Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 12/2021-T
Data da decisão: 2022-03-14  IRC  
Valor do pedido: € 817.376,95
Tema: IRC - Gastos e perdas em subsidiárias; Gastos relativos a exercícios anteriores; Trabalhos especializados – Consultoria.
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Sumário:

I. Não é dedutível nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC um gasto suportado pela sociedade mãe que corresponde à cobertura de uma perda de valor de uma participação detida por uma sociedade sua participada;

II. Não é dedutível ao lucro tributável a regularização do erro contabilístico que influenciou negativamente a sua determinação e que resultou num benefício ou vantagem económica para Requerente que não seria devida se o mesmo não tivesse sido praticado.

III. Não é dedutível nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC um gasto que é incorrido pela sociedade mãe no interesse directo e imediato de uma sociedade sua participada e que não lhe foi imputado ou redebitado.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Manuel Luís Macaísta Malheiros (presidente), João Taborda da Gama e Carla Castelo Trindade (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral colectivo, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

            1. A Requerente, a, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua …, n.º …, … Lisboa (doravante Requerente ou A....) apresentou pedido de pronúncia arbitral a 5 de Janeiro de 2021.

 

            2. Nenhuma das partes indicou árbitro, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído por despacho do Presidente do CAAD de 21 de Maio de 2021, que designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

            3. A Requerida (AT) apresentou a sua resposta e juntou o processo administrativo a 23 de Junho de 2021.

 

            4. As testemunhas arroladas pela Requerente foram inquiridas a 14 de Setembro de 2021.

 

            5. A Requerente apresentou alegações a 27 de Setembro e a AT a 8 de Outubro de 2021.

 

II. PEDIDO

 

            6. A Requerente, tendo sido notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRC n.º 2019 …, relativa ao exercício de 2016, bem como contra as respectivas liquidações de juros com os n.ºs 2019 …, 2019 … e 2019 … e contra a demonstração de acerto de contas n.º 2019 …, veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 3.º, 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, apresentar pedido de pronúncia arbitral dirigido à apreciação da (i)legalidade do referido acto de indeferimento da reclamação graciosa e dos actos de liquidação adicional de IRC de 2016, bem como das respectivas liquidações de juros e demonstração de acerto de contas que lhe estão subjacentes.

 

III. SANEAMENTO

 

            7. O Tribunal é competente, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

            Não existem excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.

 

IV. DO MÉRITO

 

IV.1. MATÉRIA DE FACTO

IV.1.1. Factos provados

 

8. Os factos pertinentes para a decisão do litígio foram seleccionados em função da sua relevância jurídica, face às soluções plausíveis das questões de direito.

            Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e pela Requerida, no processo administrativo e no depoimento das testemunhas apreciado em correlação com os documentos juntos aos autos.

            A convicção do tribunal fundou-se igualmente nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não se entende posta em causa, e no acervo probatório carreado para os autos, o qual foi objecto de uma análise crítica e de adequada ponderação, à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e de razoabilidade.

Os factos provados relevantes para decisão da causa são os seguintes:

  1. A Requerente é um sujeito passivo de IRC que tem como objecto social o “comércio de comissões e consignações, podendo também participar em negócios de outras empresas singulares ou coletivas, ou associar-se com elas, subscrevendo ou adquirindo acções, quotas ou partes sociais”;
  2. A Requerente não se encontra constituída sob a forma de SGPS;
  3.  A partir do ano de 2009 a Requerente, enquanto entidade “holding” do grupo B…, traçou um novo rumo na sua orientação estratégica, reposicionando-se como “holding” de investimentos e lançando as bases de um processo de centralização da sua actividade na área financeira;
  4. Os efeitos decorrentes do contexto inesperado de crise foram significativos e implicaram que a Requerente tivesse de apresentar, no final de 2019, um processo especial de revitalização (“PER”) destinado a assegurar o seu saneamento financeiro;
  5. A Requerente procedeu à apresentação (a 31 de Maio de 2017), da sua declaração periódica de rendimentos referente ao período de tributação de 2016;
  6. Através desta declaração a Requerente apurou um montante de imposto a pagar de € 62.553,61;
  7. O montante do imposto apurado foi entregue aos cofres do Estado a 25 de Outubro de 2017;
  8. A Requerente foi objecto de uma acção de inspecção tributária em sede de IRC, com referência ao período de 2016;
  9. A Requerente a 28 de Maio de 2019 foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária, o qual continha um conjunto de propostas de correcção ao seu lucro tributável;
  10. A Requerente exerceu o seu direito de audição presencial nas instalações da AT a 17 de Junho de 2019;
  11. Do exercício do direito de audição não resultou qualquer alteração ao projecto de relatório;
  12. A Requerente foi notificada a 16 de Agosto de 2019 do relatório final de inspecção tributária;
  13. Na sequência desta inspecção tributária, e em conformidade com o relatório final, a AT apurou um montante de imposto e juros a seu favor de € 1.031.621,72;
  14. A AT deduziu àquele valor o montante que havia sido anteriormente pago de € 62.553,61 apurando assim o montante adicional de € 969.068,11;
  15. Os montantes de imposto e juros (compensatórios e de mora) contestados permanecem pendentes de pagamento, estando garantidos por obrigações C… e D… empenhadas pela Requerente;
  16. A Requerente contestou as seguintes correcções em sede de reclamação graciosa:

 

