Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 134/2017-T
Data da decisão: 2017-07-14  IRC  
Valor do pedido: € 258.199,55
Tema: IRC - Tributações Autónomas - Dedução à Colecta - Competência do Tribunal Arbitral - Norma de Vinculação - Reacção Administrativa Prévia em caso de Autoliquidação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1. RELATÓRIO

1.1 A…, S.A., (doravante designada por “Requerente), sociedade anónima, número único de pessoa colectiva e matrícula …, com sede com sede na …, … …, …, …-… Lisboa, veio, aos 23 de fevereiro de 2017, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

1.2 É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

1.3 O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou os ora signatários para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, notificando as partes, e o Tribunal foi constituído a 28 de abril de 2017.

1.4 O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto o indeferimento expresso dos pedidos de revisão oficiosa dos actos tributários de autoliquidação do IRS números …2016…, relativo a 2011 e …2016…, relativo a 2012, decisão a qual a Requerente foi notificada a 22 de dezembro de 2016.

A Requerente vem reagir contra tal indeferimento, continuando a sustentar a ilegalidade das autoliquidações de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, por afastamento indevido das deduções à colecta relativo aos montantes pagos a título de pagamento especial por conta.

Entende, pois, a Requerente que a Requerida é devedora daquele montante total, relativo a tributações autónomas, no valor de 216.313,73€, equivalente à dedução do montante pago até à concorrência absoluta da colecta, no que respeita ao período de 2001.

No período de 2012, seguindo o mesmo entendimento, considera que tem o direito a ser reembolsada pela Requerida da quantia de 41.885,82€, por efeito da dedução total do PEC até à concorrência absoluta da colecta.

Pede a Requerente que, em consequência da pretendida anulação das liquidações em crise, seja a Requerida condenada a reembolsar-lhe aquela quantia acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal contados da data em das respectivas liquidações e até efectivo e integral pagamento.

No que respeita ao erro da AT, que, no entender da Requerente, sustenta o seu direito a juros, alega que o sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas, os PEC., i .e., aquele sistema não permite, pois, deduzir uma parcela dos pagamentos antecipados efetuados por conta do IRC que será devido a final – os PEC – a uma parte do IRC final efetivamente apurado – as tributações autónomas.

Ou seja,  que, intencional ou inadvertidamente, a declaração Modelo 22 do IRC e respetiva articulação com a programação do sistema informático da AT impede que se deduza à coleta relacionada com as taxas de tributação autónoma em IRC, inscrita no campo 365 do quadro 10 da declaração Modelo 22 os PEC ainda por deduzir à coleta de IRC, a começar pelos mais antigos, e que, no caso em apreço, o sistema informático da AT impediu que a requerente inscrevesse o valor relativo às referidas taxas de tributação autónoma em IRC, expurgado, i.e., deduzido, dentro das forças da coleta de IRC resultante da aplicação destas taxas, dos PEC ainda disponíveis (a começar pelos mais antigos) para abate à coleta do IRC, o que resultou num excesso de imposto pago por referência aos exercícios fiscais de 2011 e 2012 aqui em causa, na medida em que PEC acumulados são mais do que suficientes para compensar, através da sua utilização, a coleta da tributação autónoma em IRC dos exercícios de 2011 e 2012 aqui em causa.

 

1.5 A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA respondeu aos 26 de maio de 2017 e veio, na mesma data, juntar o processo administrativo.

Defendeu-se por excepção, alegando que “atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03, verifica-se a excepção de incompetência material do presente Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido supra [artigo 576º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex. vi artigo 2º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576º, n.º 2 e 577º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT”.

Como fundamento da alegada excepção, invoca a disposição que exclui expressamente do âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.” e que a Requerente não recorreu a estes, antes ao procedimento de revisão Oficiosa previsto no artigo 78.º da LGT e porque se encontrava esgotado o prazo para aferir em sede de reclamação graciosa da ilegalidade invocada.

Por impugnação, defendeu-se invocando os fundamentos das decisões de indeferimento em crise.

 

1.6. Notificadas da intenção do Tribunal em dispensar a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, as partes não vieram opor-se e apresentaram as suas alegações, nas quais a Requerente respondeu à excepção invocada pela Requerida, mantendo que é manifesta a equiparação do pedido de revisão oficiosa do acto tributário ao pedido de reclamação graciosa dos actos de autoliquidação, para efeitos de aferição da competência deste Tribunal.

A Requerida manteve, nas suas alegações, as posições já antes sustentadas.

 

1.7.  Aos 20 de Junho de 2017, veio a Requerente juntar aos autos o texto do Acórdão do Tribunal Constitucional 267/2017, que julga inconstitucional a norma do artigo 135.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março. Foi proferido despacho da mesma data admitindo a junção.

           

 

2. SANEAMENTO

Foi levantada a questão da competência deste Tribunal, que é do conhecimento prévio e que cumpre, pois, apreciar.

A Requerida sustenta, na sua resposta, que a vinculação da Administração Tributária ao Tribunal Arbitral depende, nos casos de autoliquidação – como é o dos autos – de prévio de recurso à via administrativa pelos meios previstos nos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

A Requerente, não colocando em causa esta norma nem tendo negado que não apresentou qualquer reclamação prévia, defende-se pela via da alegada equiparação do pedido de revisão oficiosa do acto tributário, por ter sido este o meio que escolheu para atacar pela via administrativa os actos aqui impugnados.

É esta, pois, e é simples, a nossa ver, a vexata quaestio: a enumeração prevista no RJAT, ao referir-se aos meios contenciosos administrativos prévios como sendo os previstos nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, é taxativa, ou esta norma admite que a impugnação tenha sido precedida de outros meios de ataque gracioso, que não estes?

