Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 127/2017-T
Data da decisão: 2017-08-17  IRC  
Valor do pedido: € 62.424,00
Tema: IRC - Retenção na fonte - Entidade não residente - Convenção para Evitar a Dupla Tributação
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Decisão Arbitral

 

 

                                                                                                                                                                                  

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Luís Menezes Leitão e Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28-04-2017, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A…, pessoa colectiva com sede em…, …, …, Dublin …, na Irlanda, inscrita com o número de identificação para efeitos de IVA IE…N e com o número de identificação fiscal português …, (doravante designada por “Requerente”), veio apresentar pedido de constituição do tribunal arbitral tendo em vista a anulação de actos de retenção na fonte.

A Requerente pede ainda reembolso das quantias indevidamente arrecadadas e pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante indevidamente retido na fonte.

Subsidiariamente, a Requerente pede a anulação parcial das retenções na fonte.

 É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 27-02-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11-04-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 28-04-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando excepções de incompetência do Tribunal Arbitral e litispendência, a questão prévia de inutilidade superveniente da lide e defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 10-05-2017 dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidiu-se que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

As Partes apresentaram alegações.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar prioritariamente as excepções e a questão prévia suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, começando pelas questão de incompetência (artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

 

2. Excepções

 

2.1. Questão da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar pedidos de declaração de ilegalidade de actos de retenção na fonte precedidos de revisão oficiosa

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que o artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual a Autoridade Tributária e Aduaneira ficou vinculada à jurisdição arbitral exclui as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de retenção na fonte que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.

Na alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.

No caso em apreço, é pedida a declaração de ilegalidade de actos de retenção na fonte, na sequência do indeferimento de um pedido de revisão de actos tributários efectuado após o decurso do prazo de dois anos previstos no artigo 132.º .

Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.º do RJAT.

Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».

No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.

Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ( [1] )

O mesmo sucede com a decisão do recurso hierárquico, expressamente indicada na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT como termo inicial do prazo de apresentação de pedido de constituição do tribunal arbitral.

A referência expressa aos artigos 131.º a 133.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos dos tipos aí referidos.

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.

Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto». ( [2] )

A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos dos tipos referidos nos artigos 131-º a 133.-º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para a essa exigência, o facto de estar prevista reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º», regime este que é aplicável aos actos de retenção na fonte por remissão do n.º 6 do artigo 132.º do CPPT. Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação ou retenção na fonte e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.

Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação ou retenção na fonte é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º e 3 e 6 do artigo 132.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ( [3] )

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT. E aos actos de autoliquidação, praticados pelo sujeito passivo, são equiparáveis, por mera interpretação declarativa, os de retenção na fonte que são praticados pelo substituto tributário, que é considerado sujeito passivo (artigo 18.º, n.º 3, da LGT).

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e retenção na fonte e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.

Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência aos artigos 131.º a 133.º do CPPT, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos dos tipos referidos, acabaram por incluir referência aos artigos 131.º a 133.º que não esgotam as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.

Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».

Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto e a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.

Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a solução mais acertada.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas a adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de retenção na fonte que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

No que concerne à alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira de que «o entendimento (...) de que os litígios que tenham por objecto a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT, impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a actividade da AT». ( [4] )

Na verdade, a Constituição não impõe que a interpretação dos diplomas normativos tenha de cingir-se ao teor literal e, no caso em apreço, como se explicou, devidamente interpretadas as normas do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conclui-se que a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange os casos em que actos de autoliquidação foram precedidos de pedidos de revisão oficiosa. Por isso, a interpretação que se fez não aumentou a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira em relação ao que está regulamentado, antes definiu exactamente os seus termos, que resultam do diploma regulamentar.

Por outro lado, ao interpretar e aplicar as normas jurídicas, este Tribunal Arbitral está a desempenhar a função que lhe está constitucionalmente atribuída (artigos 202.º, n.º 1, 203.º e 209.º, n.º 2, da CRP), pelo que nem se vislumbra como possa existir violação dos princípios da separação de poderes, do Estado de Direito e da legalidade, pois o decidido por este tribunal evidencia, precisamente, a perfeita concretização desses princípios: a Assembleia da República autorizou o Governo a legislar (artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril); o Governo, no uso de poderes legislativos, emitiu o RJAT; a Administração, através de dois membros do Governo, emitiu a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março; o Tribunal Arbitral interpretou e aplicou os diplomas normativos referidos.

