Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 132/2019-T
Data da decisão: 2020-03-03  IVA  
Valor do pedido: € 222.801,09
Tema: IVA - Atividade marítimo turística; Verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA; natureza inovadora ou interpretativa da nova redacção; informações vinculativas.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

I – Relatório

 

1. No dia 25.02.2019, a Requerente, A..., S.A, com sede em ..., ...-...,  ..., requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  das seguintes liquidações de imposto sobre o valor acrescentado e de juros compensatórios:

 

LIQUIDAÇÕES ADICIONAIS DE IMPOSTO

LIQUIDAÇÕES DE JUROS COMPENSATÓRIOS

 

A Requerente peticiona ainda, indemnização pelos custos incorridos com a garantia prestada nos respetivos processos de execução nos termos dos artigos 53º da LGT e 171º do CPPT

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados árbitros os signatários, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 8 de maio de 2019.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

a.            As liquidações impugnadas têm como fundamento o relatório de inspeção tributária de 19.11.2018, emitido sob a ordem de serviço nº OI2018... .

b.            O dissídio entre as partes centra-se na posição da requerida, de que a Requerente discorda, de que o serviço de transporte de pessoas no âmbito das atividades marítimo-turísticas não integra a noção de transporte de passageiros na aceção da verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, na redação em vigor à data dos factos tributários.

c.            Com base neste entendimento, a Requerida corrigiu a taxa de imposto aplicada às prestações de serviços de transporte de passageiros, de 6º para 23º, liquidando adicionalmente IVA, que diz estar em falta, no montante de € 198.167,60, e ainda juros compensatórios.

d.            Este entendimento contraria frontalmente a doutrina administrativa até então estabilizada, segundo a qual os passeios marítimo-turístico têm enquadramento na verba 2.14 da lista anexa ao CIVA.

e.            E transgride, em toda a linha, as conclusões e determinações da jurisprudência do TJUE que determina que cada operação deve por regra ser considerada distinta e independente (por todos, ver caso Casos Part Servic, CPP e Levob).

f.             Só constitui uma prestação única na aceção da jurisprudência do TJUE um serviço que integre dois ou mais elementos que, por se acharem tão estreitamente ligados entre si, criam, objetivamente, uma prestação económica indissociável, cuja decomposição teria natureza artificial (por todos, ver caso RLRE Tellmer Property)

g.            O serviço de transporte turístico de passageiros por via marítima, de um lado, e os demais serviços de bar, refeição, música, etc., são economicamente dissociáveis uns dos outros nada impedindo, por hipótese, um cliente de prescindir do serviço de bar, de prescindir da sua refeição a bordo ou da atividade de parasailing, sendo, aliás, frequentes os casos em que isso sucede.

Por outro lado,

h.            A taxa aplicada aos passeios marítimo-turístico pela ora Requerente foi rigorosamente sancionada pela AT, sendo várias as orientações administrativas que preceituam justamente o procedimento que o relatório considerou incorreto.

i.             Por isso, a Requerente pode aqui invocar, no confronto com a AT, o conteúdo de uma orientação administrativa e, se for o caso, fazê-la valer perante o tribunal, se necessário com sacrifício do princípio da legalidade.

j.             Daí que, ainda que não fosse correta a interpretação feita pela Requerente da lei em causa nos presentes autos, sempre se haveria de concluir que as liquidações impugnadas praticadas em dissonância com essa orientação enfermam do vício de violação de lei, por incompatibilidade com os artigos 68º, nº 4, al. b). e 68º-A, nº 1 da LGT.

Sem conceder,

k.            Acresce que, a Lei de Orçamento de estado para 2019 veio, em face da nova posição da AT a esse respeito divulgada em 2018 (informação vinculativa nº 13.464), esclarecer a regra ínsita na verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, no sentido   que o passeio marítimo-turístico é tributado como transporte de passageiros independentemente da presença de outros elementos no serviço.

l.             Como resulta claro da nota justificativa a esta alteração de redação da verba em causa, é evidente a ausência de carácter inovador e pelo contrário, notória a natureza interpretativa da alteração.

m.          Uma vez que a lei interpretativa se integra na lei interpretada, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 13º do Código Civil, há que concluir que a interpretação correta da verba em causa à data dos factos tributários, é a mesma que resulta da lei interpretativa.

n.            Também por isso, são ilegais as liquidações ora impugnadas, por violarem o sentido e o âmbito da verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA na sua redação à data dos factos.

Ainda sem conceder,

o.            Embora o relatório afirme que o procedimento de inspeção tributária teve por base a constatação pelos serviços, de um “significativo incremento nos FSE e gastos com o pessoal”, a ora Requerente verificou, mediante consulta ao processo inspetivo, que o que o desencadeou, na realidade, foi uma denúncia anónima.

p.            Através do PAR que será oportunamente remetido pela Requerida poderá ser confirmado que há notícia duma denúncia anónima em face da qual os serviços da AT propõem “seja criado um processo”.

q.            O denunciante anónimo entendeu por bem alvitrar que “a atividade dessa empresa (e de outras que atuam na mesma área), nada tem a ver com transportes marítimos, pois um transporte é feito do local A para o local B, sendo que neste caso é do local A para o local A.” e foi  justamente isso que os serviços de inspeção procuraram fiscalizar e fiscalizaram.

r.             A verdadeira causa que motivou o procedimento não foi a identificação de um significativo incremento nos gastos da Requerente, (que Requerida nem sequer concretiza não quantificando “os desvios significativos no comportamento fiscal” da ora Requerente, “perante os parâmetros de normalidade” que caracterizam a sua atividade), mas a denúncia anónima.

s.            Porque o denunciante não foi identificado, o procedimento inspetivo foi ilegalmente promovido, em clara violação do artigo 70º da LGT conjugado com a alínea c) do nº 1 do 27º do RCPIT, o que constitui vício que inquina de invalidade as liquidações ora impugnadas, praticadas com base nesse procedimento.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por exceção e por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

Por exceção – incompetência do Tribunal

 

a.            O procedimento inspetivo que esteve na origem das correções efetuadas apenas teve por âmbito o exercício de 2015, e apenas conduziu à emissão de liquidações adicionais para os períodos de Março a Dezembro desse mesmo ano, no valor total de € 198.167,60.

b.            Verifica-se, no entanto, que o Requerente inclui também, como objeto do pedido de pronúncia arbitral (ppa), as liquidações nºs 2018 ... e 2018 ... relativas aos meses de Julho e Agosto de 2016, indicando como valor do ppa a quantia de € 222.801,09.

c.            Ora, uma vez que os poderes de cognição do Tribunal estão limitados pelo pedido e causa de pedir, não pode, nesta sede e neste momento, ser apreciada a (i)legalidade destas liquidações adicionais de IVA, porquanto as mesmas se encontram influenciadas por correções que não foram contestadas pelo Requerente.

d.            Consequentemente, uma vez que ao longo do articulado apresentado, não é indicada qualquer fundamentação própria para sindicar estas duas liquidações, e considerando que as mesmas não resultam do procedimento inspetivo em causa, deve a Requerida ser, desde já, absolvida nesta parte do pedido, atenta a incompetência material deste Tribunal no que toca a este segmento do pedido.

Por impugnação,

e.            Ao tempo dos factos tributário em causa, a verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA dispunha que eram sujeitos à taxa reduzida o “Transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar.”

f.             Assim, a possibilidade de aplicar a taxa reduzida de imposto, vem prevista no artigo 98.º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE), segundo o qual:

“1. Os Estados-Membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas.

2. As taxas reduzidas aplicam-se apenas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do Anexo III. […]”.

g.            No anexo III da Diretiva IVA consta a lista das entregas de bens e das prestações de serviços a que se podem aplicar as taxas reduzidas previstas no seu artigo 98.º, designadamente o “Transporte de pessoas e respetiva bagagem” (n.º 5).

h.            No caso em apreço, os “passeios turísticos”, como os que aqui estão em causa, não têm como objetivo o transporte de pessoas e suas bagagens, mas antes proporcionar a observação de golfinhos, a visita a grutas, o parasailing, a pesca, a realização de festas, com a disponibilização de música com utilização de “DJ”, ou a utilização de biólogos marinhos, etc.

i.             Tais passeios configuram uma prestação única, que não se consubstancia no “transporte de pessoas e suas bagagens”, estando fora do âmbito da verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA e correspondente n.º 5 do Anexo III da Diretiva IVA.

j.             Deste modo, assumindo uma natureza unitária, as prestações de serviços realizadas, devem ser tributadas nos termos do artigo 18º nº1, al.c), do Código do IVA.

k.            A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tem vindo a interpretar que a verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA inclui apenas o “mero transporte de passageiros”, tal como se encontra aí definido e não houve, a nosso ver, qualquer inflexão no entendimento que tem vindo a ser seguido.

l.             O que a AT sempre afirmou é que, verificados os pressupostos da verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA, ou seja, quando se está perante um mero transporte de passageiros, incluindo o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar, é aplicável a taxa reduzida.

m.          Perante o exposto, fica claro que as liquidações sindicadas, relativas aos meses de Março a Dezembro de 2015, não padecem de qualquer vício.

Quanto à existência de denúncia,

n.            No que concerne à alegação de que houve uma denúncia anónima e que foi na sequência da mesma que foi instaurado o procedimento inspetivo sub judice, em infração ao disposto no artigo 27.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), também se terá de ter por infundada.

o.            Com efeito, compulsados os documentos constantes do processo, verifica-se que dele não consta qualquer denúncia ou cópia da mesma, nem qualquer menção a uma situação destas.

p.            Por outro lado, ainda que pudesse ter existido a alegada denúncia, o que não se concede, tal não significa, nem pode significar, que a mesma tenha servido de base à instauração do procedimento de inspeção, ainda que o RCPITA o permita.

q.            Como se referiu anteriormente, consta do relatório de inspeção tributária que o motivo para a instauração do procedimento inspetivo foi o “Controlo de divergências e de situações de risco”, as quais se deduzem, desde logo, pela quantidade de pedidos de informação vinculativa acima mencionados.