Vejamos:

Por força da remissão do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais constituídos nos termos desse diploma fica na dependência do disposto na Portaria n.º 112- A/2011, designadamente quanto ao tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

Dispõe-se no artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011 que a vinculação da AT à jurisdição referida tem por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, “com excepção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Porém, não se descortina, de entre as razões avançadas pela Requerida, uma razão substancial para que, atentos os condicionalismos e especificidades próprios de cada um dos meios graciosos em causa, não seja cognoscível em sede arbitral a legalidade dos atos de autoliquidação, nos mesmos termos em que os tribunais tributários estão vinculados. Aliás, mesmo uma interpretação estritamente literal, desde que devidamente contextualizada, não conduziria ao resultado propugnado pela Requerida.

Com efeito, a expressão empregue pela norma em questão é paralela à própria norma do artigo 131.º/1 do CPPT, o que deverá ser compreendido como uma concretização da pacificamente reconhecida intenção legislativa de que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.    

A norma da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de março, deverá também ser entendida como explicando-se pela circunstância de, na sua ausência – e face ao teor do artigo 2.º do RJAT – se perfilar como possível a impugnação direta de actos de autoliquidação sem precedência de pronúncia administrativa prévia.

Ou seja, tendo em conta que face ao RJAT não se configurava como necessária qualquer intervenção administrativa prévia à impugnação arbitral de uma autoliquidação, o teor da Portaria deve ser interpretado como equiparando – nesta matéria – o processo arbitral tributário ao processo de impugnação judicial e não, como decorreria da posição sustentada pela Requerida, passar do 80 para o 8, pegando numa impugnabilidade mais ampla do que a possível nos Tribunais Tributários, e transmutando-a numa mais restrita.

Assim, razão alguma se vê para que se interprete de forma diferente uma e outra norma, tanto mais que a letra da norma da Portaria 112.º-A/2011, de 22 de março, acaba por ser menos restritiva que a do CPPT, na medida em que não integra a expressão “obrigatoriamente”, nem se refere a “reclamação graciosa”, mas a “via administrativa”.

Daí que seja possível uma leitura da própria letra da lei que se contenha no sentido de que apenas está afastado do âmbito da jurisdição arbitral tributária o conhecimento de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa em termos compatíveis com os artigos 131.º a 133.º do CPPT.

E é esta a leitura que se subscreve, na sequência do Acórdão proferido no processo 48/2012-T do CAAD e jurisprudência arbitral subsequente, designadamente, nos processos 670/2015 e 122/2016, não se concebendo, na medida em que s interpretação efetuada se contém na letra da lei, que daí possa decorrer a violação de qualquer preceito constitucional, maxime, dos indicados artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 111.º e 266.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Assim, e face a todo o exposto, não assistindo razão à Requerida nesta matéria, julga-se improcedente a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral.

 O Tribunal foi regularmente constituído, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

Não há mais exceções a decidir, nem nulidades ou questões que constituam obstáculo à apreciação do mérito da causa.

3. MATÉRIA DE FACTO

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

1)      A Requerente é uma sociedade com sede e direcção efetiva em território nacional, sujeito passivo de IRC sujeito ao regime geral de tributação;

2)      A Requerente submeteu a Declaração Modelo 22 de IRC de 2011 a 30.01.2013;

3)      A Requerente submeteu a Declaração Modelo 22 de IRC de 2012 a 11.07.2013;

4)      De acordo com a informação disponibilizada electronicamente pela Requerida, na área da Requerente do Portal das Finanças, o montante dos pagamentos especiais por conta ainda passível de dedução no período de tributação de 2011 era de 420.000,00€, relativos a montantes pagos e não deduzidos desde 2007, nos termos da tabela que se reproduz:

5)      No período de tributação de 2011 foram liquidadas pela Requerente tributações autónomas no montante de 216.313,73€;

6)      Este montante foi efectivamente pago pela Requerente, na medida em que o sistema informático não permite a dedução dos montantes relativos aos pagamentos especiais por conta à colecta apurada que resulta também dos montantes de tributação autónoma;

7)      A Requerente, não se conformando, reagiu pela via administrativa contra este acto de autoliquidação, através de pedido de revisão do acto tributário;

8)      No período de tributação de 2012 foram liquidadas pela Requerente tributações autónomas no montante de 41.885,82€;

9)      Este montante foi efectivamente pago pela Requerente, na medida em que o sistema informático não permite a dedução dos montantes relativos aos pagamentos especiais por conta ainda disponíveis para dedução, à colecta apurada que resulta também dos montantes de tributação autónoma;

10)  A Requerente, não se conformando, reagiu através de pedido de revisão oficiosa do acto tributário;

11)  Ambos os pedidos de revisão foram indeferidos.

 

Factos não provados

Não se constataram factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pela Requerente, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas pela Requerida.

 

4. QUESTÕES DECIDENDAS

 

A principal questão submetida à apreciação do Tribunal Arbitral é a de aferir se a Requerente tem o direito de proceder à dedução, também à coleta de IRC produzida pela aplicação das taxas de tributação autónoma, dos referidos PEC, sendo, em caso afirmativo, ilegais as (auto) liquidações de IRC dos exercícios de 2011 e 2012.

 

Submetida ao Tribunal está ainda, a título subsidiário, caso dê resposta negativa à primeira questão, a questão da eventual ilegalidade e consequente anulação da liquidação das tributações autónomas, por ausência de base legal para a sua liquidação.

 

O Tribunal, caso dê resposta positiva a esta questão, é ainda chamado a pronunciar-se sobre o direito a juros indemnizatórios sobre as quantias pagas em consequências das (auto)liquidações em crise.

