Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 13/2017-T
Data da decisão: 2017-05-09  IMT  
Valor do pedido: € 1.375,93
Tema: IMT – Artigo 270.º, n.º 2 do CIRE
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Decisão Arbitral

 

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

A…, S.A., NIPC…, com sede na …, n.º…, freguesia de …, …-… Porto, vem, nos termos dos artigos 1.º, 2.º, n.º 1 a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), e do artigo 99.º do CPPT aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 2 c) do RJAT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral singular, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante AT ou Requerida, com vista à obter a anulação do indeferimento da reclamação graciosa apresentada do acto de liquidação do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis n.º…, emitido em 21.07.2016 pelo Serviço de Finanças de …, no montante de €1.375,93 (mil trezentos e setenta e cinco euros e noventa e três cêntimos),

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 13 de Janeiro de 2017.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 14 de Março de 2017.

A AT respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a realização de alegações finais, em face do teor da matéria contida nos autos.

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

 

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

 

II.                MATÉRIA DE FACTO

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)    Em 21 de Junho de 2012, o Requerente adquiriu a fracção autónoma designada pela letra “I”, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em …, …, freguesia de …, Município de Figueira da Foz, descrito na … do Registo Predial de Figueira da Foz sob o número … e inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo …, no âmbito do processo de insolvência de B…, que correu termos no 4.º Juízo Cível de Coimbra, sob o n.º …/11… TJCBR - (Documento n.º 1);

B)    O prédio em questão foi arrolado e apreendido para a massa insolvente e o Requerente comprou-o pelo preço de €98.800,00 (noventa e oito mil e oitocentos euros) -  (Doc. 1);

C)    Previamente à referida adjudicação, o Requerente apresentou perante o competente Serviço de Finanças declaração para liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e do Imposto de Selo (IS), ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE (Doc. 2);

D)    No entanto, o Requerente foi notificado pelo ofício n.º…, de 04.12.2015, remetido pelo Serviço de Finanças de Leiria -…, para proceder ao pagamento da liquidação adicional emitida, referente ao IMT no montante de €1.375,93 (mil trezentos e setenta e cinco euros e noventa e três cêntimos) - (Doc. 3);

E)    Em Julho de 2016, o Requerente procedeu ao pagamento perante a AT do referido IMT - (Doc. 4);

F)     Em 16 de Agosto de 2016, o Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação mencionada supra - (Doc. 5);

G)   Em 28 de Outubro de 2016, o Requerente foi notificado para exercer o direito de audição prévia e tomar conhecimento do projecto de decisão e da sua fundamentação concluindo pelo indeferimento da reclamação graciosa apresentada;

H)   Em 25 de Novembro de 2016, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

 

Não existem factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

Este Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos pelas Partes.

 

III.             MATÉRIA DE DIREITO

 

A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se a compra de bens imóveis no âmbito do processo de insolvência de pessoa singular está (ou não) isenta de IMT, nos termos previstos no artigo 270.º, n.º 2 do Código da Insolvência e de Recuperação da Empresas (doravante CIRE).

 

A este propósito, o Requerente alega no seu pedido de constituição do Tribunal Arbitral o seguinte:

 

A)    Na relação com Estado, os princípios de solidariedade social, subjacentes ao CIRE, encontram a sua consagração legal i) no que tange ao capítulo reclamação de créditos, na perda (ainda assim parcial) dos privilégios dos créditos do Estado e, ii) no que tange ao capítulo das receitas ou melhor, no favorecimento da maximização das receitas destinadas, em sede de isenção de IMT, apesar da menos feliz redacção do artigo 270.º do CIRE, o legislador apenas pretendeu consagrar para o CIRE um regime equivalente ao que já resultava da alínea c) do n.º 2 artigo 121.º do CPEREF;

B)    Conforme expressamente o afirma no n.º 49 do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, onde refere que “mantêm-se no essencial os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais”;

C)    Os diversos elementos interpretativos da norma em causa, confluem para uma única conclusão: a de que, em sede de plano insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da massa insolvente, a isenção de IMT consagrada no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE abrange os imóveis transmitidos por venda ou permuta, mesmo quando essa transmissão não surge integrada na transmissão de empresa ou estabelecimento;

