Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 123/2023-T
Data da decisão: 2023-11-05  Selo  
Valor do pedido: € 23.660,47
Tema: Liquidações de Imposto do Selo – Valor Patrimonial Tributário – Anulação de atos tributários de liquidação.
Versão em PDF

 

SUMÁRIO:

 

É inadmissível a dedução de impugnação judicial de atos tributários de liquidação de Imposto do Selo apenas com fundamento em erros ou vícios relacionados com a fixação de Valor Patrimonial Tributário, com todas as consequências legais daí decorrentes.

 

DECISÃO ARBITRAL

I. RELATÓRIO

 

A...– Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, contribuinte fiscal n.º..., aqui representado  por B...– SGOIC, SA., contribuinte fiscal n.º ..., com sede na Rua ..., n. º ..., lugar ..., ...‐... Braga, vem, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), e peticionar que:

  1. Sejam declarados ilegais os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo liquidado em excesso pela AT através (i) de atos tributários de liquidação adicional de Imposto do Selo no valor de € 13.238,93 (treze mil duzentos e trinta e oito euros e noventa e três cêntimos) e (ii) do respetivo ato tributário “original” de Imposto do Selo no montante de € 10.421,54 (dez mil quatrocentos e vinte e um euros e cinquenta e quatro cêntimos, tudo totalizando € 23.660,47 (vinte e três mil seiscentos e sessenta euros e quarenta e sete cêntimos);
  2.  E consequentemente sejam estes atos anulados porque contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;   
  3.  Seja a AT condenada a reembolsar o montante de Imposto do Selo liquidado e pago em excesso pelo Requerente no montante de € 23.660,47 (vinte e três mil seiscentos e sessenta euros e quarenta e sete cêntimos). 

A título subsidiário requer: 

c) Caso o pedido de reembolso supra requerido não seja julgado procedente, seja a AT condenada a proceder com a notificação, nos termos legalmente exigidos, dos atos de avaliação dos valores patrimoniais tributários dos bens imóveis objeto dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo em análise.  

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente enviado email à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), a informar da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e do número do processo atribuído, em 01-03-2023, tendo por sua vez a AT sido notificada, em 05-03-2023.

 

Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a signatária foi designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

 

Em 19-04-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.

 

Síntese da posição das Partes:          

1.      Do Requerente


Segundo o Requerente, as notificações das avaliações dos imóveis in casu deveriam ter sido efetuadas ao Requerente através da sua caixa postal eletrónica, independentemente da entidade que fosse sua sociedade gestora à data das notificações. E desenvolve:

 

«Ora, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 36.º do CPPT, os “actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados” devendo, nos termos do previsto no n.º 2 deste mesmo artigo, tais notificações conter “a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação”  

 

Resulta assim que, conforme expressamente consagrado no n.º 6 do artigo 77.º da LGT, a eficácia de decisão em procedimento tributário “depende da notificação” ao contribuinte – i.e. para que uma decisão efetuada no âmbito de qualquer procedimento tributário só produzirá efeitos se for devidamente notificada ao contribuinte nos termos legais aplicáveis. Por outro lado, não existindo uma notificação da decisão no âmbito de procedimento tributário (ou esta notificação não ter sido efectuada nos termos legais exigidos, nomeadamente através de notificação insuficiente), tal decisão não será válida e não produzirá efeitos.  

 

Deste modo, considerando que a AT não notificou o Requerente nos termos legalmente exigidos, no âmbito do procedimento espoletado pelo Requerente ao abrigo do artigo 30.º do Código do IMT, os actos tributários de liquidação de Imposto do Selo sub judice são, desde logo, ilegais por assentar na consideração de valores patrimoniais tributários / valores tributáveis de Imposto do Selo cujas avaliações não foram devidamente notificadas ao Requerente.»  

 

O Requerente invoca ainda a seu favor jurisprudência diversa:

 «(…) a notificação insuficiente, com omissão da fundamentação integral do acto de fixação do VPT, [e, por maioria de razão, a falta de notificação] não pode produzir efeitos, designadamente para pedir a 2.ª avaliação do prédio, dado que a Requerente não estava, ainda, na posse de todos os elementos que lhe permitissem, de forma esclarecida, decidir se concordava ou discordava da avaliação realizada. Tal preterição de formalidade legal essencial afecta a validade dos actos de liquidação que lhe sucederam, por privação do contribuinte da possibilidade de requerer segunda avaliação, impossibilitando a formação de acto tributário consequente até que lhe seja concedido tal direito”– cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 4 de Junho de 2020, proferido no processo n.º 02119/09.3BEPRT.  

