Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 130/2014-T
Data da decisão: 2014-10-15  IUC  
Valor do pedido: € 5.390,26
Tema: Incidência subjetiva
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REQUERENTE: A..., SA

 

REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Decisão Arbitral[1]

 

I RELATÓRIO

 

 

A)    As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral

 

 

1.A... SA, Pessoa Colectiva nº …, B..., SA,  Pessoa Colectiva nº … e  C...., SA, Pessoa Colectiva nº …, todas com sede no Polo Industrial da A..., …, doravante designadas por “Requerentes”, apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo do disposto no artigo 10º, e na alínea a), do nº 1, do artigo 2º, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, para apreciar a demanda que as opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, tendo em vista a anulação, com fundamento em ilegalidade, de 37 actos de liquidação oficiosa de Imposto Único de Circulação (IUC) e respectivas liquidações de juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2009 a 2012, no valor global de €5.390,26 e aos veículos automóveis identificados pelo respectivo número de matrícula nas respectivas liquidações e conforme tabela constante do artigo 11º do pedido arbitral, que aqui se dá por reproduzido e constantes do documento nº 14 em anexo ao pedido de pronúncia arbitral, que igualmente se dá por integralmente reproduzido.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 17 de Fevereiro de 2014, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. As Requerentes optaram por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº 1, do artigo 6º do RJAT, foi designada, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a ora signatária como árbitro do Tribunal Arbitral singular. A nomeação foi aceite e as partes, notificadas da aceitação, em 2 de Abril de 2014, não recusaram a designação, nos termos previstos nas alíneas a) e b), do nº1, do artigo 11º, do RJAT, conjugado com o disposto nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228º, da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 17 de Abril de 2014.

No dia 21 de Abril de 2014, foi a Requerida “AT” notificada para apresentar resposta no prazo legal, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2, artigo 17º, do RJAT. A 19 de Maio de 2014 a AT juntou aos autos a sua Resposta e os documentos anexos designados por PA (processo administrativo).

No dia 29 de Maio de 2014, pelas 15 horas, realizou-se a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, da qual foi lavrada acta que se encontra junta aos autos e aqui se dá por integralmente reproduzida. Na reunião os representantes das partes declararam dada ter a requerer ou a acrescentar relativamente ao processo, renovando tudo o que se encontra já vertido nos autos, foi dispensada pela Requerente a prova testemunhal indicada e ambas as partes entenderam dispensar a produção de alegações. No encerramento da reunião foi, ainda, fixada data para prolação da decisão arbitral até ao dia 30 de Setembro de 2014. Em 26 de Setembro de 2014 a Autoridade Tributária Requereu a junção aos autos das decisões arbitrais nºs 150-2014T e 220-2014 T sobre matéria idêntica à dos presentes autos, pelo que foi fixado prazo para exercício de eventual resposta da Requerente e ampliado o prazo para proferir a decisão arbitral até ao dia 15 de Outubro de 2014.

A Requerente formulou, ainda, nos presentes autos três requerimentos de ampliação do pedido arbitral, todos referentes a três viaturas já mencionadas no pedido principal, com as matrículas ..-..-.., ..-..-.. e ..-..-.., nas datas a seguir indicadas: o primeiro pedido foi apresentado em 29 de Abril de 2014, o segundo em 5 de Junho de 2014 e o terceiro em 5 de Agosto de 2014, respectivamente, no valor global de € 701,00, 620,21 e 620,21, ambos referentes ao ano de 2012.

A Requerida AT pronunciou-se quanto ao primeiro pedido de ampliação deduzindo oposição ao mesmo conforme consta da Resposta apresentada nos autos. Notificada dos dois pedidos de ampliação apresentados posteriormente, não se pronunciou sobre os mesmos.

 

B)    Dos Pressupostos Processuais

 

 

3. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (Cfr. Artigos 4º e 10º, nº 2, do DL nº 10/2011 e artigo 1º, da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março). A legitimidade da Requerente A... SA, para apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral na qualidade de sociedade que sucedeu universalmente via processo de fusão nas posições jurídico-patrimoniais da extinta sociedade D... SA resulta demonstrada pelo teor de Certidão Permanente do Registo Comercial, junta aos autos como documento nº1, indicada nos autos.

 

4. Quanto à cumulação de pedidos, pretendendo-se a apreciação conjunta da legalidade das 37 liquidações de IUC, relativas aos anos de 2009 a 2012, apesar de constituírem actos autónomos, verificando-se os pressupostos exigidos pelo disposto no nº 1, do artigo 3º, do RJAT e artigo 104º do CPPT, é de admitir a cumulação. Assim, aceita-se no mesmo pedido arbitral a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade de todos os actos tributários de liquidação de IUC e respectivos juros compensatórios que lhes estão associados, dada a identidade do imposto e a apreciação dos actos tributários em causa depender da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da aplicação das mesmas regras de direito.

 

5. Quanto aos actos de liquidação impugnados nos sucessivos requerimentos de ampliação de pedido formulados cumpre decidir previamente se os mesmos devem ou não ser admitidos. Assim, cumpre decidir:

A questão deve ser decidida à luz do disposto nos 264º e 265º do Código de Processo civil, aplicáveis ex vi, alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT. Resulta do disposto nos referidos normativos legais que havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1ª ou 2ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito. E, mesmo na falta de acordo, o autor pode em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (art. 265º, nº2)

Importa referir ainda o princípio contido nas alíneas c) e d) do nº2 do artigo 10º do RJAT, donde resulta que o momento da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é o adequado para exposição das questões de facto e de direito objecto do pedido de pronúncia arbitral e para apresentar elementos de prova dos factos invocados e indicar os meios de prova a produzir. Sendo certo que, se devidamente fundamentado por facto superveniente à apresentação do pedido arbitral e por se fundamentar no desenvolvimento ou consequência deste, nada parece obstar à ampliação do pedido se esta ocorrer até ao encerramento da discussão em primeira instância.

Posto isto, importa referir que são distintos o primeiro e os segundo e terceiro pedidos de ampliação apresentados pela Requerente, porquanto teremos de os apreciar separadamente. Acresce que quanto ao primeiro a requerida AT deduziu oposição e quanto aos segundo e terceiro, devidamente notificada, não se pronunciou.

Quanto ao primeiro pedido de ampliação formulado a 29 de Abril de 2014 constata-se que o mesmo respeita a três citações para pagamento de valores referentes a IUC relativos às viaturas com as matrículas ..-..-.., ..-..-.. e ..-..-.., referentes ao ano de 2010, em sede de execução fiscal. Assim, como bem refere a AT na sua resposta, não podemos aceitar que se trate de uma ampliação do pedido, já que os documentos apresentados são certidões de citação para pagamento em sede de execução fiscal e não actos de liquidação de imposto susceptíveis de impugnação. Ao que acresce a circunstância destes veículos se encontrarem já devidamente identificados, com referência aos exercícios de 2009 a 2012, na listagem de actos de liquidação que se encontram já peticionados no pedido arbitral, sendo que devia ter sido esse o momento adequado à impugnação dos actos de liquidação que estiveram na base das certidões de citação de execução fiscal que a Requerente veio apresentar neste seu pedido de ampliação.

