Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 133/2014-T
Data da decisão: 2014-09-29  IRS  
Valor do pedido: € 1.928,47
Tema: Tributação de gratificações; comissões pagas por outrem
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Requerente: A…

Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)

 

Decisão Arbitral

 

I.RELATÓRIO

 

1.A..., (doravante designado por Requerente) contribuinte fiscal nº..., residente no …, apresentou em 14 de Fevereiro de 2014, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular para obtenção de pronúncia arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante designado por RJAT) em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à anulação das correcções produzidas pela AT às suas declarações de IRS, relativas aos anos de 2009,2011 e 2012 e consequentes liquidações oficiosas.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

 

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foi designado árbitro singular o signatário que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

4. O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 17 de Abril de 2014, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1do artigo 11º do RJAT.

 

5. No dia 11 de Julho de 2014, pelas 11.30 horas, teve lugar na sede do CAAD, a reunião do árbitro e dos mandatários das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18º do RJAT.

 

6. Na sobredita reunião e tendo o representante Requerente manifestado o interesse na produção da prova testemunhal, apresentada com o pedido de pronúncia arbitral, e após articulação de datas entre os intervenientes, foi designado o dia 02 de Setembro de 2014, para a realização da inquirição das testemunhas.

 

7. Na aprazada data foi realizada a audição das testemunhas arroladas pelo Requerente, à excepção da testemunha B…, que foi prescindida pelo representante do Requerente.

 

8. Na reunião realizada em 02 de Setembro de 2014, as partes prescindiram da produção de alegações. (cfr. actas das reuniões de 11 de Julho e 02 de Setembro de 2014).

 

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9. Para fundamentar o seu pedido, o Requerente alegou, em síntese e como relevo:

 

  1. É trabalhador da sociedade comercial C…, Lda., aí exercendo as funções de vendedor comissionista. (cfr. artigo 22º e 23º do pedido de pronúncia arbitral);

 

  1. No exercício da sua prestação de trabalho, no seu horário de trabalho, visita, designadamente, restaurantes, bares, hotéis e discotecas, com vista a, nesses locais, promover e/ou acordar, com os donos desses estabelecimentos, a venda a estes, de bebidas que a sua empregadora adquire aos seus fornecedores para revenda aos respectivos clientes. (cfr. artigo 27º do pedido de pronúncia arbitral);

 

  1. Alguns dos fornecedores da sua empregadora, com o fim de aumentarem as suas vendas, propuseram àquela que lhes indicasse quais os seus trabalhadores que exercem o tipo de funções na área comercial, propondo-se atribuir-lhes “prémios” por recomendações de consumo. (cfr. artigo 31º do pedido de pronúncia arbitral);

 

  1. O Requerente passou, nas circunstâncias supra descritas, a recomendar aos clientes da sua empregadora que comprassem determinadas marcas. (cfr. artigo 33º do pedido de pronúncia arbitral);

 

  1. Em contrapartida dessas recomendações de consumo, veio o Requerente a receber dinheiros, unilateralmente atribuídos pelos fornecedores da sua empregadora, nos anos de 2009 a 2012, tendo assinado os correspectivos recibos de quitação. (cfr. artigo 34º do pedido de pronúncia arbitral);

 

  1. O Requerente enquadrou os dinheiros que recebeu daquelas fornecedores como uma liberalidade pelos mesmos concedida. (cfr. artigo 37º do pedido de pronúncia arbitral);

 

  1. Tendo-os considerado como rendimentos da categoria A (trabalho dependente) de acordo com o disposto na alínea g) do n~3 do artigo 2º do CIRS. (cfr. artigo 42 do pedido de pronúncia arbitral):

 

  1. Tece ainda o Requerente várias consideração acerca da inaplicabilidade do artigo 3º do CIRS, relativamente aos rendimentos recebidos pelos fornecedores da sua entidade patronal, apresentando argumentos contra a posição sufragada pela AT, acerca da consideração dos mesmos como “comissões”

 

  1. Concluindo, como se retira do seu pedido “a) pela anulação dos actos tributários que determinaram a correcção e correspondente liquidação oficiosa de IRS do Requerente, referentes aos anos de 2009, 2011 e 2012,supra por violar a lei” e “b) pela restituição ao Requerente de todos os valores que este pagou por força do que lhe foi ordenado nos actos tributários supra, e que, nesta data, ascendem a € 1.928,47, acrescidos de juros indemnizatórios sobre os montantes de que ilicitamente de viu privado, calculados desde a data do respectivo pagamento à AT, até à data da sua constituição”.