 

E acrescenta: «Face ao exposto, é claro que, face à falta de notificação legal ao Requerente das avaliações dos valores patrimoniais tributários dos bens imóveis em apreço – que ferem de ilegalidade estes actos de avaliação por vício formal de falta de notificação –, os subsequentes actos tributários de demonstração de liquidação de Imposto do Selo sub judice (e respectivos actos de demonstração de acerto de contas) emitidos pela AT, enquanto actos tributários directamente decorrentes de tais avaliações, serão igualmente actos feridos de ilegalidade.  

 

 Ora, a jurisprudência nacional tem reiteradamente julgado que a falta de notificação legal (ou a existência de uma notificação legalmente insuficiente) do acto de avaliação / fixação / determinação do valor patrimonial tributário de bem imóvel ao contribuinte constitui um vício formal que afecta a própria legalidade / validade dos actos tributários de liquidação de imposto (nomeadamente IMT, Imposto do Selo, IMI, AIMI) que decorram deste acto de avaliação / fixação / determinação do valor patrimonial tributário não devidamente notificado ao contribuinte. Neste sentido, no âmbito de um processo que apreciou a legalidade de acto tributário de liquidação adicional de IMT assente em acto de fixação de valor patrimonial tributário que não foi notificado nos termos legalmente exigidos (aplicável mutatis mutandis a actos tributários de outros tributos (v.g. Imposto do Selo, IMI) resultantes de actos de fixação de valor patrimonial tributário), o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) no seu Acórdão de 6 de Maio de 2020, proferido no processo n.º 01088/10.1BEAVR, determinou que “[t]emos que concluir, por isso que a falta de notificação do resultado da primeira avaliação não pode deixar de influir na validade ou na eficácia do ato de liquidação posterior e que nela se fundamente.”

 

E continua o STA: «Mas parece que se pode ir mais longe e assumir que a falta de notificação da primeira avaliação constitui uma formalidade preterida em ato preparatório ao procedimento de liquidação. E que, por isso não pode ser validamente efetuada uma liquidação adicional apoiada nessa Página 40 de 47 avaliação sem que, previamente, seja assegurado o direito à segunda avaliação. Em qualquer destes dois entendimentos, estaremos perante um vício intrínseco da própria liquidação e que deve ser invocado na impugnação contenciosa desta” – cfr. Acórdão do STA de 6 de Maio de 2020, proferido no processo n.º  01088/10.1BEAVR.»  

 

«[c]omo se referiu no Acórdão do STA, de 13/12/2017, proferido no âmbito do processo n.º 0679/17, remetendo para jurisprudência do Tribunal Constitucional, as formalidades relativas a notificações de actos tributários ou de actos em matéria tributária que afectem ou possam afectar os direitos e interesses dos contribuintes com protecção legal existem para garantia de que se mostra respeitado o princípio constitucional da segurança inerente ao Estado de Direito, de que, aos destinatários dos actos da Administração, será dado conhecimento de todos os elementos que integrem o acto tributário, ou o acto em matéria tributária, e o princípio da tutela jurisdicional efectiva que sairia esvaziado se o contribuinte não conhecesse todos os elementos que lhe permitam a defesa judicial dos seus direitos” – cf.  Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18 de Junho de 2020, prolatado no processo n.º 00925/10.5BEPRT. Deste modo, concluiu o douto Tribunal que “[a] notificação insuficiente, com omissão da fundamentação integral do acto de fixação do VPT, não pode produzir efeitos, designadamente para pedir a 2.ª avaliação do prédio, dado que a Recorrente não estava, ainda, na posse de todos os elementos que lhe permitissem, de forma esclarecida, decidir se concordava ou discordava da avaliação realizada. Tal preterição de formalidade legal essencial afecta a validade dos actos de liquidação que lhe sucederam, por privação do contribuinte da possibilidade de requerer segunda avaliação, impossibilitando a formação de acto  tributário consequente até que lhe seja concedido tal direito” (realce e sublinhados nossos) – cfr.  Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18 de Junho de 2020, prolatado no processo n.º 00925/10.5BEPRT.»

