Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 129/2018-T
Data da decisão: 2018-09-20  Selo  
Valor do pedido: € 10.679,60
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Propriedade Vertical
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O Árbitro Marisa Almeida Araújo, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar este Tribunal Arbitral Singular, toma a seguinte,

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

A..., Lda., pessoa coletiva n.º ... (adiante designada por “Requerente”), com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, veio, ao abrigo do art. 2.º n.º 1, al. a) e dos arts. 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo art. 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos arts. 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, apresentar pedido de pronúncia arbitral para declaração de ilegalidade das notas de liquidação de Imposto do Selo, Verba 28 da TGIS, relativos ao exercício de 2015, que fixaram um imposto no valor total de € 10.679,60.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”).

 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a 21/03/2018 e automaticamente notificado à Requerida nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da al. b) do n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo legal.

Em 11/05/2018, as Partes foram devidamente notificadas, não tendo manifestado, nos termos e prazo legais, vontade de recusar a designação do árbitro (art. 11.º, n.º 1, al. a) e b) do Regime Jurídico de Arbitragem Tributária (RJAT), conjugado com os arts 6.º e 7.º do Código Deontológico).

Em conformidade com o preceituado na al. c), do n.º 1, do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 01/06/2018.

Devidamente notificada, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido e cópia do processo administrativo.

Foi dispensada a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT e, considerando a posição das partes já vertida nas respectivas peças e não havendo matéria de excepção a responder ou contraditório a exercer, foram dispensadas também as alegações das partes, dando-se cumprimento ao princípio de adequação.

 