  1. A AT nega a dedutibilidade para efeitos fiscais de um gasto registado com uma subsidiária, a Sociedade E.... , S.a.r.L. (“E.... ”);
  2. No relatório de inspecção consigna-se que “(...) registado na conta #68581 – Outros gastos e perdas em subsidiárias o valor de 5.245.838,00 €, relativos a um acordo de indemnização realizado entre a A.... e a Sociedade E.... , S.a.r.L (E.... , S.a.r.L), relevando o mesmo montante para efeitos de determinação do lucro tributável (...)” sendo o movimento relativo “(...) à venda da participação no Banco F...”;
  3. A 12 de Julho de 2013, a Requerente formalizou um contrato de compra e venda de 50% das acções do Banco F... (“F...”) com a Banca G… (“G...”), o qual ficou dependente da verificação de um amplo conjunto de condições prévias, incluindo a obtenção das autorizações necessárias por parte das autoridades reguladoras espanholas;
  4. Na mesma data, a Requerente e a G... celebraram ainda um Acordo de Parceria destinado a regular as suas futuras relações enquanto accionistas do F...;
  5. A 9 de Julho de 2015, a Requerente assinou uma extensão do contrato de compra e venda de acções do Banco F... e, ainda, um novo Acordo de Parceria com a G... (“acordo parassocial”), que revogou e substituiu o Acordo de Parceria anterior, assinado em 12 de Julho de 2013, tal como foi devidamente declarado na página 147 do relatório de contas de 2015 da Requerente;
  6. Nos termos deste Acordo, ficou acordada a aquisição pela Requerente de uma participação de 49,99999936% no F... à G..., por um valor de € 21.077.293,85, a produzir efeitos após a verificação de um conjunto de condições prévias;
  7. Naquele mesmo Acordo passou a ser exigido que o Grupo empresarial da Requerente mantivesse, pelo menos, uma posição de 20%, ou que a diferença entre a posição da Requerente e a da G... não fosse superior a 20%, sendo que o incumprimento destes requisitos despoletaria a resolução do Acordo Parassocial;
  8. A 8 de Janeiro de 2016, a Requerente concretizou a compra do F..., com recurso a um financiamento do H...;
  9. No dia 8 de Janeiro de 2016, a Requerente efectuou uma entrada de capital em espécie para o capital social da E....  (“E.... ”), sob a forma de prémio de emissão, utilizando para o efeito a participação no F..., avaliada em € 35.245.838 pela sociedade I…, International Corporate Finance em Dezembro de 2015;
  10. Esta entrada de activos gerou uma mais-valia fiscalmente relevante de € 13.522.378,72 que a Requerente incluiu na sua declaração do exercício de 2016, no campo 739, sobre a qual foi pago o imposto devido;
  11. A 11 de Março de 2016, o F... e o J... Investor and Treasury Services (“J... I&TS”), que integra o grupo J… (“J...”), chegaram a um acordo para a aquisição pelo F... do negócio desenvolvido pelas subsidiárias espanholas do J... I&TS (o banco J... España e J...);
  12. A Requerente assinou, a 26 de Abril de 2016, um “indemnity agreement” com a E.... , comprometendo-se perante o mercado a compensar a E....  por uma eventual perda de valor em que a mesma viesse a incorrer em relação ao seu valor base de € 35.245.838,00 (deduzida do montante dos dividendos que eventualmente tivesse recebido do F...), apurada quer no contexto de uma alienação total ou parcial da participação no F..., quer no âmbito de uma avaliação independente em determinadas condições;
  13. Para evitar a diluição da sua participação no F..., bem como para reforçar o seu valor de balanço e, por inerência, o valor de balanço da Requerente, a E....  vendeu a 13 de Julho de 2016, o F... à G... pelo montante global de 30 milhões de euros;
  14. Os fundos obtidos pela E....  com a venda foram distribuídos à Requerente, a qual amortizou 19,6 milhões de euros de capital e juros, relativos ao empréstimo obtido junto do H... para financiar a compra da posição no F..., tendo esta operação, em termos globais, gerado para a Requerente um retorno positivo de aproximadamente 8,3 milhões de euros face ao valor de aquisição;
  15. A E....  concretizou, em 13 de Julho de 2016, a venda do F... à G... por 30 milhões de euros. A E....  ao ter vendido por esse montante um activo que estava registado no seu balanço por € 35.245.838,00, registou uma menos-valia de € 5.245.838,00;
  1. Segundo o relatório de inspecção, a ora Requerente “(…) deduziu, no apuramento do resultado fiscal de 2016, o valor de € 519.932,63, ao inscrever o referido montante no campo 756 – Correcções Relativas a Períodos de Tributação Anteriores do quadro 07 do modelo 22”;
  2. A Requerente aceita e não contesta as correcções relativas a “Ganhos não especificados e relativos a exercícios anteriores” no montante de € 72.229,55, pelo que o valor que se contesta é, somente, de € 447.703,08;
  3. Segundo o relatório de inspecção “Os lançamentos contabilísticos efectuados pela A...., constituíram o desreconhecimento de dívidas a terceiros através de resultados. O sujeito passivo diminuiu um passivo por contrapartida de um ganho.” E, ainda, “(...) Na esfera das sociedades que concedem o perdão de dívida, o mesmo constituí uma liberalidade das referidas sociedades que para efeitos de IRC não concorre para a formação do lucro tributável, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 24.º do CIRC”;
  1. A Requerente foi registando um passivo por contrapartida da entrada do dinheiro em caixa;
  1. A K... –, SGPS, SA (“K...”) abateu cada um destes pagamentos ao valor que tinha de prestações suplementares a pagar à Requerente, ficando esta conta saldada;
  1. Quanto a uma factura emitida por L... Capital Ltd., no montante de € 360.000,00, que conta com a descrição “Advisory services rendered in connection with the sale of a 49,99% stake in Banco F..., S.A.” é entendimento da AT no relatório de inspecção, que a dedutibilidade do gasto aqui em causa não deve ser admitida para efeitos fiscais, por considerar que os serviços de assessoria não estão justificados e constituem encargo de outra empresa, concretamente, da E.... ;
  2. A Requerente não invoca qualquer vício de forma, relativamente ao indeferimento da reclamação restringindo-se aos precisos vícios materiais de lei em relação ao indeferimento;
  3. Não foi admitida a dedutibilidade ao lucro tributável de € 5.245.838,00, que foi registado, com data de 31.12.2016, na conta #6858 – Outros gastos e perdas em subsidiárias, tendo como descritivo “reconhecimento perda venda F... E.... Lux”;
  4. Os antecedentes relativos a este registo comportam a aquisição pela Requerente de 49,99999936% do Banco F..., por € 21.077.293,85 acrescido de juros calculados à taxa de 5% a partir de 28 de Maio de 2015, até à data da celebração do contrato de compra e venda das acções, formalizado a 08 de Janeiro de 2016, coberto com recurso a um financiamento do H...;
  5. No mesmo dia da aquisição da participação no Banco F... pela Requerente foi transferida para a sociedade E.... , S.a. r. L., veículo utilizado para a detenção da participação no F..., constituído no Luxemburgo - mediante a realização em espécie de um aumento do capital social sob a forma de prémio de emissão, no montante de € 35.245.838, implicando a transferência de todos os direitos e obrigações associados à participação alienada;
  6. Esta operação gerou uma mais-valia fiscalmente relevante de € 13.522.378,72, acrescida ao lucro tributável na declaração de rendimentos modelo 22 do exercício de 2016.[1];
  7. Conforme é descrito no RIT, o contrato de cessão contratual à E....  das acções do Banco F..., realizado a 8 de Janeiro de 2016, não previa qualquer compensação por redução do valor da referida participação, a qual só veio a ser estabelecida com a formalização entre ambas as sociedades, a 26 de Abril de 2016, do designado Indemnity agreement“, celebrado enquanto decorriam os contactos com potenciais investidores na E.... , que assegurava uma compensação, caso a valor da participação fosse inferior ao valor de aquisição pela E....  a adquiriu à Requerente;
  8. No preâmbulo do “Indemnity Agreement” - Considerando (H) – é explicitado que o objecto era o da cobertura de riscos de terceiros decorrentes de uma eventual desvalorização do Banco F...;
  9. A 13 de Julho de 2017, a participação no Banco F... foi alienada por € 30.000.000, mas, como estava avaliada na E....  por € 35.245.838,00, gerou uma menos-valia de € 5.245.838,00;
  10. Consta do RIT que a dita compensação da E.... , conquanto tenha sido reflectida nos resultados da Requerente no período de tributação de 2016, não se encontrava paga até à data da elaboração daquele Relatório;
  11. A Requerente alega que os potenciais investidores no projecto do Banco F... no contexto do aumento de capital “levantaram a preocupação de obter uma garantia adicional pela Requerente sobre o valor do investimento da E....  no F..., ou, por outras palavras, sobre o valor da própria E....  (visto que a participação no F... era o único activo da subsidiária)”:
  12. Afirma a AT na fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa:

(…) de toda a documentação apresentada e do alegado, não se encontra demonstrada a contabilização, embora descrita de forma muito vaga, relativa à anulação das prestações suplementares da K..., aquando da alienação das suas acções, nem a contabilização subsequente, relativa aos reembolsos das prestações suplementares, até à anulação dos "créditos erradamente registados".

54. Pelo que concordamos com os SIT quando estes referem que não ficou demonstrado como foi efetuada a contabilização das alegadas operações, nem justificada a dedução no quadro 07 do Modelo 22.

55. De referir ainda que a Reclamante justificou em primeiro lugar a dedução no quadro 07 do Modelo 22 como contrapartida do acréscimo na esfera da M... no mesmo montante de € 447.703,08 no campo 722 - "Créditos incobráveis não aceites como gastos" do Q07 do seu Modelo 22, sendo que tal acréscimo também não se encontra devidamente justificado ou demonstrado para que se possa retirar deste facto qualquer conclusão.