 

“[r]eiteramos, nestes termos, as consequências jurídicas sobre a validade dos actos subsequentes de liquidação do IMI sendo a decisão de fixação do VPT ineficaz perante o interessado, não seria possível proceder à prática do acto subsequente. Não sendo a notificação efectuada em 24/01/2008, sem a fundamentação integral do acto, oponível à Recorrente, os actos de liquidação consequentes padecem de ilegalidade, em resultado da ineficácia do acto verificada naquele procedimento de fixação do VPT” – cfr.  Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18 de Junho de 2020, prolatado no processo n.º 00925/10.5BEPRT. 

 

E transcreve ainda o Requerente: «Importa ainda referir, a mero título de exemplo de jurisprudência arbitral no seio do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) com referência a esta temática, a Decisão Arbitral de 17 de Março de 2022, proferida no processo n.º 296/2021‐T, no âmbito do qual é igualmente reconhecido que “[a]ssim, ao ter sido omitida essa notificação, para além de o acto de fixação do valor patrimonial tributário ser ineficaz relativamente à Requerente, é inválido e, consequentemente, são inválidas as liquidações adicionais do IMT e do Imposto do Selo efectuadas com base no valor patrimonial tributário assim fixado”. De facto, considerando que a “falta de notificação do resultado da primeira avaliação à Requerente não pode deixar de influenciar a eficácia dos actos de liquidação posteriores (de IMT e do Imposto do Selo) que nela se fundamentam” e que “[p]or outro lado, não deixa de constituir uma formalidade preterida em acto preparatório ao procedimento de liquidação, pelo que a liquidação adicional de IMT e do Imposto do Selo apoiada nessa avaliação é, também, inválida ao não ter, previamente, assegurado à Requerente o direito à segunda avaliação”, é de concluir que “procede a arguição do vício de ausência de notificação do acto de fixação do valor patrimonial tributário e da invalidade consequente das liquidações de IMT e do Imposto do Selo efectuadas com base nesse no valor patrimonial tributário assim fixado” – cfr. Decisão Arbitral de 17 de Março de 2022, proferida no processo n.º 296/2021‐T.» 

 

E conclui o Requerente «Face à jurisprudência acima exposta, é claro que a falta de notificação (ou de notificação insuficiente que não cumpra com os requisitos legais exigidos) ao contribuinte dos actos de fixação / avaliação dos valores patrimoniais tributários constitui um vício formal que torna ineficaz estes actos administrativos em matéria tributária, mas igualmente constitui um vício intrínseco aos actos tributários de liquidação de tributos (IMT, Imposto do Selo, IMI) que resultem daqueles actos (ilegais / ineficazes) de fixação / avaliação dos valores patrimoniais tributários, e, consequentemente, os actos tributários são, per se, ilegais por força de tal vício, independentemente da impugnabilidade autónoma dos actos de fixação dos valores patrimoniais tributários.  

 

Consequentemente, os actos tributários de demonstração de liquidação de Imposto do Selo (e respectivos actos de demonstração de acerto de contas) sub judice, enquanto actos tributários resultantes destes ilegais actos de fixação de valores patrimoniais tributários, são eles próprios actos que padecem de ilegalidade, devendo assim estas liquidações de Imposto do Selo em crise ser anuladas por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito.» 

 

Assim, o ora Requerente vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo em análise, requerendo a respetiva anulação, bem como do correspondente reembolso do Imposto do Selo indevidamente pago, num montante total de € 23.660,47.

 

Consequentemente, na falta das notificações dos resultados das avaliações em apreço que deveriam ter sido efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, concretamente pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia – ..., considera que tais avaliações não constituem atos de decisão em matéria tributária legalmente eficazes nos termos do n.º 6 do artigo 77.º do CPPT e do n.º 1 do artigo 36.º da LGT, nomeadamente para efeitos de contagem do prazo para apresentação de pedidos de segunda avaliação pelo Requerente. 

 

Por este motivo, reclama que as notificações efetuadas à anterior sociedade gestora deverão ser consideradas inexistentes, devendo o Requerente ser validamente notificado através de meio de notificação legalmente previsto (e.g. através de notificação eletrónica no Portal das Finanças).  