 

5. Notificada da Resposta apresentada pela Requerida, veio a Requerente apresentar requerimento, em síntese, nos termos seguintes:

 

Sobre a exceção de incompetência

 

a.            Todas as liquidações de IVA identificadas no formulário do pedido e juntas à petição inicial como documento nº 1 têm como fundamento o relatório de inspeção em causa.

b.            Com efeito, o somatório das liquidações adicionais de IVA decorrentes desse relatório perfaz, conforme a Requerida reconhece, a importância total de € 198.167,60, rigorosamente a mesmo valor da soma das liquidações identificadas no formulário do pedido e juntas à petição inicial como documento nº 1.

c.            Por razões que a Requerente não logrou descortinar, os serviços da AT distribuíram o IVA adicional consequente do RIT no total de € 198.167,60 pelas oito liquidações assim identificadas, não as fazendo coincidir com meses e valores parcelares identificados no RIT.

d.            Termos em que, improcede a exceção de incompetência suscitada pela AT.

Sobre a denúncia anónima

e.            Sucede que a ora Requerente verificou, mediante consulta do processo inspetivo em ... que há registo de uma denúncia anónima de cujo teor se apresenta cópia

f.             Há, para além disso, uma “ficha de análise simplificada”, com abertura em 28.06.16 e conclusão em 05.12.2017, com a aposição da seguinte menção “Em face dos factos e elementos constantes na denúncia/participação, bem como das verificações efetuadas proponho que seja criado um processo”.

g.            Em face do que antecede, desde já requer a V. Exa notifique o Diretor de Finanças de ... a apresentar os documentos originais da denúncia anónima e da referida “ficha de análise simplificada”.

 

6.Em  27 de Junho de 2019, foi proferido o seguinte despacho:

 

“1.Tendo o SP exercido contraditório por escrito à matéria de excepção suscitada pela Requerida na Resposta e não havendo lugar a produção de prova testemunhal, por a questão a dirimir revestir natureza essencialmente jurídica (nisso convergindo ambas as partes), o Tribunal dispensa a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT.”

 

7. Em 03 de Julho de 2019, foi proferido despacho com o seguinte teor:

 

“1. Notifique-se o Director de Finanças de ... para dar cumprimento às diligências probatórias solicitadas pelo SP no ponto 11.º do requerimento de 21 de junho de 2019 ("apresentar aos autos os documentos originais da denúncia anónima e da referida "ficha de análise simplificada"), no prazo de dez dias”.

 

Em 15.10.2019 a Direção de Finanças de ... apresentou no processo os elementos solicitados.

 

8. Em 25.10.2019 a Requerida na sequência de despacho do tribunal arbitral de 14.10.2019, veio esclarecer que:

“(…)As liquidações relativas aos períodos de Julho e Agosto de 2016 são consequência do procedimento de inspecção efectuado a coberto da OI2018... .”

 

Explicando que:

“(…)decorre do Decreto-Lei nº 229/95 de 11.09 (diploma que regulamenta a cobrança do IVA), nomeadamente do seu artigo 8º nº 1 alínea b), em sede de IVA as correções que são efectuadas num determinado período podem-se repercutir noutros períodos seguintes do mesmo ano ou de anos diferentes (…)”

 

(…)

 

(…) embora as correções tenham sido efetuadas nos períodos de 2015, os acertos que foram efetuados pelo sistema informático no ER desde o período 1503, atendendo ao novo resultado de cada DP (credora/devedora), reflectiram-se nos períodos 1506, 1507, 1508, 1509, 1510, 1512, 1607 e 1608, porque nos restantes períodos as DPs são todas credoras.”

 

9. Exceção de incompetência material do tribunal 

 

Sobre esta questão é de observar preliminarmente que, mesmo a serem exatas as afirmações da Requerida, não se estaria em presença do vício de  incompetência, uma vez que os dois  atos de liquidação em causa  se encontram, inequivocamente,  abrangidos pelo âmbito de competência do tribunal arbitral, mas, quanto muito, de  ineptidão   do tribunal por falta de causa de pedir (art. 186º, nº a, al. e) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi  art. 29º, nº 1, al. e) do RJAT) uma vez que o que a Requerida alega é que “ ao longo do articulado apresentado, não é indicada qualquer fundamentação própria para sindicar estas duas liquidações, e considerando que as mesmas não resultam do procedimento inspetivo em causa , deve a Requerida ser, desde já, absolvida nesta parte do pedido, atenta a incompetência material deste Tribunal no que toca a este segmento do pedido (…)”.

 

Em todo o caso, não restam dúvidas de que a invocação da  exceção em causa pela Requerida baseou-se, tão-só, em alegações que não têm correspondência com a realidade, como  a própria Requerida veio reconhecer, donde decorre, desde logo, a falta de fundamento da exceção invocada. Acresce que é inequívoca  a existência de fundamentação da pretensão anulatória, na medida em que as liquidações resultam, tal como as demais objeto do processo, do relatório de inspeção tributária,  como foi expressamente reconhecido e  aceite pela Requerida.

Nesta conformidade, julga-se improcedente a exceção dilatória de incompetência material suscitada.

 

9. O tribunal encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT e é competente.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

10. Cumpre solucionar as seguintes questões:

a) Ilegalidade das liquidações por erro de direito cometido pela Requerida na interpretação e aplicação da verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA referente a bens e serviços sujeitos à taxa reduzida.

b) Ilegalidade das liquidações por violação do art. 68º-A, nº 1, da Lei Geral Tributária.

c) Ilegalidade das liquidações por violação do art. 70º, nº 1, da Lei Geral Tributária em conjugação com o artigo 27º, nº 1, al. c) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária.

d) Direito da Requerente a indemnização pelos prejuízos decorrentes da garantia prestada nos respetivos processos de execução nos termos dos artigos 53º da LGT e 171º do CPPT.

 

II – Matéria de facto relevante.

 

11.Consideram-se provados os seguintes factos:

 

1.            A Requerente iniciou a sua atividade em 25-09-2003, e está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal por opção, para o exercício da atividade principal de “Organização de atividades de animação turística”, (CAE 93293), e ainda das atividades secundárias “Atividades das agências de viagem”, (CAE 79110), “Restaurantes (inclui atividades de restauração em meios móveis)”, (CAE 56107), e “Reparação e manutenção de embarcações”, (CAE 33150).

2.            A Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo realizado a coberto da OI2018..., para o exercício de 2015, de âmbito geral, que teve início em 21-03-2018 e cuja nota de diligência foi notificada ao sujeito passivo em 19-11-2018.,

3.            A atividade principal da requerente consiste na exploração da sua frota de embarcações que se destinam à prestação de serviços como sejam passeios de barco a grutas, para pesca ou observação de golfinhos, festas de barco, e atividades de parasailing.

4.            A Requerente está inscrita no Registo Nacional de Agentes de Animação turística e opera sob a marca “...” registada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial.

5.            Sobre os valores faturados aos seus clientes, a Requerente liquidou, nos períodos a que respeitam as liquidações objeto do presente processo, IVA à taxa reduzida relativamente ao transporte de passageiros e ao aluguer de embarcação com tripulação, e IVA à taxa normal aos serviços de alimentação, bar, catering e atividade de parasailing.

6.            Concluíram os serviços de Inspeção Tributária no projeto de conclusões do relatório que:

“Tendo-se apurado que das operações desenvolvidas pela A..., S.A, no exercício de 2015, nenhuma delas é tributada à taxa reduzida, para o apuramento do IVA em falta iremos utilizar a base tributável declarada pela sociedade em que a mesma liquidou IVA à taxa de 6% (campo 1 das declarações periódicas de IVA: “Transmissões de bens e prestações de serviços em que liquidou imposto à taxa reduzida de 6%”). Assim, e considerando como corretos os valores declarados pela sociedade em cada um dos períodos de 2015 iremos proceder atualização/correção da taxa de imposto aplicada às prestações de serviços de transporte de passageiros (de 6% para 23%):

7.            (…).

8.            Das correções efetuadas apurou-se imposto em falta no montante total de 198.167,60 €, distribuído pelos meses de março a dezembro(…)”

9.            Do RIT consta o seguinte quando, relativamente às correções propostas por período de imposto:

 

10.          Notificado para, querendo, exercer o seu direito de participação, no prazo de 15 dias, nos termos do artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPITA, o Requerente exerceu esse mesmo direito, o qual foi objeto de análise e de resposta, tendo sido mantidas no relatório final as correções inicialmente propostas.

11.          A Requerida emitiu as seguintes liquidações adicionais de imposto:

 

12.          A Requerida emitiu, ainda, as seguintes liquidações de juros compensatórios:

 

13.          Nas notificações das liquidações efetuadas ao sujeito passivo, referentes aos meses de junho a dezembro de 2015, consta, além do mais, o seguinte:

 

14.          Na notificação das liquidações efetuadas ao sujeito passivo referentes aos meses de julho e agosto de 2016, consta, além do mais, o seguinte:

 

15.          Na Informação vinculativa n.º 528 (documento 6A anexo à PI), com despacho de 23.03.2010, do Diretor-Geral, foi sancionado o entendimento que:

“(…) será de aplicar a taxa reduzida de 5%, por

enquadramento na citada verba 2.14 da lista I, aos passeios marítimo-turísticos

quando se consubstanciem no mero transporte de passageiros tal

como se encontra definido na verba 2.14, independentemente do meio de

transporte utilizado (embarcação ou táxi fluvial ou marítimo).”

16.          Na Informação vinculativa n.º 831 (documento 6B anexo à PI), sancionada por despacho de 08.07.2010, do Subdiretor-Geral do IVA, por delegação do Diretor-Geral, é mencionado que:

“6. Da conjugação da alínea a) do n.º 1 do art. 18.º do CIVA com o disposto

na verba 2.14 da Lista I, anexa ao CIVA, são tributados à taxa reduzida de

5% o "Transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com

condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de transporte e o

suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar."

7. Assim, caso se trate do transporte turístico de passageiros, ou seja, o

mero "aluguer de embarcação com condutor", com enquadramento nos

pressupostos elencados na verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, encontra-se

sujeito a IVA à taxa reduzida de 5%.”

17.          Na Informação vinculativa n.º 1153 (documento 6C anexo à PI), com despacho de 29.09.2010, do Subdiretor-Geral do IVA, por delegação do Diretor-Geral, fez-se constar que:

“4. De acordo com o disposto na verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, são

tributados à taxa reduzida de 5% o "transporte de passageiros, incluindo

aluguer de veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de

transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de

lugar".