Nestes termos e com os fundamentos supra mencionados o tribunal não pode aceitar primeiro pedido de ampliação formulado.

Quanto aos restantes dois pedidos de ampliação ainda apresentados pela Requerente, respectivamente a 5 de Junho de 2014 e a 5 de Agosto de 2014, ocorre que, apesar de se tratar de liquidações de IUC respeitantes às viaturas com as matrículas ..-..-.., ..-..-.. e ..-..-.., relativos ao ano de 2012, não incluídos no pedido inicial, a verdade é que a apresentação dos respectivos requerimentos de ampliação ocorreu já após o encerramento da discussão, ou seja, após a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, o que no caso do processo arbitral corresponde ao encerramento da discussão em 1ª instância.

 Assim, é nosso entendimento que o último momento possível para permitir uma eventual ampliação do pedido é o da audiência final, ou seja, o da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, ou, nos casos em que esta não se realize por acordo entre as partes, por se entender ser desnecessária a sua realização, o momento do encerramento da discussão será o da apresentação das alegações finais ou, ainda, o do despacho arbitral que encerra esta fase processual e determina o prosseguimento do processo para decisão final.

No caso dos presentes autos a reunião prevista no artigo 18º do RJAT realizou-se em 29 de Maio de 2014, pelo que a partir desse momento encerrou-se a discussão da matéria em discussão nos autos, não sendo processualmente possível a ampliação do pedido.

 Nestes termos e os fundamentos expostos não se aceitam as ampliações do pedido, suscitadas pelos requerimentos apresentados em 5 de Junho e em 5 de Agosto de 2014.

Mantém-se, assim, o pedido inicialmente formulado sobre o qual este tribunal se pronunciará.

 

O processo não enferma de nulidades que o invalidem e não foram suscitadas excepções que obstem ao julgamento do mérito da causa, pelo que o Tribunal está em condições de proferir a decisão arbitral.

 

 

C) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE

 

 

6. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade e consequente anulação, dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação e respectivos Juros Compensatórios, referentes aos anos de 2009 a 2012, no montante global de €5.390,26, com referência a trinta e sete actos de liquidação de IUC relativos aos veículos automóveis identificados pelo respectivo número de matrícula no Quadro junto como documento nº 14 em anexo à PI, que aqui se dá por integralmente reproduzido, bem assim como nas notas de demonstração de liquidação de imposto e dos respectivos juros compensatórios, todas juntas aos autos e que igualmente se dão por integralmente reproduzidas.

Fundamenta o seu pedido na ilegalidade das liquidações de imposto e respectivos juros, alegando em síntese o seguinte:

a)      As autoras e Requerentes foram citadas dos actos de liquidação oficiosa, com data limite para pagamento voluntário até 4/12/2013 à excepção da liquidação junta como documento nº12 cuja data limite de pagamento era 21/11/2013, cfr. docs. nºs 2 a 13 juntos à PI;

b)      As Requerentes já não eram, porém, proprietárias das referidas viaturas no ano a que respeitam os impostos pelo que os actos tributários devem ser anulados com fundamento na respectiva ilegitimidade passiva;

c)      A propriedade dos veículos automóveis identificados na listagem junta à PI como documento nº14 ANEXO à PI, já tinha sido transmitida em anos anteriores, conforme documentos comprovativos que junta como documentos nºs 15 a 29 e 30 a 41 da PI;

d)     Quanto ao veículo de matrícula ..-..-.. foi comunicada a sua baixa na Direcção Geral de Veículos em 2007 e comunicada ao Chefe da repartição de Finanças de ... e à respectiva Seguradora;

e)      Recentemente a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das liquidações de IUC constantes do presente pedido arbitral, tendo efectuado o pagamento conforme comprovativos juntos aos autos.

 

7. Para fundamentação de direito do pedido de pronúncia arbitral a Requerente invoca, sumariamente, o seguinte:

a.       As Requerentes não podem ser consideradas sujeitos passivos de IUC, ainda que, no ano a que se reportam os impostos em causa, a transmissão dos referidos veículos não estivesse devidamente registada junto da Conservatória do Registo Automóvel, já que daí resulta uma mera presunção;

b.      A responsabilidade por proceder ao pagamento do IUC cuja liquidação se contesta não cabe às requerentes, dado que estas não são as proprietárias dos veículos á data do período a que se reportam os factos tributários;

c.       Os actos tributários são, por isso, ilegais por falta de legitimidade substantiva das Requerentes à luz do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC;

d.      Invoca, ainda, em síntese, o disposto nos artigos 408º, nº1, 874º, 879º e 1317º do Código Civil, bem assim como a jurisprudência resultante da decisão 14/2013 T do CAAD e do Acórdão do STJ de 03.03.1998, citado no Acórdão de 19.02.2004, todos unânimes na afirmação do princípio de que a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, “sendo válido mesmo quando celebrado por forma verbal”;

e.       O registo automóvel tem natureza meramente declarativa ou presuntiva, logo, não constitutiva da propriedade, o que significa que a presunção pode ser afastada por prova em contrário;

f.       A ATA não preenche os requisitos de terceiro para efeitos de registo pelo que não pode prevalecer-se da desactualização do registo automóvel para desconsiderar a eficácia plena das compras e vendas e exigir ao vendedor dos veículos o pagamento do IUC, assumindo que é feita a prova bastante de venda, devendo ser notificados para o pagamento os efectivos proprietários dos veículos.

 

Termina peticionando a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de IUC por violação de lei com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto e respectivos juros compensatórios, bem assim como os honorários gastos com o patrocínio judiciário necessário para apresentar o presente pedido arbitral no valor de €1.537,50 e a condenação nos juros indemnizatórios.

 

D) – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

8. A Requerida alega na sua resposta, em síntese, que não assiste razão às Requerentes cujo entendimento, alega, incorre nos seguintes equívocos:

a) numa enviesada leitura da letra da lei;

b) numa interpretação que não atende ao elemento sistemático, que viola a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal;

c) numa interpretação que ignora a ratio legis do regime consagrado no artigo em apreço e bem assim em todo o CIUC;

d) e, por fim, uma interpretação desconforme à Constituição da República Portuguesa.

 

Assenta a sua alegação no disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 3.º do CIUC, que determinam, respetivamente, que São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados” e que são sujeitos passivos do IUC “os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados”.

Alega a Requerida que o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito, aliás à semelhança do que sucede em outros normativos legais, exemplificando algumas situações previstas na lei; entende a Requerente que nos casos em que o legislador fiscal utiliza a expressão “considera-se”, não está a estabelecer uma presunção; enuncia, a título meramente exemplificativo, diversas normas constantes de diferentes códigos fiscais que utilizam a expressão “considera-se”. Entender que o legislador consagrou aqui uma presunção, assenta numa interpretação contra a lei, porquanto “a opção clara do legislador foi a de considerar que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários aqueles que como tal constem do registo automóvel;” invoca, em defesa deste entendimento, a decisão proferida no âmbito do Processo nº 210/13.0BEPNF, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.