A Requerente sustentou o seu pedido, sumariamente, alegando que,

  1. As liquidações de imposto objeto do presente pedido de pronúncia arbitral têm por referência o prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, o qual é constituído por 14 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, todos eles afetos a habitação, e se encontra inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., sob o n.º... .
  2.  O imóvel em causa apresenta um valor patrimonial tributário global de € 1.067.960,00, que resulta da soma dos valores patrimoniais tributários de cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente.
  3. A Requerente foi notificada das notas de cobrança de Imposto do Selo tendo deduzido Reclamação Graciosa, a qual foi indeferida pela Administração Tributária.
  4. A Requerente alega, em primeiro lugar, que as notificações para pagamento do imposto não contêm os elementos mínimos que devem acompanhar os actos administrativos, como resulta do disposto no art. 151.º do CPA, de modo a poder determinar-se inequivocamente o sentido e alcance do ato e os seus efeitos jurídicos, sob pena de, na sua falta, o ato tributário dever ser considerado nulo, por vício de forma, segundo a Requerente.
  5. Subsidiariamente, e quanto à matéria, a Requerente suscita a ilegalidade do imposto liquidado invocando que o imóvel em causa se encontra constituído em propriedade total, identificando a caderneta predial do imóvel com 14 frações com utilização independente, que perfazem, nesta data, um VPT de € 1.067.960,00.
  6.  A AT emitiu diversas Notas de Cobrança de Imposto do Selo relativas ao ano de 2015, sendo os dias 30/04/2016, 31/07/2016 e 30/11/2016 as datas limite para pagamento voluntário (respetivamente, as 1ª, 2ª e 3ª prestações).
  7. As referidas liquidações incidem sobre o Valor Patrimonial Tributário (VPT) das diversas frações/divisões com utilização independente que compõem o prédio.
  8.  No entanto, o VPT de cada uma das frações de utilização independente foi determinado separadamente, nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do CIMI.
  9. As liquidações assentam, segundo a Requerente, no entendimento assumido pela Autoridade Tributária de que, para efeitos de tributação em sede de IS, Verba 28 da TGIS, os prédios constituídos em propriedade total são considerados pela sua totalidade como um único prédio, relevando o somatório dos valores patrimoniais tributários das divisões ou andares com afetação habitacional.
  10. Assim, a Autoridade Tributária somou, segundo a Requerente, o valor dos VPT das 14 frações que compõem o prédio urbano, o qual atingiu o valor de € 1.067.960,00, tendo – ainda – liquidado o IS à taxa de 1% sobre o referido valor.
  11. A Requerente não concorda com as liquidações de imposto em causa, porquanto entende que as mesmas enfermam de vícios que justificam a sua anulação.
  12. Com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2013 (Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro), foi aditada a Verba n.º 28 à Tabela Geral do IS (TGIS), a qual passou a sujeitar a IS, à taxa de 1% sobre o VPT, os prédios com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00.
  13. A Lei n.º 55-A/2012 nada refere quanto à clarificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quando ao conceito de “prédio com afetação habitacional”. No entanto, o artigo 67.º, n.º 2, do CIS, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à Verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.
  14. A norma de incidência da verba 28 refere-se, pois, a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2.º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38.º e ss. do mesmo Código.
  15. De acordo com o disposto no artigo 6.º deste diploma, entre as várias espécies de «prédios urbanos», menciona-se, expressamente, os “prédios urbanos habitacionais” [cfr. n.º 1, al. a)], acrescentando, depois, o n.º 2 do mesmo artigo, que estes "são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins".
  16. Na aferição do critério que deve nortear a determinação do valor relevante para a incidência do IS sobre os prédios em propriedade vertical, deverá ter-se em conta que a inscrição na matriz deste tipo de imóveis, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respetivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, pelo que não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo.
  17. Tanto assim é, que a própria Autoridade Tributária, na emissão das liquidações ora sob pedido de pronúncia arbitral, discrimina claramente os VPT de cada fração – não ultrapassando nenhum deles a cifra de € 1.000.000,00 – fazendo, seguidamente, incidir a taxa de imposto correspondente à Verba 28 sobre o somatório de todos os VPT referentes às frações que compõem o prédio.
  18. Só haverá lugar a incidência daquela Verba se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00 – o que não sucede no caso em apreço.
  19. Concluindo a Requerente que o critério pretendido pela Autoridade Tributária como sendo o aplicável não encontra qualquer sustentação legal – nem na letra, nem no espírito da lei – e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS.
  20. Ao exposto acresce, ainda, um argumento literal: o facto de a própria lei estabelecer expressamente, na parte final da Verba 28 da TGIS, que o IS incide sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 – “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.
  21.  Concluindo que os atos tributários de liquidação de IS devem ser anulados porquanto se encontram inquinados por erro nos pressupostos de direito.
  22. Para além disso, invoca a Requerente que o legislador, ao introduzir esta inovação legislativa, considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo) sendo a fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedade de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa consagrada na Verba 28.1 da TGIS sobre “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.
  23. Nesta medida, segundo a Requerente, a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador da capacidade contributiva do sujeito passivo que detém a propriedade do mesmo pelo que, segundo a sua posição é ilegal e inconstitucional considerar como valor de referência o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão, já que violaria frontalmente os princípios da igualdade e da proporcionalidade em matéria fiscal.
  24. Concluindo, desta forma a Requerente, que deverá ser proferida declaração de ilegalidade das notas de liquidação de Imposto do Selo relativas ao exercício de 2015 – 1ª, 2ª e 3ª prestações, que fixaram um imposto no valor de € 10.679,60.

 

Por sua vez, a Requerida, sustenta a sua posição, sumariamente, alegando que,

 