5. Nesta conformidade, os passeios marítimo-turísticos consubstanciados no

mero transporte de passageiros tal como se encontra definido na citada

verba 2.14, são tributados à taxa reduzida de 4% (se efectuados na RAM)

por enquadramento na referida verba, tendo em conta o disposto na alínea

do nº 1 do artº 18º do CIVA, conjugada com o nº 3 do mesmo artigo.”

18.          Na Informação vinculativa n.º 1768 (documento 6D anexo à PI), sancionada com despacho de 08.04.2011, do Subdiretor-Geral, substituto legal do Diretor-Geral, refere-se que:

“(…) no que respeita ao transporte de passageiros, a verba 2.14 da

Lista I anexa ao CIVA tributa à taxa reduzida de 6%, de acordo com a alínea

a)            do nº 1 do artº 18º do CIVA, o "Transporte de passageiros, incluindo

aluguer de veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de

transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de

lugar".

7. Nesta conformidade, o transporte de passageiros, individual ou colectivo,

por qualquer via ainda que o fim seja um passeio turístico, é passível de

imposto à taxa reduzida (6%), por enquadramento na citada verba 2.14 da

Lista I anexa ao CIVA.

8. De igual modo, por menção expressa na referida norma, o aluguer de

embarcações com condutor (tripulação) beneficia da taxa reduzida (6 %).

(…)

11. Quanto às "prestações de serviços de alimentação e bebidas" as mesmas

estão contempladas na verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA. Assim, os

referidos serviços são tributados à taxa intermédia a 13%, de acordo com a

alínea b) do nº 1 do artº 18º do CIVA.

12. Deste modo, se o "passeio turístico" incluir diversos serviços,

nomeadamente de alimentação e bebidas (refeições), etc., ou seja, se a

operação for facturada como "Passeio Turístico" não tendo enquadramento

nas Listas anexas ao CIVA, é tributado à taxa normal (23%), face ao

preceituado na alínea c) do nº 1 do artº 18º do CIVA.

13. No entanto, se a factura que titula a referida prestação de serviços

(Passeio Turístico), discriminar as operações de acordo com a sua natureza,

a taxa a aplicar será a que lhes corresponder, nomeadamente: - No caso do

transporte de passageiros 6%, de acordo com a verba 2.14 da Lista I anexa

ao CIVA; - Relativamente às prestações de serviços de alimentação e bebidas

13%, de acordo com a verba 3.1 da Lista I anexa ao CIVA.”

19.          Por despacho de 03/08/2011(documento 6E anexo à PI), do subdiretor geral dos impostos, substituto legal do diretor - geral, foi sancionado o seguinte entendimento:

“9. De harmonia com o disposto na alínea a) do n.º 1 conjugada com o n.º 3 do artigo 18.º do Código do IVA, a prestação de serviço

de transporte de passageiros no circuito de barco, entre a Marina de ….. e o …….. (e vice versa), é tributada à taxa de 4 % por

enquadramento na verba 2.14 da Lista anexa ao Código do IVA.

10. No entanto, se durante o transporte de passageiros forem prestados serviços de alimentação e bebidas, designadamente serviço

de snack-bar, e se na factura constarem discriminados, ao transporte de passageiros deve-se aplicar a taxa reduzida de 4 % e às

refeições a taxa intermédia de 9 % (cf. alínea b) do n.º 1 conjugada com o n.º 3 do artigo 18.º do Código do IVA).

11. Caso contrário, isto é, se a factura não discriminar os serviços prestados em virtude de os mesmos constituírem uma única

operação, a taxa a aplicar é à taxa normal de 16 %, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 conjugada com o n.º 3 do

artigo 18.º do Código do IVA.

Conclusão

12. Assim, se o serviço de transporte de passageiros no circuito de barco, entre a Marina de….. e o ……. (e vice-versa), se

consubstanciar apenas no transporte de passageiros, o mesmo é tributado à taxa reduzida de 4 %, de acordo com o disposto na

alínea a) do n.º 1 conjugada com o n.º 3 do artigo 18.º do Código do IVA; se além do transporte de passageiros, incluir serviços de

alimentação e bebidas, e se na factura constarem discriminados, os mesmos são tributados à taxa intermédia de 9 %.”

20.          Por despacho de 2012-03-27, proferido no processo: nº 2903, (documento 6F anexo à PI), do subdiretor geral dos impostos, substituto legal do diretor - geral, foi sancionado o seguinte entendimento:

“4. De acordo com o disposto na verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, fica

sujeito à taxa reduzida a que se refere a alínea a) do nº 1 e nº 3 do artº.

18º. do citado Código o: "Transporte de passageiros, incluindo aluguer de

veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de transporte e

o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar".

5. Deste modo, verificando-se que os serviços prestados pelo requerente, no

âmbito de actividades turísticas, consubstanciam, efetivamente, "transporte

de passageiros" beneficia da aplicação da taxa reduzida do imposto, por

enquadramento na verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA.”

21.          Por despacho de 2015-12-09, proferido no processo nº 9638 (documento 6G anexo à PI), do subdiretor geral do imposto sobre o valor acrescentado, por delegação do Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira - AT, foi sancionado o seguinte entendimento:

 

“ 3. Com efeito, no que respeita ao transporte de passageiros, a verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA tributa à taxa reduzida de 6%, de acordo com a alínea a) do nº 1 do artigo 18.º do CIVA, o "Transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar".

4. Nesta conformidade, o transporte de passageiros, individual ou coletivo, por qualquer via ainda que o fim seja um passeio turístico, é passível de imposto à taxa reduzida (6%), por enquadramento na citada verba 2.14 da

Lista I anexa ao CIVA.

5. De igual modo, por menção expressa na referida norma, o aluguer de veículos com condutor (tripulação) beneficia da taxa reduzida (6 %). “

22.          Por despacho de 2016-02-19, proferido no processo nº 9898 (documento 6H anexo à PI), do subdiretor geral do imposto sobre o valor acrescentado, por delegação do Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira - AT, foi sancionado o seguinte entendimento:

“16. Deste modo, as prestações de serviços correspondentes a "transferes do Aeroporto para o hotel em viaturas próprias com condutor da empresa", "aluguer de embarcação a grupos com tripulação da empresa", "passeios de barco com skipper" e "transporte costeiro de passageiros" se efetuadas no território da Região Autónoma xx são consideradas como localizadas nesse território, independentemente da qualidade do adquirente dos serviços, à luz da alínea b) do nº 8 do artigo 6.º do CIVA, sendo tributadas à taxa reduzida de 4% por aplicação conjunta do art. 18.º, nº 3 al. a), e da verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA. “

23.          Por despacho de 2017-11-17, proferido no processo nº 12380 (documento 6I anexo à PI), da Diretora de serviços do imposto sobre o valor acrescentado, por delegação do Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira - AT, foi sancionado o seguinte entendimento:

“A requerente, encontrando-se enquadrada em IVA, no regime normal de periodicidade trimestral, com as atividades de "Organização de Atividades de Animação Turística", CAE: 093293 (principal) e "Transporte Ocasional de Passageiros em Veículos Ligeiros" CAE: 49320 (secundário), vem expor e solicitar o seguinte:

Refere que presta serviços de organização de atividades de animação turística que inclui passeios turísticos, transporte de passageiros em veículos ligeiros e assistência e acompanhamento a turistas em passeios.

Questiona a possibilidade de deduzir o IVA contido na aquisição e reparação, de viatura ligeira de passageiros, com 7 lugares, a adquirir, para utilização na sua atividade.

1.3 Questiona, ainda, se a prestação de serviços de transporte de turistas, relacionadas com a sua atividade, tem enquadramento na verba 2.14 da Lista I, anexa ao CIVA.

(…)

11. Conforme disposto na verba 2.14 da Lista I, anexa ao CIVA, são tributadas à taxa reduzida: "Transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar."

12. Assim, da conjugação da alínea a) do n.º 1 do art. 18.º do CIVA com o disposto na verba 2.14 da Lista I, anexa ao CIVA, o transporte de passageiros, individual ou coletivo, é tributado à taxa reduzida de 6%.

13. Pelo exposto, a requerente deve liquidar o IVA à taxa reduzida quando efetua prestação de serviços de transporte de passageiros, no âmbito da referida atividade.”

24.          A informação vinculativa n.º 12637 (ficha doutrinária publicada no Portal das Finanças), com despacho de 2017-12-15, da Diretora de Serviços do IVA, por subdelegação, refere que:

“[…]4. A verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA (CIVA) determina a aplicação da taxa reduzida,

prevista no artigo 18.º n.º 1 alínea a) do Código do IVA, ao "transporte de passageiros, incluindo o aluguer de veículos com condutor. Compreendendo-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar."

5. Esta verba contempla unicamente o mero transporte de passageiros.

6. Assim, os serviços de transporte que tiverem subjacentes outros serviços que não o suplemento do preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar, não têm cabimento na verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA.

7. Exclui-se, pois, do âmbito de aplicação desta verba todas as prestações de serviços complexas em que o serviço de transporte seja apenas um dos elementos necessários à prossecução da finalidade dessa prestação de serviços, mas não o elemento que a caracteriza.

8. É o que acontece, por exemplo, nos denominados "passeios turísticos", em que ainda que esteja englobado também o transporte dos participantes, na verdade o serviço prestado não é o de transporte de passageiros, mas sim um conjunto de serviços, por exemplo, visitas a parques ou museus, guia, animação, etc., que lhe confere as características de atividade turística e o afasta do transporte de passageiros propriamente dito.

9. A requerente refere que possui um comboio turístico utilizado exclusivamente para transportar os turistas/clientes no passeio pelos jardins da quinta.

10. Efetivamente, o serviço que a requerente oferece aos seus clientes não é um transporte de passageiros, mas uma forma alternativa dos turistas usufruírem do passeio pelos jardins da quinta, o que se reconduz na sua atividade turística.

11. Em conclusão, os passeios turísticos promovidos pela requerente, ainda que possam ser efetuados num comboio, não são passíveis de enquadramento na verba 2.14 da lista I anexa ao Código do IVA, pelo que aos mesmos deve ser aplicada a taxa normal de imposto prevista no artigo 18.º n.º 1 alínea c) do Código do IVA. […]”.