D)    Sendo por demais evidente que o acto de liquidação adicional do IMT que ora se impugna, decorre de uma errada interpretação do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, enfermando, por isso, do vício do erro sobre os pressupostos de direito;

E)    O Requerente tem direito à restituição do valor indevidamente pago, acrescido dos juros legais desde a data do pagamento até à sua efectiva devolução, por força da liquidação cuja anulação ora se requer;

F)     Neste sentido, de acordo com o princípio da legalidade e da tipicidade, a AT deve proceder à liquidação que for pertinente, só em caso de verificação de todos e de cada um dos elementos típicos previstos na lei como geradores do direito do Estado ao tributo;

G)   O acto em análise é assim nulo e de nenhum efeito por falta de atribuições e por ter criado impostos ou contribuições especiais não permitidos por lei (artigo 133.º, n.º 2 a) e d) do CPA e artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, i) da CRP);

H)   Com efeito, o acto em causa não indica e inexiste qualquer dispositivo legal  aplicável que fundamente e legitime a quantificação dos montantes apurados e a liquidação do tributo em causa, nem foram indicadas quaisquer razões justificativas da liquidação agora impugnada;

I)      O acto impugnado enferma assim de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é insuficiente, obscura e incongruente, pelo que foram frontalmente violados o artigo 268.º, n.º 3 da CRP, os artigos 124.º e 125.º do CPA e o artigo 77.º da LGT;

J)      A revogação da isenção só poderia ser concretizada no prazo de 1 ano após ter sido concedida, tratando-se de um acto constitutivo de direitos, por aplicação conjugada do disposto nos artigos 141.º, n.º 1, do CPA e 58.º do CPTA;

K)   Nesta medida, verifica-se a ilegalidade da revogação, já que o acto revogatório, com efeitos ex tunc, ocorreu mais de um ano depois do acto concedente da isenção, em clara violação do disposto no artigo 141.º do CPA.

 

 

Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:

 

A)    O Requerente adquiriu uma fracção autónoma destinada à habitação em processo de insolvência, mas em que o insolvente é uma pessoa singular;

B)    A isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE abrange todos os actos integrados no âmbito de planos de insolvência, ou de pagamentos, ou de liquidação da massa insolvente, com a reserva de o insolvente ser uma empresa ou um estabelecimento;

C)    A título de exemplo, cita-se o Acórdão do STA, de 03.07.2013, proferido no Processo n.º 765/13, que, no Sumário, sintetiza: “I - O n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, cuja redacção não é clara no que respeita ao âmbito da isenção de IMT aí consignada, poderá, quando muito, interpretar-se como abrangendo não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

II - Assim sendo, a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação, que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, independentemente da mesma pertencer a pessoa singular ou colectiva (entidade empresarial)”. (negrito nosso);

D)    Caso o artigo 270.º, nº 2, do CIRE fosse inconstitucional, como pretende o Requerente, a única consequência lógica, em virtude de ser a única compatível com o texto constitucional, seria a ilegalidade da liquidação em virtude da inaplicabilidade de uma norma sobre benefícios fiscais aprovada a descoberto de qualquer autorização legislativa concedida pelo Parlamento;

E)    Caso em que a norma concedente do benefício fiscal estaria, na verdade, afetada de inconstitucionalidade orgânica;

F)     Acontece que a pretensa inconstitucionalidade orgânica está completamente ultrapassada com a redação dos artigos 16.º, n.º 1, e 270.º, n.º 2 do CIRE conferida pelo artigo 234.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013;

G)   Nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Fevereiro de 1997, recurso n.º 20733, não pode ser considerada válida uma interpretação da lei que, mesmo conforme à Constituição, viole as regras que imperativamente lhe forem aplicáveis, ultrapassando o teor literal da norma a aplicar;

H)   A conformidade com a Constituição da solução alcançada não garante, assim, a validade da interpretação das normas tributárias – é indispensável que sejam igualmente observados na actividade interpretativa os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis fiscais;

I)      A “interpretação conforme a Constituição” apenas é ilegal quando viole os princípios fundamentais de interpretação e aplicação das normas jurídicas desenvolvidos na presente norma e no Código Civil, o que não é comprovadamente o caso;