 

Cumpre, pois, decidir quanto ao mérito do pedido de decisão arbitral das liquidações de IRC sub judice e do eventual direito da Requerida a juros indemnizatórios.

Vejamos:

 

Nas últimas décadas, têm sido levadas a cabo profundas reformas da tributação das empresas, tanto a nível europeu como português. É comummente reconhecido o peso que empresas têm na economia de cada país e, por isso, a tendência tem sido a de reduzir a tributação dos rendimentos das pessoas coletivas.

 

Em Portugal, as empresas são tributadas fundamentalmente pelo seu rendimento real, calculado nos termos previstos no CIRC.

 

Os regimes de tributação têm importante impacto nas decisões empresariais, tanto presentes como futuras.

 

Essa ponderação será feita tendo em conta o imposto sobre o rendimento, propriamente dito, como as tributações autónomas, que incidem sobre determinadas despesas da forma e na medida em que o legislador entendeu serem aptas a prosseguir objetivos de combate à evasão fiscal.

 

O regime das tributações autónomas é o resultado de numerosas alterações legislativas. A sujeição de determinadas despesas a tributação autónoma surgiu com o Decreto-Lei n.º 192/90, de 2 de junho, num contexto de penalização da tributação das despesas confidenciais ou não documentadas incorridas pelas empresas.

 

Foi só com a reforma fiscal de 2001 que se estendeu a tributação autónoma às despesas de representação e às despesas com viaturas e, depois, a um conjunto muito diverso de realidades nos termos que hoje se encontram previstos no CIRC no Capítulo IV relativo às taxas, juntamente com a Derrama Estadual.

 

Tendo em conta o artigo 88.º do CIRC, a tributação autónoma incide, grosso modo, sobre as seguintes realidades: despesas não documentadas; encargos com viaturas; despesas de representação; ajudas de custo; importâncias pagas a não residentes; lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção; gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a relação contratual; e ainda os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes.

 

À primeira vista, parece não existir qualquer relação entre estas despesas, nem quanto ao objeto, nem quanto ao beneficiário, daquilo a que nos referiremos genericamente por gastos (sendo que a única exceção é, na verdade, os lucros distribuídos).

 

A lei do orçamento do Estado para 2014 introduziu algumas alterações na previsão das tributações autónomas [1], que, no entanto, não só não foram especialmente relevantes como não oferecem contributo para a presente discussão.

 

Há tributações autónomas previstas no CIRC e tributações autónomas previstas no CIRS. Quanto ao IRC, que aqui está em causa, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, não deixa margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

 

A coleta por elas proporcionada constitui coleta do imposto respetivo, estando sujeita à generalidade de normas previstas nos códigos referidos, potencialmente aplicáveis. 

 

Ao contrário do que por vezes se defende, as tributações autónomas não constituem, na sua génese, impostos especiais sobre o consumo, correspondendo a cada despesa um facto tributário, de formação instantânea.

 

Desde logo, porque uma tal conceção forçaria, em IRC, a que se apreciasse a respetiva constitucionalidade à luz do princípio da tributação pelo rendimento real das empresas e, por outro lado, porque não há aqui verdadeiramente uma manifestação de riqueza que deva ser tributada, além do que muitas das despesas sujeitas são também dedutíveis, reconhecendo-se assim que se relacionam com a atividade da empresa e não com gastos que manifestem capacidade contributiva.

 

As tributações autónomas têm como fundamento a presunção da existência de rendimento que deixou de ser tributado, não só em sede de IRC como de IRS. Como explica se explica na decisão do Tribunal Arbitral proferida n.º 209/2013-T, que decidiu negativamente quanto à questão da dedutibilidade das tributações autónomas como custo fiscal em sede de IRC, “trata-se de “(…) uma forma de, indiretamente e através da despesa, tributar o rendimento”.

 

A questão que interessa resolver, é, independentemente da natureza do imposto a que se referem as tributações autónomas, a de saber se o montante das tributações autónomas é “apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC”, pois, se o for, terá de se concluir que, para determinar o limite da dedução, se atende à coleta proveniente das tributações autónomas.

 

O artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

 

Por isso, ele aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária nos termos do artigo 90.º do CIRC, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A sua autonomia restringe-se às taxas aplicáveis e à respetiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efetuado nos termos do artigo 90.º.

 

As diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e a resultante do lucro tributável, assenta na determinação da matéria tributável e nas taxas, previstas nos Capítulos III e IV do CIRC, mas não nas formas de liquidação, que se preveem no Capitulo V do mesmo Código e são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

 

Por isso, sendo o artigo 90.º inserido neste Capítulo V, não se vê suporte legal para efetuar uma distinção entre a coleta proveniente das tributações autónomas e a restante coleta de IRC, pelo facto de serem distintas as taxas e as formas da determinação da matéria tributável.

 

Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas, uma explicação para o seu afastamento da respetiva coleta, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à coleta proporcionada por correções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso.

 

É certo que, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, as tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes suscetíveis de afetarem o lucro tributável e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respetiva coleta poder ser objeto de deduções.

 

O CIRC refere-se, na sua versão atual, de modo expresso, às tributações autónomas apenas em cinco artigos, nomeadamente no artigo 12.º (ao excluir as tributações autónomas da isenção de IRC aplicável às sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal), no artigo 23.º-A, n.º 1 (ao explicitar que as tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável), no artigo 88.º (ao estabelecer as taxas e ao delimitar a matéria coletável das tributações autónomas), no artigo 117.º n.º 6 (a propósito da obrigação declarativa de entidades isentas de IRC ao abrigo do artigo 9.º, quando houver lugar a tributações autónomas) e no artigo 120.º n.º 9 (quanto à declaração periódica de rendimentos). Não existe no CIRC qualquer outra referência explícita às tributações autónomas.