25.          Por despacho de 2018-05-03, proferido no processo nº 13464 (documento 5 anexo à PI), da Diretora de serviços do imposto sobre o valor acrescentado, por delegação do Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira - AT, foi sancionado o seguinte entendimento:

“ I - Do Pedido

O sujeito passivo D..., Lda., com sede nos Açores, enquadrado, para efeitos de IVA, como um sujeito passivo normal, com periodicidade trimestral, por realizar operações que conferem direito à dedução, veio requerer o enquadramento das seguintes operações:

a. O Requerente procede à recolha de clientes no hotel para realização de um pacote turístico que inclui um passeio marítimo em barco próprio junto à costa ou em alto mar, o passeio inclui uma refeição ligeira fornecida por terceiros, neste passeio podem ou não ocorrer avistamentos de cetáceos. Em sede de IVA, pretende esclarecer se pode optar pelo regime das agências de viagens e liquidar o IVA pela margem, e se este serviços pode ser considerado um pacote turístico.

(…)

III - Conclusão

24. Considerando o enquadramento genérico efetuado na Secção anterior, cabe concluir do seguinte modo:

A situação descrita na alínea a) da exposição em análise, traduz-se num passeio turístico de barco organizado pelo Requerente, para a realização do qual este recorre a meios próprios e a serviços fornecidos por terceiros (refeições a bordo do barco). Esta operação não tem enquadramento no diploma pelo qual se regem as agências de viagem e organizadores de circuitos turísticos (Decreto-lei n.º 221/1985 de 03 de julho, alterado pelo Decreto-lei n.º 206/96 de 26 de outubro), sendo abrangida pelo regime geral do IVA, e tributada à taxa normal de imposto. “

26.          Consta do relatório de inspeção tributária como “Motivo do procedimento de inspeção” o “controlo de divergências e de situações de risco” .

27.          Consta ainda  do relatório de inspeção tributária como “Origem da ação” que “Esta ação teve como objetivo validar os gastos declarados pela sociedade A..., S.A. no exercício de 2015 uma vez que se verificou um incremento significativo (face ao ano de 2014) nas rubricas gastos, nomeadamente nos “Fornecimentos e Serviços externos” /FSE) e nos “Gastos com o pessoal”.

28.          Foi apresentada contra a Requerente junto da Requerida a denúncia anónima 2014..., com o seguinte teor:

“Vimos por este meio denunciar a empresa A..., Lda, nif: ..., que tem como actividades: Passeios de barco, com visitas às grutas, almoço na praia, bebidas a bordo (pagas à parte), sendo que apenas emite a factura quando solicitada e factura esses serviços como sendo “transportes marítimos” com taxa de iva de 6%.

A nosso ver, a actividade dessa empresa (e de outras que atuam na mesma área), nada tem a ver com transportes marítimos, pois um transporte é feito do local A para o local B, sendo que neste caso é feito do local A para o local A.

Na factura que envio em anexo, não são discriminados os serviços (transporte de passageiros e serviço de alimentação e bebidas (pois almoçamos numa praia com acesso apenas por mar, incluído no preço pago de 42€ por pessoa)).

Ainda na mesma factura, a quantidade indicada é de um (1) passageiro por 84€, quando foram 2 pessoas por 42€ cada.

Nesse mesmo dia, uma terça-feira, que omitimos da cópia, estavam cerca de 50 passageiros no barco “...”, almoçamos todos na mesma praia, mas acredito que nesse dia, apenas deve ter sido emitida a factura por nós solicitada.

Solicitamos que possa ser averiguada a situação, que a nosso ver está a lesar o Estados em largos milhares de Euros (na taxa de iva inferior ao normal e na omissão de facturação).

NOTA: a autoridade marítima, fiscaliza frequentemente as embarcações nas suas deslocações, fazendo um registo do número de turistas que vai em cada barco, pelo que a obtenção desse registo junto da autoridade marítima deve permitir obter um número aproximado de turistas “transportados”.

29.          A   ficha de análise simplificada elaborada pela Direção de Finanças de ... e que precedeu o procedimento inspetivo, tem o seguinte teor:

 

12. Factos não provados:

 

Não ficou provado que, na pendência desta acção que a Requerente tenha prestado garantia em processo de execução fiscal.

 

13. Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

A decisão da matéria de facto baseou-se nos documentos constante do processo, que não foram objeto de impugnação pelas partes.

 

III-1. O Direito aplicável

 

14. Ilegalidade das liquidações por erro de direito cometido pela Requerida na interpretação e aplicação da verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA referente a bens e serviços sujeitos à taxa reduzida.

 

A1) Questão da legalidade das liquidações face à redacção da verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, antes da entrada em vigor da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.

 

À data dos factos a verba 2.14 da lista I anexa ao CIVA tinha a seguinte redação:

 

“Transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar.”

 

A atividade principal da requerente consiste na exploração da sua frota de embarcações que se destinam à prestação de serviços como sejam passeios de barco a grutas, para pesca ou observação de golfinhos, festas de barco, e atividades de parasailing, estando inscrita no Registo Nacional de Agentes de Animação turística.

No exercício desta atividade sobre os valores faturados aos seus clientes, a Requerente liquidou, nos períodos a que respeitam as liquidações objeto do presente processo, IVA à taxa reduzida relativamente ao transporte de passageiros e ao aluguer de embarcação com tripulação, e IVA à taxa normal aos serviços de alimentação, bar, catering e atividade de parasailing.

Está em causa saber se a liquidação de imposto, efetuada parcialmente a taxa reduzida era subsumível na verba em causa, na redação à data do facto tributário.

 

Nos termos da referida verba, estava em causa o serviço de transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor.

 

Sobre o tipo contratual do contrato de transporte escreve Pedro Pais de Vasconcelos:

“Pelo contrato de transporte, o transportador obriga-se, mediante remuneração, a deslocar ou fazer deslocar pessoas ou mercadorias alheias de um lugar para outro”    

 

Por sua vez, assinala Carlos Lacerda Barata que:

“No contrato de transporte, o dever de deslocar constitui a obrigação principal e nuclear (a cargo do transportador), correspondendo ao cerne do objecto negocial, permitindo, assim, distinguir este tipo contratual de outros” 

 

Diferentemente, nos termos do Artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 108/2009

 de 15.05.2009:

“1 - São consideradas actividades próprias das empresas de animação turística, a organização e a venda de actividades recreativas, desportivas ou culturais, em meio natural ou em instalações fixas destinadas ao efeito, de carácter lúdico e com interesse turístico para a região em que se desenvolvam.”

 

Dispondo o artigo 4.º do mesmo diploma que:

“(…)

2 - As actividades de animação turística desenvolvidas mediante utilização de embarcações com fins lucrativos designam-se por actividades marítimo-turísticas e integram as seguintes modalidades:

a) Passeios marítimo-turísticos;

b) Aluguer de embarcações com tripulação;

c) Aluguer de embarcações sem tripulação;

(…)”

 

A Requerente dedica-se à prestação de serviços de passeios de barco a grutas, para pesca ou observação de golfinhos, festas de barco, e atividades de parasailing.

Como é bom de ver, a necessidade económica que a prestação de serviços efetuados pela Requerente visa satisfazer não são as mesmas que as do contrato de transporte. No primeiro caso, são necessidades lúdicas. No segundo caso visa-se satisfazer as necessidades de mobilidade e deslocação das pessoas.

É certo que, no âmbito passeios de barco os clientes da Requerente também são transportados, mas tal transporte é instrumental relativamente à actividade lúdico/turística, não sendo a deslocação a necessidade económica que a atividade do transportador visa prosseguir, ao passo que no contrato de transporte a deslocação do utente do serviço constitui o cerne do objeto negocial.

 

O serviço de passeio de barco é um todo, do qual o transporte é uma componente que naquele se dilui, carecendo de sentido fora do conjunto de que faz parte. Está imbrincado com as finalidades e serviços globais inerentes ao passeio. Não se subsume, pois, no conceito de transporte de pessoas sendo, aliás, manifestamente, uma realidade de tipo diferente, expressamente qualificada pela Lei como “actividades marítimo-turísticas” na modalidade de “Passeios marítimo-turísticos”.

 

Esta conclusão está em harmonia com a teleologia da norma em causa que é a redução da oneração ao consumidor dum serviço essencial, não se encontrando abrangido pela letra, nem pelo espírito da norma, as “actividades marítimo-turísticas”.

Assim, os atos tributários em causa não violaram o disposto na verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, na redacção anterior à conferida pela  Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro,

 

A2) A questão da natureza interpretativa da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.

 

A Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, veio conferir à verba 2.14 da Lista I a seguinte radacção:

 

2.14 - Transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar, bem como o transporte de pessoas no âmbito de atividade marítimo-turísticas.

 

A Requerente sustenta a natureza interpretativa e a sua consequente aplicação aos factos tributários em causa.

 

Vejamos.

A Lei nova não foi expressamente qualificada como interpretativa.

No entanto pode ler-se na Proposta de Lei n.º 156/XIII/4.ª do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, aprovada em 31.12.2018 e vertida na Lei do Orçamento de Estado para 2019, o seguinte:

“A Autoridade Tributária (AT) tem vindo a ter o entendimento que “o transporte de passageiros, individual ou coletivo, por qualquer via ainda que o fim seja um passeio turístico, é passível de imposto à taxa reduzida (6%), por enquadramento na citada verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA.”, entendimento este que foi inclusive assumido em diferentes informações vinculativas.

A existência de refeições incluídas no preço, ou de outras atividades, não deve excluir a qualificação como transporte de passageiros das restantes componentes do preço, desde que discriminadas as atividades na fatura.

Contudo, mais recentemente, a Autoridade Tributária tem vido, em certos casos, a assumir um entendimento que o serviço de transporte de passageiros, quando praticado no âmbito de atividades marítimo turísticas, deverá ser tributado com uma taxa de (23%).

(…)

Face às dúvidas que se colocaram e à incerteza criada pela recente prática da Autoridade Tributária em recusar a aplicação da taxa reduzida no transporte de passageiros em passeios turísticos, é conveniente que o sentido da lei seja esclarecido.

O esclarecimento é que o transporte de pessoas com finalidade de passeio turístico é tributado como transporte de passageiros, independentemente da presença de outros elementos no serviço, desde que estes estejam discriminados e aplicando-se a este a sua taxa própria.