J)      Em suma, a liquidação impugnada é legal e conforme a Constituição, não se mostrando violados os múltiplos princípios constitucionais que o Requerente se limitou a invocar na sua douta P.I, sem que, contudo, tivesse logrado demonstrar qualquer inconstitucionalidade;

K)   No caso em apreço, estamos perante a aquisição de um imóvel, ainda que em processo de insolvência, mas que não pertence a uma empresa nem estava destinado ao exercício de atividade empresarial alguma, mas que era propriedade de uma pessoa singular com destino a habitação;

L)    Pelo que não estão reunidos os pressupostos legalmente previstos para a isenção de IMT em razão da sua transmissão ter sido efectuada num processo de insolvência de pessoa singular;

M)  Por tudo o supra exposto, falecem os argumentos do Requerente, no que respeita à interpretação a fazer da disposição legal em análise, pelo que bem andou a AT na aplicação e interpretação da legislação aplicável à liquidação impugnada nos autos, por se mostrar provado que o Requerente adquiriu o imóvel, no âmbito de um processo de insolvência, a um sujeito passivo singular que não exerce qualquer atividade empresarial;

N)    Na mesma linha de interpretação sobre a questão das aquisições de imóveis efetuadas a pessoas singulares insolventes, ainda que no âmbito do Imposto do Selo, alínea e) do artigo 269.º do CIRE, veja-se a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 13/2016, em 765/2013, de 3 de Julho de 2013 e no âmbito do processo 866/13, de 25 de Setembro de 2013)”.

O)   «Não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido…», in Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0105/12 de 30-01-2013.

P)     Nos termos dos artigos 35.º do Código do IMT, artigo 45.º da LGT, artigo 10.º, n.º 8 d) do Código do IMT, o reconhecimento da isenção em causa neste processo, é automática, decorre diretamente da lei e não existe uma análise prévia nem verificação prévia dos pressupostos da mesma;

Q)   Este normativo determina que o reconhecimento dos benefícios está sujeito a controlo e após esse controlo, é que é aferida a verificação dos pressupostos da isenção, pelo que, em rigor, não houve a constituição de um direito ao benefício fiscal.

 

Face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, para determinar se o acto de liquidação de IMT sub judice é ou não ilegal será necessário verificar:

 

Se a norma prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE isenta de IMT os bens imóveis adquiridos, no âmbito do processo de insolvência de B… pelo Requerente.

 

Vejamos o que deve ser entendido.

 

Resulta do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) que a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação.

 

Os principais gerais de interpretação estão estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC), nos seguintes termos:

 

 

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

 
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.


3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

 

O artigo 270.º do CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, dispõe como se segue:

 

1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação: 


a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital; 


b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora; 


c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores;

 

2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

Considerando o teor literal do disposto no artigo 270.º do CIRE resulta que o n.º 1 do artigo 270.º do CIRE concede a isenção de IMT às transmissões de bens imóveis efectuadas em cumprimento de:

1.         plano de insolvência

2.         plano de pagamentos

3.         plano de recuperação

 

desde que tais transmissões tenham por fim uma das seguintes situações:

a.         constituição de nova sociedade ou sociedades

b.         realização do capital social de nova sociedade ou sociedade

c.         realização do aumento do capital social da sociedade devedora

 

ou decorram de:

i.          dação em cumprimento de bens da empresa

ii.         cessão de bens aos credores.

 

Por sua vez, o n. º 2 do artigo 270.º do CIRE, não repete a isenção que estatuiu no n.º 1, estende-a para as pessoas que, exteriores ao processo de insolvência porque não são os credores que adquiriram os bens, a empresa insolvente que viu aumentado o seu capital social, ou a empresa que se formou a partir deste processo, estes, já contemplados no n.º 1 do artigo 270.º, mas àqueles que adquiram bens imóveis unitariamente considerados ou integrados na aquisição global ou parcial da empresa.

 

Em consequência, o sentido literal da norma em apreço confere isenção de IMT às vendas de elementos do activo de empresas, não se podendo aqui entender incluídas as vendas de bens de pessoas singulares, não empresários ou titulares de empresas, uma vez que tal não está previsto na norma em análise.