 

Subsidiariamente, o Requerente peticiona a condenação da AT à notificação dos atos de avaliação dos bens imóveis ao Requerente com os seguintes fundamentos: «caso o douto Tribunal Arbitral constituído na sequência do presente Pedido de Pronúncia Arbitral se julgue incompetente para apreciar o pedido de reembolso do montante de Imposto do Selo liquidado e pago em excesso aduzido no ponto imediatamente acima, o Requerente entende que a AT deverá ser condenada a proceder com a notificação dos actos de avaliação dos bens imóveis em apreço (prédios urbanos inscrito sob os artigos matriciais..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., sitos na freguesia de ...), com vista a assegurar que os procedimentos de avaliação por  valores patrimoniais excessivos (nos termos do artigo 30.º do Código do IMT) sigam os trâmites legais previstos na legislação aplicável, nomeadamente a possibilidade do Requerente proceder com pedidos de segunda avaliação junto da AT.

 

A este respeito, o Requerente sublinha que «(...) continua a discordar dos valores patrimoniais tributários resultantes das avaliações efectuadas pela AT, considerando que continuam a ser excessivos, nos termos do artigo 30.º do Código do IMT, de tal forma que interpôs o Recurso Hierárquico acima mencionado com vista a assegurar que a AT proceda à correcta e legal notificação das avaliações efectuadas pela AT ao Requerente, e, subsequentemente, seja possível a realização de uma segunda avaliação que permita o adequado cômputo dos valores patrimoniais tributários dos bens imóveis em apreço.»  

 

Concluindo que «tanto os anteriores valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos objecto dos actos tributários de demonstração de liquidação de Imposto do Selo sub judice, como os seus novos valores patrimoniais tributários resultantes da avaliação da AT e agora notificados como valores destas liquidações, são excessivos face aos respectivos valores de mercado destes bens imóveis, conforme valor de mercado determinado nas conclusões do Relatório de Avaliação Imobiliária de Setembro de 2021 emitido pelo perito avaliador actuando em nome da sociedade C..., Lda.»  

 

2. Da Requerida

 

Os argumentos apresentados na Resposta da AT, sublinham o seguinte:

Alega a AT que «(…) o Requerente pretende a anulação dos atos impugnados com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim dos atos do procedimento de fixação do Valor patrimonial Tributário (VPT). Na verdade, a presente ação não é nem fundamentada em qualquer vício dos atos de liquidação.»   

 

De acordo com a AT, o que o Requerente contesta é, apenas e só, o ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação, defendendo «(…) que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.  

 

Ora, a presente impugnação foi apresentada das liquidações IS (Verba 1.1. da TGIS) n.ºs..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., emitidas em 17-09-2022, e como se vê dos factos provados e do PA que se junta, apresentou recurso hierárquico do indeferimento do pedido de segunda notificação das avaliações, no âmbito do procedimento de avaliação oportunamente desencadeado. 

 

Donde, o ora Requerente desencadeou simultaneamente, o meio próprio para questionar as notificações no âmbito do procedimento de avaliação, através do recurso hierárquico da decisão de indeferimento ali proferida.  

 

O Requerente não imputa ao ato sindicado qualquer vício específico da liquidação, questionando, apenas, o Valor Patrimonial Tributário do imóvel objeto de tributação pelo que, só pode ser apreciado em processo autónomo de impugnação do ato de fixação do VPT, enquanto ato destacável, para efeitos de impugnação contenciosa, do procedimento de liquidação do tributo e desde que esgotados os meios graciosos necessários, o que como vimos, não aconteceu.» 

 

Segundo a Requerida «(…) os atos de fixação de valores patrimoniais podem ser impugnados autonomamente, com fundamento em qualquer ilegalidade, como decorre dos n.ºs 1 e 2 do artigo 134.° do CPPT, encontrando-se esta impugnabilidade autónoma em sintonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 86.° da LGT, onde se estabelece que os atos de avaliação direta são diretamente impugnáveis, quando inseridos num procedimento de liquidação de um tributo, são atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa. (cfr. Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao artigo 134.º do CPPT in Código de procedimento e de processo Tributário, anotado e comentado, II volume, página 433). 

 

(...) os vícios de que enferme o referido ato de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do ato de avaliação e não do ato de liquidação que seja praticado com base naquele, porquanto a atribuição da natureza de ato destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste ato para efeitos de impugnação contenciosa.