 

Aliás, difere a redação atual daquela que esteve em vigor até 31.12.2013 apenas na novidade do artigo 23.º-A, o qual vem estabelecer que não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação determinados encargos, sendo que a redação da alínea a) é esclarecedora: “o IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros”.

 

Ou seja, não só o legislador expressa que o IRC inclui as tributações autónomas, como não existem no CIRC, designadamente, nos capítulos que tratam da incidência (Capítulo I), liquidação (Capítulo V) e pagamento (Capítulo VI) quaisquer outras referências expressas às tributações autónomas, do que é forçoso concluir que estão sujeitas, de modo genérico, aos demais artigos previstos no CIRC.

 

A parte da coleta de IRC que provém das tributações autónomas é calculada a partir dos elementos do imposto definidos no artigo 88.º do CIRC inserido no ‘Capítulo IV – Taxas’.

 

Este artigo delimita a matéria coletável das tributações autónomas, por um lado, e, por outro lado, enuncia as taxas das tributações autónomas, que são várias, consoante a natureza da matéria coletável a que se apliquem; por dependerem do tipo de sujeito passivo (v.g., entidade sem fins lucrativos, entidades isentas, entidade que desenvolva a título principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola), e ainda são dependentes do próprio desempenho económico do sujeito passivo de IRC, ao assumirem percentagens diferentes quando se apurar lucro ou prejuízo fiscal. A coleta que provém de tributações autónomas é função do resultado tributável, calculando-se a partir de duas expressões que são o produto da matéria coletável por uma taxa dependente do resultado tributável: uma taxa mais elevada quando se apurar um prejuízo fiscal e outra, inferior, quando o resultado tributável for positivo.

 

Assim, a coleta proveniente de tributações autónomas não poderá ser determinada de modo instantâneo e imediatamente a seguir a ter-se incorrido na despesa, pois depende do próprio resultado que é - ao contrário do que a AT pretende e com apoio na decisão proferida no Processo Arbitral 113/2015-T - de formação sucessiva.

 

Também alguns gastos que não coincidem com as despesas que extinguem são sujeitas a tributação autónoma, nomeadamente as depreciações, são de formação contínua.

 

Da redação atual do artigo 23. °- A, n.º 1, alínea a), do CIRC, que foi dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, conclui-se, por interpretação literal, que as tributações autónomas são IRC (são uma parte do IRC).

 

Com efeito, o posicionamento das duas vírgulas na letra da lei, uma antes e a outra depois da expressão “incluindo as tributações autónomas” constante da atual redação do citado artigo 23. °- A, nº 1, alínea a), do CIRC, afasta a possibilidade de defender que as tributações autónomas não sejam (parte do) IRC.

 

O mesmo se conclui do articulado do artigo 12.º, quando nele se dispõe que “as sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal, não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas”, ao apresentar as tributações autónomas como um subconjunto do IRC.

 

A finalidade das tributações autónomas é dual. Visam tributar o rendimento real, corrigindo-se por isso o rendimento tributável para o aproximar daquele rendimento e, ao mesmo tempo, procuram penalizar os sujeitos passivos que através da realização de certas despesas acabam por reduzir o rendimento tributável.

 

Mas não é a finalidade, a natureza ou a incidência do imposto, a questão essencial aqui. O que interessa neste caso saber, em nossa opinião, refere-se exclusivamente ao modo com se efetua a liquidação (da parte do imposto que provém) das tributações autónomas e a de saber se estão incluídas no n. º 1 do artigo 90.º do CIRC, ou se estão fora dele.

 

Reconhecendo-se a matéria em causa como inequivocamente complexa, resultado de uma sucessão de alterações legislativas num contexto de degradação económica, através da qual o sistema, como se pode ler no Acórdão 617/12 do Tribunal Constitucional, mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procuram desencorajar, criando uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. “Em resumo”, diz o TC, “o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excecionalmente – em objeto de tributação.".

 

O facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, sublinha aquela decisão, mas a tributação ainda ocorre no âmbito do IRC. Não é só no caso das tributações autónomas, aliás, que os impostos sobre o rendimento contemplam elementos de obrigação única, como acontece com as taxas liberatórias do IRS, mas não estamos aqui, em rigor, perante um imposto de obrigação única, antes perante factos tributários que incidindo sobre as despesas dedutíveis estão indissociavelmente ligados ao apuramento e liquidação do imposto.

 

A verdade, portanto, é que, independentemente do que se considere ser o entendimento subjacente relativamente à natureza das tributações autónomas de despesas em IRC, nunca está em causa que a quantia arrecadada por via daquelas tributações autónomas o é a título de IRC.

 

Mais: o regime legal das tributações autónomas em questão apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas, por completo, de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC. É que, mesmo que se aceitasse que o facto tributário impositivo é cada uma das singulares despesas legalmente tipificadas, o certo é que não são estas, qua tale, o objeto final da tributação, a realidade que se pretende agravar com o imposto.

 

Se assim fosse, teriam de ser taxadas todas as despesas previstas, realizadas por todos os sujeitos e não apenas por alguns deles.

Ou seja, as tributações autónomas são indissociáveis dos sujeitos do imposto sobre o rendimento respetivo e, mais especificamente, da atividade económica por eles levada a cabo, o que é ainda mais evidente quando se pensa na ligação que, embora tenha variado nas sucessivas alterações legislativas, as tributações autónomas tinham e ainda têm alguma ligação com a dedutibilidade – e a efetiva dedução – das despesas tributadas.