Entende ainda que é esta a interpretação que atende ao elemento sistemático e preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal, além do que, outra interpretação seria ignorar o elemento teleológico de interpretação da lei, a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC.

Acresce que a não actualização do registo, nos termos do disposto no artigo 42º, do Regulamento do Registo de Automóveis, será imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IEC e não na do Estado, enquanto sujeito activo deste imposto; outro entendimento lançaria a AT na mais absoluta incerteza. Reforça este entendimento invocando os debates parlamentares em torno da aprovação do DL nº 20/2008, de 31 de Janeiro, dos quais transcreve excertos, para concluir que o legislador quis intencionalmente consagrar uma solução da qual resulte que o IUC é devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietários dos veículos. Invoca, também, a Recomendação nº 6-B/2012, do Sr. Provedor de Justiça, que juntou como documento nº 2 em anexo à resposta, dirigida ao Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, dos Transportes e das Comunicações.

A acrescentar a tudo isto, alega a Requerida que a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição, porquanto o principio da capacidade contributiva não é o único nem o principal princípio que enforma o sistema fiscal; do lado deste, encontramos outros com a mesma dignidade constitucional, como sejam, o princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade. Na óptica da Requerida, “a interpretação proposta pela Requerente, a qual desvaloriza a realidade registral em detrimento de uma “realidade informal” e insusceptível de um controlo mínimo por parte da Requerida, é ofensiva do basilar princípio da confiança e segurança jurídica que deve enformar qualquer relação jurídica, aqui se incluindo a relação tributária.

 

9. Por último, atendendo às regras do ónus da prova, alega ainda a falta de prova da transmissão da propriedade do veículo, dado que os documentos juntos pelas Requerentes, notas de débito, não são, na óptica da AT, por si só, documentos aptos a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, tanto mais que não provaram o recebimento do preço; refuta ao longo da sua resposta a prova apresentada para a ilisão da presunção em relação a cada um dos veículos em causa nos presentes autos, para concluir pela falta de prova capaz de afastar a presunção. Junta as decisões arbitrais nºs 150-2014-T e 220/2014-T em reforço da tese da falta de idoneidade documental das notas de débito como documentos de prova de transmissão da propriedade dos veículos em causa nos autos.

 

 Conclui a AT que os actos de liquidação de IUC não padecem de ilegalidade nem estão reunidos os pressupostos legais para a condenação em juros indemnizatórios. Manifesta a sua discordância quando ao pedido de condenação no pagamento dos honorários jurídicos invocando a recente decisão arbitral proferida no processo nº 48/2013 – T CAAD.

  Pronuncia-se quanto à ampliação do pedido das requerentes opondo-se ao mesmo.

  Conclui, pela improcedência do pedido arbitral, pugnando pela legalidade dos actos tributários impugnados e pela absolvição da Requerida no pedido.

 

 

II. QUESTÕES A DECIDIR

 

10. Atendendo às posições das Partes assumidas nos argumentos apresentados, ao Tribunal cumpre decidir as seguintes questões:

 

1ª)Da incidência subjectiva do IUC, dos efeitos do registo automóvel e da eventual existência ou não de uma presunção ilidível nesta matéria;

2ª) Da prova de transmissão da propriedade dos veículos e do afastamento da presunção;

3ª) Do direito ao pagamento dos honorários e dos juros indemnizatórios.

 

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

 

 

A)    Factos Provados

 

11. Como matéria de facto relevante para a decisão a proferir, o Tribunal dá por assente os seguintes factos:

1º) A Requerente A... SA, pessoa colectiva n.º … sucedeu universalmente, via processo de fusão, à sociedade D..., SA, e tem como objecto social a produção e comercialização de pastas celulósicas e de papel e seus derivados e afins e ainda a produção de energia eléctrica e de energia térmica;

2º) As Requerentes A... SA, supra identificada, A... SA, pessoa colectiva nº … e C.... SA, pessoa colectiva nº …, todas com sede no Pólo industrial da A..., foram notificadas para proceder ao pagamento de trinta e sete liquidações de imposto único de circulação, relativamente aos anos de 2009 a 2012, bem assim como os respectivos juros compensatórios, referentes aos veículos com as matrículas devidamente identificadas nas liquidações de IUC juntas aos autos como documentos nºs 2 a 13 e 35 a 41 em anexo ao pedido arbitral, todos devidamente discriminados no Quadro síntese junto à PI como documento nº14, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

3º) Todos os veículos automóveis referenciados nas liquidações de IUC se encontram registados na base de dados do Registo automóvel em nome das Requerentes;

4º) As liquidações de imposto foram emitidas e notificadas, com data limite de pagamento voluntário até 04.12.2013, com excepção das liquidações juntas como documento nº 12 cujo prazo limite de pagamento voluntário é de 21 de Novembro de 2013;

5º) O valor das liquidações impugnadas totaliza o valor global de €5.390,26;

6º) A Requerente efectuou o pagamento de todas as liquidações de imposto impugnadas nos autos, o que se comprova pelos documentos juntos aos autos pela Requerente e que integram o documento nº1 anexo à PI;

7º) À data dos factos tributários, as viaturas automóveis referenciadas nas liquidações de IUC aqui impugnadas encontravam-se inscritas no registo automóvel na titularidade das ora Requerentes, na qualidade de proprietárias;

8º) Em relação ao veículo de matrícula ..-..-.. foi comunicada em 27/12/2007 ao Chefe de Serviço de Finanças de … e à respectiva seguradora a baixa do veículo, como resulta provado pelos documentos nºs 30 a 33 juntos à PI.

9º) As Requerentes exerceram o seu legítimo direito de audição prévia ao qual a AT respondeu conforme consta do documento nº42 junto em anexo à PI corroborado pelo PA junto aos autos.

 

 

 

B)    FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

 

12. A decisão sobre a matéria de facto nos termos supra descritos tem por base a prova documental que as partes juntaram ao presente processo, quer a Requerente em anexo ao pedido formulado, quer a AT na resposta e PA juntos aos autos.

 

 

C)    FACTOS NÃO PROVADOS

 

13. Não existem outros factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

 

IV – FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

      Fixada a matéria de facto, importa conhecer das questões de direito supra indicadas, correspondendo, em síntese, às questões de ilegalidade suscitadas pela Requerente no presente pedido arbitral. Vejamos pois a primeira questão a decidir.

 

 

1ª - Da incidência subjectiva do IUC, dos efeitos do registo automóvel e da eventual existência ou não de uma presunção ilidível

 

 

14. A primeira questão de direito a decidir é a de saber se as Requerentes devem ser ou não consideradas como sujeitos passivos de IUC à luz do quadro jurídico aplicável e, como tal, se devem ser qualificadas como sujeitos passivos do Imposto Único de Circulação, liquidado em relação aos anos de 2009 a 2012, quanto aos veículos identificados no pedido de pronúncia arbitral.