(…)

 

Neste contexto, impõe-se, assim, averiguar se estamos ou não perante uma lei qualificável como interpretativa.

 

Diz-nos João Batista Machado:

“Na grande maioria dos casos, porém, o legislador não se preocupa com a classificação como interpretativas de normas que edita, que são efectivamente interpretativas e estão sujeitas, como tais, aos disposto no art. 13º.(…).

Ora a razão de ser pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas.Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativa aquelas leis que, sobre pontos ou qustões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas  ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado.Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior.

(…)

Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos limites da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites impostos à interpretação e aplicação da lei(…).

 

Daqui resulta a irrelevância da classificação da lei como interpretativa impondo-se antes como requisito essencial que, repete-se, nas palavras daquele Autor “(…) a solução definida pela nova lei se situe dentro dos limites da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites impostos à interpretação e aplicação da lei (…)”.

 

No mesmo sentido, refere Oliveira Ascensão “Se o texto da lei pode ser objetivamente tomado como interpretativo, não há razão para afastar esta qualificação.Se o não pode, temos de concluir que a intenção do legislador de produzir uma lei interpretativa foi uma intenção que se não traduziu nos factos.”

Acrescentando:

(…) o carácter interpretativo pode resultar ainda do texto, quando for flagrante a tácita referência da nova fonte a uma situação normativa duvidosa preexistente. Não vemos razão para exigir que o caráter interpretativo seja expressamente afirmado (…).

Isto não impede que a fonte não se presuma interpretativa” .

Em termos, no essencial, coincidentes, escreve, ainda, Inocêncio Galvão Telles que, para uma Lei possa ser havida por interpretativa:

“É necessário que o legislador a qualifique expressamente como tal ou que, pelo menos, essa intenção resulte em termos suficientemente inequívocos: e isto porque nem toda a decisão legal de uma controvérsia gizada em torno do significado de certo preceito legal se deve tomar como interpretação autêntica.

(…)

Bem pode acontecer que o legislador tenha pretendido apenas afastar as dúvidas para o futuro, não o movendo a intenção de considerar a nova lei como conteúdo ou expressão da antiga” .

 

Aplicando a doutrina exposta, ao caso em análise, afigura-se que é esta a situação dos autos.

 

Com efeito, com a Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, o legislador limitou-se a acrescentar à lei antiga um segmento normativo com o seguinte conteúdo: “bem como o transporte de pessoas no âmbito de atividade marítimo-turísticas.”.

 

Ora, do uso desta expressão resulta apenas uma extensão do âmbito da isenção não havendo, na letra da lei, qualquer elemento hermenêutico, expresso ou tácito, que aponte para o carácter interpretativo da lei antiga, antes apontando, para o seu carácter claramente inovador.

 

Não resultando do texto da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, qualquer elemento gramatical, expresso ou tácito, que aponte para o seu carácter interpretativo, não pode o intérprete atribuir-lhe tal carácter, pois como escreve, ainda, Batista Machado “O texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei” .

 

Em suma, o legislador terá sido movido por uma intenção clarificadora do regime em causa, mas claramente com efeitos inovadores e, por conseguinte, de aplicação para o futuro, nos termos do artigo 13.º do Código Civil.

 

Nesta conformidade, conclui este tribunal que os serviços em causa, à data dos factos tributários, não subsumiam, na norma de redução de taxa em questão, nem lhes é aplicável a redacção da norma  decorrente da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, pelo que a Requerida,  ao praticar os actos tributários objecto do processo, não violou lei substantiva, não padecendo as liquidações do vício de violação de lei com este fundamento.

 

15. A questão das informações vinculativas

 

A segunda questão a analisar está em saber se as informações vinculativas relativas a esta questão, produzidas e divulgadas pela Autoridade Tributária, podem amparar a actuação da Requerente e justificar a aplicação da taxa reduzida de IVA que o Código do IVA prevê para o “transporte de passageiros” aos passeios turísticos com contornos variados que oferece.

 

Na Informação Vinculativa n.º 528 (Documento 6A anexo à PI), com despacho de 23.03.2010, do Director-Geral dos Impostos, pede-se esclarecimento sobre as taxas a aplicar às seguintes prestações:

— “passeios marítimo-turísticos”;

— “aluguer de embarcações com e sem tripulação”;

— “serviços efectuados por táxi fluvial ou marítimo”; e

— “pesca turística, bem como aos serviços de reboque de equipamentos de carácter recreativo (bananas, pára-quedas e esqui aquático)”

 

O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

“(…) será de aplicar a taxa reduzida de 5%, por enquadramento na citada verba 2.14 da lista I, aos passeios marítimo-turísticos quando se consubstanciem no mero transporte de passageiros tal como se encontra definido na verba 2.14, independentemente do meio de transporte utilizado (embarcação ou táxi fluvial ou marítimo).

(…) o aluguer de embarcações com tripulação (…) encontra-se abrangido pela verba 2.14 [e] ao aluguer de embarcações sem tripulação (…) aplicar-se-á a taxa normal (…).

(…) a prática de actividades físicas/desportivas e outros divertimentos públicos (pesca desportiva), com ou sem recurso a monitores, treinadores, professores ou outros, quando efectuada directamente aos praticantes da modalidade, beneficia da taxa reduzida de 5% (…).

(…) No que se refere aos serviços de reboque de equipamentos de carácter recreativo (bananas, pára-quedas, e esqui aquático), uma vez que tais serviços proporcionam aos utilizadores o acesso a um divertimento público, enquanto serviço de animação, beneficiam ainda, do enquadramento na citada verba 2.15, excluindo-se no entanto, os serviços que consistam na mera locação dos equipamentos em causa, sendo estes tributados à taxa normal de 20%”.

 

Na Informação Vinculativa n.º 831 (Documento 6B anexo à PI), com despacho de 08.07.2010, do Subdirector-Geral do IVA, por delegação do Director-Geral dos Impostos, pede-se esclarecimento sobre as taxas a aplicar às seguintes prestações:

— “aos circuitos marítimos e aos serviços de transfer marítimo”

 

O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

“(…) caso se trate do transporte turístico de passageiros, ou seja, o mero "aluguer de embarcação com condutor", com enquadramento nos pressupostos elencados na verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, encontra-se sujeito a IVA à taxa reduzida de 5%.

8. Os “serviços de transferes que consistem no transporte (marítimo) de turistas entre Marinas/Portos de ……” encontram-se sujeitos (…) à taxa de 5% ou 20%, consoante se trate de aluguer com ou sem condutor”.

 

Na Informação Vinculativa n.º 1153 (Documento 6C anexo à PI), com despacho de 29.09.2010, do Subdirector-Geral do IVA, por delegação do Director-Geral, pede-se esclarecimento sobre a taxa a aplicar à seguintes prestações:

— aos “passeios marítimos-turísticos em causa, [que] consubstanciam-se no mero transporte de passageiros”

 

O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

 “(…) os passeios marítimo-turísticos consubstanciados no mero transporte de passageiros tal como se encontra definido na citada verba 2.14, são tributados à taxa reduzida de 4% (se efectuados na RAM) (…)”.

 

Na Informação Vinculativa n.º 1768 (Documento 6D anexo à PI), com despacho de 08.04.2011, do Subdirector-Geral, substituto legal do Director-Geral, pede-se esclarecimento sobre as seguintes prestações:

— se “o serviço de fretamento/aluguer de barco de uma empresa a outra, quando feito exclusivamente, é considerado “serviço de transporte” e o IVA deve ser cobrado à taxa de 5%?”;

— “se o passeio de barco, para cliente final (individual ou colectivo) for exclusivamente passeio sem qualquer outro serviço é considerado transporte e deve ser cobrado IVA a 5%?”;

— se “caso o passeio de barco inclua serviço de refeição, que taxa de IVA deve ser aplicada? Uma taxa diferenciada para cada serviço (5% para transporte e 12% para alimentação) ou uma taxa única? Qual?”,

 

O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

“(…) o transporte de passageiros, individual ou colectivo, por qualquer via ainda que o fim seja um passeio turístico, é passível de imposto à taxa reduzida (6%), por enquadramento na citada verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA.

8. De igual modo, por menção expressa na referida norma, o aluguer de embarcações com condutor (tripulação) beneficia da taxa reduzida (6 %).

(…) Relativamente, à prestações de serviços de “fretamento/aluguer de embarcações” efectuadas por um sujeito passivo a um outro sujeito passivo, ainda que as embarcações sejam ou venham a ser utilizadas exclusivamente para o transporte de passageiros, tratam-se de operações que não beneficiam da verba 2.14 (…) pelo que tais prestações de serviços são passíveis de imposto à taxa normal (…).

11. Quanto às "prestações de serviços de alimentação e bebidas" as mesmas estão contempladas na verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA. Assim, os referidos serviços são tributados à taxa intermédia a 13%, de acordo com a alínea b) do nº 1 do art.º 18º do CIVA.

12. Deste modo, se o "passeio turístico" incluir diversos serviços, nomeadamente de alimentação e bebidas (refeições), etc., ou seja, se a operação for facturada como "Passeio Turístico" não tendo enquadramento nas Listas anexas ao CIVA, é tributado à taxa normal (23%) (…).

13. No entanto, se a factura que titula a referida prestação de serviços (Passeio Turístico), discriminar as operações de acordo com a sua natureza, a taxa a aplicar será a que lhes corresponder, nomeadamente: - No caso do transporte de passageiros 6%, de acordo com a verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA; - Relativamente às prestações de serviços de alimentação e bebidas 13%, de acordo com a verba 3.1 da Lista I anexa ao CIVA”.

 

Na Informação Vinculativa n.º 2283 (Documento 6E anexo à PI), com despacho de 03.08.2011, do Subdiretor-Geral dos Impostos, substituto legal do Director-Geral, pede-se esclarecimento sobre as seguintes prestações:

  se “O transporte de passageiros no circuito de barco, da Marina de ….. até o …… e vice-versa, é passível de tributação em sede de IVA, à taxa de 4% ou à taxa geral de 16%”;

— se “O serviço de snack-bar a bordo é ou não passível de tributação à taxa intermédia de 9%, porquanto enquadrável nas prestações de serviços de alimentação e bebidas, a que se refere a verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA”; e

— se “Deverão ou não os referidos serviços (transporte de passageiros e ou serviços de alimentação e bebidas) ser descriminados separadamente na factura ao cliente, caso ambos venham a ser incluídos no preço do bilhete”,

 

O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

“9. De harmonia com o disposto na alínea a) do n.º 1 conjugada com o n.º 3 do artigo 18.º do Código do IVA, a prestação de serviço de transporte de passageiros no circuito de barco, entre a Marina de … e o …… (e vice-versa), é tributada à taxa de 4 % por enquadramento na verba 2.14 da Lista anexa ao Código do IVA.

