Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 132/2012-T
Data da decisão: 2013-04-11  IVA  
Valor do pedido: € 435.876,86
Tema: Inutilidade superveniente da lide
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Processo n.º 132/2012

 

Os Árbitros Jorge Lopes de Sousa, Conceição Gamito e Rogério Fernandes Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-1-2013 (despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, inserido no sistema informático do CAAD), acordam no seguinte:

 

 

I – Relatório

 

, LDA, sociedade comercial por quotas com sede na Rua …, pessoa colectiva n.º …, formulou pedido pronúncia arbitral tendo em vista a declaração da ilegalidade e anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios respeitantes aos exercícios de 2008 e 2009, no montante global de € 435.876,86, havendo requerido a constituição de tribunal arbitral.

A Autoridade Tributaria e Aduaneira respondeu, suscitando a questão prévia da intempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

Por requerimento de 14-3-2013, a Requerente veio informar que a reclamação graciosa que apresentara foi julgada procedente, na parte referente às ilegalidades que imputou às liquidações no presente processo, pedindo que seja declarada a inutilidade superveniente da lide.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1 do RJAT (DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Suscitando-se questões prévias da intempestividade e da inutilidade superveniente da lide, serão apreciadas prioritariamente.

 

II – Matéria de facto

 

A matéria relevante para apreciar esta excepção e a questão da inutilidade superveniente da lide é a seguinte:

 

a) No dia 28-02-2012, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações de IVA e de juros compensatórios referentes aos exercícios de 2008 e 2009, no montante global de € 435.876,86 (documentos juntos com o pedido de constituição do tribunal arbitral).

b) A reclamação graciosa não foi apreciada até 23-11-2012.

c) Em 23-11-2012, deu entrada o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo;

d) Por despacho de 31-1-2013, proferido pela Senhora Chefe (em regime de substituição) da Divisão de Tributação e Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Castelo Branco, a reclamação graciosa veio a ser deferida quanto às questões que a Requerente coloca no pedido de pronúncia arbitral (fls. 42 a 45, 47 a 49 e 51 do Processo de reclamação graciosa).

 

Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos ao processo e acordo das partes, não tendo sido questionada a sua correspondência com a realidade.

Não existem factos com relevância para a decisão das questões prévias que não tenham sido dados como provados.

 

III – Questões prévias

 

Apreciar-se-ão as duas questões suscitadas, pois, apesar de a solução da questão da intempestividade, a ser nesse sentido, levar a concluir pela perda do direito de pedir a pronúncia arbitral, a questão suscitada pela Requerente, da inutilidade superveniente da lide, pode relevar para efeitos de determinar a responsabilidade dos encargos do processo.

 

IV – Questão prévia da intempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral

 

A reclamação graciosa que precede o presente pedido de pronúncia arbitral deu entrada num momento já posterior ao da entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que veio alterar a redacção do art. 57.º, n.º 1 da LGT, encurtando o prazo de decisão expressa da Administração Tributária de seis para quatro meses, findos os quais, conforme determina o art. 57.º, n.º 5, da LGT, ocorre o indeferimento tácito do pedido.

Pese embora os factos tributários serem anteriores à entrada em vigor dessa Lei, é o momento da entrada da reclamação graciosa que releva para a aferição das normas procedimentais aplicáveis, em função do disposto no art. 12.º, n.º 3, da LGT, que determina a "aplicação imediata" dessas normas, "sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos”.

Por conseguinte, volvidos quatro meses após a apresentação da reclamação graciosa, presume-se o indeferimento tácito da reclamação graciosa, momento esse, por sua vez, relevante para o cálculo e início da contagem do prazo de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial, segundo o disposto no art. 57.º, n.º 5, da LGT e 106.º do CPPT.

Em caso indeferimento tácito, o prazo para formular o pedido de constituição de tribunal arbitral é de 90 dias, de acordo com o art. 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.

Nos termos do art. 57.º, n.º 3, da LGT, "no procedimento tributário, os prazos são contínuos e contam-se nos termos do Código Civil".

Ainda nos termos do art. 20.º, n.º 1, do CPPT, "os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do art. 279.º do Código Civil", assim deixando clara a natureza procedimental destes prazos, para efeito da sua contagem.

Tendo a reclamação graciosa entrado no serviço competente no dia 28-02-2012, o cômputo do termo – 4 meses – fixa-se a 28-06-2012, de acordo com o art. 279.º, alínea d) do Código Civil.

O subsequente prazo de apresentação de pedido de constituição do tribunal arbitral, de 90 dias, terminou em 26-09-2012.

Por conseguinte, o pedido de constituição do tribunal arbitral é intempestivo, uma vez que este apenas deu entrada no dia 23-11-2012.

A intempestividade, traduzida na caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral, constitui uma excepção dilatória, que implica a absolvição da instância da Autoridade Tributária e Aduaneira e a extinção da instância [artigo 288.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil]. ( 1 )

A solução desta questão prévia prejudica a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente, nos termos do disposto no art. 660.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. ( 2 )

 

V – Questão da inutilidade superveniente da lide

 

A Requerente vem suscitar a questão da inutilidade superveniente da lide, por, na pendência do presente processo, ter sido decidida favoravelmente a sua pretensão, no referido processo de reclamação graciosa.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada para se pronunciar, nada veio dizer, no prazo que foi fixado.

A revogação das liquidações impugnadas torna inútil apreciar a sua legalidade e leva a concluir que ocorre inutilidade superveniente da lide, com defende a Requerente.

A inutilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância, nos termos do artigo 287.º, alínea e), do Código de Processo Civil.

 

VI – Encargos do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, «da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral».

Pelo que se referiu ocorrem duas causas de extinção da instância, uma imputável à Requerente, que apresentou intempestivamente o pedido de pronúncia arbitral, e outra imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou actos de liquidação que veio a revogar pelas razões invocadas pela Requerente e não deferiu tempestivamente a reclamação graciosa, que esta apresentou.

A regra básica sobre responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

No caso em apreço, ocorrem duas causas de extinção da instância, uma imputável a Requerente (a intempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral) e outra imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira (inutilidade superveniente da lide, por revogação dos actos impugnados).

Neste contexto de concausalidade, o princípio da proporcionalidade impõe que seja repartida pelas partes a responsabilidade por custas.

 

VII – Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 435.876,86.

 

VIII – Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.038,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira, em partes iguais.

 

IX – Decisão

 

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

– julgar extinta a instância por intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e inutilidade superveniente da lide;

– absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira;

– condenar ambas as Partes no pagamento dos encargos do processo, em partes iguais.

 

 

Lisboa, 11-4-2013

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Conceição Gamito)

 

 

 

(Rogério Fernandes Ferreira)

 

1(  ) É duvidoso, no contencioso tributário, se a caducidade do direito de impugnação ou do direito de pedir a pronúncia arbitral são excepção peremptória ou dilatória, implicando a absolvição do pedido ou da instância, respectivamente, pois a caducidade do uso de um determinado meio processual não implica sempre a impossibilidade de uso de um meio alternativo, nomeadamente através de pedido de revisão do acto tributário, prevista no artigo 78.º da LGT, com possibilidade de subsequente apreciação contenciosa no caso de indeferimento da pretensão,

2(  ) Neste sentido, pode ver-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-12-2011, processo n.º 0241/11, onde se conclui que: "A intempestividade do meio impugnatório implica a não pronúncia do tribunal sobre as questões suscitadas na petição inicial, ainda que de conhecimento oficioso, na medida em que a lide impugnatória não chega a ter o seu início".