Vem alegado no pedido arbitral pelas Requerentes que, à data dos factos tributários, já não eram proprietárias dos veículos automóveis mencionados nas liquidações de IUC impugnadas. Apesar de todos os veículos automóveis em questão se encontrarem registados em nome das Requerentes, por não ter sido actualizado o correspondente registo automóvel.

A decisão desta primeira questão implica, pois, apreciar os termos da configuração da incidência subjetiva do IUC à luz do disposto no art. 3.º, do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC), nomeadamente, a questão de saber se a incidência subjetiva assenta estritamente na inscrição da titularidade do veículo no Registo Automóvel, ou se, o registo opera apenas como uma presunção de incidência tributária, ilidível, em conformidade com o disposto no art. 73.º, da Lei Geral Tributária.

           

15. O quadro jurídico fundamental aplicável nesta matéria é o previsto nos artigos 1º a 6º, do CIUC, aprovado pela Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho.

 O artigo 1º do CIUC define a incidência objectiva do imposto, distinguindo os veículos por categorias especificadas, norma que se afigura clara e sem dificuldades de aplicação. Porém, o mesmo já não sucede com a norma de incidência subjectiva contida no nº1, do artigo 3º do CIUC, a qual está na origem do presente litígio. A análise de ambos os preceitos (artigos 1º e 3º do CIUC) permitem concluir que no funcionamento do IUC o registo automóvel tem um papel fundamental. O que importa, pois, é determinar qual é esse papel, ou seja, qual é o sentido e alcance da norma de incidência subjectiva constante do artigo 3º, nº 1, do CIUC e da eventual existência ou não de uma presunção ilidível, conexionada com a questão dos efeitos jurídicos do registo automóvel.

Sobre esta questão, as posições das partes resumem-se do seguinte modo:

- para as Requerentes estas não podem ser consideradas sujeitos passivos de IUC, ainda que, no ano a que se reportam os IUC em causa, a transmissão dos referidos veículos não estivesse devidamente registada junto da Conservatória do Registo Automóvel já que o registo, ou a sua falta não podem ser considerados elemento determinante da responsabilização tributária mas tão só uma presunção ilidível;

- para a Requerida AT o artigo 3º, nº1, do CIUC consagra uma norma de incidência tributária e não mera presunção ilidível.

Vejamos pois o que resulta do regime legal em vigor e a sua aplicação ao caso concreto dos autos.

 

Dispõe o artigo 3º do CIUC que:

“ARTIGO 3º

 

INCIDÊNCIA SUBJECTIVA

 

1 – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

2 – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.

 

 

Estabelece o nº1, do artigo 11º, da LGT que:

 

 “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”.

 

 

A interpretação e aplicação da norma jurídica, pressupõe a realização de uma actividade interpretativa, a qual deve ser objectiva, equilibrada, e conforme com a letra e o espírito da lei. Qualquer texto, e a lei não é excepção, comporta múltiplos sentidos e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras. Por essa razão, embora a letra da lei seja “o fio condutor” do intérprete, ela há-de ser interpretada tendo em conta os objectivos subjacentes, “a ratio” ou a motivação do legislador ao estabelecer a norma em análise.[2]

A estes elementos acresce um outro segundo o qual a interpretação da norma jurídica há-de respeitar a “unidade do sistema jurídico”, a sua coerência e lógica intrínseca. O artigo 9º, do Código Civil (CC), fornece as regras e os elementos fundamentais para a interpretação da norma jurídica, ao qual também obedece a interpretação da lei fiscal deve obedecer ao disposto naquele normativo, o qual começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”.[3]

A estes princípios gerais acrescem, ainda, os princípios constantes da LGT, nomeadamente no artigo 73º, que estabelece que as presunções contidas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

No que se refere à questão em análise, há que salientar o contributo das decisões arbitrais já proferidas nos processos nºs 14/2013-T, de 15 de Outubro, 26/2013-T de 19 de Julho, 27/2013-T, de 10 de Setembro, 217/2013-T de 28 de Fevereiro e, mais recentemente, nas decisões proferidas nos processos 286/2013-T, de 2 de Maio de 2014 e 293/2013-T, de 9 de Junho de 2014, e mais recentemente, nas decisões proferidas nos processos nºs 46 e 89/2014-T de 5 de Setembro de 2014, entre muitos outros, revelando uma apurada reflexão sobre a questão fundamental em apreciação, estabelecendo um entendimento uniforme sobre a existência de uma presunção ilidível consagrada no referido normativo legal. É, pois, neste quadro de fundo, utilizando os princípios hermenêuticos fundamentais acabados de referir, acolhidos pela Jurisprudência dos nossos tribunais superiores, o entendimento amplamente sufragado pelas decisões arbitrais proferidas nesta matéria que este tribunal decidirá o caso concreto em presença.

 

 

 

16. Assim, quanto à questão de saber, face ao teor literal do disposto no nº1, do artigo 3º, do CIUC, qual o alcance da expressão “considerando-se como tais”, dado que na actual versão o legislador não usou o termo “presumem-se” (o qual constava do extinto Regulamento do Imposto Sobre Veículos), entende o Tribunal que só pode ser o seguinte: o legislador presume (considera) que os proprietários são as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados. Significa isto que, tal presunção, implícita, é naturalmente ilidível nos termos previstos no artigo 73º da LGT.

A presunção estabelecida no artigo 3º, nº1, do actual CIUC, já estava consagrada nas versões anteriores dos códigos abolidos com a entrada em vigor do CIUC. Já o artigo 3.º do Regulamento do Imposto Sobre Veículos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 143/78) estabelecia que: “o imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrem matriculados ou registados”. Do mesmo modo, o art. 2.º, do Regulamento dos Impostos de Circulação e de Camionagem (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 116/94) estabelecia que: “são sujeitos passivos do imposto de circulação e do imposto de camionagem os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas singulares ou colectivas em nome das quais os mesmos se encontram registados”.

 

Na verdade, na versão actual do Código apenas mudou o verbo, optando agora o legislador pela expressão “considerando-se”. Certo é que, entre as versões legislativas anteriores e a actual entrou em vigor a LGT, que consagrou expressamente o princípio contido no artigo 73º, do qual resulta que em matéria de incidência tributária qualquer presunção admite sempre prova em contrário. Logo, torna-se indiferente a adopção de uma presunção expressa ou implícita, porquanto, uma como a outra são igualmente ilidíveis.

Assim, entende-se que o facto de o legislador, na actual versão do CIUC, ter optado por uma presunção implícita (usando a expressão “considerando-se”) em vez de uma presunção expressa (com recurso à expressão “presumindo-se”), como acontecia anteriormente, não traduz uma alteração substancial no que respeita à incidência subjectiva do imposto. Não é, pois, a titularidade constante do registo automóvel condição, por si só determinante de incidência tributária em sede de IUC, mera presunção ilidível.