10. No entanto, se durante o transporte de passageiros forem prestados serviços de alimentação e bebidas, designadamente serviço de snack-bar, e se na factura constarem discriminados, ao transporte de passageiros deve-se aplicar a taxa reduzida de 4 % e às refeições a taxa intermédia de 9 % (cf. alínea b) do n.º 1 conjugada com o n.º 3 do artigo 18.º do Código do IVA).

11. Caso contrário, isto é, se a factura não discriminar os serviços prestados em virtude de os mesmos constituírem uma única operação, a taxa a aplicar é à taxa normal de 16 %, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 conjugada com o n.º 3 do

artigo 18.º do Código do IVA.

Conclusão

12. Assim, se o serviço de transporte de passageiros no circuito de barco, entre a Marina de ... e o ……. (e vice-versa), se consubstanciar apenas no transporte de passageiros, o mesmo é tributado à taxa reduzida de 4 %, de acordo com o disposto na

alínea a) do n.º 1 conjugada com o n.º 3 do artigo 18.º do Código do IVA; se além do transporte de passageiros, incluir serviços de alimentação e bebidas, e se na factura constarem discriminados, os mesmos são tributados à taxa intermédia de 9 %”.

 

Na Informação Vinculativa n.º 2903 (Documento 6F anexo à PI) com despacho de 27.03.2012, do Subdirector-Geral dos Impostos, substituto legal do Director-Geral, pede-se esclarecimento sobre as seguintes prestações:

— “a possibilidade de aplicar a taxa reduzida de IVA aos serviços indicados [““serviços às ordens”, isto é, deslocação de um ou mais passageiros aos locais por estes indicados e espera pelos mesmos”], por enquadramento na verba 2.14 da Lista I, anexa ao Código do IVA”,

 

O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

 “5. Deste modo, verificando-se que os serviços prestados pelo requerente, no âmbito de actividades turísticas, consubstanciam, efetivamente, "transporte de passageiros" beneficia da aplicação da taxa reduzida do imposto, por enquadramento na verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA”.

 

Na Informação Vinculativa n.º 9638 (Documento 6G anexo à PI) com despacho de 09.12.2015, do Subdirector-Geral do IVA, por delegação do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira – AT, pede-se esclarecimento sobre as seguintes prestações:

— “qual a taxa de IVA a aplicar à atividade de TUKTUK (…), se a taxa normal ou a taxa reduzida (uma vez que a atividade se destina ao transporte de pessoas)”,

 

O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

 “(…) o transporte de passageiros, individual ou coletivo, por qualquer via ainda que o fim seja um passeio turístico, é passível de imposto à taxa reduzida (6%), por enquadramento na citada verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA.

5. De igual modo, por menção expressa na referida norma, o aluguer de veículos com condutor (tripulação) beneficia da taxa reduzida (6%)”.

 

Na Informação Vinculativa n.º 9898 (Documento 6H anexo à PI) com despacho de 19.02.2016, do Subdirector-Geral do IVA, por delegação do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira – AT, pede-se esclarecimento sobre a taxa de IVA a aplicar às seguintes prestações:

— “transferes do Aeroporto para o hotel em viaturas próprias com condutor da empresa”;

— “aluguer de embarcação a grupos com tripulação da empresa”;

— “passeios de barco com skipper”; e

— “transporte costeiro de passageiros”,

 

 O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

“5. Sobre as prestações de serviços de transferes do Aeroporto para o hotel em viaturas próprias com condutor da empresa não há dúvida em enquadrá-las na verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA, segundo a qual são tributadas à taxa reduzida as prestações de serviços de “Transporte de passageiros, incluindo o aluguer de veículos com condutor”.

6. Nesse sentido, será, também, de aplicar a taxa reduzida, por enquadramento na citada verba 2.14 da Lista I, aos passeios marítimo-turísticos quando se consubstanciem no mero transporte de passageiros tal como se encontra definido na verba 2.14, independentemente do meio de transporte utilizado (embarcação ou táxi fluvial ou marítimo).

7. No que concerne ao aluguer de embarcações refira-se que:

i) O aluguer de embarcações com tripulação (que decerto inclui o condutor) encontra-se abrangido pela verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA;

ii) Ao aluguer de embarcações sem tripulação por falta de enquadramento na referida verba 2.4, aplicar-se-á a taxa normal.

                (…)

16. Deste modo, as prestações de serviços correspondentes a "transferes do Aeroporto para o hotel em viaturas próprias com condutor da empresa", "aluguer de embarcação a grupos com tripulação da empresa", "passeios de barco com skipper" e "transporte costeiro de passageiros" se efetuadas no território da Região Autónoma xx são consideradas como localizadas nesse território, independentemente da qualidade do adquirente dos serviços, à luz da alínea b) do nº 8 do artigo 6.º do CIVA, sendo tributadas à taxa reduzida de 4% por aplicação conjunta do art.º 18.º, nº 3 al. a), e da verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA”.

 

Na Informação Vinculativa n.º 12380 (Documento 6I anexo à PI), com despacho de 17.11.2017, da Directora de Serviços do IVA, por subdelegação, pede-se esclarecimento sobre as seguintes prestações:

— “a possibilidade de deduzir o IVA contido na aquisição e reparação, de viatura ligeira de passageiros, com 7 lugares, a adquirir, para utilização na sua atividade”; e

— “se a prestação de serviços de transporte de turistas, relacionadas com a sua atividade [“serviços de organização de atividades de animação turística que inclui passeios turísticos, transporte de passageiros em veículos ligeiros e assistência e acompanhamento a turistas em passeios”], tem enquadramento na verba 2.14 da Lista I, anexa ao CIVA”,

 

O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

 “(…) considerando que a requerente está registada com a atividade de "Transporte Ocasional de Passageiros em Veículos Ligeiros", caso as prestações de serviços de "transporte de passageiros", se esgote naquela atividade é permitida a dedução do imposto suportado a montante com a sua aquisição e fabrico e com os serviços prestados (ex: reparação, transformação, conservação...).

(…) a requerente deve liquidar o IVA à taxa reduzida quando efetua prestação de serviços de transporte de passageiros, no âmbito da referida atividade”.

 

Na Informação Vinculativa n.º 12637, com despacho de 15.12.2017, da Directora de Serviços do IVA, por subdelegação, pede-se esclarecimento sobre as seguintes prestações:

— “venda de passeios em comboio turístico”,

 

O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

 “4. A verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA (CIVA) determina a aplicação da taxa reduzida, prevista no artigo 18.º n.º 1 alínea a) do Código do IVA, ao "transporte de passageiros, incluindo o aluguer de veículos com condutor. Compreendendo-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar."

5. Esta verba contempla unicamente o mero transporte de passageiros.

6. Assim, os serviços de transporte que tiverem subjacentes outros serviços que não o suplemento do preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar, não têm cabimento na verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA.

7. Exclui-se, pois, do âmbito de aplicação desta verba todas as prestações de serviços complexas em que o serviço de transporte seja apenas um dos elementos necessários à prossecução da finalidade dessa prestação de serviços, mas não o elemento que a caracteriza.

8. É o que acontece, por exemplo, nos denominados "passeios turísticos", em que ainda que esteja englobado também o transporte dos participantes, na verdade o serviço prestado não é o de transporte de passageiros, mas sim um conjunto de serviços, por exemplo, visitas a parques ou museus, guia, animação, etc., que lhe confere as características de atividade turística e o afasta do transporte de passageiros propriamente dito.

9. A requerente refere que possui um comboio turístico utilizado exclusivamente para transportar os turistas/clientes no passeio pelos jardins da quinta.

10. Efetivamente, o serviço que a requerente oferece aos seus clientes não é um transporte de passageiros, mas uma forma alternativa dos turistas usufruírem do passeio pelos jardins da quinta, o que se reconduz na sua atividade turística.

11. Em conclusão, os passeios turísticos promovidos pela requerente, ainda que possam ser efetuados num comboio, não são passíveis de enquadramento na verba 2.14 da lista I anexa ao Código do IVA, pelo que aos mesmos deve ser aplicada a taxa normal de imposto prevista no artigo 18.º n.º 1 alínea c) do Código do IVA”.

 

Na Informação Vinculativa n.º 13464 (Documento 5 anexo à PI), com despacho de 03.05.2018, da Directora de Serviços do IVA, por subdelegação, pede-se esclarecimento sobre as seguintes situações:

— “a. O Requerente procede à recolha de clientes no hotel para realização de um pacote turístico que inclui um passeio marítimo em barco próprio junto à costa ou em alto mar, o passeio inclui uma refeição ligeira fornecida por terceiros, neste passeio podem ou não ocorrer avistamentos de cetáceos. Em sede de IVA, pretende esclarecer se pode optar pelo regime das agências de viagens e liquidar o IVA pela margem, e se este serviço pode ser considerado um pacote turístico”;

— “b. O Requerente realiza passeios de jipe (em viatura da empresa com condutor que serve de guia), durante os quais são servidas refeições ligeiras por terceiros, está, ainda, incluída uma visita a um jardim botânico ou a outros centros de interpretação. O Requerente pretende esclarecer se o que está em causa é um serviço de agência de viagem cujo IVA é liquidado pela margem ou se está em causa um serviço de animação turística enquadrado no regime normal do IVA sujeito à taxa normal de imposto”;

— “c. O Requerente solicita que se esclareça se o conceito de pacote turístico implica a aquisição de serviços a terceiros. Isto é, uma vez que a empresa possui barcos e viaturas próprias e recorre a terceiros apenas para o serviço de refeições, se pode considerar como sendo um serviço de agência de viagem e liquidar o IVA pela margem”;

— “d. Finalmente, um passeio num barco da empresa em que a bordo do barco vai um skipper e um marinheiro para passeio em alto mar, pode ser considerado um transporte de passageiros e a liquidação de IVA ocorrer à taxa reduzida”,

 

O entendimento veiculado pela AT foi o seguinte:

 “14. Esta verba [2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA] contempla unicamente o transporte de passageiros. Assim, os serviços de transporte que tiverem subjacentes outros serviços que não o suplemento do preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar, não têm cabimento na verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA.