  1. Quanto à questão de forma a Requerida alega que da leitura conjugada da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, dos artigos do CIS por ela alterados e do CIMI, resulta que o IS previsto na verba 28.1 da TGIS tem carácter periódico e a sua liquidação é efectuada oficiosa e vinculadamente pela AT, com base em elementos pré-determinados na matriz.
  2.  Quanto às notificações dos impostos periódicos, efectuadas por simples via postal  nos termos do art. 38.º, n.º 4 do Código de Procedimento e de Processo tributário, caso das liquidações de IS em análise nos autos, “embora (…), se atribua a designação de notificações (…), não se trata de actos com a natureza das notificações previstas no art. 36.º do CPPT, pois não têm subjacentes qualquer decisão procedimental da administração tributária, qualquer ato em matéria tributária, antes são emitidas mecanicamente pelos serviços”,   conforme entendimento do Cons. Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, vol. I, pag. 376).
  3.  Concluindo que as notificações remetidas à Requerente mais não são do que os documentos de cobrança subjacentes às liquidações processadas, com as devidas adaptações, nos termos do disposto no art. 6.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro e no art. 119.º, n.º 1 do CIMI, aplicável por força do art. 46.º, n.º 5 do CIS.
  4. Quanto à questão material a Requerida alega que o imóvel encontra-se descrito na matriz no regime de propriedade total, constituído por diversos pisos e 14 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, todos afectos à habitação.
  5. Para o cálculo do VPT, o coeficiente varia consoante o seu destino, e sendo o valor patrimonial tributário total do imóvel referente às divisões destinadas a habitação superior a € 1.000.000,00 o coeficiente de afectação aplicado foi, o de 1,00.
  6. Sendo esta a informação matricial, de acordo com o artigo 23º, n.º 7 do CIS, a liquidação de imposto do selo em causa, foi efectuada, pela Administração tributária, tendo em conta a natureza do prédio urbano, nomeadamente as suas divisões afectas à habitação, à data do facto tributário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.
  7.  Assim, tendo em conta a informação matricial constante da caderneta predial, não logra, a Requerente com os documentos que presentemente junta aos autos, fazer prova que contrarie a natureza das divisões com carácter habitacional.
  8. Logo, as liquidações de imposto de selo contestadas foram emitidas de acordo com a informação que consta da caderneta predial do prédio, portanto, são válidas e não enfermam de qualquer ilegalidade.
  9. Quanto ao valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00, suscita a Requerida que à data a Requerente detinha a propriedade plena do prédio urbano em análise, avaliado nos termos do CIMI, no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos, descrito como «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente», com valor patrimonial tributário (VP) superior a € 1.000.000,00.
  10. Em cumprimento e nos termos do disposto no artigo 6º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba n.º 28 à TGIS, com a alteração efectuada pela Lei nº 83-C/2013 de 31/12 e cuja respectiva norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do CIMI, com VP igual ou superior a € 1.000.000,00 e, nos termos do seu n.º 28.1, afectação habilitacional, procedeu a AT à notificação dos documentos de cobrança para o pagamento da liquidação em causa.
  11. O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2º, n.º 1 do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que no regime de propriedade horizontal, cada fracção autónoma é havida como constituindo um prédio.
  12. Decorre da análise do preceito normativo que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por fracções autónomas, ou seja, vários prédios.
  13. O artigo 12º do CIMI estatui o conceito de matriz predial, sendo que o seu n.º 3 respeita, exclusivamente, à forma de registar os dados matriciais.
  14. Quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o VP que serve de base ao seu cálculo, será indiscutivelmente o VP que o ora Requerente define como «valor global do prédio».
  15. Em cumprimento do disposto no artigo 119º, n.º 1 do CIMI, o documento de cobrança é enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios.
  16. Segundo a Requerida, falta sustentação legal à tese defendida pela Requerente, pois muito embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba n.º 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações, a saber, aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme n.º 4 do art. 2.º do CIMI.
  17. O que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária, conforme adiante se refere.
  18. De acordo com as regras do CIMI, concretamente o artigo 113º, n.º 1, a liquidação efectua-se com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das respectivas matrizes.
  19. Encontrando-se os prédios em regime de propriedade total, não possuindo fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do artigo 2º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2º do CIMI.
  20. Sustenta a Requerida, de acordo com a sua posição que deve o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correcta aplicação da lei aos factos.
  21. Não vislumbra ainda que a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade.
  22. Sobre a violação deste princípio, a AT entende que a previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações.
  23. A propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.
  24. Esta discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal.
  25. Sustenta a AT que a inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta de uma discrição na matriz do prédio na sua totalidade, tal como consta da caderneta predial.
  26. Concluindo que estas normas de procedimentos de avaliação, as normas sobre a inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação das partes susceptíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical, isto porque, e como já se referiu, seria ilegal e inconstitucional.
  27. Não se podendo concluir, segundo a AT, por uma alegada discriminação em violação do princípio da igualdade quando, na verdade, estamos perante realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente.
  28. Salienta ainda que a tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado.
  29. Encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção da receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável, segundo posição da AT.
  30. Assim, entende a AT que a previsão da verba 28.º da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade do art.º 13.º da CRP.
  31. Concluindo que as notificações efectuadas do pagamento de prestação do imposto não violaram qualquer princípio legal ou constitucional, devendo assim ser mantidas.
  32. Entende a AT, que se mantêm integralmente válidas e legais as liquidações do imposto de selo, verba 28 da TGIS, impugnadas nos presentes autos, concluindo-se pela legalidade das mesmas.