 

 

17. Acresce que, contrariamente ao que vem alegado pela Requerida, podemos facilmente apontar diversos exemplos, extraídos do ordenamento jurídico tributário, em que o legislador optou pela utilização do verbo “considerar”, com um sentido presuntivo.   Além do que, como já se disse supra, tratando-se de norma de incidência tributária, nunca seria admissível a consagração de uma presunção inilidível. Como afirmam, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na anotação ao nº 3, do artigo 73º, da LGT, “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real”. E, são muitos os exemplos de normas em que é utilizado o verbo “considerar” para estabelecer presunções ilidíveis, como sucede com o disposto nº 2 do artigo 21º do CIRC, no artigo 89-A da LGT ou no artigo 40º, nº1 do CIRS entre outros. Alega, porém, a Requerida na resposta apresentada, que este mesmo vocábulo “considerando-se” também é normalmente utilizado, pelo ordenamento jurídico fiscal, para definir situações distintas de presunções. Ora, tal afigura-se normal, nomeadamente, no caso de outras normas fiscais em que o legislador utilizou a fórmula “considera-se” ou “consideram-se”, mas atribuindo-lhe outro sentido, já que se trata de expressões que, dependendo do contexto, podem assumir uma pluralidade de sentidos, sem que daí possa extrair-se a conclusão que pretende a Requerida.

 

 

18. Tendo em conta que o sistema jurídico deve formar um todo coerente, os exemplos acima referidos, bem como a doutrina e jurisprudência indicadas, permitem concluir que não é só quando é usado o verbo “presumir” que estamos perante uma presunção, mas também o uso de outros termos ou expressões, como o termo “considera-se” podem servir de base a presunções. E, como se referiu supra, sendo o elemento literal o primeiro instrumento de interpretação da norma jurídica, em busca do pensamento legislativo, importa confrontá-lo com os demais elementos de interpretação, nomeadamente o elemento racional ou teleológico, o elemento histórico e o sistemático.

E, também, nesta linha de reflexão o Tribunal não pode acompanhar a argumentação aduzida pela Autoridade Tributária. No que toca ao elemento histórico, há que referir, que desde a origem do imposto de circulação, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 599/72 de 30 de Dezembro, foi, explicitamente, consagrada uma presunção, relativamente aos sujeitos passivos do imposto como sendo aqueles em nome de quem os veículos se encontravam matriculados ou registados. Essa versão da lei usava a expressão literal “presumindo-se como tais”.

Porém, atendendo aos fins do imposto em presença, há que reconhecer que o uso da expressão “considera-se”, na atual versão, contempla uma expressão com um efeito semelhante àquela, consubstanciando, igualmente, uma presunção. Isso mesmo sucede na formulação contida no nº 1, do art.º 3º, do CIUC, em que se consagrou uma presunção, revelada por via do uso da expressão “considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão “presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão. O uso da expressão “considerando-se” justifica-se, tão somente, por se afigurar mais em sintonia com o reforço conferido à propriedade do veículo, que passou a constituir o facto gerador do imposto, nos termos constantes do artigo 6º do CIUC.

Pelo que, à luz do elemento literal da interpretação, nada obsta ao entendimento de que, o disposto no nº1, do art. 3.º, do CIUC, consagra uma presunção ilidível.

Assim, quanto à incidência subjetiva do imposto, é de concluir que não se verificam alterações relativamente à situação anteriormente em vigor no âmbito do Imposto Municipal sobre Veículos, Imposto de circulação e Imposto de Camionagem, como aliás é amplamente reconhecido pela doutrina, continuando a valer uma presunção ilidível nesta matéria.[4]

Este entendimento é, ainda, o único que se afigura adequado e conforme ao princípio da verdade material e da justiça, subjacentes às relações fiscais, com o objetivo de tributar o real e efectivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário, por constar do registo automóvel.

 

 

19. Por ser assim, tem de se permitir ao titular inscrito no registo automóvel a possibilidade de apresentar elementos probatórios bastantes para a demonstração de que o efetivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo, e que inicialmente, e em princípio, se supunha ser o verdadeiro proprietário. Caso contrário, aceitar-se-ia a supremacia da verdade formal do registo sobre a verdade material, e seria admitir a violação grosseira dos princípios fundamentais fiscais enunciados e, ainda, do princípio contido no artigo 73º, da LGT segundo o qual não existem presunções inilidíveis em matéria de incidência fiscal.

A tudo o que se deixa supra exposto acresceria a violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça, bem como o do inquisitório, consagrados, respectivamente, nos artigos 55º e 58º da LGT.

De resto, é possível extrair, ainda, um outro argumento do disposto no artigo 7º do Código de Registo Predial (o qual constitui a base jurídica fundamental em matéria de registo de propriedade) o qual dispõe que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. À luz do princípio da uniformidade e coerência intrínseca do sistema jurídico, nenhum fundamento se afigura aceitável para que o princípio vigente no registo de propriedade em geral, sofresse uma inflexão ou mesmo “atropelo” injustificado em matéria de registo automóvel.

 

 

20. Acresce ainda que, se alguma dúvida persistisse, sempre se diria que, quanto aos elementos de interpretação de pendor racional ou teleológico, a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 118/X de 07/03/2007, subjacente à Lei nº 22-A/2007, de 29/06, é bastante expressiva ao esclarecer que a reforma da tributação automóvel é concretizada por via da deslocação de parte da carga fiscal do momento da aquisição dos veículos para a fase de circulação e visa “formar um todo coerente” que, embora destinado à angariação de receita pública, pretende que a mesma seja angariada na medida dos custos ambientais que cada indivíduo provoca à comunidade”, acrescentando-se, a propósito do imposto em causa e dos diferentes tipos e categorias de veículos, que como elemento estruturante e unificador (…) consagra-se o princípio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária”, referindo, ainda, ser (…) este princípio que dita a oneração dos veículos em função da respectiva propriedade e até ao momento do abate (…)”.

Afigura-se pois claro que a lógica e racionalidade do novo sistema de tributação automóvel pressupõe e almeja um sujeito passivo coincidente com o proprietário do veículo, no pressuposto de ser esse, e não outro, o real e efetivo sujeito causador dos danos ambientais, tal como decorre do princípio da equivalência inscrito no art.º 1º, do CIUC. Este princípio da equivalência, que informa o actual imposto único de circulação, tem subjacente o princípio do poluidor - pagador, e concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar. Trata-se, afinal, de alcançar as externalidades ambientais negativas que advêm da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários e/ou pelos utilizadores, como custos que só eles deverão suportar. [5]

 

Esta é, também, a posição do tribunal arbitral nos presentes autos, entendo que estamos perante a consagração de uma presunção ilidível.