56. Portanto, também pelo facto das operações havidas terem incluído a M..., sem que fique esclarecido a que título ou demonstrada toda a factualidade inerente, outra não pode ser a solução senão a de não se aceitar a dedução do valor de € 447.703,08 no Q07 por parte da Reclamante, pelo esta correcção deve ser mantida.”

 

IV.1.2. Factos não provados

 

9. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos relevantes que não se tenham provado.

 

IV.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

IV.2.1. Considerações prévias sobre a ordem de conhecimento dos vícios alegados

 

            10. Quanto à ordem de conhecimento dos vícios dispõe o artigo 124.º, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT que o Tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação. Quanto a estes últimos, a apreciação dos vícios é feita pela ordem indicada pela Requerente, desde que se estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público. Na falta da referida relação, deverão ser conhecidos prioritariamente os vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, uma tutela dos interesses ofendidos mais estável ou eficaz.

            Tendo em conta que não foram invocados pela Requerente vícios específicos relativamente ao procedimento de reclamação graciosa, a análise da ilegalidade do respectivo indeferimento será abrangida pela análise de mérito quanto a cada uma das ilegalidades imputadas pela Requerente às correcções realizadas pela AT.

            Assim sendo, será apreciada em primeiro lugar a ilegalidade invocada quanto à correcção dos gastos deduzidos pela Requerente com a sociedade subsidiária E.... , em segundo lugar será apreciada a ilegalidade da correcção relativa a ganhos não especificados pela Requerente relativos a exercícios anteriores e, em terceiro lugar, será apreciada a ilegalidade da correcção relativa à dedutibilidade das despesas com trabalhos especializados de consultoria.

 

IV.2.2. Gastos deduzidos pela Requerente com a sua subsidiária E....

 

            11. Quanto a este ponto cumpre apreciar a legalidade da correcção realizada pela AT que negou a dedutibilidade fiscal dos gastos incorridos com o pagamento de uma compensação pela Requerente à sua subsidiária E... no âmbito do “indemnity agreement”, com fundamento na falta de preenchimento dos pressupostos de dedutibilidade de gastos previstos no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC.

            Antes de se analisar a legalidade desta correcção cumpre referir, de forma sumária, aquela que é a posição das partes a este respeito.

 

            12. Para fundamentar a sua posição começou a Requerente por fazer um conjunto de considerações sobre aos motivos subjacentes à aquisição à G..., em 8 de Janeiro de 2016, de uma participação no F... com recurso a um financiamento do H.... De acordo com a Requerente, a aquisição daquela participação à G... teve subjacente contratos de compra e venda e acordos de parceria celebrados entre ambas, nos termos dos quais a Requerente se vinculou a adquirir uma participação de 49,99999936% no F... por um valor de € 21.077.293,85 e, bem assim, a garantir que o seu Grupo empresarial mantinha, pelo menos, uma posição de 20%, ou que a diferença entre a posição da Requerente e a da G... não seria superior a 20%, sob pena de resolução do acordo de parceria com a consequente perda de um conjunto de direitos que, segundo a Requerente, enfraqueceriam a sua posição. No mesmo dia em que adquiriu aquela participação, isto é, em 8 de Janeiro de 2016, a Requerente efectuou uma entrada de capital em espécie, sob a forma de prémio de emissão, para o capital social da sua subsidiária E.... , utilizando para o efeito a participação no F... avaliada em € 35.245.838, tendo essa entrada de activos gerado uma mais-valia fiscalmente relevante de € 13.522.378,72, que foi sujeita a tributação e sobre a qual foi pago o imposto devido.

            Prosseguiu a Requerente com o enquadramento do contexto da venda pela E....  da participação no F... e, bem assim, das razões subjacentes à celebração entre ambas do “indemnity agreement”. Segundo a Requerente, em 11 de Março de 2016, o F... e o J... I&TS acordaram a aquisição de um negócio desenvolvido pelas subsidiárias espanholas do J... I&T, que implicou um aumento de capital de € 35.000.000,00 na esfera do F..., cuja aprovação ocorreu em 25 de Maio de 2016. Referiu a Requerente que este aumento de capital poderia levar à diluição da participação da E....  – e indirectamente da Requerente – no F..., com a consequente rescisão do acordo de parceria celebrado com a G..., fazendo do Grupo da Requerente um mero accionista minoritário com direitos políticos muito limitados e com uma posição desvalorizada. Em face deste enquadramento, referiu a Requerente que teve a necessidade de obter liquidez, mitigar a sua exposição e partilhar o risco da operação, o que procurou fazer através da angariação de investidores institucionais que participassem no aumento de capital. Porém, segundo a Requerente, estes investidores levantaram a preocupação de obter uma garantia adicional sobre o valor do investimento da E....  no F..., ou, por outras palavras, sobre o valor da própria E.... , visto que a participação no F... era o único activo da sua subsidiária. De acordo com a Requerente, foram estes os motivos que a levaram a celebrar com a E....  o “indemnity agreement”, em 26 de Abril de 2016, mediante o qual aquela se comprometeu perante o mercado a compensar a E...., através do pagamento de uma compensação por uma eventual perda de valor em que a mesma viesse a incorrer em relação ao seu valor base, caso o valor das acções do F... fossem avaliadas por montante inferior ao valor de referência ou caso a E....  vendesse as participações no F... por valor inferior ao de referência. Referiu a Requerente que, ao não ter conseguido angariar investidores, não participou no aumento de capital, de tal modo que a E....  teve de vender a participação no F..., o que apenas conseguiu fazer por € 30.000.000,00, isto é, por um valor inferior ao de referência, apurado com base na avaliação de uma entidade independente. Prosseguiu a Requerente referindo que os fundos obtidos pela E....  com a venda foram-lhe distribuídos, tendo esta amortizado 19,6 milhões de euros de capital e juros, relativos ao empréstimo obtido junto do H... para financiar a compra da posição no F..., tendo esta operação, em termos globais, gerado para a Requerente um retorno positivo de aproximadamente 8,3 milhões de euros face ao valor de aquisição. Em resultado daquela alienação a E....  registou uma menos-valia de € 5.245.838,00, cujo montante foi pago pela Requerente à E...., já que o mesmo se encontrava coberta pelo “indemnity agreement”, tendo assim a Requerente reconhecido esse encargo como gasto fiscalmente dedutível.

            Após fazer este enquadramento, alegou a Requerente que era clara e evidente a racionalidade económica e o manifesto interesse na celebração do “indemnity agreement”, já que a sua celebração não só tinha sido uma condição necessária para aumentar as hipóteses de sucesso da tentativa de angariação de investidores e liquidez para a E.... , como a Requerente tinha um interesse directo na actividade desta, já que ao deter a totalidade do seu capital os resultados da actividade da E....  implicariam perdas ou ganhos que iriam prejudicar ou beneficiar a Requerente numa relação directa e imediata. Nesta medida, ao existir um interesse da Requerente no suporte da indemnização paga à E..., ao estar esse gasto relacionado com a sua actividade e ao ter o mesmo sido incorrido tendo em vista a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, defendeu a Requerida que o mesmo seria dedutível nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC.