 

Daqui decorre a impossibilidade de apreciação da conformidade do ato de avaliação em sede de impugnação do posterior ato de liquidação, que pressupõe o valor fixado na avaliação, ou seja, afigura-se-nos que existe a inadmissibilidade da dedução da impugnação dos atos de liquidação, apenas com fundamento em discordância sobre o VPT.

 

Nos termos da mais recente jurisprudência consolidada do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23.02.2023 no processo n.º 102/22.2BALSB eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.»

 

Acrescenta a Requerida que «Ao estabelecer a sindicância direta destes atos o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efetivação da liquidação.

 

Uma vez que os vícios da fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos já se consolidaram na ordem jurídica não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação. Caso o ato que fixa o valor patrimonial tributário não seja impugnado nos termos e prazo fixado consolida-se na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher. 

 

(…) Em face de todo o exposto fácil é de concluir que, não podem os atos de liquidação impugnados nos presentes autos ser anulados com fundamento em erros no procedimento de fixação do VPT.»    

 

Invoca, ainda, decisões arbitrais proferidas, nomeadamente, nos processos números 697/2021-T de 17 de junho de 20211 e 652/2021-T1, de 20 de junho de 2022.  

 

Por dever de patrocínio, e sem conceder, refere por último a Requerida:

 

«(…) quanto à questão da notificação da avaliação, que o Requerente apresentou, em 24-03-2022, junto do SF de Vila Nova de Gaia-..., um pedido de notificação de avaliações de prédios nos termos do n.º 1 do artigo 30.º do CIMT e do artigo 130.º do CIMI, alegando que não foi validamente notificado do resultado de avaliação dos imóveis em causa. Sendo certo que, recorreu hierarquicamente do indeferimento desse pedido, é no âmbito desse procedimento que pode, no caso do indeferimento do Recurso Hierárquico, impugnar essa decisão judicialmente.»   

 

Afirma ainda, sem conceder, que não se verificou nenhuma ilegalidade e na notificação da avaliação, como refere o despacho de indeferimento proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia – ..., em 19-10-2022, considerando que o resultado das avaliações postas em causa, foi notificado ao Requerente, na pessoa do seu representante a E...– SGOIC, SA., uma vez que era esta entidade representante à data da concretização das notificações: 21-11-2021.

 

Conclui que o Requerente não tem razão, pois, relativamente à alteração da sociedade gestora, a mesma só se verificou, com a apresentação da competente declaração de alterações, através da qual foi comunicada a alteração de representante, passando a constar a sociedade gestora B...– SGOIC, SA., com data de início de 09-03-2022.  

 

Peticiona, por conseguinte, que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a requerida de todos os pedidos. 

 

 

***

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído, em 10-05-2023.

Em 13-05-2023, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar Resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, o que efetuou, em 19-06-2023, acompanhado de Processo Administrativo (doravante PA).

Em 03-07-2023, foram notificadas as partes do despacho, de 02-07-2023, proferido pelo Tribunal Arbitral, no qual se dispensava a reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT, bem como a apresentação de alegações, ao abrigo dos artigos 16.º, 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT, estimando-se a prolação de decisão arbitral dentro do prazo previsto no n.º 1, do artigo 21.º do RJAT.

 

II. SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se.

O processo não enferma de nulidades.

Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

1. Factos provados:

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

  1. O Requerente procedeu à aquisição de um conjunto de imóveis – 13 prédios urbanos e 1 prédio rústico –, através de escritura pública de compra e venda celebrado com o vendedor e (anterior) proprietário dos referidos ativos– o Banco D..., S.A., onde se incluem os prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e..., todos da freguesia da freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia.

 

  1. O Requerente, enquanto adquirente dos mesmos, apresentou a Decl. Mod. 1 n.º 2021/... e, na sequência da mesma, os serviços emitiram a liquidação de IS (Verba 1.1.) n.º..., de 22-10-2021, no montante global de € 67.080,31.

 

  1. Na determinação do montante de IMT devido pelo Requerente com referência aos prédios urbanos, foi considerado o valor do preço de compra e venda dos imóveis       € 5.099.000,00 e o valor patrimonial tributário que estava determinado, à data da operação em apreço, de € 8.385.037,87. 

 

  1. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 12.º do Código de IMT, sendo o valor patrimonial tributário superior ao valor acordado entre as partes, aquele valor patrimonial tributário foi tido em conta como o valor tributável para efeitos de cálculo do IMT devido na operação.   