 Outro entendimento implicaria aceitar a possibilidade de tributar pessoas colectivas ou físicas sem responsabilidade na produção de quaisquer danos ambientais, enquanto os reais causadores desses mesmos danos não estariam sujeitos ao imposto, frustrando em absoluto os propósitos reguladores da própria lei, ou seja, a sua verdadeira ratio legis.

Por tudo o que fica exposto, também não se pode sufragar o entendimento contido na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, no âmbito do processo nº 210/13.0BEPNF, invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos presentes autos, nomeadamente, quando afirma que “a propriedade e a posse efectiva do veículo é irrelevante para a verificação da incidência subjectiva e objectiva e do facto gerador do imposto”.            Sentença que está longe de representar um entendimento pacífico sobre esta questão.

 

 

21. Percorridos todos os elementos de interpretação relevantes, todos apontam no sentido de que a expressão “considerando-se” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se”. Em consequência, resulta do disposto no nº 1, do art.º 3º, do CIUC, a consagração de uma presunção legal, que, face ao disposto no art.º 73º, da LGT, só pode entender-se como ilidível. Esta presunção poderá ser afastada ou ilidida caso, no âmbito do procedimento de liquidação em curso, se o titular inscrito no registo automóvel vier a demonstrar não ser aquele o verdadeiro proprietário do veículo, sujeito passivo do imposto em causa. Dir-se-á que o legislador, no novo CIUC, não sentiu a necessidade de manter na nova norma de incidência uma presunção expressa e ilidível, uma vez que após a entrada em vigor da Lei Geral Tributária (1999) “as presunções consagradas nas normas de incidência admitem sempre prova em contrário”. Logo, face ao teor do artigo 73º, da LGT, seria tecnicamente incorrecto usar a expressão “presumindo-se como tais, até prova em contrário”, constante da anterior versão em vigor.

Mas alega, ainda, a Requerida que a interpretação defendida pela Requerente nesta matéria, além de traduzir um leitura enviesada da lei e assentar numa interpretação contra legem, se mostra contrária à Constituição.

Ora, por tudo o que se deixa exposto supra, resulta também que o tribunal arbitral não acompanha a Requerida nesta alegação. Importará, ainda assim, acrescentar a todos os argumentos já expostos, um último extraído da própria jurisprudência do Tribunal Constitucional (TC). Assim, refira-se que, contrariamente ao alegado pela Requerida, a consideração de que o disposto no art. 3.º, n.º 1, do CIUC consagra uma presunção ilidível representa a melhor interpretação e a mais conforme à Constituição, conforme resulta do acórdão do TC com o n.º 348/97, de 29.4.1997, posição reiterada no acórdão n.º 311/2003, de 28.4.2003, os quais declaram a inconstitucionalidade do “estabelecimento pelo legislador fiscal de uma presunção “juris et de jure” já que “veda por completo aos contribuintes a possibilidade de contrariarem o facto presumido, sujeitando-os a uma tributação que pode fundar-se numa matéria colectável fixada à revelia do princípio da igualdade tributária”. Nesta conformidade, não se vislumbra a alegação da Requerida possa ter acolhimento.

 

 

22. Quanto à recomendação Nº 6-B/2012 do Senhor Provedor de Justiça, invocada pela Requerida AT, demonstra tão só que a interpretação e aplicação que a Autoridade Tributária veio a prosseguir quanto à solução legislativa em apreço nos autos, gerou uma situação caótica, injusta e desproporcional, para a qual a Provedoria apresenta algumas recomendações. Como já afirmámos em decisão arbitral muito recente proferida no processo nº 89-2014-T, de 1 de 27 de Agosto de 2014, esta recomendação vem, isso sim, pôr em evidência uma falha de previsão legislativa quanto às insuficiências do próprio sistema registral, quanto à articulação de competências entre os diferentes serviços envolvidos (IMTT, Registo Automóvel e Autoridade Tributária).

 

23. Em síntese: à luz da nova norma de incidência o sujeito passivo do IUC é o proprietário, ainda que não figure no registo automóvel, desde que seja feita prova bastante para ilidir a presunção legal proveniente do registo.

Naturalmente que o ónus da prova cabe à parte que tem o ónus de demonstrar que a realidade inscrita no registo não corresponde à titularidade efectiva do direito de propriedade, nos termos gerais previstos no artigo 342º do Código Civil.

Cabe, pois, às Requerentes o ónus de ilidir a presunção já que em seu nome existe um registo de propriedade automóvel do qual resulta a presunção de propriedade. Resta agora analisar a questão de saber se, nos presentes autos, as Requerentes apresentaram prova bastante para ilidir a presunção, comprovando a transferência da propriedade a favor de terceiros adquirentes.

 

3ª) Da prova de transmissão da propriedade dos veículos e da elisão da presunção

 

24. Alega a Requerida a falta de prova da transmissão da propriedade dos veículos”, dado que as notas de débito e mesmo as facturas não são, por si só, documentos aptos a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda.

As Requerentes para demonstrar a alienação das viaturas juntaram aos autos cópias de notas de débito (docs. nºs 15 a 18, 20 e 24), cópia de uma factura junta como documento nº 19 e alguma correspondência trocada com a D... e com uma empresa a propósito de processo de negociação de venda de viaturas para abate de equipamentos. Não juntou documentos comprovativos dos valores recebidos pelas vendas das viaturas (cheques, transferências bancárias ou extractos comprovativos desses recebimentos), não apresentou quaisquer documentos dos quais resultem devidamente identificados os adquirentes ou dos quais se extraia verdadeiramente a existência dos alegados contratos de compra e venda. Neste ponto cabe fazer uma referência importante e que distingue este caso de outros decididos em decisões arbitrais anteriores em que se analisam as transmissões de propriedade ocorridas no âmbito de contratos de locação financeira prévios e em que os documentos de suporte juntos pelas locadoras, para além das facturas, permitem extrair claramente a existência da transmissão da propriedade, tanto mais que se trata nesses casos de transacções comerciais ocorridas no âmbito específico da actividade das empresas devidamente tituladas pelas facturas, pelos contratos de locação de suporte e pelos extractos contabilísticos que atestam os pagamentos dos valores residuais. Ora, tais casos são manifestamente diversos, nomeadamente no que tange aos meios de prova exibidos e bem assim às circunstâncias de facto e de direito de que se revestem.

 

25. No caso dos presentes autos a alienação de bens do património das empresas Requerentes, como as viaturas em questão, não resultam demonstradas apenas com a exibição de meras notas de débito. Não por se tratar de documentos meramente unilaterais como alega a AT, já que a prova de um facto negativo como o que é exigido para afastamento da presunção constante no artigo 3º, nº1 do CIUC, ou seja, a prova de que à data dos factos tributários já não era proprietário da viatura em causa, pode ser efectuada por recurso a todos os meios de prova documental ao alcance da parte que tem a seu cargo o ónus da prova. O que tem é de demonstrar, sem margem para dúvida, recorrendo à demonstração de factos positivos que a transmissão se realizou a favor de terceiro, o qual deve ser devidamente identificado e demonstrado o pagamento efectivo do preço e que esse valor entrou na contabilidade da empresa. Ou seja, que efectivamente ocorreu um contrato de compra e venda. Entende este tribunal que a nota de débito não permite tal demonstração, por não ser um documento contabilístico idóneo para esse fim.

