório Final de Inspeção Tributária elaborado relativamente aos anos de 2012 e 2013.

Ora, começa por ser feita naquele Relatório a súmula dos rendimentos e das despesas declarados pela Requerente, nos anos em causa e com referência ao imóvel de que é proprietária (v. Quadro n.º 1, reproduzido a págs. 5 do Relatório).

De seguida, é feita referência, identificando sumariamente, as faturas que foram emitidas pela Requerente correspetivamente às rendas por si recebidas (v. Quadros n.ºs 2 e 3, reproduzidos respetivamente a págs. 5 e 6 do Relatório).

Para além disso, consideram os Serviços de Inspeção que, por se tratar de um imóvel arrendado durante alguns períodos, “as despesas dedutíveis deverão ser consideradas proporcionalmente tendo por base o número de dias do arrendamento, ou seja, 74 dias em 2012 e 85 em 2013, conforme resulta do quadro n.º 2, o que corresponde a 20,22% (74/365) e 23,29% (85/365)” (pág. 7 do Relatório).

É feita depois a aplicação desses coeficientes de proporcionalidade e obtido o valor das despesas consideradas como enquadradas no artigo 41.º do Código do IRS, o qual ascendeu a € 1.936,04 e a € 4.992,06, relativamente aos anos de 2012 e 2013, respetivamente.

A aplicação desta metodologia aos factos tributários e elementos probatórios que terão sido apresentados pela Requerente, em sede inspetiva, encontra-se, na realidade e como se aludiu, plasmada nos Quadros que compõem o Anexo 1 do Relatório Final de Inspeção Tributária.

De facto e como os próprios Serviços de Inspeção expressamente referem, é no Anexo 1 do Relatório Final de Inspeção Tributária que “estão discriminadas as despesas suportadas, tendo sido elaborados com base nos documentos facultados pelo sujeito passivo” e, acrescenta o Tribunal, as despesas que, no entendimento da AT, poderão ser enquadráveis na norma prevista no artigo 41.º do Código do IRS.

Ora, aparentemente e segundo decorre da análise daqueles Quadros, os Serviços de Inspeção consideraram que, no ano de 2012, do rol de despesas declaradas pelo sujeito passivo, apenas € 9.575,55, em 2012, e € 21.436,49, em 2013, foram consideradas enquadráveis no aludido artigo 41.º do CIRS.

No entanto, o Relatório Final de Inspeção Tributária nada diz quanto aos motivos concretos pelos quais restringiu o conjunto de despesas fiscalmente a essas e não a outras.

A única referência que a este propósito foi feita naquele Relatório é a seguinte: “As restantes despesas mencionadas nas faturas, não são dedutíveis, quer quando o descritivo não permite enquadrar o bem/prestação de serviços suportado, quer quando se trata de despesas correntes e não despesas de manutenção e conservação”.

Mas fica o julgador sem saber quais das faturas que foram apresentadas se subsumem a uma ou a outra situação, isto é, quando é que foram rejeitadas por impossibilidade de enquadramento do bem ou da prestação de serviços ou por se tratar de despesas correntes (por oposição a despesas de manutenção e conservação). E, mais relevante ainda, os motivos pelos quais assim se entendeu.

A AT apenas faz essa correspondência já em sede de procedimento de reclamação graciosa, após a Requerente ter procedido à junção das faturas. E note-se que a análise feita pela própria Requerente, em sede de reclamação (v. ponto 18 da respetiva p.i.), configura um mero exercício aritmético e que pretende computar os montantes corrigidos pela AT, mas nada adianta quanto aos fundamentos que, intrinsecamente, subjazeram a cada uma das categorias de correções.

O papel do Tribunal é, numa primeira fase, analisar os factos que se colocam à sua análise e só depois fazer a correlação dessa análise com os argumentos trazidos aos autos pelas partes. E a verdade é que o Tribunal ficou sem conhecer, ou sequer compreender, o raciocínio lógico que os Serviços de Inspeção percorrem, para definir os limites entre as despesas enquadráveis e não enquadráveis na norma prevista no artigo 41.º do Código do IRS.