No que respeita ao princípio do direito de acesso, causa perplexidade a alegação da sua violação feita perante um Tribunal Arbitral, um órgão absolutamente independente de ambas as Partes, que lhes deu oportunidade de alegarem o que entenderam conveniente para defesa das suas posições sobre a questão da incompetência, que ponderou as suas razões e aplicou a sua interpretação do regime legal aplicável numa decisão profusamente fundamentada: é precisamente nisto que consiste a essência do direito de acesso à justiça, a possibilidade de obter uma decisão de um órgão independente que, através de um processo equitativo, pondere os argumentos das Partes e aplique às questões suscitadas sua interpretação do regime jurídico aplicável.

Quanto à invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, definido no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, em que se refere que «o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributário», tratar-se-á, decerto, de lapso, já que ao decidir sobre a sua competência o Tribunal Arbitral não está a praticar qualquer acto de disposição de que crédito. Por outro lado, nem se vê a que crédito se referirá a Autoridade Tributária e Aduaneira, já que no presente processo, em que estão em causa actos de retenção na fonte de imposto que foi pago, não está em causa a cobrança de qualquer crédito tributário, estando já extintos, pelo pagamento, os que existiam antes das retenções na fonte e nem sequer é alegado que exista, qualquer outro crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira em relação à Requerente relacionado com as autoliquidações em causa.

Para além disso, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários aplica-se à Administração e não aos Tribunais, como entendeu o Tribunal Constitucional, na esteira da generalidade da doutrina. ( [5] )

Improcede, assim, esta excepção de incompetência, derivada de não ter sido apresentada reclamação graciosa dos actos de retenção na fonte.

Essencialmente neste sentido, relativamente a actos de autoliquidação, pode ver-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-04-2017, proferido no processo n.º 08599/15.

 

2.2. Questão da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar pedidos de declaração de ilegalidade de actos de retenção na fonte precedidos de revisão oficiosa em que não foi apreciada a legalidade de actos de liquidação

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira faz referência a um recurso hierárquico subsequente ao pedido de revisão oficiosa, de que não há conhecimento nos autos, designadamente no processo administrativo que juntou, pelo que, decerto, tratar-se-á de lapso.

Por isso, apreciar-se-á a questão colocada com referência à decisão do pedido de revisão oficiosa.

No art. 2.º do RJAT, em que se define a «Competência dos tribunais arbitrais», não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos tributários, pois, na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais».

Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele art. 2.º do RJAT.

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

Mas, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial ou a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o «sistema fiscal», inclusivamente as «garantias dos contribuintes» [arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] ( [6] ), e sobre a «organização e competência dos tribunais» [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido art. 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (art. 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de actos, para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação. ( [7] ) É uma regra que comportará excepções ( [8] ) e será afastada quando existam normas especiais ( [9] ), mas, quando não houver fundamento para afastar a regra é de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial.

À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes actos de autoliquidação. Se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação não comporta a apreciação da legalidade deste será aplicável a acção administrativa especial. Trata-se de um critério de distinção dos campos de aplicação dos referidos meios processuais de duvidosa justificação, mas o certo é que é o que resulta do teor das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e tem vindo a ser uniformemente adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo. ( [10] )

Assim, a referida delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial conduz à conclusão de que, restringindo-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos autoliquidação que comportem a apreciação da legalidade destes actos.

A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da directriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objectos possíveis do processo arbitral tributário «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objectos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos actos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação.

À face do critério de repartição dos campos do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial delineado pelas alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, não é necessário que a apreciação da legalidade de um acto de liquidação seja o fundamento da decisão procedimental ou que no pedido formulado se peça a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, bastando que esse acto a comporte, o que, neste contexto, significa que no acto impugnado se inclua um juízo sobre a legalidade de um acto de liquidação, mesmo que não seja a sua legalidade ou ilegalidade o fundamento da decisão. Diferente seria de a lei empregasse outras expressões, como «aprecie» o «decida».

No entanto, no caso em apreço, para além de o objecto primacial do processo serem os actos de retenção na fonte e a decisão do pedido de revisão oficiosa não afectar a competência para apreciar a sua legalidade, constata-se que na decisão do pedido de revisão oficiosa, apesar de se afirmar inicialmente que não se verificam os pressupostos da revisão, acaba por apreciar explicitamente a legalidade dos actos de retenção na fonte, dizendo, além do mais, o seguinte:

Com efeito, é solicitada na sua petição que se considere como rendimentos sujeitos a retenção na fonte não o valor bruto dos royalties pagos pela sua associada B…, mas estes royalties deduzidos dos encargos suportados para a sua obtenção, ou seja as comissões de gestão e de celebração dos contratos de locação bem assim como os gastos suportados com a depreciação dos equipamentos locados.

Ora, sendo a A… que exerce a actividade de locação de equipamentos, agindo a B… sociedade residente em Portugal simplesmente por conta daquela, os encargos suportados com essa actividade são custos da A…, entrando negativamente no cálculo do rendimento sujeito a tributação na Irlanda em sede de “corporation tax”.