15. Exclui-se, pois, do âmbito de aplicação desta verba todas as prestações de serviços complexas em que o serviço de transporte seja apenas um dos elementos necessários à prossecução da finalidade dessa prestação de serviços, mas não o elemento que a caracteriza.

16. Por exemplo, nos denominados "passeios turísticos", ainda que esteja englobado também o transporte dos participantes, na verdade o serviço prestado não é o de transporte de passageiros propriamente dito, mas sim um conjunto de serviços, por exemplo, refeições, visitas a parques ou museus, guia, etc., que não são valorizados individualmente pelo destinatário. A este são-lhe apresentados os passeios previamente organizados, e o que adquire não é cada um dos serviços, mas um pacote que lhe confere as características de atividade turística.

(…)

a. A situação descrita na alínea a) da exposição em análise, traduz-se num passeio turístico de barco organizado pelo Requerente, para a realização do qual este recorre a meios próprios e a serviços fornecidos por terceiros (refeições a bordo do barco). Esta operação não tem enquadramento no diploma pelo qual se regem as agências de viagem e organizadores de circuitos turísticos (Decreto-lei n.º 221/1985 de 03 de julho, alterado pelo Decreto-lei n.º 206/96 de 26 de outubro), sendo abrangida pelo regime geral do IVA, e tributada à taxa normal de imposto.

b. Na situação descrita na alínea b) da exposição do Requerente, este refere que realiza passeios de jipe (em viatura da empresa com condutor que serve de guia), durante os quais são servidas refeições ligeiras fornecidas por terceiros, está, ainda, incluída uma visita a um jardim botânico ou a outros centros de interpretação. Tal como na situação descrita no ponto anterior esta operação está sujeita às regras gerais do IVA, sendo tributada à taxa normal de imposto.

c. O conceito de pacote turístico para efeitos de aplicação do regime das agências de viagem e organizadores de circuitos turísticos, previsto no Decreto-lei n.º 221/1985 de 03 de julho, alterado pelo Decreto-lei n.º 206/96 de 26 de outubro, pressupõe que o pacote apresentado aos clientes seja constituído integralmente por bens e serviços fornecidos por terceiros. As situações em que o Requerente recorre a bens e serviços próprios e a bens e serviços fornecidos por terceiros estão sujeitos às regras gerais do IVA

d. A última questão apresentada prende-se com os passeios em barcos da empresa, nos quais a bordo do barco vai um skipper e um marinheiro para o passeio em alto mar. Estando em causa um passeio de barco, conforme o Requerente o qualifica, a taxa de imposto é aplicável a taxa normal de IVA”.

 

Vale a pena registar ainda que, com o propósito de aclarar as dúvidas existentes no enquadramento desta actividade, surge a Proposta de Lei n.º 156/XIII/4.ª pela mão do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, aprovada em 31.12.2018 e vertida na Lei do Orçamento de Estado para 2019, onde se escreve que:

“A Autoridade Tributária (AT) tem vindo a ter o entendimento que “o transporte de passageiros, individual ou coletivo, por qualquer via ainda que o fim seja um passeio turístico, é passível de imposto à taxa reduzida (6%), por enquadramento na citada verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA.”, entendimento este que foi inclusive assumido em diferentes informações vinculativas.

A existência de refeições incluídas no preço, ou de outras atividades, não deve excluir a qualificação como transporte de passageiros das restantes componentes do preço, desde que discriminadas as atividades na fatura.

Contudo, mais recentemente, a Autoridade Tributária tem vido, em certos casos, a assumir um entendimento que o serviço de transporte de passageiros, quando praticado no âmbito de atividades marítimo turísticas, deverá ser tributado com uma taxa de (23%).

(…)

Face às dúvidas que se colocaram e à incerteza criada pela recente prática da Autoridade Tributária em de recusar a aplicação da taxa reduzida no transporte de passageiros em passeios turísticos, é conveniente que o sentido da lei seja esclarecido.

O esclarecimento é que o transporte de pessoas com finalidade de passeio turístico é tributado como transporte de passageiros, independentemente da presença de outros elementos no serviço, desde que estes estejam discriminados e aplicando-se a este a sua taxa própria.

(…)

1- As verbas (…) 2.14 (…) da Lista I anexa ao Código do IVA, passam a ter a seguinte redação:

 

«…

2.14 - Transporte de passageiros, incluindo aluguer de veículos com condutor. Compreende-se nesta verba o serviço de transporte e o suplemento de preço exigido pelas bagagens e reservas de lugar, bem como o transporte de pessoas no âmbito de atividades marítimo-turísticas.

…»”.

 

Em suma, e ao que aqui importa, pode concluir-se que as informações vinculativas produzidas pela AT na matéria até 2017 iam com razoável clareza no seguinte sentido:

— sempre que passeio turístico e refeições sejam autonomizados na factura, as prestações mantêm a sua identidade, cabendo à primeira a taxa reduzida e às segundas a taxa intermédia;

— quando passeio turístico e refeições não sejam autonomizados na factura, as prestações perdem a sua identidade, devendo por isso aplicar-se ao todo a taxa normal do imposto;

— a finalidade “turística” do transporte de passageiros é irrelevante ao seu tratamento.

 

Com as Informações Vinculativas n.º 12.637, de 2017, e n.º 13.464, de 2018, parece dar-se uma viragem na doutrina administrativa, sugerindo a AT agora a aplicação de taxa normal de IVA a todo o valor dos passeios turísticos sempre que estes compreendam elementos adicionais ao transporte de passageiros, tais como as refeições, e parecendo irrelevante agora à AT o modo como o sujeito passivo os discrimine em factura. É assim que a AT vem sustentar, na sua resposta (ponto n.º 50), que a discriminação autónoma desses elementos em factura “não basta” pois que se estaria perante uma operação composta, em que o transporte de passageiros perde relevo.

 

Decisivo é que os factos do processo remontam a 2015 e que a doutrina administrativa produzida até então sempre parece apontar no sentido de transporte e refeições manterem a sua autonomia para efeitos de IVA, desde que facturados autonomamente também.

 

Assim, até à viragem verificada em 2017 e 2018, era legítimo aos sujeitos passivos presumir que “se a factura que titula a referida prestação de serviços (Passeio Turístico), discriminar as operações de acordo com a sua natureza, a taxa a aplicar será a que lhes corresponder, nomeadamente: - No caso do transporte de passageiros 6%, de acordo com a verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA; - Relativamente às prestações de serviços de alimentação e bebidas 13%, de acordo com a verba 3.1 da Lista I anexa ao CIVA” – Informação Vinculativa n.º 1768.

 

Ora, de acordo com J.M. Pires et alia, “[o] legislador estabelece a obrigação de converter informações vinculativas prestadas reiteradamente em orientações genéricas. Atendendo à vinculação que resulta para a administração tributária da prestação das informações previstas no artigo anterior [artigo 68.º - Informações Vinculativas], o legislador entendeu que o carácter reiterado da apreciação de determinada questão jurídica da mesma forma, em sede de informação vinculativa, constitui a administração na obrigação de converter tais informações em orientação genérica. De acordo com a norma do n.º 3 deste artigo [artigo 68.º-A da LGT], para tanto é necessário que a administração tributária tenha apreciado no mesmo sentido, por três vezes (não necessariamente consecutivas) certa questão de direito, ou na probabilidade séria de que tal venha a ocorrer. O facto de a mesma questão jurídica estar a ser resolvida repetidamente da mesma forma pela administração (…), traduz uma tendência interpretativa reiterada das normas jurídicas em causa, que vai para lá da particularidade do caso concreto. Deste modo (…), o legislador entendeu que, em tais situações, estão verificados, os pressupostos de estandardização na interpretação e aplicação do direito que determinam a emissão da orientação genérica, sob a forma de circular” .

 

No mesmo sentido, afirmam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que o “n.º 3 deste art. 68.º-A [da LGT] impõe à administração tributária que proceda à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, quando tenha sido colocada questão de direito relevante e esta tenha sido apreciada no mesmo sentido em três pedidos de informação ou seja previsível que o venha a ser. Trata-se de um afloramento dos princípios da igualdade e da colaboração da administração tributária com os contribuintes. Por isso, a obrigação de não tratar discriminatoriamente os contribuintes que deriva daquele princípio da igualdade (arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) impõe que se repita a aplicação do regime de informações vinculativas em relação a contribuintes que estejam em situação idêntica à que foi objecto de informação, independentemente da transformação da informação vinculativa em orientação genérica” .

 

E reforçam os autores supracitados que “[u]ma nova vinculação expressamente reconhecida pela LGT, na redacção inicial, é a relativa às orientações genéricas emitidas sobre a interpretação das normas tributárias que estiverem em vigor no momento do facto tributário [alínea b) do n.º 4 deste art. 68.º, na redacção inicial]. Desta vinculação decorre não serem invocáveis retroactivamente perante os contribuintes que tenham agido com base numa interpretação plausível e de boa fé da lei os actos administrativos decorrentes de orientações genéricas emitidas pela administração tributária (n.º 5 deste art. 68.º, na redacção inicial).

(…)

Esta vinculação limita-se às orientações genéricas que tenham sido veiculadas através de circulares, regulamentos ou instrumentos de natureza idêntica (…).

Esta vinculação implica que, mesmo que a administração tributária venha a considerar ilegal uma determinada interpretação da lei, tem de aplicá-la aos casos concretos que ocorram durante o período de tempo em que ela vigorava por força de uma orientação genérica.

Esta aplicação traduz-se, assim, no sacrifício do princípio da legalidade, restringido à norma que concretamente regula a situação, para salvaguarda dos princípios da igualdade e da boa fé, que também integram o bloco da legalidade.

(…)

Este princípio da igualdade, porém, só exige que a administração tributária não leve a cabo uma actuação discriminatória e não que mantenha indefinidamente uma mesma interpretação das normas tributárias.