            Alegou também a Requerente que era a própria lei comercial que estabelecia que o suporte por uma entidade dominante dos encargos com a prestação de uma garantia a uma dominada está dentro dos fins e do interesse da primeira. Isto, para a Requerente, sem contar com a vasta jurisprudência que reconhece como fiscalmente dedutíveis os encargos incorridos pelas sociedades dominantes com as suas participadas na expectativa de obtenção de rendimentos futuros resultantes dessa relação e que entende que as holdings têm uma gestão essencialmente orientada para o lucro das sociedades que lhe estão subordinadas sem que isso implique necessariamente uma finalidade lucrativa. Jurisprudência esta que, no seu entender, lhe seria aplicável pelo facto de estar posicionada e funcionar como uma holding de investimentos do seu Grupo empresarial.

            Argumentou ainda a Requerente que a posição da AT sufragada no RIT consubstanciava uma violação da sua liberdade de gestão em nome de critérios orientados para a maximização da receita tributária, já que a AT teria justificado esta correcção referindo que a menos valia na esfera da E... poderia ter sido coberta através de um aumento de capital ou mesmo através de um empréstimo, o que não teria gerado no imediato um gasto fiscal na sua esfera.

            Em suma, concluiu a Requerente que o gasto resultante do “indemnity agreement” estava plenamente subsumido na cláusula geral de dedutibilidade de gastos prevista no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, razão pela qual esta correcção seria ilegal, devendo a mesma ser anulada.

 

            13. Quanto a este ponto, começou a AT por referir que o contrato de cessão contratual à E... das acções do Banco F... detidas pela Requerente, celebrado em 8 de Janeiro de 2016, não previa qualquer compensação por redução do valor da referida participação, a qual só veio a ser estabelecida com a formalização entre ambas as sociedades do “Indemnity agreement”, celebrado em 26 de Abril de 2016, enquanto decorriam os contactos com potenciais investidores na E.... Registou também a AT que no considerando (H) do preâmbulo do “Indemnity agreement” se explicitava que o seu objecto era o da cobertura de riscos de terceiros decorrentes de uma eventual desvalorização do Banco F..., sendo essa cobertura assegurada pelo pagamento de uma compensação da Requerente à E.... , caso a valor da participação no F... fosse inferior ao valor de aquisição pela E.... . Salientou também a AT que apesar de a venda da participação no F... ter gerado uma menos valia na esfera da E....  e, consequentemente, o pagamento de uma compensação pela Requerente à sua subsidiária cujo reconhecimento foi reflectido nos resultados da Requerente no período de tributação de 2016, a referida compensação não tinha sido paga até à data da elaboração do RIT, não obstante a imposição de pagamento que decorria do “Indemnity agreement”.

            Para a AT, ainda que fosse compreensível que os potenciais investidores no aumento de capital do F... tivessem levantado exigências quanto à obtenção de garantias adicionais prestadas pela Requerente sobre o valor do investimento da E.... , já não seria perceptível, no seu entender, qual a justificação que levou a considerar que devia ser cumprido o estabelecido no “Indemnity agreement” perante a não concretização da entrada dos potenciais investidores, quer a subscrever o aumento de capital quer títulos de dívida da E.... . Isto, na perspectiva da AT, pelo facto de a exigência de garantias suplementares visar tão-só dar satisfação aos receios dos potenciais investidores quanto à desvalorização da participação no F... e, nessa medida, na própria E.... , conforme resultava, na opinião da AT, dos considerandos do “Indemnity agreement”. Neste sentido, defendeu a AT que a frustração da entrada de potenciais investidores no aumento de capital tinha como consequência o desaparecimento da razão de ser da exigência de garantias suplementares, já que se teria extinguido o compromisso assumido pela Requerente perante aqueles investidores que visava assegurar um valor mínimo da participação no F.... A estas considerações acrescia o facto de, no entender da AT, ser a própria Requerente a assumir a existência de um nexo de causalidade entre a não angariação de investidores e a decisão de venda da participação no F....

            Concluiu assim a AT que, por um lado, não se podia considerar que a menos-valia apurada pela E....  na venda da participação do F... estava abrangida pelo compromisso assumido no “Indemnity agreement”, já que o mesmo deixou de fazer sentido com o abandono da estratégia de investimento delineada para a E....  que visava atrais investidores e, por outro lado, que mesmo que o projecto de captação de investidores para a E....  tivesse sido conseguido, o pagamento de uma eventual compensação por desvalorização da participação no F... não poderia ser considerado como gasto imputável ao lucro tributável do período de tributação em que fosse realizada. Isto na medida em que, para a AT, a perda (menos-valia) poderia ser compensada através de um aumento de capital ou através de um empréstimo, sem gerar no imediato uma perda para a Requerente, sendo que no entender da AT a compensação da perda apurada na esfera da E....  com a venda da participação no F... consistia, na prática, a cobertura de uma perda/prejuízo de uma participada. Ainda para mais, segundo a AT, quando o único activo da E....  era a referida participação no F..., de tal modo que o resultado contabilístico do exercício de 2016 correspondia grosso modo àquela perda.

            Tendo por base a jurisprudência arguiu a AT que a cobertura pela Requerente de prejuízos com a sua participada E....  traduzia-se numa forma de financiamento que, em termos económicos, é substancialmente idêntica a um aumento de capital, não se integrando no conceito de custos fiscais da Requerente, sem contar que a E....  não perdia o direito ao reporte dos prejuízos incorridos. Recorrendo uma vez mais à jurisprudência sustentou a AT que não se enquadram no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC os gastos assumidos por uma sociedade que sejam contabilística e fiscalmente reconhecidos na esfera de uma sua participada. Assim, de acordo com a AT, ao ter a Requerente registado uma perda gerada na alienação de um activo na titularidade de outra entidade – a E....  –, a mesma não teria sido incorrida para garantir a obtenção de rendimentos ou ganhos sujeitos ao IRC. E, no entender da AT, tal conclusão não era colocada em causa pelo facto de a assunção do prejuízo com a menos-valia poder vir a gerar rendimentos através da distribuição de dividendos conforme sustentou a Requerente, já que após a alienação da participação no F... a E....  ficou sem qualquer outro activo, não tendo realizado outras operações no decurso do exercício de 2016. Significa isto que, para a AT, não se esperava que aquela alienação viesse a contribuir para a obtenção de qualquer rendimento ou ganho sujeito a imposto na esfera da Requerente. Defendeu também a AT que o argumento da Requerente de que a assunção da perda originada na esfera da E....  iria contribuir para a obtenção de rendimentos por via da posterior distribuição de dividendos desconsiderava a autonomia jurídico-tributária das entidades que integram o grupo. Isto sem contar que no quadro da aplicação do método da equivalência patrimonial constante do n.º 8, do artigo 18.º, do Código do IRC os gastos/perdas ou os rendimentos/lucros das sociedades participadas não são imputados à sociedade mãe.

            Esclareceu ainda a AT que a designação do pagamento da compensação ou a cobertura da perda realizada pela Requerente enquanto “liberalidade” resultava do facto e a compensação não se inserir num acto negocial e de ter sido efectuada por acto de vontade unilateral com o intuito de beneficiar a sua participada E....

            Por fim, argumentou a AT que a jurisprudência invocada pela Requerente em seu abono não era transponível para o presente caso, uma vez que o que estava ali em causa eram operações de financiamento não remunerado concedido a sociedades participadas, no âmbito das quais a sociedade-mãe suporta os encargos financeiros inerentes à obtenção dos meios financeiros que são colocados à disposição das participadas.