 

 

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10. A AT, na sua resposta, sustentou posição contrária à apresentada pelo Requerente quanto ao tratamento e enquadramento fiscal dos rendimentos recebidos por este, de entidades terceiras, reconduzindo o seu ponto de vista, em brevíssima síntese, e com relevo, ao seguinte:

 

  1. Nas declarações Modelo 3 de IRS apresentadas pelo Referentes aos anos de 2009,2011 e 2012, o mesmo declarou, no campo 402 do Quadro 4 do Anexo A, rendimentos proveniente de “gratificações” pagas por várias entidades. (cfr. artigo 12º da resposta);

 

  1. Através de despacho devidamente fundamentado de 2013.11.04, e notificado ao Requerente, decidiu a AT, que o rendimento qualificado como gratificação não tem essa natureza, dado que a sua atribuição não tem subjacente a prestação de trabalho, o que obsta à sua qualificação como rendimento de trabalho dependente, nos termos do art. 2º nº 3 alínea g) do CIRS, e consequentemente à aplicação do regime de tributação consagrado no nº 3 do art. 72º do mesmo código. (cfr. artigo 23º da resposta);

 

  1. Tendo-se concluído que os rendimentos em causa recebidos pelo Requerente, constituem comissões, pelo que em conformidade, procedeu-se nos termos do artº 65º nº 4 do CIRS à alteração dos valores e elementos declarado nas declarações de IRS dos anos de 2009, 2011 e 2012. (cfr. artigo 24º da resposta);

 

  1. Tece ainda a Requerida várias considerações acerca das funções desenvolvidas pelo Requerente junto das entidades terceiras em causa, e da sua caracterização contratual, para concluir que:

 

  1. Os rendimentos em questão auferidos pelo Requerente não têm a natureza da mera gratificação ou liberalidade, dado que a sua atribuição tem subjacente a prestação de um serviço específico, o que obsta à sua qualificação como rendimento do trabalho dependente, nos termos referidos na aliena g) do nº 3 do artigo 2º do CIRS: (cfr. artigo 139º da resposta),

 

  1. Culminando com o pedido de improcedência do pedido arbitral subjacente.

 

 

11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º nº 1, alínea a), 5º e 6º,nº 1 do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011 de 22 de Março.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

 

II.DECISÃO

 

A.MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Fatos dados como provados

 

1. O Requerente é vendedor comissionista da sociedade comercial denominada “ C…, Lda,”, que se dedica ao comércio por grosso e a retalho de bebidas, com quem tem um contrato de trabalho,

 

2. Alguns fornecedores da sua entidade patronal, nomeadamente as sociedades “ D...”, “E...” e “ F...”, com vista a incentivar e incrementarem as vendas dos seus diversos produtos, estabeleceram com o Requerente, um acordo, mediante o qual através de “recomendações de consumo” feitas junto dos clientes da sua entidade patronal, recebia dos referidos fornecedores “prémios” em função das vendas àqueles efectuadas.

 

3.O Requerente recebeu nos anos de 2009, 2011 e 2012 dos indicados fornecedores várias quantias em dinheiro, de cujo recebimento deu quitação.

 

4. Em sede do modelo 3 do IRS inscreveu o Requerente tais rendimentos como provenientes de trabalho dependente, enquadrando-os como “gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação do trabalho, quando não atribuídas pela respectiva entidade patronal” (alínea g) do nº 3 do artigo 1º do CIRS).