 

Esta circunstância, crê-se, é elucidativa da imbricação existente entre aquelas e o IRC (no caso), e justificativa não só da sua inclusão no CIRC, mas, igualmente, da sua integração, de pleno direito, como parte do regime jurídico do IRC.

 

De facto, não só apenas as despesas realizadas por sujeitos passivos de IRC é que estão sujeitas à imposição de tributação autónoma em tal quadro, como tais despesas apenas o estarão, em regra (sem prejuízo, reitera-se, dos avanços e retrocessos legislativos nesta matéria) se aqueles sujeitos as elegerem como despesas dedutíveis no apuramento da matéria tributável de tal imposto [2].

 

Outro argumento de que, para o legislador, as tributações autónomas integrarão, efetiva e inequivocamente, o regime do IRC, sendo devidas a título deste imposto é o que resulta artigo 12º do CIRC, já vigente à data dos factos, que refere que: “As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal, não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas.”.

 

Por outro lado, e reforçando o que se vem de expor, o artigo 3.º da recente Lei 2/2014 de 16 de janeiro, veio aditar o artigo 23.º-A do CIRC, que sucede ao anterior artigo 45.º e ao qual, pelo que vem de se dizer, deve ser conferido, na matéria que nos ocupa, caráter interpretativo, veio dispor que:

1 — Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros”.

 

Ou seja, e em suma, o legislador entendia, e continua a entender, que as tributações autónomas integram o IRC, senão enquanto imposto stricto sensu, pelo menos em termos de fazerem parte do mesmo regime fiscal unitário.

 

Deve-se, para além de tudo o mais, ter em conta, que a norma do artigo 45.º do CIRC situa-se num contexto de ampla discricionariedade legislativa. Ou seja, na definição do que sejam encargos dedutíveis ou não dedutíveis para efeitos fiscais, o legislador fiscal goza de uma ampla liberdade concretizadora. Daí que não se possa dizer que esteja vedado ao legislador, pela “natureza” das tributações autónomas, excluí-las dos encargos dedutíveis para efeitos fiscais.

 

Entende-se, deste modo, que será legítimo ao legislador incluir ou excluir as tributações autónomas que nos ocupam daquela categoria dos encargos dedutíveis para efeitos fiscais, independentemente da “natureza” que a doutrina ou a jurisprudência lhes surpreenda.

 

A questão, devidamente situada, será então a de determinar qual a intenção do legislador, expressa no texto legislativo, compreendido no seu todo.

 

E sob este prisma, a conjugação do teor do artigo 12.º do CIRC com o artigo 45.º/1/a) do mesmo, não deixará grandes dúvidas, quanto ao entendimento legislativo de que as tributações autónomas, se não constituem IRC stricto sensu, integrarão seguramente o regime daquele imposto, e serão devidas a esse título.

 

Acresce ainda que nenhum óbice de princípio existe a que o legislador isole determinados tipos de rendimentos e lhes aplique taxas específicas, ou diferenciadas, como ocorre, por exemplo, nos casos previstos no n.º 4 do atual CIRC.

 

De igual modo, nenhum óbice de princípio existe a que o imposto em questão seja devido, liquidado e pago, não em função de um período (mais ou menos longo) de tributação, mas por força da ocorrência de factos instantâneos, como ocorre já, por exemplo, nos casos de retenção na fonte com caráter definitivo (cf. artigo 94.º/3 do CIRC).

 

De resto, nem o resultado, aparentemente tão contraintuitivo e impressionante, de poder ser devido o pagamento de imposto por via das tributações autónomas que ora nos ocupam, mesmo em caso de inexistência de um rendimento (positivo) no final do período de tributação, é coisa rara no regime do IRC.

 

Na verdade, em alguns dos já apontados casos de retenção na fonte a título definitivo, pode ocorrer o caso de o titular dos rendimentos sujeitos àquela retenção ter tido despesas que excedam os rendimentos.

 

Também no caso da operacionalidade de algumas das cláusulas antiabuso específicas (artigos 63.º a 67.º do CIRC), por força da consideração de custos, pode ocorrer que os sujeitos passivos sejam tributados por um lucro tributável ficto, na medida em que possa estar em causa a desconsideração de custos, efetivamente suportados, mas desconsiderados por abusivos. Poder-se-á dar o caso, assim, de um sujeito passivo ter de pagar IRC, não obstante ter tido, na realidade, prejuízos.

 

Tudo aquilo que se tem vindo a dizer evidencia que a evolução do regime legal do IRC transmutou-o, transformando-o numa realidade complexa e multifacetada, aos mais diversos níveis, que se reflete, na matéria que nos ocupa nestes autos, na tal dualidade de natureza, que não prejudica, contudo, que se considere que o sistema, apesar de dual, é o mesmo.

 

Dito de outro modo, apenas faz sentido falar-se de um sistema dual se o sistema em questão for, ainda, o mesmo. Caso contrário falar-se-ia não de um sistema de natureza dual, mas de dois sistemas distintos, o que, por tudo o que se vem dizendo, não será o que ocorre.

 

E, in casu, o sistema será o regime do IRC, que, operando ora pela receita, ora pela despesa, visa e prossegue as finalidades próprias daquele imposto, incluindo, evidentemente, a arrecadação de receita.

 

Reconhecem-se aqui, evidentemente, aquelas caraterísticas que já há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam:

a) a tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam, na maioria das situações, como componentes negativas do lucro tributável do IRC e é isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a coleta e, consequentemente, o imposto a pagar;

b) se trata de tratar desfavoravelmente esses gastos que, pela sua natureza, são facilmente desviados do consumo privado para o empresarial;

c) pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos, mas que continuam a evidenciar estruturas de consumo difíceis de compaginar com a saúde financeira das suas empresas;

d) modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efetiva entre contribuintes e tipos de rendimento;

e) materializar o reconhecimento de que não é fácil determinar a medida exata da componente de alguns desses gastos que corresponde a consumo privado.