 

II – SANEADOR

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral, estão devidamente representadas e o tribunal é competente, nos termos do disposto nos arts 4.º e 10.º do RJAT e do art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Não se verificando matéria de excepção para apreciar e o processo não enferma de nulidades, pelo que se impõe conhecer, agora, do mérito da causa.

 

III. MÉRITO

  1.  MATÉRIA DE FACTO
    1. Factos provados e não provados

Cabe ao tribunal seleccionar os factos que importam para a decisão da causa e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados.

 

  1. A Requerente, à data da produção do facto tributário (referente ao ano de 2015), era proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo..., com o valor patrimonial total (VPT) de € 1.067.900,00, que resulta da soma dos valores patrimoniais tributários de cada uma das divisões suscetíveis de utilização independente (conforme cópias das cadernetas prediais juntas aos autos com o processo administrativo).
  2. O prédio em apreço, em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, era constituído por 14 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, todos eles afectos a habitação (conforme cópias das cadernetas prediais juntas aos autos com o processo administrativo).
  3.  A Requerente foi notificada para pagamento das liquidações de Imposto do Selo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo referentes ao ano de 2015, à taxa de 1%, sobre o VPT global das divisões de utilização independente destinados a habitação, no valor global de € 10.679,60, e emitidos os documentos de cobrança, conforme informação e extracto que resulta do processo administrativo e documentos n.ºs 2 a 15 juntos com a petição inicial.
  4. Nenhuma das divisões suscetíveis de utilização independente tem um valor igual ou superior a um milhão de euros (conforme cópias das cadernetas prediais juntas aos autos com o processo administrativo).
  5. A Requerente deduziu Reclamação Graciosa, a qual foi indeferida pela Administração Tributária a 22/12/2017, conforme suporte documental junto aos autos no PA e documento n.º 1 junto com a petição inicial.
  6. A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral a 20 de março de 2018.

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa, considerando as possíveis soluções de direito.

Não há factos dados como não provados.

 

  1. Motivação quanto à matéria de facto

Os factos provados, sobre os quais não há controvérsia, têm por base os documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e o processo administrativo junto pela Requerida.

 

2. MATÉRIA DE DIREITO

 

2.1. Questões principais

 

Do peticionado pela Requerente resultam as seguintes questões de fundo a apreciar neste processo e que elencamos de seguida:

 

  1. As notificações para pagamento do Imposto são nulas por vícios de forma.

 

  1. A expressão “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI)”, a que se referia a verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, reporta-se ao VPT de cada uma das partes economicamente independentes e com afetação habitacional de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, ou é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório de todos os VPT dos andares ou divisões de utilização independente e com afectação habitacional que o compõem.

 

  1. A inconstitucionalidade do regime fiscal e a interpretação da AT quanto ao mesmo.

 

Indicando a Requerente uma ordem de subsidiariedade na imputação de vícios às liquidações impugnadas, será de observá-la na sua apreciação, como decorre da alínea b) do n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

Cumpre decidir:

 

  1. Da validade formal

Nesta questão a Requerente alega que as notificações para pagamento do imposto não contêm os elementos mínimos de qualquer acto tributário de liquidação, nomeadamente, e conforme sua enumeração, a indicação da autoridade que o praticou e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista; a enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem; a fundamentação mínima do acto; o conteúdo ou o sentido da decisão e o respetivo objeto; e a assinatura do autor do acto.