E repare-se que o Tribunal nem sequer necessitou de efetuar qualquer juízo de valor quanto à legalidade do procedimento de relevação proporcional de tais despesas, em face da efetiva ocupação do imóvel. Para poder fazê-lo – e diga-se, a título meramente informativo, que a posição da AT nesta matéria – seria necessário, antes de mais, que lograsse compreender aquele percurso cognoscitivo, que levou a excluir da dedutibilidade fiscal determinadas despesas.

A AT poderia ter juntado ao Relatório as faturas por si consideradas como não enquadráveis na norma legal, justificando os motivos pelos quais, em concreto, entendeu que as mesmas teriam que ficar excluídas – por não aceites – dos gastos dedutíveis nos anos de 2012 e 2013. É este, genericamente, o procedimento que é habitualmente seguido em sede inspetiva, instruindo a AT o Relatório de Inspeção com todos os elementos por si analisados, para que o sujeito passivo possa fazer a correspondência entre os elementos probatórios corrigidos e os respetivos fundamentos.   

Como se referiu, só em sede de procedimento de reclamação graciosa, na realidade, é apresentada uma justificação mais exaustiva das correções efetuadas em sede inspetiva. Mas trata-se de evidente fundamentação a posteriori, como se constatará.

E acrescente-se que, por muito esforço interpretativo e analítico que tenha feito, e fez, o Tribunal tem dificuldade em compreender as “falhas” que a AT aponta à Requerente, no projeto de decisão da reclamação graciosa, no que tange à não apresentação de documentos em sede de inspeção tributária, na medida em que, como aí bem se refere, os elementos anteriormente fornecidos pela Requerente serviram precisamente de base à elaboração do Anexo 1 do Relatório de Inspeção. Pelo que ficamos sem saber quais os elementos probatórios que estariam em falta e que, efetivamente e de forma decisiva, poderiam contribuir para a alteração das correções efetuadas.

Ora, a jurisprudência tem desde sempre sufragado o entendimento de que o ato administrativo – aqui se incluindo o ato em matéria tributária - se encontra suficientemente fundamentado quando do mesmo é possível extrair o respetivo percurso cognoscitivo. É também isso que resulta do disposto nos artigos 63.º do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, 77.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 153.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

Nas palavras do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferidas no Acórdão de 11.12.2007, proferido no recurso n.º 615/04, “o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte”.

Ainda de acordo com o mesmo STA, no Acórdão de 10.02.2010, proferido no processo nº 01122/09, considerou-se que “a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é; quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação”.

Também a título exemplificativo, cite-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15.02.2012, proferido no processo n.º 00881/08.0BEBRG, que alinhou no mesmo sentido, considerando que “Se da impugnação da liquidação resulta que o contribuinte percebeu as razões que determinaram o ato, então este deve considerar-se fundamentado”.

O dever de fundamentação dos atos administrativos ou tributários visa essencialmente, por um lado, inteirar o respetivo destinatário das razões ou dos motivos que conduziram à tomada de decisão em determinado sentido e, por outro lado, permitir o controlo sobre a legalidade da decisão e sobre a validade dos motivos que subjazem a determina decisão concreta.

“(…) o imperativo de fundamentação expressa (...) desempenha, assim, tipicamente, um papel de garantia funcional, com a pretensão de assegurar a racionalidade e a controlabilidade dos momentos característicos da função administrativa, daqueles em que os órgãos da Administração tomam decisões de autoridade que produzem modificações jurídicas no mundo externo (…)” (cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Coimbra, 1992, p. 215).