 

As tributações autónomas ora em causa são, como tal, indubitavelmente entendidas pelo legislador como uma forma de obstar a determinadas atuações abusivas, que o normal funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir ou que seriam mais onerosas ou trabalhosas para a administração tributária ou, até, eventualmente, para o contribuinte.

 

Este caráter antiabuso das tributações autónomas será não só coerente com a sua natureza “anti sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva.

 

Neste prisma, como refere a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral no processo 187/2013-T, as tributações autónomas em análise terão então subjacente uma presunção de empresarialidade parcial  das despesas sobre que incidem, em função da supra apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).

 

Confrontado com esta dificuldade, o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da relação das despesas em questão com a atividade empresarial, optou por consagrar o regime atualmente vigente.

 

Esta presunção de empresarialidade parcial, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de elisão decorrente do artigo 73.º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária, o que se afigura conforme a uma adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas cuja relação com a atividade prosseguida poderá não ser, à partida, evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto.

 

Por seu lado, a própria Administração Tributária, caso o entenda e considere que o caso justifica o inerente dispêndio de meios, poderá sempre demonstrar que, relativamente às despesas em questão, e ainda que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23.º/1 do CIRC, designadamente a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

 

Face a tudo o que se vem de expor, consideramos que as tributações autónomas em crise integram o regime do IRC.

 

 

Aqui chegados debrucemo-nos sobre a questão de saber o que é dedutível à coleta resultante das tributações autónomas em IRC. A norma em crise é a do artigo 90.º do CIRS, sendo a alínea a) a que se aplica à liquidação feita pelo sujeito passivo (autoliquidação).

 

Era esta a redação do artigo resultante Lei n.º 3-B/2010 e vigente até 31.12.2013:

 

1 — A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos 

a). Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

(...)

2 — Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

 

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

 

3 - (Revogado pela Lei n.º 3-B/2010-28/04, produzindo efeitos a partir de Janeiro de 2011, no que respeita ao regime simplificado - n.º 2 do artº92 da lei referida).

4 — Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

 5 — As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 — Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 — Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

8 — Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos nºs 2 a 4.

9 — Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria coletável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

10 — A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.

 

 

Não existe no CIRC outro artigo, para além do artigo 90.º, que distinga o processo de liquidação das tributações autónomas do restante IRC. E, nestes termos, a liquidação de ambos - tributações autónomas e restante IRC - é única e tem o mesmo suporte legal. 

 

As tributações autónomas não resultam de um processo distinto de liquidação do imposto.

 

Entendido que é serem as tributações autónomas (parte do) IRC, compreende-se que seja única a liquidação de IRC, incluindo a parte que provém das tributações autónomas.

 

Há uma liquidação de IRC única que comporta duas partes: a liquidação das tributações autónomas e a do restante IRC, cada uma com matéria coletável determinada de modo próprio e com taxas de tributação próprias, mas ambas liquidadas nos termos do artigo 90.º do CIRC. Havendo uma liquidação única, conclui-se que a parte da coleta que provém das tributações autónomas é parte integrante da coleta de IRC.

 

Ao contrário, não se encontra em qualquer outro artigo do CIRC a referência à liquidação das tributações autónomas como processo distinto. Aceitar que não se inclui a coleta das tributações autónomas no artigo 90.º do CIRC, seria aceitar que existe uma lacuna na lei e, sendo esta uma lei fiscal, não permite a integração. E assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira terá porventura errado, ao não permitir a dedução dos montantes relativos ao PEC que a Requerente tinha o direito de deduzir à coleta.

 

Aceitar que a liquidação das tributações autónomas está fora do artigo 90.º n.º 1 do CIRC e, portanto, afastar da sua coleta a dedutibilidade do PEC prevista na alínea c) do n.º 2, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação se não faz nos termos da lei, contrariando o n.º 3 do artigo 103.º da CRP e o princípio da legalidade tributária que a Lei Geral Tributária, no seu artigo 8º, n.º 2, alínea a), estabelece.

 

Se a Autoridade Tributária e Aduaneira assumiu que a coleta das tributações autónomas se calculou fora do artigo 90.º do CIRC, deveria indicar a norma com base em que fez a liquidação.

 

Não havendo norma sobre liquidação das tributações autónomas separada, parece ter de aceitar-se que a coleta de IRC a engloba, incluindo-se no artigo 90º, n.º 1 do CIRC, sendo, portanto, dedutível o pagamento especial por conta referido na alínea c) do n.º 2.

 

Note-se, aliás, que nos números seguintes daquele artigo 90.º o legislador se preocupou em enunciar várias exceções e limites à regras da dedutibilidade do número 2. No número 4, quando prevê que “apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC”, o é revelador: compreende-se que assim, seja, porque é na coleta de IRC que se pretende deduzi-las, ou, no número 7, quando prescreve que das deduções à coleta a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar, de uma forma geral e sem distinguir a coleta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma, valor negativo.

 

Em nenhuma delas - e seria este, indubitavelmente, o local certo – e em nenhuma outra norma se refere a qualquer limitação à dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à parte da coleta de IRC que resulta das tributações autónomas, sendo, portanto, forçoso concluir que não quis fazê-lo.

 

Note-se, aliás, que, embora alterado o artigo 90.º com a Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o CIRC, o que aqui se disse não só perdura como, de um ponto de vista interpretativo, sai até reforçado, porquanto o legislador aditou algumas limitações e exceções às deduções à coleta previstas no número 2 e voltou a não se referir à parte da coleta que resulta da aplicação das taxas de tributação autónoma.