A transmissão da propriedade opera por mero efeito do contrato, nos termos previstos no artigo 408.º, n.º 1, do Código Civil. O contrato de compra e venda tem natureza real, isto é, a transmissão da propriedade da coisa vendida, ou a transmissão do direito alienado, tem como causa o próprio contrato. As viaturas automóveis são bens móveis, cuja transmissão de propriedade não obedece a formalismo especial. No direito português o facto que determina a transmissão da propriedade de um bem móvel (ainda que sujeito a registo) é o contrato expresso pela vontade das partes. Tanto assim é que o comprador torna-se proprietário do veículo vendido mediante a celebração do contrato de compra e venda, independentemente do registo o qual se assume como condição de eficácia e oponibilidade face a terceiros adquirentes.

Assim, a prova da existência deste contrato de compra e venda, pode ser efectuada por qualquer meio, sendo a factura um documento contabilístico idóneo para este efeito, como para muitos outros, nomeadamente fiscais, o mesmo não sucedendo com as notas de débito. Não é todavia o seu carácter unilateral não lhe retira força probatória apenas exigiria um reforço de prova que evidenciasse a existência do contrato de compra e venda, com a identificação precisa dos compradores, o que teria necessariamente de ser reforçado com a apresentação de outros meios de prova complementares, como por exemplo, do meio de pagamento.

Assim, entende este tribunal que a nota de débito não tem força probatória suficiente para a demonstração cabal da existência da alegada transmissão da propriedade. O mesmo sucede com a factura junta aos autos. Em nenhum dos casos as requerentes demonstraram sem margem para dúvida terem efectivamente concretizado os alegados contratos de compra e venda e podiam ter feito essa demonstração juntando, por exemplo, comprovativos das entradas dos respectivos valores na contabilidade da empresa.

 

A Requerida alega, a este propósito, a falta de prova bastante apresentada pelas Requerentes por considerar que os documentos juntos não são aptos a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda. Agora reforça a sua tese nas decisões arbitrais nºs 150 e 220/2014 T, bem assim como no Acórdão arbitral nº 63/2014-T. Todavia, este tribunal não acompanha, com o devido respeito, o entendimento aí vertido quanto ao valor probatório das facturas nem quanto ao rigor das exigências probatórias para afastamento da presunção, pelas razões a seguir enunciadas.

A este propósito esclareça-se que a junção aos autos das referidas decisões foi admitida, apesar do momento em que a mesma ocorreu, no absoluto cumprimento do princípio do contraditório e atendendo ao interesse da questão suscitada pela AT. Foi dada oportunidade à Requerente para se pronunciar, o que fez por requerimento junto aos autos.

 

Decorre do princípio constitucional da proibição da indefesa, que emana do direito de acesso ao direito e aos tribunais reconhecido no artigo 20º, nº1 da Constituição, que não serão constitucionalmente admissíveis situações de imposição de ónus probatório que se reconduzam à impossibilidade prática de prova de um facto necessário para o reconhecimento de um direito. Mas no caso em apreço não estamos perante uma situação de impossibilidade prática desse tipo, pois a prova de um facto negativo que é a prova de que a propriedade do veículo já não pertencia ao titular do registo pode ser efectuada através de factos positivos, por via de demonstração dos recebimentos dos preços, das entradas dos valores nas contas da empresa (extractos contabilísticos, etc).

 

Acresce ainda a propósito da questão da prova que a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deve ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina “iis quae difficilitoris sunt probationis leviores probationes admittuntur”.[6]

Estas exigências de prova devem ser acompanhadas das cautelas devidas e impostas pelo princípio da proporcionalidade, sob pena de imposição de exigências de prova que tornariam impossível o afastamento da presunção, transformando-a em presunção absoluta e inilidível o que de todo se aceita como possível. Assim, os requisitos de prova para o afastamento da presunção não podem ser tão exigentes que resultem numa impossibilidade pratica de ilidir a presunção ou, dito de outro modo, só lograr a sua ilisão se o alienante provar ter efectuado o próprio registo, substituindo-se ao próprio adquirente, invertendo as regras normais de funcionamento do registo. Essa seria uma solução equivalente a tornar a presunção inilídível o que se considera inaceitável nos termos já supra expostos.

 

O que releva, porém, é a convicção que o tribunal, face á prova documental no caso concreto em apreciação, extrai quanto ao valor dos meios de prova concretamente apresentados nos presentes autos, cuja factualidade tem de analisar para sustentar a decisão de considerar ou não ilidida a presunção decorrente do registo da propriedade automóvel.

 

 

 

 

 

Quanto a esta questão há que distinguir, em primeiro lugar, notas de débito de facturas, pois que umas e outras não têm idêntico valor contabilístico nem probatório. As notas de débito são meros documentos internos produzidos pela própria empresa para lançamentos de saldos de clientes destinados a regularizações ou outras operações mas em nenhum caso são documentos adequados para titular vendas ou transacções comerciais geradoras de receitas para a empresa. Mesmo em períodos anteriores a 2008, como alegam as Requerentes, o entendimento sobre as notas de débito enquanto documentos equivalentes a facturas, só vingava se e quando estas revestissem todos os requisitos essências da própria factura. Ora, no caso em apreço isso não sucede, pelo que também por essa razão não se considera afastada a presunção.

 

 

26. As requerentes poderiam ter reforçado esta prova com a demonstração dos meios de pagamento / recebimento dos respectivos preços ou com os extractos contabilísticos que revelassem a entrada dos respectivos montantes na conta das empresas em causa. Acresce que também seria necessário que todos os adquirentes estivessem devidamente identificados. O que não sucedeu.

No caso dos autos as Requerentes são empresas com uma dimensão assinalável no mercado e com uma boa assessoria contabilística e fiscal, pelo que, era justificável senão mesmo exigível que as vendas de viaturas usadas ou o seu abate fosse devidamente documentado e mesmo de imediato submetido ao registo automóvel evitando futuras ocorrências geradoras de eventuais prejuízos e responsabilidades para as empresas, tanto mais que estas alienações incidem sobre bens do património da empresa e não sobre existências ou bens inerentes á sua actividade normal. Assim, seria expectável, por exemplo, guardar em arquivo as declarações de venda emitidas a favor dos respectivos compradores das viaturas. Porém, as Requerentes não as apresentaram.

  Acresce que, também a correspondência apresentada nos autos referente à D... e à E…, SA, constante dos documentos nºs 22 e 23 e 27 a 29 nos deixa muitas dúvidas sobre se tais transacções ocorreram e a favor de quem, quais foram os adquirentes, pois nenhuma prova foi apresentada que comprove a existência das alegadas transacções. Tal prova podia ter sido efectuada, por exemplo, por apresentação dos comprovativos de pagamento dos respectivos preços e da identificação dos adquirente.