Posto isto e como se decalca de todo o acima exposto, parece evidente que os atos de liquidação ora contestados, não cumprem com os requisitos legalmente definidos. O Relatório de Inspeção no qual se encontram plasmadas as correções que estiveram na origem da sua emissão não está, devida e suficientemente, fundamentado.

Situação diversa teríamos se, porventura, o objeto do presente pedido arbitral fosse os atos de liquidação de IRC emitidos na sequência da Reclamação Graciosa por si deduzida e que refletem a decisão aí proferida. Nesse caso, poderia afirmar-se que a fundamentação seria contemporânea do ato.

Como bem se decidiu no recente acórdão proferido no arbitral n.º 274/2016-T, em 9 de fevereiro de 2017, decisão em que foi relator o Conselheiro Lopes de Sousa, “Num contencioso de mera legalidade, como é o previsto no RJAT para os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, em que se visa apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º, tem de se aferir da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações”.

 

E continuando a acompanhar tal decisão arbitral: “Por outro lado, sendo o conhecimento da fundamentação necessário para assegurar com efectividade o direito de impugnação contenciosa de actos lesivos, assegurado pelo artigo 268.º, n.º 4, da CRP, para aferir da suficiência da fundamentação tem de se atender apenas ao teor do acto impugnado e às remissões que dele constem expressamente, como impõe o n.º 3 do mesmo artigo, em que se estabelece que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

 

Assim, como é jurisprudência pacífica, a fundamentação relevante é apenas a contemporânea do acto, que antecede ou acompanha o acto e que dele conste directamente ou por remissão, sendo irrelevante a fundamentação a posteriori, inclusivamente a que é invocada no processo de impugnação contenciosa.

 

No caso em apreço, a fundamentação das liquidações impugnadas, para além do que delas próprias consta, é a que consta do Relatório da Inspecção Tributária”.

 

Fazendo o paralelismo com a situação vertente, considerou-se naquela decisão igualmente o seguinte, que se transcreve:

 

No caso em apreço, a Requerente defende que

 

– quer quanto às piscinas, quer quanto à pista de atletismo, quer quanto aos demais pavilhões desportivos, a Administração Tributária, no seu relatório, não fundamenta nem explica por que motivo os serviços pelos outros operadores de mercado entram em concorrência com os serviços prestados pela requerente;

 

– quer porque não indica que concretos serviços são prestados em concorrência;

 

– em que condições físicas semelhantes tais serviços são prestados;

 

– se ou outros operadores de mercado são ou não entidades isentas,

 

É manifesto que a Requerente tem razão quanto a insuficiência do Relatório da Inspecção Tributária, em que assentam as liquidações de IVA impugnadas, quanto aos pontos que refere, sobre esta matéria da possibilidade de distorção da concorrência, que é essencial para sustentar as liquidações.

 

Desde logo, não são identificados o «hotel sito na cidade» nem o «outro na freguesia de … » nem os «ginásios (pelo menos dois, com piscina interior)», pelo que, embora a Requerente tente formular palpites sobre as entidades a quem se reportarão, não se pode deixar de concluir que se está perante o uso de expressões vagas, que não satisfazem as exigências de fundamentação.

 

Por outro lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira não esclarece quais as características dos serviços prestados por cada uma das entidades que entendeu serem concorrentes nem quais os preços dos serviços prestados, nem porque é que entendeu que havia possibilidade de a isenção praticada pela Requerente poder provocar distorção da concorrência.

 

Para se poder concluir pela existência de distorção da concorrência seria necessário conhecer os concretos serviços prestados e preços praticados pelas entidades que a Autoridade Tributária e Aduaneira considera concorrentes, pois poderão tratar-se de serviços distintos com preços distintos, destinados a tipos de público diferentes. No caso em apreço, resultou da prova produzida que nenhuma das piscinas do concelho de … tem as características das da Requerente nem existe outra pista de atletismo, pelo que não está explicada a razão por que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a prestação dos serviços pela Requerente pode provocar distorção da concorrência.