 

Verifica-se, porém, que o sistema informático não permite a dedução dos PEC à parte da coleta de IRC proveniente das tributações autónomas. O facto de as formas da determinação da matéria coletável e de as taxas das tributações autónomas de IRC serem estabelecidas separadamente e serem diferentes das do restante IRC não parece ser razão suficiente, nem ter suporte legal, para a solução informática existente.

 

Referências ao disposto no artigo 16.º do CIRC parecem nada acrescentar à resolução da questão em apreço.

 

Este artigo não contém os elementos que permitem desenhar a declaração modelo 22, escolher quais as linhas que nessa declaração figuram, nem a ordem pela qual devem ser apresentadas, nem como estão relacionadas as várias linhas, isto é, não permite fixar as fórmulas subjacentes ao preenchimento pelo contribuinte das células da declaração que a Autoridade Tributária e Aduaneira através dos seus serviços, nela criou.

 

Teríamos de procurar noutros artigos do CIRC tais elementos que permitissem desenhar o impresso e estabelecer os cálculos que levassem ao conhecimento da coleta do imposto.

 

Considerar que a liquidação das tributações autónomas está fora da coleta que se calcula pelo artigo 90º. n.º 1 do CIRC, é aceitar que tal entendimento estaria previsto noutro preceito legal e, como este não existe, a liquidação não pode deixar de ser efetuada no âmbito do artigo 90.º do CIRC.

 

Assim, terá de aceitar-se a dedução PEC à coleta de IRC, nela se incluindo necessariamente a parcela proveniente das tributações autónomas.

 

Apoiamo-nos, a esse propósito, no que foi decidido pelo Tribunal Arbitral constituído bem como na declaração de voto de vencida proferida no Processo 697/2014-T.

 

Aqui chegados, há que analisar a questão do n.º 21 do artigo 88º do CIRC, introduzido pela Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2016 (Lei 7-A/2016, de 30 de março).

 

Na verdade, foram aditados por esta Lei vários números ao artigo 88.º do CIRC, que se refere às tributações autónomas, entre eles o número 21, segundo o qual “A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”

 

E, no artigo 135.º, dispõe o legislador que “a redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos números 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa.”

 

A Administração Tributária entende que a nova redação do artigo 88.º impede a dedução, nos termos do artigo 90.º, dos pagamentos especiais por conta à coleta que resulte das tributações autónomas.

 

O que, no nosso entender, não é evidente. O artigo 90.º não foi alterado, continua a referir-se à coleta de IRC e, por tudo o que atrás se deixa dito, a coleta que resulta da aplicação das normas do artigo 88.º é coleta de IRC.

 

O que o número 21 do artigo 88.º proíbe é que, a esta coleta, se efetuem quaisquer deduções até ao momento em que, apurada a coleta global de IRC, se efetuam as deduções do artigo 90.º.

 

Aceita-se que o legislador quisesse, de facto, proibir que as deduções do artigo 90.º fossem efetuadas à parte da coleta de IRC que resulta das tributações autónomas, mas se assim era, deveria tê-lo dito claramente, para o que melhor seria alterar o artigo 90.º e não o artigo 88.º.

 

O que nos leva a concluir que, se o regime não era claro antes da publicação da Lei 7-A/2016, de 30 de março, continua a não o ser.

 

Não nos cabe, porém, analisar aqui de forma mais aturada o regime que atualmente resulta do disposto no número 21 do artigo 88.º do CIRC.

 

Cabe-nos, isso sim, porque estão em causa liquidações de IRC dos exercícios de 2011 e 2012, analisar qual o efeito que aquele número e o carácter interpretativo que é atribuído pelo legislador à sua introdução em 2016 têm sobre os factos em apreço.

 

Vigora na codificação substantiva nacional um princípio de não retroatividade, que é constitucionalmente consagrado quanto à lei fiscal.

 

Acontece que uma lei interpretativa não é, dita o artigo 13º, n.º 1, do Código Civil, retroativa.

 

Nos termos ali prescritos, para que uma lei nova – como é, no caso em apreço, o número 21 do artigo 88.º do CIRC - possa ser realmente interpretativa são necessários dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta. E é um facto que a decisão que se impõe a este Tribunal tem carácter controvertido.

 

Necessário é, porém, também, que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei.

 

Pelo que se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora [3].

 

Não basta que o legislador expressamente confira à lei nova carater interpretativo para que ela se aplique à questão controvertida que surgira antes da entrada em vigor da lei nova putativamente interpretativa para que o julgador esteja obrigado a aplicá-la ao caso concreto.

 

É necessário que o julgador se sentisse habilitado, em face do texto antigo, a adotar a solução que a lei agora preconiza.

 

Norma interpretativa, portanto, é norma que não altera qualquer conteúdo ou elemento da norma interpretada, vem tão só traduzir o seu significado.

 

Uma norma que altera o sentido, conteúdo ou o alcance da norma interpretada não estará a interpretar, antes a modificar a regra, criando nova norma, instituindo novos direitos, deveres e obrigações.

 

Sendo certo que até a norma interpretativa deve respeitar os direitos adquiridos sob a vigência da norma interpretada, particularmente em questões relativamente às quais a proibição de retroatividade está especialmente consagrada na Constituição, como é o caso na lei fiscal, cuja retroatividade está proibida pelo n.º 3 do artigo 103.º da CRP.

 

Convicção que já expressámos em decisão anterior, mas que vemos agora reforçada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional 267/2017.