O que, para a Requerente, o acto tributário deve ser declarado nulo, por vício de forma.

Quanto a esta matéria acompanhamos o entendimento da AT no que tange à notificação dos impostos periódicos efectuadas por simples via postal nos termos do art. 38.º, n.º 4 do CPPT, como aconteceu in casu, tratando-se de documentos de cobrança subjacentes às liquidações processadas.

Já que, e como se transcreve, “embora (…), se atribua a designação de notificações (…), não se trata de actos com a natureza das notificações previstas no art. 36.º do CPPT, pois não têm subjacentes qualquer decisão procedimental da administração tributária, qualquer ato em matéria tributária, antes são emitidas mecanicamente pelos serviços”,   conforme entendimento do Cons. Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, vol. I, pag. 376).

Mas, ainda que assim não fosse, sempre resultaria que, “as deficiências da notificação que afectem a validade desta conduzem a que o acto notificado não seja eficaz em relação ao notificado, como se prevê expressamente no n.º 1 deste artigo. No entanto, as deficiências que afectem a validade da notificação, não afectam a validade do acto notificado. Com efeito, a notificação de um acto, é um acto exterior a este e, por isso, os vícios que afectem a notificação, podendo determinar a invalidade da notificação e a consequente ineficácia do acto notificado, não afectam a validade deste”. (CPPT anotado e comentado de Jorge Lopes de Sousa, 6.ª ed., 2011, Vol. I, (página 345), em anotação ao artigo 36.º do CPPT).

Como resulta do Ac. do STA de 8 de julho de 2015 proferido no âmbito do Processo n.º 389/15-30 (consultado na página da internet www.dre.pt):

“I - A insuficiência do acto de notificação por falta de indicação dos meios de defesa não conduz à nulidade do acto, mas faculta ao notificado o direito de requerer a notificação dos elementos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, dentro do prazo fixado no n.º 1 do art. 37.º do CPPT; usando dessa faculdade, o prazo para reagir contra o acto tributário conta-se a partir da notificação dos requisitos omitidos ou da passagem de certidão que os contenha.

II - Não sendo exercida a faculdade prevista no art. 37.º n.º 1 do CPPT, a aludida omissão irreleva para afastar os efeitos normais da notificação já efectuada”.

No caso em apreço, a já Requerente peticiona que seja declarada a ilegalidade das liquidações de imposto, depois de ter apresentado Reclamação Graciosa, indeferida pela AT, pelo que é por evidente que, em caso algum, a deficiência, a existir, poderia colocar, nesta altura, em causa a eficácia do acto notificado.

Assim, sem necessidade de mais considerações, improcede esta alegação da Requerente.

 

  1. Do mérito das liquidações de Imposto do Selo

A verba 28.1, da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), aplicável às liquidações impugnadas, estabelecia a sujeição a Imposto do Selo da propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos habitacionais ou de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse para habitação e cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), fosse igual ou superior a um milhão de euros.

O conceito de prédio, para além da distinção entre prédios rústicos, mistos e urbanos (estes últimos, nos termos do art. 4.º, são todos os que não sejam rústicos ou mistos) estabelecendo o critério e as espécies de prédios urbanos encontram-se nos arts. 2.º a 6.º do CIMI.

Regime que aplicamos subsidiariamente às matérias relativas à verba 28, da TGIS, considerando a remissão legal do n.º 2 do artigo 67.º, do Código do IS, na redacção em vigor à data dos factos:

2 - Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.