Por isso, se, depois de ter mantido uniformemente, durante um certo período de tempo, uma mesma interpretação da lei, na sua aplicação aos casos concretos, a administração tributária se convence que é correcta uma outra interpretação, o princípio da igualdade não é obstáculo a que a passe a adoptar na sua prática, exigindo apenas, para não existir discriminação, que a nova interpretação seja aplicada generalizadamente.

No entanto, também por exigência do princípio da igualdade, impõe-se que aos factos tributários ocorridos no mesmo momento seja dado idêntico tratamento.

Por isso se justifica que as mudanças das orientações genéricas da administração tributária não impeçam a aplicação das anteriores orientações a todos os factos ocorridos no período de tempo em que elas estiveram em vigor” .

 

Acompanha este entendimento J.M. Pires et alia, segundo o qual:

 “4. (…) Durante o período de vigência da orientação genérica, a administração tributária está obrigada a actuar em conformidade com a interpretação que deu à lei, não podendo actuar de forma diversa. Esta obrigatoriedade tem fundamento na salvaguarda dos princípios da boa fé e da protecção da confiança dos cidadãos, criada precisamente pela emissão da orientação genérica, que está sujeita a publicação (…).

5. [Contudo, a]lguma doutrina tem defendido a desnecessidade de publicação das orientações genéricas [, como Lima Guerreiro].

(…)

8. As orientações genéricas possuem um carácter obrigatório para a administração tributária, independentemente de não serem emitidas sob a forma de circulares (…). De qualquer modo, a administração tributária não ficará desvinculada, mesmo que não cumpra o dever de elaborar circulares com o conteúdo de todas as orientações genéricas (…).

(…)

10. O fundamento da não invocação retroactiva de orientações genéricas perante os contribuintes que tenham agido com base numa interpretação plausível e de boa-fé da lei justifica-se em face dos princípios da igualdade, proporcionalidade e protecção da confiança ou boa-fé [que] implicam que, uma vez emitida certa orientação genérica, esta seja aplicada da mesma forma para todos, de modo não arbitrário ou discriminatório enquanto for válida (…).

11. No entanto, a própria administração pode decidir que já não se justifica manter a interpretação resultante de certa orientação genérica (…).

(…)

13. Os contribuintes, desde que estejam de boa fé, têm a segurança de não lhes vir a ser aplicada posteriormente uma orientação em sentido diverso do que estava vigente no seio da administração tributária, no momento em que se verificou o facto tributário (…)” .

 

A mesma ideia estava já plasmada na redacção inicial da lei, sobre a qual Lima Guerreiro teceu o seguinte comentário:

“Entendemos que o presente número 4 [do antigo artigo 68.º da LGT – “A administração tributária está ainda vinculada: b) Às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidas sobre a interpretação das normas tributárias que estiverem em vigor no momento do facto tributário”] inclui as orientações genéricas, mesmo não publicadas, quando o interessado demonstre terem sido reiterada e sistematicamente seguidas pela administração tributária e aprovadas pelos seus órgãos competentes, estando nessa medida na base da conduta do contribuinte que delas teve conhecimento efectivo e actuou de acordo com elas, na expectativa de que a administração fiscal não reagiria contra o seu comportamento.

8 – Os números 5 e 6 alargam o princípio da protecção da confiança em ordem a proibir a aplicação a situações tributárias anteriores das orientações genéricas da administração tributária quando os contribuintes tenham agido de acordo com uma interpretação plausível (ou seja, que, embora eventualmente errónea, se mantenha num quadro de razoabilidade, à luz de uma diligência normal) e de boa fé (não dolosa) da lei, circunstância que se presume, quando o contribuinte tiver solicitado já à administração tributária informação vinculativa sobre a situação tributária em causa.

Nesses casos, as orientações genéricas só se aplicam para o futuro, não abrangendo, pois, as situações tributárias já consumadas.

Deverá, pois, ser a administração fiscal, no momento da emissão das orientações genéricas, a definir fundamentadamente, ao abrigo dessas normas, se e na medida em que serão aplicáveis a factos tributários passados.

Não poderá, no entanto, aplicar essas orientações a factos tributários anteriores se se tiver verificado a circunstância referida no número 5: o contribuinte tiver solicitado informação vinculativa sobre os factos em causa, a não ser que a administração tributária elida a presunção de boa fé que a norma do número 6 atribui ao referido comportamento do contribuinte, circunstância que terá de fundamentar” .

 

E, na linha do que tem sido transcrito até aqui, escrevem de forma clara J.M. Pires et alia:

“14. A prática de um acto em sentido contrário ao resultante da vinculação a uma orientação genérica traduz um vício de violação da lei, gerador de anulabilidade do acto praticado, por a lei não prever especificamente a nulidade como sanção deste vício (cfr. artigos 161.º a 163.º do CPA)” .

 

Vêm confirmar o entendimento até aqui exposto os acórdãos n.º 142/2012-T, n.º 69/2013-T, n.º 123/2013-T e n.º 443/2018-T do CAAD, o n.º 3078/05.7BELSB do TCA Sul e o n.º 01023/09 e n.º 0583/12 do Supremo Tribunal Administrativo.

 

Estas decisões sentenciam essencialmente que “não foram alegados nos autos factos suficientes para fundamentar o juízo de que a “questão de direito relevante ... tenha sido apreciada no mesmo sentido em três pedidos de informação ou seja previsível que o venha a ser”, o que seria necessário para concluir que, efectivamente a Administração Tributária teria violado o dever jurídico que, em função dessa norma lhe assistiria”  (neste caso, a contrario, que apenas a falta de factos suficientes impediu que se considerasse convertida a interpretação em orientação genérica); “[u]m afloramento desta interpretação do princípio da igualdade está ínsita no regime do artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT [anterior art. 68.º, n.º 4, alínea b)], que impõe à Administração Tributária a observância das orientações genéricas que estejam em vigor no momento do facto tributário, proibindo a aplicação retroactiva de novas orientações genéricas, o que significa que estas podem ser alteradas” ; que “[é] por (…) motivos, de inegável relevância constitucional, que se estabelece que as próprias informações vinculativas – todas sujeitas a publicação – devem ser convertidas em circulares administrativas, logo que verificados os pressupostos do artigo 68º-A n.º 3 da LGT” ; que “independentemente de ser ou não correcta a interpretação da lei constante de orientações genéricas, tem de se concluir que enfermam de vício de violação de lei, por incompatibilidade com os citados artigos 68.º, n.º 4, alínea b), e 68.º-A, n.º 1, os actos que a Administração Tributária pratique em dissonância com essas orientações” .

 

Além disto, sublinha-se ainda que “as circulares não constituem regras de decisão para os tribunais e que a circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada, em face do disposto no actual artigo 68.º-A, n.º 1, da Lei Geral Tributária, às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário, não altera esta perspectiva, porque elas não têm força vinculativa nem para os particulares nem para os tribunais” , reafirmando-se que “a Administração Tributária fica vinculada ao teor das circulares que emite sobre o entendimento das normas tributárias aplicáveis, sendo certo que tal vinculação decorre de forma expressa e inequívoca do disposto no artigo 68.º, n.º 4, alínea b) da LGT (actual 68.º-A n.º 1 da LGT) e constitui uma decorrência necessária dos princípios da boa-fé e da igualdade, que presidem ao exercício da actividade administrativa (artigo 266.º n.º 2 da Constituição da República)”  e ainda que “[o] objetivo subjacente à emissão destas orientações genéricas é dotar os contribuintes de um instrumento que os esclareça sobre a interpretação que a AT faz num determinado caso, conferindo segurança adicional em termos de previsibilidade da atuação administrativa” .

 

É seguro, portanto, em face da nossa lei, da doutrina e da jurisprudência, que padece de vício de violação da lei a prática de um acto que contrarie o firmado numa orientação genérica, qualquer que seja a forma que essa orientação tome.

 

Além disto, é seguro que, à data em que foram praticados os factos, tinha a AT produzido informações vinculativas, divulgadas como fichas doutrinárias, que apontavam no sentido do tratamento autónomo para efeitos de IVA do transporte marítimo de passageiros, mesmo quando este possuísse finalidades turísticas e mesmo quando lhe fossem associados serviços diferentes, desde que facturados com autonomia, como sucedeu efectivamente no presente caso.

 

Tendo sido instada por sucessivas vezes a clarificar o enquadramento deste tipo de actividades, a AT não foi capaz de enquadrá-las de forma inteiramente clara nem coerente, gerando uma situação de incerteza entre os operadores que obrigaria mais tarde à intervenção legislativa.

 

Em face do exposto, impõe-se a este colectivo concluir pela invalidade dos actos de liquidação praticados, por violação do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária, pelo que fica prejudicado o conhecimento da invocada ilegalidade das liquidações por violação do art. 70º, nº 1, da Lei Geral Tributária em conjugação com o artigo 27º, nº 1, al. c) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária.

Termos em que procede o pedido arbitral devendo, em consequência ser anuladas as liquidações adicionais de IVA impugnadas e respetivos juros, com todas as consequências legais.

 

III-2. Da indemnização por prestação de garantia indevida

 

Sem qualquer suporte no respetivo articulado, a Requerente termina pedindo indemnização por custos incorridos com a garantia prestada nos respectivos processos de execução.

Acontece que, não ficou provado, que, na pendência desta acção, a Requerente tenha prestado efectivamente garantia num processo de execução fiscal.

Assim sendo, improcede o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, sem prejuízo da sua apreciação em sede de execução de sentença.

 

IV- Decisão

 

Termos em que se decide neste tribunal coletivo:

a)            Julgar improcedente a excepção de incompetência suscitada pela Requerida;

b)           Julgar procedente o pedido arbitral e, nesta consequência anular as liquidações adicionais de IVA relativas a 2015 e 2016, e respetivos juros compensatórios, no total de € 222.801, 09;

c)            Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida em indemnização por prestação de garantia indevida.     

 

V- Nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, fixa-se o valor da acção em € 222.801, 09.

 

VI-Custas pela Requerida no valor de € 4284,00, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 3 de Março de 2020.

 

Os árbitros

 

Fernanda Maçãs

(árbitro presidente)

 

O árbitro vogal

Sérgio Vasques

 

O árbitro vogal

Marcolino Pisão Pedreiro