 

Neste contexto, a emissão pelo legislador de lei interpretativa, com efeitos retroativos, só é concebível quando sem qualquer dúvida se limite a simplesmente reproduzir (= produzir de novo), ainda que com outro enunciado, o conteúdo normativo interpretado, sem modificar ou limitar o seu sentido ou o seu alcance.

 

Isso, bem se percebe, é hipótese de difícil conceção, quase inconcebível, a não ser no plano teórico, ainda mais quando se considera que o conteúdo de um enunciado normativo reclama, em geral, interpretação sistemática, não podendo ser definido isoladamente. Interpretar uma norma é interpretar um sistema inteiro: qualquer exegese comete, direta ou obliquamente, uma aplicação da totalidade do Direito [4].

 

No caso sub judice, por tudo o que se deixou já explicitado supra, entende-se que o texto da lei em vigor à data dos factos em crise não permitia que se concluísse que estava vedada a dedução dos pagamentos especiais por conta à parte da coleta de IRC que resultava das tributações autónomas.

 

Isto porque, como dissemos supra, o legislador em lado algum apontava para essa solução e, no artigo 90.º do CIRC, não distinguia, no que respeita às deduções possíveis à coleta de IRC, aquela que resultava das tributações autónomas da restante. E onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir.

 

Aliás, como acima se deixou dito, entende-se que essa solução ainda não é, de forma suficientemente clara, a que resulta do número 21 do artigo 88.º do CIRC e que, portanto, a dúvida ainda se mantém.

 

O legislador, na verdade, no artigo 90.º, quanto à possibilidade das deduções lá prevista, continua a não distinguir, no que respeita às deduções possíveis à coleta de IRC, aquela que resultava das tributações autónomas da restante. Se é o que pretende fazer com o novo número 21 do artigo 88.º, a redação não é clara e o artigo está sistematicamente mal inserido. Podia e devia o legislador ter sido mais claro quanto às deduções que proíbe e à querela à qual pretendia colocar fim quanto declara que atribui caráter interpretativo a esta – entre outras – nova norma.

 

Entendemos, pois, que o número 21 do artigo 88.º do CIRC não tem caráter interpretativo no que respeita à questão em discussão, não se aplicando a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor, nomeadamente, aos factos e liquidações sub judice.

           

Termos em que se conclui que os atos de autoliquidação de IRC relativos aos exercícios de 2011 e 2012, na medida correspondente à não dedução de parte da coleta do IRC enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, o mesmo sucedendo com a decisão do pedido de revisão oficiosa, na parte em que não reconheceu essa ilegalidade.

 

Fica, pois, prejudicada a análise da questão suscitada pela Requerente quanto à eventual ilegalidade e consequente anulação da liquidação das tributações autónomas, por ausência de base legal para a sua liquidação.

 

            Dos juros indemnizatórios

 

Finalmente, tratemos do pedido formulado pela Requerente de reembolso das quantias que aqui se julgaram já indevidamente (auto)liquidadas e pagas e do invocado direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre essas quantias.

 De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão, de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

Ora, é pacífico que o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como resulta do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 4 do CPPT.

 

Assim, o n.º 5 do artigo. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos artigos. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

Quanto aos juros, o regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

Ora, no caso em apreço, a ilegalidade das autoliquidações é totalmente imputável à AT, Requerida, face ao que foi supra dado como provado relativamente à estrutura da declaração Modelo 22 do IRC no sistema informático da AT, organização que é, naturalmente, da total responsabilidade desta, que não permitia à Requerente efetuar a autoliquidação nos termos que aqui se jugaram serem os legais.

 

Por outro lado, também a manutenção da situação ilegal, i.e., a decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.

 

Tendo resultado das autoliquidações em crise imposto a recuperar, deve entender-se que o pagamento está efetuado desde a data da apresentação de cada uma daquelas declarações.

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, desde 1 de setembro de 2013 quanto a 53.911,36 €, e desde 1 de setembro de 2014, quanto a 70.815,83 €, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde aquelas datas até integral pagamento.

 

 

6. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar totalmente procedentes os pedidos principais da Requerente e, em consequência:

 - anular, por ilegais, as autoliquidações em crise;

 - condenar a Requerida a reembolsar a Requerente no montante 258.199,55€ (duzentos e cinquenta e oito mil cento e noventa e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos) e, ainda, a pagar-lhe juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, contados desde as datas de cada um dos pagamento efectuados pela Requerente e até efetivo e integral reembolso.

* * *

Fixa-se o valor do processo em 258.199,55€ (duzentos e cinquenta e oito mil cento e noventa e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.

O montante das custas é fixado em 4.896,00 € (quatro mil oitocentos e noventa e seis euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

Notifique-se.

Lisboa, 14 de julho de 2017,

 

Os Árbitros,

 

José Baeta de Queiroz

 

Luís Pereira da Silva

 

Eva Dias Costa

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.



[1] Quanto às disposições legais, referir-nos-emos, sempre que não haja ressalva expressa, à redação do CIRS que vigorou até 31.12.2013, tendo em conta as disposições transitórias do artigo 12.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.

 

[2] Dizemos m regra porque há hoje, é sabido, exceções. É o caso das despesas com viaturas, as quais estão sujeitas a tributação autónoma ainda que nãos sejam dedutíveis (ex. amortização de viaturas cujo custo de aquisição ultrapassa o limite de dedutibilidade – a amortização contabilística da parte custo acima do limite também está sujeita a tributação autónoma).  

[3] Vejam-se, a esse propósito, os ensinamentos de Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pp. 246 e ss.

[4]Cf. Juarez Freitas, A Interpretação Sistemática do Direito, SP, Malheiros, 1995, p. 47.