            Da leitura do art. 6.º do CIMI existem diversas espécies de prédios urbanos, cuja classificação é estabelecida, de acordo com o preceito, no seu n.º 1, em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção, prevendo os n.os seguintes o que deve entender-se por cada uma daquelas designações, mormente, no seu  n.º 2 estabecele que

 “Habitacionais, (…) são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

            Do exposto, a Requerente é proprietária – no que à data dos factos diz respeito – de prédio urbano não constituído sob o regime de propriedade horizontal, com andares ou divisões de utilização independente todos destinados a habitação.

            Ao nível da liquidação do imposto, cada andar ou parte suscetível de utilização independente “é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário” (artigo 12.º, n.º 3, do CIMI).

Aliás, tanto assim é, que a AT emitiu liquidações individualizadas para cada andar ou divisão de utilização independente e não uma única liquidação sobre o “valor global” do prédio.

            Assim, o prédio urbano de que a Requerente é proprietária e de que tratam os presentes autos, integrando andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, destinadas a habitação, não poderá, globalmente, ser considerado um prédio urbano habitacional.

            O que, assim sendo, não e afigura configurável, face ao regime descrito que os andares ou divisões afetos a habitação e que compõem o prédio urbano, possam ser agregados para, no seu conjunto, integrarem a noção de prédio urbano habitacional prevista na norma de incidência da verba 28.1, da TGIS.

            Na senda da decisão proferida no âmbito do processo n.º 19/2018-T (in www.caad.org.pt):

“Não se pode por isso aceitar que, assim procedendo, a AT formule uma norma de incidência ex novo, diversa da que foi criada pelo legislador, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária, ínsito no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”.

“O que se julga resultar da ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/2012 de 29 de outubro, é que o legislador tenha querido tributar a propriedade, usufruto e direito de superfície de unidades habitacionais de VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, enquanto índice de elevada capacidade contributiva”.

Na senda da decisão do STA proferida a 29/03/2017 no âmbito do proc. N.º 0593/16 (in www.dgsi.pt):

I - A verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) aditada pelo art.º 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem aplicação aos prédios urbanos, com um artigo de matriz mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes a que foram atribuídos independentes VPT, cada um destes de valor inferior a um milhão de euros.

II - Não tendo a verba 28 da Tabela Geral efectuado qualquer distinção entre prédios em regime de propriedade horizontal e total/vertical e reportando-se ao valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, não competirá ao seu aplicador introduzir qualquer distinção, tanto mais que se trata de uma norma de incidência.

III - Se fosse intenção do legislador tributar os imóveis que tendo um único artigo matricial, por serem constituídos por partes susceptíveis de utilização independente têm atribuídos diversos valores patrimoniais tributários, e pretendesse que para efeitos de tributação em sede de imposto de selo, neste caso, se atendesse à soma desses diversos valores patrimoniais tributários, não teria acrescentado a parte final do preceito: sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.

IV - Nada na lei impondo a consideração de qualquer somatório de todos ou parte dos VPT atribuídos às diversas partes de um prédio com um único artigo matricial, também se mostra desconforme com a lei fazer-se tal operação aritmética apenas para efeito da tributação consagrada na verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo”.

            Assim, nos termos referidos e da factualidade dada como provada nenhum dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e de afetação habitacional objeto das liquidações em análise, tinha um VPT igual ou superior ao definido na norma de incidência, devendo concluir-se encontrarem-se dela excluídos.

Pelos motivos expostos, tendo-se por verificado o vício de violação de lei, por erro na aplicação do direito, decorrente da errada interpretação da norma de incidência da verba n.º 28.1, da TGIS, é forçoso concluir que as liquidações impugnadas não poderão manter-se na ordem jurídica.

 

Considerando a decisão de mérito fica prejudicado, por ser inútil [art. 130º do Código do Processo Civil (CPC)], o conhecimento das demais questões colocadas.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

  1.  Declarar a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação.
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2 do CPC, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 10.679,60.

 

 

VI.  CUSTAS

 

Nos termos do art. 22º, nº 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em
€ 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, ficando a cargo da Requerida.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de setembro de 2018

 

O árbitro,

 

 

Marisa Almeida Araújo