 

5. A AT procedeu à correcção oficiosa das declarações de IRS do Requerente, respeitante aos anos de 2009,2011 e 2012, a coberto do disposto no nº 4 do artigo 65º do CIRS,

 

6. Da qual resultaram as liquidações subjacentes aos presentes autos, no montante de 1.928,47 €.

 

 

A2. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se com não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dado como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não em que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.123º nº 2 do CPPT e artigo 607º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e testemunhal produzida, e o PA junto aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados, reconhecidos e aceites pelas partes.

 

 

B. DO DIREITO

 

A questão a decidir prende-se com a qualificação a atribuir aos pagamentos percebidos pelo Requerente, por entidade diversa da sua entidade patronal, mas que têm uma relação com a sua prestação de trabalho.

Trata-se de apurar in casu se as quantias recebidas pelo Requerente das entidades D...”, “E...” e “ F...”, fornecedores da sua entidade patronal, são entendidas como comissões ou gratificações.

A opção por uma ou outra das qualificações não é despicienda em termos de tributação em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, já que, para a hipótese de tais pagamentos serem considerados como gratificações, encontrar-se-ão os mesmos abrangidos como rendimentos da categoria A, de acordo com a alínea g) do nº 3 do artigo 1º do CIRS, sendo que a considerarem-se os mesmo como comissões, cairão sob a alçada dos rendimentos empresariais e profissionais da categoria B, concretamente sob a alínea  b) do nº 1 do artigo 3º do CIRS.

 

O Código do Imposto Profissional aprovado pelo Decreto-lei nº 44 305, de 27 de Abril de 1962, previa sob o seu artigo 1º, as regras de incidência, no seguinte sentido:

 

“O imposto profissional incide sobre os rendimentos do trabalho em dinheiro ou espécie, de natureza contratual ou não, periódicos ou ocasionais, fixos ou variáveis, seja qual for a sua proveniência ou o local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento”

Especificando o seu § 1º que “constituem rendimento do trabalho todas as respectivas remunerações, quer percebidas a título de ordenados, vencimentos, salários, soldadas ou honorários, que a título de avenças, senhas de presença, gratificações, luvas, percentagens, comissões, corretagens, participações, subsídios, prémios, ou a qualquer outro”

Considerando ainda o dispositivo em causa, como “rendimentos do trabalho”, sob a alínea e) do seu § 2º, “as importâncias, qualquer que seja a sua natureza, recebidas pelos empregados por conta de outrem no exercício da sua actividade, ainda que não atribuídas pela respectiva entidade patronal”

Esta incidência objectiva do imposto profissional não estava contemplada na versão inicial do respectivo código tendo-lhe sido aditada pelo Decreto-lei nº 297/79, de 17 de Agosto, sendo que a partir de então subsistiram duas realidades, pelo menos aparentemente distintas: as comissões e gratificações que se mantiveram, previstas no § 1º do artigo 1º a que vieram juntar-se “as importâncias, qualquer que seja a sua natureza, recebidas pelos empregados por conta de outrem no exercício da sua actividade, ainda que não atribuídas pela respectiva entidade patronal.

 

 

A realidade actual, sob a vigência do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, para além da sistematização em várias classes de rendimentos, não diverge significativamente das então previstas no revogado Código do Imposto Profissional, com excepção do “desaparecimento” à menção de “comissões” nas normas de incidência – categorias A e B – mantendo-se contudo relativamente a rendimentos pagos por terceiros, que não a entidade patronal do sujeito a imposto já não designados por “importâncias, qualquer que seja a sua natureza”, para se especificar, como decorre da alínea g) do nº 3 do artigo 2º do CIRS, que são considerados “rendimentos do trabalho dependente, todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular”, nestes se considerando: as gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação do trabalho, quando não atribuídas pela respectiva entidade patronal”.