            Em suma, concluiu a AT que a perda registada pela Requerente a título da compensação da menos-valia realizada na esfera da sociedade participada E... não preenchia os requisitos de dedutibilidade de gastos previstos no n.º 1, do artigo 23.º, do Código IRC, devendo a correcção efectuada ser mantida na ordem jurídica, não implicando tal posição uma restrição da liberdade de gestão da Requerente porque o que estava em causa era o respeito pela autonomia jurídica de cada sociedade do grupo e a estrita consideração na determinação do lucro tributável das perdas resultantes da alienação de bens ou valores que façam parte do activo empresarial.

 

            14. Uma vez referidas as posições das partes, cumpre então determinar se os gastos resultantes do pagamento da compensação pela Requerente à E... são ou não fiscalmente dedutíveis. Para o efeito, haverá que ter em conta previamente o motivo subjacente à celebração do “Indemnity Agreement”, bem como os termos em que se processou o pagamento da indemnização nele prevista, para que se esteja em condições de sindicar a conformidade deste gasto com o disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC.

            Do “Indemnity Agreement” constava, ao que aqui importa, o seguinte:

3. Should at any date:

(i) the fair market value of the F... Stake, as appraised by a reputable independent third party approved by both Parties, fall below the Reference Value (an “Appraisal”) plus any income accruing to E....  from the F... Stake since the aquisition, if any; or

(ii) E....  dispose of the F... Stake, or any fraction thereof, to any party not belonging to the B… Group, for less than the Reference Value plus any income accruing to E....  from the F... Stake since the acquisition, if any, or for less than the proportion of the Reference Value corresponding to the fraction disposed of, as the case may be (a “Disposal”),

A.... shall indemnify and hold E....  harmless against such loss in value by paying a lump‑sum compensation corresponding to the amount of the loss (the “Loss”), on a Euro per Euro basis (the “Compensation”). Irrespective of the time elapsed since the contribution referred to in (D), the Compensation shall not be adjusted for inflation nor accrue any interest or any other form of remuneration, being confined to the nominal amount of the loss.

4. The Compensation will not entitle A.... to any issuance of share capital, share premium or any other form of remuneration”.

            Daqui resulta que a Requerente se vinculou perante a E....  ao pagamento de uma compensação/indemnização correspondente à perda que esta última viesse a ter na eventualidade de o valor das acções do F... ser avaliado por montante inferior ao valor de referência ou caso a E....  vendesse as participações no F... por um valor inferior ao de referência. Isto sem que fosse atribuído à Requerente qualquer direito sobre o capital social ou outra forma de remuneração, de tal forma que o “Indemnity Agreement” não previa, por si só, qualquer vantagem associada ou decorrente do pagamento da compensação à E.... .

            Quanto à existência dessas vantagens, referiu a Requerente que o “Indemnity Agreement” tinha “uma evidente racionalidade económica” associada à obtenção de liquidez e partilha de risco na operação de aumento de capital, sendo que teriam sido os “potenciais investidores [a] manifesta[r] a exigência de garantias suplementares relativamente a um potencial investimento”. Ora, da prova documental carreada aos autos não é possível certificar a alegação da Requerente de que o “Indemnity Agreement” foi celebrado por exigência dos potenciais investidores, desde logo porque nos emails trocados estes não referem nenhuma garantia adicional prestada pela Requerente que fosse necessária para participarem na operação.

            Porém, do teor do “Indemnity Agreement”, certificado pela prova testemunhal produzida, é possível depreender o motivo que esteve na base da sua celebração. Ao que aqui importa, refere-se no considerando (H) do preâmbulo daquele acordo que:

In the course of several preliminary contacts and discussions held with potential third party investors, the latter expressed interest in having additional assurance as regards a potential investment in E....  and particularly on the accuracy of the valuation of the F... Stake as per recital (D) above, as well as with respect to the commitment of A.... to support E....  if and required”.

            Infere-se deste concreto considerando que o “Indemnity Agreement” visou cobrir os riscos da entrada dos potenciais investidores na operação de aumento de capital através da vinculação da Requerente a prestar “apoio” à E.... . Apoio esse que, conforme se viu, foi materializado no pagamento de uma compensação em caso de eventual desvalorização da participação do F.... Ora, ainda que não seja possível certificar que o “Indemnity Agreement” resultou de exigências dos potenciais investidores, certo é que a sua celebração teve como fim a sua protecção. Dito isto, é desde já possível concluir que, em última instância, os beneficiários directamente visados com o “Indemnity Agreement” seriam aqueles potenciais investidores, cuja exposição ao risco sempre seria mitigada pela cobertura por parte da Requerente dos prejuízos decorrentes de uma eventual desvalorização da participação da E....  no F....

            Assentes que estão os motivos que estiveram na base da celebração do “Indemnity Agreement”, cumpre sublinhar os termos em que se processou o pagamento da indemnização nele prevista.

            Ao ter sido frustrada a angariação de investidores e, consequentemente, ao não conseguir a E... participar no aumento de capital, esta alienou as acções que detinha do F... de modo a evitar a diluição da sua participação, bem como o incumprimento do acordo de parceria com a G.... Na sequência desta alienação a E....  registou uma menos-valia na sua esfera, tendo recebido por essa razão o pagamento pela Requerente de uma compensação/indemnização ao abrigo do “Indemnity Agreement”.

            No entanto, a Requerente suportou a perda decorrente da desvalorização da participação da E....  no F... de forma a cobrir a exposição ao risco de potenciais investidores numa fase em que era certo que não ia existir qualquer intervenção no aumento de capital do F... e em que era igualmente certo que não existiam sequer investidores angariados com base na “garantia” ou “tutela” prestada pelo “Indemnity Agreement”. Dito de outro modo, a execução do “Indemnity Agreement” foi efectuada numa altura em que já tinha ocorrido o esgotamento ou a supressão do respectivo escopo e em que não existia uma contrapartida expressa na esfera da Requerente.

            Na verdade, o custo incorrido com o pagamento da compensação não tinha sequer uma contrapartida expectável ou plausível de obter ou garantir rendimentos para a Requerente, designadamente através da distribuição de dividendos. É que após a alienação da participação no F... a E....  ficou sem qualquer activo na sua esfera, já que esta foi especificamente constituída para funcionar enquanto “veículo” da detenção do capital social daquele banco. Tanto assim é que no decurso do exercício de 2016 a E....  não realizou outras operações. E esta falta de nexo entre o pagamento da compensação e a obtenção de rendimentos na esfera da Requerente não foi suficientemente clarificada, seja pela Requerente seja pelas testemunhas inquiridas no âmbito da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT e que aludiram à existência de uma expectativa de que a E....  pudesse vir a ser utilizada como veículo para outros investimentos no sector financeiro em que a Requerente participasse. Isto na medida em que nem a Requerente nem as testemunhas lograram demonstrar como é que a cobertura dos prejuízos com a alienação da participação no F... iria contribuir para o papel da E....  como veículo nos potenciais investimentos que a Requerente integrasse, sem contar que continuou por evidenciar o potencial abstracto de obtenção de rendimentos pela Requerente com a cobertura da referida perda.