 

  1. No âmbito das referidas liquidações de IS emitidas, em 22-10-2021, os prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e..., todos sitos na freguesia de ..., foram adquiridos pelo Requerente em contrapartida do pagamento do preço de € 327.000,00, € 624.000,00, € 93.000,00, € 2.026.000,00, € 1.175.000,00, € 93.000,00, € 145.000,00 e € 53.000,00, tendo tais imóveis, à data da aquisição, um valor patrimonial tributário de € 537.828,46, € 1.026.752,99, € 153.835,13, € 3.331.255,31, € 1.932.847,09, € 153.094,64, € 239.231,87 e € 86.888,17, respetivamente.

 

  1. O Requerente procedeu atempadamente ao pagamento deste imposto.

 

  1. O Requerente apresentou, em 25-10-2021, através da Modelo 1 de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., com referência aos prédios urbanos supra identificados, um pedido de avaliação por valor patrimonial tributário excessivo nos termos do artigo 30.º do Código do IMT.

 

  1. Em 21-11-2021, o Requerente foi notificado, via CTT (SECIN – sistema informático que gere as notificações dos contribuintes), na pessoa do seu representante E...– SGOIC, SA., do resultado das avaliações solicitadas:

- Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., para o qual foi determinado um VPT de € 660.000,00 (valor este superior ao VPT de € 537.828,46 em vigor à data da aquisição);

- Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., para o qual foi determinado um VPT de € 1.260.000,00 (valor este superior ao VPT de € 1.026.752,99 em vigor à data da aquisição);

- Ofício n.º..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., para o qual foi determinado um VPT de € 173.050,00 (valor este superior ao VPT de € 153.835,13 em vigor à data da aquisição);

 - Ofício n.º..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., para o qual foi determinado um VPT de € 4.088.010,00 (valor este superior ao VPT de € 3.331.255,31 em vigor à data da aquisição);

 - Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., para o qual foi determinado um VPT de € 2.371.930,00 (valor este superior ao VPT de € 1.932.847,09 em vigor à data da aquisição);

 - Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., para o qual foi determinado um VPT de € 187.870,00 (valor este superior ao VPT de € 153.094,64 em vigor à data da aquisição);

 - Ofício n.º ..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., para o qual foi determinado um VPT de € 269.110,00 (valor este superior ao VPT de € 239.231,87 em vigor à data da aquisição);

 - Ofício n.º..., referente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., para o qual foi determinado um VPT de € 106.630,00 (valor este superior ao VPT de € 86.888,17 em vigor à data da aquisição).  

 

  1. Em 09-03-2022, o Requerente apresentou uma declaração de alterações de atividade, através da qual é comunicada a alteração de representante, passando a constar do cadastro, como sociedade gestora do Requerente, a B...– SGOIC, SA., NICP..., com data de início de 09-03-2022. 

 

  1. No seguimento desta alteração, o Requerente apresentou, em 24-03-2022, junto do SF de Vila Nova de Gaia-..., um pedido de notificação de avaliações de prédios nos termos do n.º 1 do artigo 30.º do CIMT e do artigo 130.º do CIMI, alegando que não foi validamente notificado do resultado de avaliação dos imóveis nomeadamente dos prédios urbanos inscritos sob os artigos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., sitos na freguesia de ..., o que não lhe permitiu assegurar o exercício atempado do direito de acesso à justiça e o respeito pelas garantias conferidas no âmbito do procedimento tributário, nomeadamente o exercício do direito de apresentação de pedido de segunda avaliação.

 

  1. Na sequência do requerimento/pedido de notificação ora mencionado, foi elaborado pelo SF de Vila Nova de Gaia-... um projeto de indeferimento, com a seguinte fundamentação:

 

«1 – Se ter verificado, por consulta ao sistema informático que gere as notificações dos contribuintes, denominado “SECIN”, que a requerente foi notificada em 21-11-2021, através de entrega de documento na caixa postal eletrónica do ViaCTT, tendo como destinatário a E... – SGOIC, SA., NICP ... . 

 

2 – Ter sido apresentada uma declaração de alterações de atividade, em 09 de março de 2022, através da qual é comunicada a alteração de representante passado a constar a sociedade gestora B...– SGOICC, SA., NICP..., com data de início de 09 de março de 2022. 