 

Para além disso, para se demonstrar que existe uma distorção da concorrência provocada pela isenção de IVA que a Requerente aplicou seria necessário esclarecer se as outras entidades que a Autoridade Tributária e Aduaneira terá considerado concorrentes não praticavam isenção para os serviços semelhantes, pois se todas praticassem isenção, nenhuma distorção estará relacionada com a aplicação da isenção pela Requerente”.

 

Ou seja, e voltando ao caso sub judice, diremos que também nesta situação a AT não especificou, identificando no Relatório de Inspeção Tributária, os motivos pelos quais considerou, em concreto, que as despesas não poderiam ser enquadradas na norma plasmada no artigo 41.º do Código do IRS, nem carreou para o procedimento inspetivo os elementos probatórios de suporte ao seu entendimento. Apenas se sabe que determinadas despesas, corporizadas em determinadas faturas (muitas das vezes nem sequer identificadas no Anexo 1 do Relatório), com um determinado descritivo, não podem qualificar-se para efeitos da sua dedução.

 

Como se referiu abundantemente, só no âmbito do procedimento gracioso posterior viria a AT a desvendar um pouco mais dos fundamentos que, no seu entendimento, justificariam a não dedutibilidade, em concreto, de certas despesas.

 

E sem saber, em concreto, quais as faturas e os descritivos não aceites, com a indicação da correspondência entre cada fatura e o respetivo fundamento para o seu não enquadramento legal, não estava o Requerente, e nessa medida o julgador, em condições de compreender o iter cognoscitivo que presidiu às correções efetuadas, no momento da emissão do ato de liquidação.

 

Uma última referência ao argumento aventado pela AT na sua Resposta, de que a Requerente deveria ter-se socorrido do mecanismo legal previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, requerendo a notificação da fundamentação em falta.

 

Entendemos, no entanto, que, caso o sujeito passivo não recorra a este mecanismo, os eventuais vícios do ato de liquidação não se têm por sanados, desde logo porquanto o artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário apenas visa sanar eventuais vícios do ato de notificação da liquidação e não já desta última.

 

Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de novembro de 2012, proferido no processo n.º 0736/12, no qual se entendeu de forma inequívoca que “o art. 37.º só tem a ver com a notificação dos actos, destinando-se a estabelecer as consequências das deficiências das notificações e não o regime dos vícios dos actos notificados, daí que no âmbito do art. 37º a Administração apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do ato notificado”. Daí que, como se refere neste aresto: “Não pode extrair-se do não uso da faculdade prevista no n.° 1 do artigo 37.° do CPPT quaisquer consequências quanto à validade ou invalidade do acto notificado, pois o art. 37.º só tem a ver com a notificação dos actos, destinando-se a estabelecer as consequências das deficiências das notificações e não o regime dos vícios dos actos notificados, daí que no âmbito do art. 37.° a Administração apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do acto notificado”.

 

De resto, o Professor RUI MORAIS[1] entende sobre esta matéria que o procedimento constante daquele artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário nem sequer possibilita que a AT complemente ou supra falhas na fundamentação do ato tributário, pois esta terá necessariamente que existir à data da notificação, sob pena de fundamentação a posteriori.

 

O Tribunal não partilha na totalidade desta posição, mas considera que o sujeito passivo, que se abstenha de utilizar o procedimento em causa, não poderá, em sede de futuro processo gracioso ou judicial, em que se discuta a legalidade do ato de liquidação, invocar a falta de eficácia deste último, corporizada na respetiva notificação, mas não poderá ser impedido de invocar a falta de fundamentação do próprio ato tributário de liquidação. Sob pena, por exemplo, da violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente prevista no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

 

Em face do exposto, verifica-se que os atos de liquidação de IRC e Juros Compensatórios ora contestados padecem ab initio do vício de falta de fundamentação, consubstanciada na insuficiência do Relatório de Inspeção, considerando o Tribunal que esse vício é insuscetível de ser suprido posteriormente à emissão dos próprios atos de liquidação.