 

No que concerne ao pagamento do imposto em virtude da percepção de “comissões” encontrar-se-á a sua incidência prevista, e como assinalado, no âmbito da categoria B, como rendimentos empresariais e profissionais, “auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com actividades mencionadas na alínea anterior”, constando da lista anexa a que se reporta o artigo 151º - a actividade de comissionista – como passível de incidência de rendimentos da categoria B.

Do brevíssimo excurso produzido, afigura-se clara a pretensão do legislador fiscal na obtenção de uma “tributação esgotante” dos rendimentos oriundos do trabalho, quer dependente, quer independente.

 

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A questão que emerge do presente pedido de pronúncia arbitral, tem subjacente o facto de o requerente ser trabalhador por conta de outrem, e ter recebido de entidades terceiras diversas importâncias em dinheiro (de cujo recebimento deu quitação), tendo inscrito e assinalado tais “prémios” no campo 402 do Quadro 4 do Anexo A dos seus modelos declarativos de IRS, considerando-os, consequentemente, como rendimentos da categoria A ou seja, de trabalho dependente.

 

Sendo que em sentido diverso a AT considera que tais rendimentos revestem a natureza de comissões e consequentemente sujeitas a tributação no âmbito da categoria B.

 

Necessário se afigura pois identificar e concluir em qual das categorias A ou B, se integram tais rendimentos, uma vez que não subsistem dúvidas que sobre os mesmos haverá que incidir imposto sobre o rendimento, de conformidade ao estatuído  no artigo 1º do CIRS.

 

Relativamente à questão das “gratificações”, embora tendo subjacente uma particular situação de trabalhadores [1] as instâncias têm sido convocadas a pronunciar-se sobre tal questão, não tanto já quanto à sua integração em termos de incidência tributária numa das referidas classes, mas fundamentalmente quanto à sua sujeição a imposto e mesmo sobre a sua constitucionalidade.

Com a sinalizada reserva afigura-se-nos que o contributo das mesmas, poderá, ainda assim, lançar alguma luz à questão subjacente.

 

No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10/05/2000, proferido no âmbito do processo nº 023596, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, pode ler-se no respectivo sumário:

“No nº 3 ao artº 2º do C.I.R.S. consideram-se como rendimentos do trabalho dependente proventos que não se consubstanciam, explicitamente, em remuneração de trabalho prestado, mas que têm relação com ele, por ser a existência de uma prestação de trabalho que proporciona as condições para tais rendimentos serem auferidos”

“Assim, à face do art. 2º do C.I.R.S., não são de considerar como rendimentos do trabalho dependente apenas as importâncias atribuídas aos sujeitos passivos pelas respectivas entidades patronais a título remunerações do trabalho, sendo como tal consideradas também as indicadas naquele nº 3.”

Podendo ainda ler-se no aresto em causa:

“ A fórmula utilizada na alínea h) (hoje corresponde à “g”) do nº 3 do art. 2º do C.I.R.S. é susceptível de abranger as gratificações atribuídas a quaisquer trabalhadores e não apenas aos das salas de jogos, não estando demonstrado que, na prática, apenas estes sejam tributados em base nesta norma.”

 

As importâncias em causa percebidas pelo Requerente não tendo sido pagas pela sua entidade empregadora, (não se constituindo a esta luz como contrapartida da sua prestação de trabalho), não deixam de estar conexionadas com esta e, com efeito, representaram um benefício económico do qual o mesmo auferiu.

 

As gratificações que vimos sinalizando, consideradas face ao disposto na alínea g) do nº 3 do artigo 2º do CIRS como “rendimentos do trabalho dependente”, deverão entender-se como meras liberalidades por parte de quem as presta, uma vez que, desde logo, a sua efectivação não assenta em qualquer acordo ou compromisso pré estabelecido com o seu beneficiário e não têm associado qualquer “serviço prestado”.

 

Bem pelo contrário têm subjacente actos de simpatia, manifestação de generosidade ou recompensa perante alguém.