            Aqui chegados, cumpre então aferir da subsunção do custo suportado com o pagamento da compensação pela Requerente com o disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC. Para o efeito, haverá que ter em consideração a concretização jurisprudencial que é feita relativamente àquela norma jurídica, por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), proferido em 7 de Abril de 2021, no âmbito do processo n.º 01716/17.8BESNT, onde se referiu que “Na nova redacção introduzida no preceito pela Lei 2/2014, de 16/01, são de considerar gastos e perdas para efeitos fiscais todos os que, contabilizados, visam, potencialmente, a obtenção ou garantia dos rendimentos que vão ser sujeitos a imposto. Ou seja, todos aqueles que não obedeçam ao comando do disposto do nº.1, do artº.23, do C.I.R.C., não serão dedutíveis para efeitos de determinação da matéria colectável. A dedutibilidade fiscal é uma decorrência do princípio da capacidade contributiva do sujeito passivo, mas não é exigido para a relevância dos gastos ou perdas que eles tenham sido geradores de proveitos, sendo bastante que sejam suportados no interesse do sujeito passivo, com a intenção de obter, ou garantir, os rendimentos sujeitos a I.R.C. Bem se compreende que assim seja, em conciliação com o princípio da tributação do rendimento real das empresas, constitucionalmente consagrado (cfr.artº.104, nº.2, da C.R.P.)”. (negrito nosso)

            Conforme resulta do citado acórdão não se exige na actual redacção da lei uma relação de causalidade entre os gastos e os rendimentos obtidos, isto é, a dedutibilidade dos gastos não está dependente de os mesmos terem efectivamente resultado em proveitos. Contudo, é em qualquer caso necessário que os gastos sejam suportados no interesse do sujeito passivo, visando a obtenção ou angariação de rendimentos sujeitos a IRC.

            Tendo em conta o que se deixou dito, não ficou demonstrado que os custos com o pagamento da compensação tenham sido incorridos pela Requerente no seu próprio interesse, nem que os mesmos tinham a potencialidade abstracta de obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC na sua esfera jurídica. Pelo contrário, da análise que se realizou ao “Indemnity Agreement” resultou claro que o mesmo foi celebrado em moldes que não tinham como escopo os interesses próprios da Requerente mas sim de terceiros. E o mesmo se diga aos moldes em que ocorreu a sua execução que, de um ponto de vista substancial, mais não foi do que a cobertura pela Requerente de uma perda que foi gerada na alienação de um activo que não estava na sua titularidade, ou seja, mais não foi do que a assunção de prejuízos da sua subsidiária E.... .

            Quanto à dedutibilidade de gastos resultantes da cobertura de prejuízos com subsidiárias é entendimento do STA, por exemplo, no acórdão de 18 de Junho de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 01265/12, que “A cobertura de prejuízos de uma sociedade participada por parte de uma SGPS não se integra no conceito de custos fiscais desta, quer porque as entregas dos sócios para cobertura de perdas da sociedade não são de considerar como componentes negativas, face ao disposto nos arts. 23.º e 24.º do CIRC, nem componentes positivas do lucro tributável nos termos do art. 21.º do mesmo Código, quer ainda porque a sociedade participada não perde o direito ao reporte dos prejuízos referido no art. 46.º do CIRC”. Concretizando, salienta aquele Tribunal que “os custos a que se refere o artigo 23.º do Código do IRC têm de respeitar à própria sociedade contribuinte, em si mesma considerada, à SGPS, pois, e não às suas participadas, e que a aceitar-se a cobertura de prejuízos da participada pela SGPS conduziria a uma situação de dupla consideração dos mesmos valores em causa (…) Acresce ainda que o facto de a SGPS ter coberto os prejuízos da sua participada traduz-se numa forma de financiamento que, em termos económicos, é substancialmente idêntica a um aumento de capital, devendo, pois, ter o mesmo tratamento fiscal das entradas adicionais de sócios à sociedade (…) solução esta que, como observa António Moura Portugal (A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, nota 303 de p. 154), no plano das componentes positivas do lucro tributável decorre expressamente do disposto na alínea a) do artigo 21.º do CIRC, onde se reserva o mesmo tratamento para «As entradas de capital (…) bem como as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital»”. (negrito nosso)

            Ainda que a Requerente não estivesse constituída sob a forma de SGPS, esta actuava enquanto “holding de investimentos” do grupo B…, sendo as considerações daquele Tribunal aplicáveis mutatis mutandis ao presente caso. De facto, tal como naquele acórdão, também aqui os custos não respeitavam à própria Requerente mas sim à sua participada E.... , sendo que o pagamento da compensação ao abrigo do “Indemnity Agreement” consubstanciava, tal como se concluiu, uma cobertura de prejuízos na esfera desta última. Nesta medida, e à semelhança do que ali se decidiu, o custo reconhecido pela Requerente não é fiscalmente dedutível nos termos do artigo 23.º, do Código do IRC.

            Em face do exposto, conclui-se que não assiste razão à Requerente quanto à pretensa ilegalidade das correcções realizadas pela AT a este respeito, devendo as mesmas ser mantidas na ordem jurídica.

 

IV.2.3. Ganhos não especificados pela Requerente e relativos a exercícios anteriores

 

            15. Antes de se analisar a legalidade desta correcção cumpre referir, de forma sumária, aquela que foi a posição defendida pelas partes.

 

            16. Para fundamentar a sua posição começou a Requerente por enunciar a matéria factual que entendeu ser relevante para o efeito. Em concreto, referiu a Requerente que tinha efectuado suprimentos na sociedade N… – Representações Navais e Industriais, S.A. (“N...”), cujo capital social era por si totalmente detido e que esses suprimentos transitaram sob a forma de prestações suplementares para a esfera da K..., que surgiu no seguimento de uma cisão simples da N.... Não obstante, alegou a Requerente que debitou no seu balanço o montante relativo aos suprimentos numa conta relativa à participação, quando, no seu entender, deveria ter registado o valor dos suprimentos numa conta a receber e apenas na conta de participação o valor do capital social aquando da constituição da K..., ou seja, deveria ter distinguido os montantes tal como fez a K.... Salientou também a Requerente que, posteriormente, alienou a participação que tinha na K..., mantendo em todo o caso o direito de crédito quanto às referidas prestações suplementares. Prosseguiu a Requerente referindo que quando procedeu ao lançamento contabilístico da operação, por lapso, anulou a totalidade do valor que tinha na conta de participação ao invés de deixar pendente de recebimento o valor referente às prestações suplementares. Assim, segundo a Requerente, quando recebeu o pagamento de cada uma das tranches foi registando um passivo por contrapartida da entrada do dinheiro em caixa, quando, no seu entender, deveria estar a reduzir o activo que tinha perante a K..., à semelhança do que fez esta última que foi abatendo cada um dos pagamentos que fez ao valor das prestações suplementares a pagar à Requerente, saldando dessa forma a conta. De acordo com a Requerente, quando esta se apercebeu da situação anulou o pretenso passivo que se encontrava registado na sua contabilidade.

            Tendo por base este enquadramento, defendeu a Requerente que não existiu qualquer ganho no desreconhecimento daquele passivo, de tal modo que não teria resultado desta operação qualquer rendimento na acepção de “rendimento-acréscimo”, desde logo porque, no seu entender, não existia qualquer dívida perante a K..., mais não representando esta operação contabilística do que a correcção de um mero erro contabilístico devidamente documentado e explicado.

            Concluiu assim a Requerente que a correcção da AT estava inquinada por um vício de violação de lei que impunha a respectiva anulabilidade.

 

            17. A este respeito, defendeu a AT que os argumentos da Requerente não tinham em conta que a anulação das prestações suplementares em 2012 teriam influenciado negativamente a determinação dos ganhos ou perdas apuradas na alienação da participação no capital da K..., reflectindo-se essa anulação no resultado daquele exercício. Assim sendo, no entendimento da AT, a anulação do valor registado numa conta de passivo a título do reembolso das prestações suplementares pela K... tinha de ser simetricamente reflectido no resultado do exercício de 2016. Através da reprodução das considerações constantes da reclamação graciosa, salientou ainda a AT que não ficou demonstrada a contabilização da anulação das prestações suplementares da K... aquando da alienação da sua participação pela Requerente, nem ficou demonstrada a posterior contabilização dos reembolsos das prestações suplementares até à anulação dos “créditos erradamente registados”. Através da reprodução destas considerações referiu ainda a AT que a Requerente justificou a dedução na modelo 22 como contrapartida do acréscimo de idêntico montante na esfera da M..., num campo de créditos incobráveis não aceites como gastos, sendo que tal acréscimo também não estaria devidamente justificado ou demonstrado, no entender da AT, para que se pudesse retirar deste facto qualquer conclusão. Assim, para a AT, a circunstância de as operações em causa terem incluído a M... sem que tivesse ficado esclarecido a que título ou demonstrada toda a factualidade inerente, reforçava o entendimento de que o montante deduzido pela Requerente não podia ser aceite.