 

Acresce ainda que considerando o elemento racional da interpretação jurídica, deve considerar-se que toda e qualquer norma foi criada com uma determinada finalidade e que, consequentemente, deve ser entendida no sentido que melhor responda ao resultado que se pretendeu alcançar.

 

Neste sentido, dir-se-á que a isenção fiscal criada pelo artigo 270.º do CIRE parece ter tido como finalidade facilitar a realização dos actos ali descritos, anulando o impacto dos encargos fiscais normalmente associados a esses actos.

 

A ratio da norma poderia, por isso, em princípio, abranger os actos de venda que tivessem origem em insolvência de pessoas singulares, não empresários ou titulares de empresas, pois, sendo o objectivo da norma o de facilitar a realização daquelas operações em situações de insolvência ou de recuperação, não se vislumbra nenhum impedimento a tal previsão legal quanto às pessoas singulares.

 

Não obstante, a norma em análise prevê clara e expressamente que a isenção de IMT se aplica à “venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa” e não prevê que a isenção de IMT se aplica à venda, permuta ou cessão de elementos detidos por pessoas singulares - Ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus.

 

Donde, a isenção de IMT prevista no artigo 270.º do CIRE só se aplica relativamente a bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não a bens imóveis de pessoas singulares (Vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 765/2013, de 3 de Julho de 2013 e no âmbito do processo 866/13, de 25 de Setembro de 2013).

 

Considerando que, no caso em apreço, o Requerente adquiriu, por adjudicação, no âmbito do processo de insolvência já identificado, imóvel respeitante a pessoa singular, entende-se que a situação não é subsumível à previsão do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, que se refere exclusivamente à venda de “elementos do activo da empresa”.

 

 

 

Destarte, e perante a interpretação defendida, entre outros, nos acórdãos do STA proferidos no âmbito do processo 765/13, de 3.07.2013 e processo 866/13, de 25.09.2013, impõe-se concluir que assiste razão à Requerida quando defende a legalidade do acto de liquidação de IMT com base na inaplicabilidade da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE no que respeita à aquisição feita pelo Requerente do imóvel de B…, em processo de insolvência.

 

 

Relativamente à falta de fundamentação do acto de liquidação de IMT sub judice, dos factos e documentos carreados a estes autos, em especial do documento n.º 3, resulta que o Requerente sempre esteve ciente da incidência objectiva do facto tributário, resultando da segunda liquidação efectuada, de forma sucinta mas suficiente, congruente e clara, as razões porque a Requerida considerou inexistir o direito à mencionada isenção e, em consequência, procedeu à liquidação.

 

Assim sendo, julga-se também improcedente o alegado vício de falta de fundamentação do acto tributário de liquidação.

 

É, também, improcedente o pedido do Requerente com fundamento no alegado em 51.º a 65.º da petição arbitral apresentada, conquanto, de acordo com a alínea d) do n.º 8 do artigo 10.º do Código do IMT, a isenção em causa é de reconhecimento automático, sem prejuízo da sua posterior verificação.

 

Em consequência, entende-se que o acto de liquidação resultante da fiscalização da declaração de IMT inicialmente apresentada não constitui um acto administrativo de revogação, mas sim um acto de liquidação de imposto (Vide decisão proferida, no âmbito do processo 834/2014, de 21.08.2015), sendo, portanto, inaplicáveis os artigos 140.º e 141.º do CPA.

 

Conclui-se pela improcedência da petição arbitral apresentada contra o indeferimento da reclamação graciosa do acto de liquidação de IMT identificado incidente sobre a aquisição de imóvel em processo de insolvência de pessoa singular, considerando-se que tal aquisição não está abrangida pela isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.

 

 

IV.             DECISÃO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

 

A)     Julgar totalmente improcedente o pedido de anulação do indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente ao acto de liquidação de IMT n.º…;

 

B)    Condenar o Requerente nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.

 

 

 

V.                VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €1.375,93.

 

 

VI.             CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €306, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 9 de Maio de 2017

 

 

 

A Árbitro

 

 

 

Magda Feliciano

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990)