 

Embora não sendo pagas pela entidade empregadora “estão conexas com a actividade do trabalhador, mas são geralmente prestadas pelos beneficiários ou clientes da empresa, onde ele desenvolve essa actividade. São as designadas, em português corrente, gorjetas (…)”[2]

 

Pois bem:

 

Vistas as coisas desta forma, concluir-se-á que a realidade subjacente aos presentes autos é acentuadamente diferente.

Estarmos perante importâncias pagas por entidades terceiras, postas à disposição do Requerente em função de um determinado resultado, traduzido no volume do negócio alcançado, no caso concreto vendas de bebidas,

Dito de outra forma,

O resultado do aumento das vendas, das entidades fornecedoras de bebidas, em função das “ recomendações de consumo” levadas a cabo pelo Requerente, têm uma relação directa com os prémios recebidos.

Têm uma relação intrínseca com a actividade desenvolvida pelo Requerente.

E se, por outro lado, os valores em causa, de per si não contribuem para que sem mais, se conclua que seriam eventualmente excessivos e pouco usuais ou invulgares para a sua tipificação como gratificações auferidas em razão da prestação do trabalho (para seguirmos a terminologia da alínea g) do nº 3 do artigo 2º do CIRS) a verdade é que as condições e contornos subjacentes ao recebimento de tais rendimentos por parte do Requerente apontam para que os mesmos assumam a características de “comissões” .

Por outro lado ainda, se o acordo ou protocolo estabelecido entre o Requerente e as entidades em causa, fornecedoras de bebidas, não se conforma na sua integralidade com as características mais identificativas dos contratos de comissão ou de agência, não deixam de ter com estes determinante similitude, desde logo a sua estabilidade, a retribuição e a celebração subjacente de contratos de compra e vendas de bebidas comercializadas.

Ainda que se conceba estarmos perante um acordo ou contrato atípico sobressaem do mesmo características que levam a concluir que os rendimentos percebidos pelo Requerente têm a natureza de comissões e não já o carácter de liberalidade, e ocasionalidade que caracteriza das chamadas gratificações.

 

A contra partida dos rendimentos recebidos teve por parte do Requerente a prestação de um serviço “recomendações de consumo” - de que foram também beneficiárias as entidades, D...”, “E...” e “ F...” dependendo obviamente o montante dessas contrapartidas (prémios) do volume de vendas conseguido obter pelo Requerente.

Na prática à excepção da vinculação laboral como os deveres e direitos à mesma inerentes, no que toca às comissões, a realidade não será muito diferente da que se verifica com a sua entidade patronal.

O montante desses rendimentos, que se perfilam como “comissões” têm uma ligação material, quantitativa e intrínseca com as vendas efectuadas, materializando-se na prática em que, quanto maiores forem estas maiores serão as comissões, reconduziu-se assim à contrapartida económica da actividade desenvolvia pelo Requerente.

 

Sem necessidade de quaisquer outros considerandos, temos que as remunerações recebidas pelo Requerente, constituem-se como rendimentos da categoria B (rendimentos empresariais e profissionais), improcedendo, consequentemente, o pedido de pronúncia arbitral.

 

C. DECISÃO

 

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

 

a. julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade das liquidações de IRS e juros compensatórios referentes aos anos de 2009, 2011 e 2012, bem assim e como consequência, improcedente o pedido formulado relativo a juros indemnizatórios;

 

b. condenar o Requerente nas custas do processo.

 

 

D.VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto no artigo 306º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, 97º A) nº 1 alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 1.928,47 €.

 

E. CUSTAS

 

A cargo do Requerente, nos termos dos artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

NOTIFIQUE

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto do artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

O árbitro

 

 

(José Coutinho Pires)

 

 

 

Lisboa, vinte e nove de Setembro de dois mil e catorze.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Referimo-nos às situações decorrentes das gratificações recebidas por funcionários das salas de jogos dos casinos.

[2] José Guilherme Xavier de Basto, in IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, 2007 Coimbra Editora, página 132.

No mesmo sentido Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, 2º edição, pág. 54.