 

            18. Ora, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a matéria de prova junta aos autos, é notório que a Requerente não registou correctamente na sua contabilidade os “suprimentos/prestações suplementares” que estão na base da correcção em análise.

            Tal como evidenciou a AT, ainda em sede graciosa do procedimento e novamente na sua resposta no presente processo, a documentação carreada pela Requerente e as suas alegações não lograram demonstrar de forma suficiente a contabilização relativa à anulação das prestações suplementares da K..., aquando da alienação das respectivas acções, nem a contabilização subsequente dos reembolsos das prestações suplementares até à anulação dos créditos erradamente registados.

            Acresce que a regularização do erro contabilístico evidenciado nos termos propugnados pela Requerente não teve um resultado “neutro” do ponto de vista fiscal, dado que a mesma influenciou a determinação do lucro tributável. Isto na medida em que a anulação, no exercício de 2012, das referidas prestações suplementares terá influenciado negativamente a determinação dos ganhos ou perdas apuradas na alienação da participação no capital da K.... Por conseguinte, e tal como refere a AT, “a anulação do valor registado, por erro, em conta do passivo, a título do reembolso das prestações suplementares pela K... terá, do mesmo modo e simetricamente, que ser reflectida no resultado contabilístico e fiscal do exercício de 2016”. Isto sob pena de o desreconhecimento do passivo da K... resultar num benefício ou vantagem económica para Requerente que não seria devido não fosse o referido erro contabilístico.

            Nestes termos, conclui-se que não assiste razão à Requerente, devendo a correcção referente aos ganhos não especificados e relativos a exercícios anteriores realizada pela AT ser mantida na ordem jurídica.

 

IV.2.4. Dedutibilidade das despesas com trabalhos especializados de consultoria

 

            19. Relativamente a esta questão cumpre apreciar a legalidade da correcção realizada pela AT que negou a dedutibilidade fiscal dos gastos incorridos com trabalhos especializados de consultoria, com fundamento na falta de preenchimento dos pressupostos de dedutibilidade dos gastos previstos no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC.

            Antes de se analisar a legalidade desta correcção cumpre referir, de forma sumária, aquela que é a posição das partes a este respeito.

 

            20. Quanto a este tema, indicou a Requerente que os gastos em causa correspondiam a uma factura emitida pela L... Capital Ltd. cuja descrição referia que estavam em causa serviços de consultoria prestados em relação à venda da participação no F.... Prosseguiu a Requerente mencionando que ao actuar como “holding” do grupo, dispunha de um interesse directo e imediato na boa gestão das suas participadas, dado que os resultados destas se iriam repercutir na sua esfera. A circunstância de actuar como “holding” do grupo justificava o facto de, segundo a Requerente, ser esta quem decidia sobre a alienação das participadas, ainda que detidas indirectamente como sucedia no caso da participação no F.... Aquela circunstância justificava igualmente, de acordo com a Requerente, que a contratação destes serviços fosse feita directamente por si, aproveitando-se dessa forma o seu “know-how” bem como as sinergias decorrentes da concentração na sua esfera de trabalhos necessários para a tomada de decisões estratégicas. Para a Requerente, acrescia a estes factores o facto de ter sido esta quem delimitou o âmbito dos serviços a prestar, quem definiu os respectivos “timings”, quem controlou a execução dos trabalhos e estabeleceu todos os demais contactos com o prestador dos serviços, sem contar que teria sido a sua administração a deliberar sobre a venda da participação no F.... Registou ainda a Requerente que o investimento no F... foi encarado deste o início como um acto de gestão estratégico e/ou extraordinário e não como um mero acto de gestão corrente e/ou ordinária.

            Assim, tendo por base estas considerações, concluiu a Requerente que os custos com os serviços de consultoria prestados pela L... Capital Ltd. foram incorridos no seu interesse e tendo em vista a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, de tal modo que a correcção operada pela AT não só não respeitava a sua liberdade empresarial como violava a regra geral de dedutibilidade fiscal prevista no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC.

 

            21. A este respeito sublinhou a AT que a dedutibilidade dos gastos com os serviços de consultoria prestados pela L... Capital Ltd. foi negada em virtude de os mesmos constituírem um encargo da E....  e não por razões que colidam com a sua liberdade empresarial. Quanto a este último ponto reconheceu a AT que a Requerente, na qualidade de sociedade mãe, podia assumir as decisões de gestão estratégica e, em alguns casos, corrente do grupo que lidera, realizando um vasto conjunto de prestações de serviços de natureza administrativa, técnica, financeira ou comercial em benefício das demais entidades do grupo. Sem prejuízo, defendeu a AT que no plano tributário é necessário distinguir os gastos e perdas atinentes à própria actividade da Requerente e os que respeitam à actividade das sociedades participadas. Neste sentido, entendeu a AT que os gastos suportados com a prestação de serviços intragrupo tinham de ser imputados pela Requerente às respectivas sociedades beneficiárias, fosse através do método directo, quando os serviços são individualizáveis e os correspondentes gastos passíveis de quantificação, fosse, nos demais casos, com recurso ao método indirecto por via de uma chave de repartição. Esta posição seria reforçada, de acordo com a AT, pelos artigos 69.º e 10.º, ambos do Código do IRC, nos termos dos quais o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo. Caso assim não se procedesse, isto é, caso não se imputassem os custos elegíveis a cada sociedade de forma autónoma e independente, não faria sentido, no entender da AT, que a lei impusesse o apuramento do lucro tributável de cada uma das participadas nas respectivas declarações periódicas, dado que bastaria apurar o rendimento relativo à sociedade dominante com as componentes positivas e negativas de todas essas associadas, de forma unitária e global, despersonalizando todas essas sociedades associadas, designadamente ao nível da sua autonomia comercial e fiscal. No fundo, segundo a AT, o desrespeito desta lógica teria como consequência que qualquer sociedade que possuísse uma participação no capital social de outra sociedade poderia suportar quaisquer encargos da participada, bastando para o efeito que alegassem que os gastos se iriam repercutir nos rendimentos da participada e, nessa medida nos seus próprios rendimentos.

            Em suma, concluiu a AT que ao respeitarem os serviços de consultoria à alienação de um activo que integrava o património da E.... , deveria a Requerente ter-lhe imputado os gastos em que incorreu para o efeito, já que apesar de integrarem o mesmo grupo não deixavam de ter autonomia jurídico-tributária e de apurar individualmente o seu resultado fiscal, razão pela qual não se encontravam preenchidos os pressupostos enunciados no n.º 1, do artigo 23.º, do Código do IRC para admitir a dedutibilidade fiscal daqueles gastos.