 

Assim, declara-se a ilegalidade dos atos de liquidação em crise, referentes ao IRC de 2012 e de 2013 e, bem assim, da decisão de deferimento parcial proferida no processo de Reclamação Graciosa relativa a tais atos, por violação do disposto nos artigos 77.º da Lei Geral Tributária, nos artigos 152.º e 153.º do Código de Procedimento Administrativo, no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e, por fim, no artigo 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

Em face disso, fica prejudicada a análise dos restantes vícios e ilegalidades apontados pela Requerente, nomeadamente, a violação do disposto no artigo 41.º do Código do IRS.

 

 

B)    Do pagamento de Juros Indemnizatórios

 

Tal como ficou demonstrado nos autos, a Requerente procedeu ao pagamento do montante de imposto liquidado por referência aos exercícios de 2013 e 2013, aqui em causa.

 

Deste modo, tendo-lhe sido dada razão, no âmbito do presente pedido arbitral, reconhecendo-se a ilegalidade do procedimento adotado pela AT e, em consequência, a ilegalidade dos atos de liquidação em crise, terá a Requerente que ser reembolsada desse montante, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios legalmente devidos, pelo tempo em que a Requerente se viu privada dessa quantia.

 

Dispõe, nesse sentido, o artigo 43.º da Lei Geral Tributária que são devidos juros indemnizatórios ao sujeito passivo quando se determine, em sede de Reclamação Graciosa ou Impugnação Judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária superior ao devido.

 

Ora, o Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão de 03/05/2006, proferido no processo n.º 537/05, veio esclarecer o que deve entender-se por erro imputável aos serviços: “Os juros indemnizatórios p. no artº 43º da LGT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação.” (sublinhado da Requerente).

 

Tais normas e as respetivas consequências são aplicáveis em sede de pedido arbitral, encontrando-se englobados, no âmbito dos poderes do tribunal arbitral, a possibilidade de decisão quanto a esta matéria.

 

Foi isso também que se entendeu no acórdão de 3 de novembro de 2016, proferido no processo n.º 292/2016-T:

 

“De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea»”.

 

De facto e como se conclui naquela decisão: “(…) o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias”.

 

Em face do exposto, tendo sido dado provimento à pretensão da Requerente, não restam dúvidas de que são devidos juros indemnizatórios, a calcular desde a data do pagamento do imposto até efetivo e integral pagamento, juros esses que deverão ser calculados nos termos do disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, sobre a quantia efetivamente paga.

VII. Decisão

Em face do exposto, decide-se julgar procedente, por provado, o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:

i)                   Declarar a ilegalidade dos atos de liquidação de IRC e Juros Compensatórios em crise que constituem o objeto do presente pedido arbitral, pelos motivos e com os fundamentos acima invocados, bem como, da decisão de deferimento parcial proferida no processo de Reclamação Graciosa referente a esses atos, com as demais consequências legais;

ii)                 Do deferimento do pedido, deverá resultar o reembolso à Requerente dos montantes indevidamente pagos, com referência aos anos de 2012 e 2013, acompanhada dos respetivos juros indemnizatórios, computados nos termos do artigo 43.º da LGT;

iii)               Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

VIII. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 12.541,38, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, nº 1, alínea a), do Código de Procedimento e do Processo Tributário, aplicável por força do disposto nas alíneas a) e b), do nº 1, do artigo 29.º, do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

XIX. Custas

Fixa-se o valor das custas do processo em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerida, em função do decaimento integral na presente ação.

Notifique-se.

 

Lisboa, 11 de dezembro de 2017

 

O Árbitro

 

(Diogo Bonifácio)

 

 



[1] “Manual de Procedimento e Processo Tributário”, Coimbra, 2012, págs. 84 e seguintes.