 

3 – Se ter assim concluído que o resultado das avaliações postas em causa, foi notificado ao contribuinte, na pessoa do seu representante a E...– SGOIC, SA., uma vez que era esta entidade r/epresentante à data da concretização das notificações: 21-11-2021.»  

 

  • Através do ofício, de 29-09-2022, emitido pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia..., o Requerente foi notificado do referido projeto de indeferimento e para, no prazo de 15 dias, querendo, exercer o seu direito de audição prévia.

 

  1. Em 17-10-2022, o Requerente exerceu o seu direito de audição prévia.

 

  • Por despacho, de 19-10-2022, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia – ..., foi convertido em despacho de indeferimento o projeto de decisão proferido em 29-09-2022.

 

  • Da decisão definitiva de indeferimento do pedido de notificação das avaliações, o Requerente foi notificado, através de Ofício do SF de Vila Nova de Gaia – ..., datado de 20-10-2022.

 

  1. Não se conformando, o Requerente apresentou, em 17-11-2022, recurso hierárquico.

 

  1. A AT procedeu à emissão dos seguintes atos tributários de liquidação de IS:

 

- Liquidação adicional de IS n.º ..., de 17-09-2022, no valor de € 5.280,00, que “corrige” oficiosamente a coleta original de IS, no valor de € 4.302,63, anteriormente liquidada ao Requerente com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de ...;

- Liquidação adicional de IS n.º ..., de 17-09-2022, no valor de € 10.080,00, que “corrige” oficiosamente a coleta original de IS, no valor de € 8.214,02, anteriormente liquidada ao Requerente com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., sito na freguesia de ...;

 - Liquidação adicional de IS n.º ..., de 17-09-2022, no valor de € 1.384,40, que “corrige” oficiosamente a coleta original de IS, no valor de € 1.230,68, anteriormente liquidada ao Requerente com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de ...;

 - Liquidação adicional de IS n.º..., de 17-09-2022, no valor de € 32.704,08, que “corrige” oficiosamente a coleta original de IS, no valor de € 26.650,04, anteriormente liquidada ao Requerente com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de ...;

 - Liquidação adicional de IS n.º ..., de 17-09-2022, no valor de € 18.975,44, que “corrige” oficiosamente a coleta original de IS, no valor de € 15.462,78, anteriormente liquidada ao Requerente com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., sito na freguesia de ...; 

- Liquidação adicional de IS n.º..., de 17-09-2022, no valor de € 1.502,96, que “corrige” oficiosamente a coleta original de IS, no valor de € 1.224,76, anteriormente liquidada ao Requerente com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de ...;

 - Liquidação adicional de IS n.º ..., de 17-09-2022, no valor de € 2.152,88, que “corrige” oficiosamente a coleta original de IS, no valor de € 1.913,85, anteriormente liquidada ao Requerente com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de ...;

 - Liquidação adicional de IS n.º ..., de 17-09-2022, no valor de € 853,04, que “corrige” oficiosamente a coleta original de IS, no valor de € 695,11, anteriormente liquidada ao Requerente com referência ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., sito na freguesia de ... .

 

  1. Considerando que, à data da aquisição, o Requerente tinha pago uma coleta de IS sobre os mencionados bens imóveis no valor de € 59.693,87, face ao novo montante de coleta de IMT liquidado pela AT de € 72.932,80, o ato tributário de liquidação de IS aqui em litigio determinou um pagamento adicional de imposto no valor de € 13.238,93. 

 

  1. O Requerente, em 28-02-2023, apresentou o presente pedido de pronúncia junto do Tribunal Arbitral.     

 

2. Factos não provados:

Com relevo para a decisão da causa, não existem outros factos que não tenham ficado provados.

 

3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

Os factos dados como “provados” e “não provados” foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, e no PA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, no consenso das partes.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

IV. DO DIREITO

 

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral consiste em apreciar se, em sede de impugnação judicial de ato de liquidação, e não sendo imputados vícios específicos às liquidações totalizando € 23.660,47 (vinte e três mil seiscentos e sessenta euros e quarenta e sete cêntimos), como é o caso, é admissível serem objeto de apreciação eventuais erros ou vícios relacionados com a avaliação conducente à fixação do Valor Patrimonial Tributário dos prédios objeto de tributação.