 

            22. Cabendo decidir, sublinha-se a título preliminar que é consensual entre as partes que os gastos com trabalhos especializados de consultoria contratados quanto à venda da participação da E....  no F... e que são objecto da correcção aqui contestada foram efectivamente incorridos pela Requerente, estando devidamente comprovada a sua existência. A divergência entre as partes cinge-se, portanto, ao enquadramento que deve ser conferido àqueles gastos, designadamente no que respeita aos efeitos e consequências da autonomia jurídico‑tributária da Requerente face a cada uma das sociedades do grupo para efeitos de dedutibilidade de gastos.

            Conforme já se referiu, para que os gastos se enquadrem na cláusula geral de dedutibilidade prevista no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC é necessário que os mesmos tenham sido suportados pelo sujeito passivo no seu interesse, isto é, com a intenção de obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, independentemente de os mesmos terem resultado efectivamente em rendimentos tributáveis.

            No presente caso, é evidente que existe um interesse da Requerente nas operações e resultados da E..., já que esta sociedade é por si dominada. Em todo o caso, a verdade é que os resultados de uma potencial venda do F... com resultado positivo não se reflectiam directa e imediatamente na esfera patrimonial individual da Requerente, mas apenas de forma indirecta e mediata no momento em que fossem distribuídos resultados pela E… ou em que ocorresse a valorização dessa mesma participação. Quer isto dizer que apesar de existir um interesse atendível da Requerente na contratação daqueles serviços, não se pode ainda assim considerar que os gastos que lhes estão associados tenham sido incorridos ou suportados para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC tendo por referência a sua própria esfera jurídica. Recorde‑se que os serviços de consultoria foram prestados relativamente à participação da E....  no F..., ou seja, relativamente a um activo que se encontrava na esfera de outra sociedade.

            Ao contrário do defendido pela Requerente, esta conclusão não colide com a liberdade de gestão (do grupo) da Requerente e com a possibilidade de esta concentrar em si a contratação de trabalhos necessários para a tomada de decisões estratégicas, nem implica que se esteja a sindicar a dedutibilidade dos gastos com base num juízo de mérito, conveniência ou necessidade. Esta conclusão significa, tão só, que os gastos incorridos pela Requerente enquanto sociedade mãe – que apesar de não se encontrar constituída sob a forma de SGPS funcionava enquanto “holding” do grupo – deviam ter sido imputados ou  redebitados à E..., que era residente no Luxemburgo e que era a entidade do grupo que detinha a titularidade daquele activo.

            Tudo porque a Requerente e a E... são pessoas colectivas com personalidade e capacidade tributária distintas e autónomas, cuja contabilidade é tratada de forma independente uma da outra, de tal modo que cada uma apura os seus próprios proveitos e custos. Neste sentido, tem entendido a jurisprudência e a doutrina de forma constante que o enquadramento fiscal dos gastos, designadamente para efeitos da sua dedutibilidade, tem de ser aferido de forma autónoma quanto a cada uma das sociedades e tendo por referência a sua esfera individualmente considerada.

            Veja-se, a este respeito, o acórdão do STA de 10 de Julho de 2002, proferido no âmbito do processo n.º 0246/02, no qual se decidiu que “os custos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar à própria sociedade contribuinte” de tal modo que “para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades ainda que em relação de domínio”. (negrito nosso)

            Decisão que foi reafirmada no acórdão daquele Tribunal, de 30 de Maio de 2012, proferido no âmbito do processo n.º 0171/11, onde se julgou que “os custos (...) não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades. A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação”. (negrito nosso)

            Esta posição foi igualmente assumida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão de 16 de Outubro de 2007, proferido no âmbito do processo n.º 01276/06, em que se referiu que “[é] pressuposto desta norma [artigo 23.º, n,º 1, do Código do IRC] a consideração individualizada de cada empresa ou instituição pelo que não podem interferir aqui raciocínios do tipo daqueles em que se faz apelo a critérios de gestão do "grupo" (…) sendo unicamente relevante a pessoa colectiva cujos custos estão em apreciação”. (negrito nosso)

            Em sentido semelhante, entendeu o Tribunal Central Administrativo Norte, no acórdão de 14 de Março de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 01393/06.1BEBRG, que “só devem ser considerados custos do exercício os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora mas da própria sociedade e não de um terceiro. Ou seja, os custos têm que ser reportados à atividade desenvolvida pela sociedade em causa e não por outra sociedade”. (negrito nosso)

            Mais recentemente, na mesma linha de raciocínio, considerou-se no acórdão arbitral de 23 de Maio de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 519/2018-T, que “o gasto tem de respeitar à própria entidade contribuinte, em si mesma considerada, sendo evidente que a fonte produtora cuja manutenção se liga aos gastos na relação de “comprovada indispensabilidade” por força do nº 1 do artigo 23.º do CIRC é a da sociedade participante que suporta os encargos e não a da sociedade participada que deles beneficia”. (negrito nosso)

            Na doutrina, salienta Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, páginas 86-87, que “se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável” e, consequentemente, dedutível. (negrito nosso)

            Ainda que parte destas considerações sejam relativas a redacções do Código do IRC anteriores à que vigorava no presente caso e ainda que tenham sido proferidas quanto a temas distintos, a verdade é que a ratio que lhes está subjacente é inteiramente aplicável ao presente caso. E essa ratio é a de que os gastos foram incorridos pela Requerente em benefício e no interesse directo, imediato e própria da E.... , ou seja, não foram incorridos para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC tendo por referência a esfera jurídico-tributária da Requerente, que é autónoma e independente da esfera da E.... . Assim, ao constituírem estes gastos um encargo da sua participada E.... , deveria a Requerente ter-lhe imputado ou redebitado esses gastos tal como fundamentou a AT.

            Em face do exposto, julga-se que não assiste razão à Requerente, não sendo as despesas com trabalhos especializados de consultoria dedutíveis nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, razão pela qual se julga legal a correcção realizada pela AT, devendo a mesma ser mantida na ordem jurídica.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, absolver a Requerida do pedido;
  2. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixando-se ao processo o valor de € 817.376,95.

 

VII. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 11.628,00, a cargo da Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de Março de 2022.

 

Os Árbitros,

 

Manuel Luís Macaísta Malheiros

 

Carla Castelo Trindade

 

João Taborda da Gama, parcialmente vencido.

De modo sucinto: teria considerado dedutíveis os gastos relativos a trabalhos de consultoria (analisados no ponto “IV.2.4. Dedutibilidade das despesas com trabalhos especializados de consultoria” do presente acórdão). Com efeito, os gastos efetiva e comprovadamente incorridos por uma empresa tendentes à alienação de um ativo por si controlado – neste caso uma participação – são um tipo de gasto sempre suscetível de ser considerado prima facie como tendente a “obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC” (artigo 23.º, n.º 1 do CIRC). Em concreto, tendo em conta a forma como o grupo se encontrava organizado, e a prova produzida quanto a este aspeto, não considero existirem dúvidas sobre o interesse da Requerente naquela alienação. A decisão sobre a esfera imputação (e/ou o redébito) cabem dentro do princípio da liberdade empresarial, e a conduta escolhida pela empresa não colide, neste caso, nem com a letra nem com o espírito, do artigo 23.º do CIRC.

 



[1]De acordo com o RIT, a análise aos registos contabilísticos efectuados pela A… e efeitos fiscais registados aquando do apuramento dos resultados fiscais de 2015 e 2016, revelou que em 31 de Dezembro de 2015, foi reconhecida na conta #771 uma mais-valia de € 13.509.878,72 equivalente à diferença entre o custo de aquisição do banco … e o justo valor apurado na avaliação realizada pela I…. Este valor foi desconsiderado para efeitos de apuramento do lucro tributável de 2015 por dedução no campo 759 da Quadro 07 da declaração modelo 22