Assim, entende este tribunal que a mera emissão de notas de débito não é suficiente para afastar a presunção contida no artigo 3º, nº1 do CIUC. Cabia às Requerentes, por sobre elas incidir o ónus da prova, apresentar outros documentos de prova dos quais fosse possível concluir pelas alienações das viaturas a favor de adquirentes concretos, devidamente identificados.

 

Quanto à viatura com a matrícula ..-..-.., referenciada nos documentos nºs 30 a 33, fica demonstrado que por carta de 27/12/2007, a …SA, empresa do grupo A..., comunicou ao Serviço de Finanças de ... que deu baixa de um conjunto de viaturas, entre as quais a viatura com a matrícula ..-..-.., junto da então Direcção Geral de Viação. Indica na referida carta que junta os documentos enviados à DGV os quais, contudo, não são apresentados nos presentes autos, nem qualquer comprovativo de participação criminal que comprove o alegado roubo com base no qual foi participado o cancelamento à seguradora.

 Ora, também quanto a esta viatura, com os escassos meios de prova juntos aos autos as requerentes não lograram afastar a presunção do artigo 3º, nº1 do CIUC, porquanto não provaram o abate efectivo do automóvel nas bases de dados respectivas à data dos factos tributários. Ao que acresce o facto de resultar demonstrado pelo documento 66 do PA que o cancelamento da referida matrícula só foi efectivamente promovida em 17/09/2013, ou seja, em data posterior à dos factos tributários em apreço nos presentes autos.

 

 

     27. Verifica-se assim que se o registo dos veículos automóveis constantes das liquidações de IUC impugnadas nos presentes autos se encontram ainda em nome das Requerentes no registo automóvel, presume-se que o direito de propriedade dos referidos veículos ainda lhes pertence podendo, todavia, esta presunção pode ser ilidida mediante prova em contrário. (Cfr. arts. 1º do DL nº 54/75, 7º do CRP e 350º, nº 2, do CC).

No caso em apreço, como se deixa exposto supra, as Requerentes não juntaram documentos de prova suficientes para demonstrar sem margem para dúvida que ocorreram as alegadas transmissões de propriedade. As notas de débito, documentos em que sustentaram a prova apresentada nos autos, não são documentos susceptíveis de provar a existência de uma venda ou alienação dos bens nelas mencionados. Mesmo a Factura exige sempre a apresentação de outros meios de prova que demonstrem a concretização efectiva dos negócios subjacentes. Também não demonstraram ter promovido o abate da viatura com a matrícula ..-..-.. em data anterior à data dos factos tributários.

 Assim, conclui-se que a prova apresentada nos autos não se revela adequada e suficiente para ilidir a presunção.

Mais uma vez, é forçoso concluir que o registo definitivo mais não constitui do que uma presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo, a qual é ilidível, admitindo, por isso, prova em contrário.

 

E, sobre este ponto, atendendo à função legalmente reservada ao registo de publicitar a situação jurídica dos bens, forçoso é concluir, no caso dos veículos automóveis, que apenas nos permite presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular inscrito no registo. O registo não tem, pois, natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.

 

Pelo que, os adquirentes dos veículos tornam-se, assim, proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, por mero efeito do contrato, com registo ou sem ele. Esta interpretação é a única que garante perfeita sintonia entre este regime e o que resulta do disposto no nº 1, do art.º 408º, do Código Civil, segundo o qual a transferência de direitos reais sobre as coisas é determinada por mero efeito do contrato, sendo um desses efeitos a transmissão da coisa ou a titularidade do direito (cfr. alínea a), do art.º 879º do referido Código Civil).

Porém, a presunção resultante do disposto no artigo 3º, nº1 do CIUC impõe que não havendo correspondência entre o titular do registo e o verdadeiro e actual proprietário do veículo, seja necessário provar a transmissão da propriedade, sem margem para dúvida, de modo a ilidir a presunção resultante do registo automóvel.

            No caso dos presentes autos, as Requerentes não lograram demonstrar quando, a quem, como e em que condições efectivamente transmitiram a propriedade dos veículos automóveis constantes das liquidações impugnadas. Certo é que, os meios de prova juntos aos autos não permitem concluir com um grau de certeza suficiente pela verificação das alegadas transmissões de propriedade, pelo que, forçoso é concluir que não lograram afastar a presunção.

 

28. Por tudo o que se deixa supra exposto, não se considera ilidida a presunção contida no nº1, do artigo 3º do CIUC, pelo que as Requerentes assumem a qualidade de sujeitos passivos de IUC com referência às viaturas em análise, nos períodos de tributação em referência (anos de 2009 a 2012), pelo que, não se vislumbra a existência de vício de ilegalidade nas liquidações de imposto gerador da sua anulação.

 

 

 

3ª) do pedido e do direito a pagamento de juros indemnizatórios e Honorários ao mandatário das Requerentes.

 

 

29. Face a todo o supra exposto a propósito da decisão da questão anterior ficam prejudicadas as seguintes, ou seja, a questão referente aos honorários juros e aos honorários peticionados.

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V - DECISÃO

 

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

 

A) Não admitir os requerimentos de ampliação do pedido arbitral apresentados pelas Requerentes;

B) Julgar improcedente o presente pedido arbitral.

 

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nºs 1 e 2 do CPC, artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €5.390,26

 

 

Custas: Nos termos do disposto no nº 4, do art.º 22º, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00, a cargo da Requerente.

 

 

Registe-se e notifique-se. 

 

Lisboa, 15 de Outubro de 2014

 

A Juiz-Árbitro singular,

 

 

 

(Maria do Rosário Anjos)

 

 

 



[1] A presente decisão é redigida de acordo com a ortografia antiga.

[2] Neste sentido, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Discurso Legitimador, p. 175 e seguintes.

[3] Neste sentido, vd., entre outros, os Acórdãos do STA de 05/09/2012 e 06/02/2013, respectivamente, proferidos nos processos nºs 0314/12 e 01000/12, disponíveis em www.dgsi.pt.

[4] Neste sentido, cfr. Afonso, A. Brigas e Fernandes, M. (2009) Imposto Sobre Veículos e Imposto Único de Circulação, Coimbra Editora, p. 187.

[5] A este propósito, vd. a posição vertida na recente Decisão Arbitral nº 286/2013-T de 2 de Maio de 2014. No mesmo sentido, cfr. Decisões Arbitrais nºs 14/2013-T, 26/2013-T de 19 de Julho de 2013, 27/2013 –T, 217-2013-T de 28 de Fevereiro e, mais recentemente, e  293/2013-T de 9 de Junho de 2014, entre outros.

[6] Neste sentido, vd. Manuel de Andrade - «Noções Elementares de Processo Civil», 1979, pág. 203; Assento do STJ nº 4/83 de 11-7-1983, in DR, I série, de 27-08-1983;  Ac. STA de 17/10/2012, in proc. nº 0414/12, entre outros.