 

De forma consistente e fundamentada tem sido entendido pela Jurisprudência dos Tribunais Fiscais e dos Tribunais Arbitrais, nos termos do artigo 134º, n.º 7 do CPPT, que a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depende do esgotamento dos meios graciosos, e bem assim, que o ato de fixação do valor patrimonial tributário de prédio urbano configura um ato destacável relativamente ao qual a lei impõe a sua impugnação autónoma, nos termos do n.º 1, do artigo 134º do CPPT, sob pena de o mesmo se consolidar no ordenamento jurídico como caso decidido ou resolvido, motivo pelo qual não pode posteriormente, em sede de impugnação judicial de ato de liquidação, ser objeto de apreciação eventual ilegalidade no apuramento de tal valor patrimonial.

 

Sobre esta matéria e face à existência de oposição entre arestos, o Supremo Tribunal Administrativo (doravante STA) no processo n.º 102/22.2BALSB, em 23.02.2023, veio uniformizar a jurisprudência no seguinte sentido:  

 

«Vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária segundo o qual só há lugar a impugnação contenciosa do ato final do procedimento, que tem assento legal nos artigos 66.º da LGT e 54.º do CPPT. O primeiro dispositivo legal estabelece que os contribuintes e demais interessados podem, no decurso do procedimento, reclamar de quaisquer atos ou omissões da administração tributária (n.º 1), mas a reclamação não suspende o procedimento, podendo os interessados recorrer ou impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 2). O segundo, com a epígrafe “impugnação unitária”, estabelece que Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.


O princípio da impugnação unitária tem, assim, duas exceções, admitindo a lei adjetiva tributária a impugnação imediata dos atos interlocutórios (i) quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte, e (ii) quando exista disposição expressa em sentido diferente, ou seja, quando exista lei que admita expressamente a impugnação imediata do ato interlocutório.

Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação. Estabelece o artigo 86.º, n.º 1 da LGT que a avaliação direta é suscetível nos termos da lei de impugnação contenciosa direta. O que significa que se essa avaliação se inserir num procedimento de liquidação, o ato de avaliação é diretamente impugnável. A impugnabilidade fica, no entanto, dependente do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão (n.º 2 do artigo 86.º da LGT).

No que respeita em particular aos atos de fixação de valores patrimoniais rege o artigo 134.º do CPPT, em consonância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 86.º da LGT, que admite a sua impugnação com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1), não tendo a impugnação efeito suspensivo, e só podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (n.º 7)».


«(…) Tendo em conta o que fica dito duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável – admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio.

 

E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.

 

Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt).
Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere
 

De qualquer forma, quer o ato de avaliação direta se insira no procedimento de liquidação do imposto (aplicando-se neste caso a exceção ao princípio da impugnação unitária) quer, como é o caso, finalize um procedimento de avaliação direta autónomo, os vícios que afetem o valor encontrado apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada».

 

O supra citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, do STA, de 23.02.2023, é pois nos presentes autos modelar, devendo o Tribunal Arbitral decidir em consonância com o ali fixado, tal como decidir de acordo com o direito constituído (aplicável ex vi artigo 29.º do RJA), conforme o disposto no artigo 2.º do RJAT.  

 

Termos que o Tribunal Arbitral não poderá anular as liquidações de IS, em análise, com fundamento em alegados erros/vícios relacionados com as avaliações que fixaram os valores patrimoniais dos prédios, que por sua vez está impedido de conhecer ou apreciar.

 

Quanto ao pedido subsidiário, afigura-se prejudicado no decorrer do anteriormente concluído.

 

A este propósito, é também de notar ter resultado provado que o Requerente apresentou, em 17-11-2022, recurso hierárquico de indeferimento do pedido de segunda notificação das avaliações, no âmbito de procedimento de avaliação desencadeado, cuja decisão não é conhecida.

 

As notificações descritas foram questionadas através daquele recurso hierárquico em paralelo com a apresentação do presente PPA.

 

V. DECISÃO

 

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Singular: 

 

  1. Julgar improcedentes os pedidos de pronúncia arbitral apresentados pelo Requerente, e, consequentemente, absolver a Requerida de todos os pedidos; 

 

  1. De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 23.660,47 (vinte e três mil seiscentos e sessenta euros e quarenta e sete cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelos montantes das liquidações de imposto impugnadas;

 

  1. Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, imputáveis ao Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 05 de novembro de 2023     

 

 

 

A Árbitra

 

/Alexandra Iglésias/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.