A própria requerente afirma na sua petição (Ponto 32º) que “é ela a proprietária dos equipamentos assim adquiridos e, bem assim a titular das rendas dos respectivos contratos de locação”.

Assim sendo, a que título é que vai deduzir ao valor dos royalties facturados à sua congénere B… os custos referidos?

 

Por isso, quer porque a decisão do pedido de revisão oficiosa não afecta a competência para apreciar a legalidade dos actos de retenção na fonte, quer porque esta decisão comporta a apreciação da legalidade de actos de liquidação (retenção na fonte), improcede a excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2.3. Questão da litispendência ou suspensão da instância

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a que questão da litispendência por estar pendente no Tribunal Tributário de Lisboa um processo de impugnação judicial em que são impugnadas liquidações adicionais que se basearam no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que a retenção na fonte deveria ser superior à que foi efectuada.

Subsidiariamente, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que deve ser suspensa a instância até decisão do referido processo de impugnação judicial.

É impugnante nesse processo a B…, SA, e não a A… que é Requerente no presente processo arbitral.

Os requisitos da litispendência são enunciados no artigo 581.º do CPC, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 581.º

Requisitos da litispendência e do caso julgado

1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.

 

No caso em apreço, constata-se, desde logo, que as partes no processo de impugnação judicial referido e no presente processo arbitral não são as mesmas, pelo que está afastada a possibilidade de se verificar uma situação de litispendência.

Para além disso, no processo de impugnação judicial referido, a B…, SA pretende que sejam anuladas as liquidações adicionais e sejam mantidos os actos de retenção na fonte nos termos em que os efectuou, enquanto no presente processo a A… pretende a anulação dos actos de retenção.

Não há, assim, identidade de sujeitos e de pedidos o que basta para concluir que não se verifica uma situação de litispendência entre o presente processo e o referido processo de impugnação judicial.

Por outro lado, não se verificando os requisitos exigidos pelo transcrito artigo 581.º do CPC (os requisitos do caso julgado são os mesmos da litispendência, como se vê por este artigo), a Requerente A… não é abrangida pela força obrigatória da decisão que nele for proferida (artigo 619.º, n.º 1, do CPC), pelo que, mesmo qualquer naquele processo se afirme a legalidade das liquidações adicionais que dele são objecto, a Requerente não está impedida de a discutir no presente processo.

Assim, não há relação de dependência do presente processo em relação ao referido processo de impugnação judicial, pelo que não se justifica a suspensão da instância.

Indefere-se, assim, o requerimento de suspensão da instância ínsito na Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2.4. Questão da inutilidade superveniente da lide

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão prévia da inutilidade superveniente da lide por os montantes peticionados pela Requerente, relativamente ao período de Outubro de 2012 a Dezembro de 2013, terem já sido deferidos pela DSRI, no âmbito dos pedidos de reembolso apresentados ao abrigo da Directiva Juros & Royalties, tendo sido já remetido para a Direcção de Serviços de Reembolsos o pedido de emissão de cheques. Mais especificamente, as retenções na fonte de imposto referentes ao período de Julho a Dezembro de 2013 foram reembolsadas na totalidade ao abrigo da Directiva Juros & Royalties (Documentos n.ºs 1 a 6, juntos com a Resposta).

A Requerente confirma o que é a alegado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, dizendo que o reembolso ocorreu depois de apresentado o pedido de pronúncia arbitral (artigo 56.º das alegações da Requerente).

Diz ainda a Requerente que «atento o facto de a Requerente ter sido, entretanto, reembolsada dos pedidos de reembolso referentes às retenções na fonte, submetidos ao abrigo da Diretiva Juros & Royalties, a taxa de retenção na fonte deverá ser a taxa de 0% para os períodos de julho de 2013 a dezembro de 2013; e de 5% para os períodos de janeiro de 2012 a junho de 2013» e que «considerando o reembolso processado, (...) a Requerente reduz consequentemente o seu pedido inicial de 1.450.523,45 € e 1.949.477,25 € para os anos de 2012 e 2013, respetivamente. Pelo que, o montante peticionado no presente pedido de pronúncia é de 1.247.289,89 € e 162.322,27 € para os anos de 2012 e 2013, respetivamente, mantendo-se assim a utilidade da presente lide».

Tendo sido efectuado o reembolso integral das quantias retidas relativamente ao período de Julho a Dezembro de 2013 e tendo a Requerente já eliminado o pedido na parte respectiva, é inútil apreciar as questões colocadas quanto à devolução das quantias reembolsadas, mas subsiste o interesse da Requerente em apreciar a legalidade das retenções para efeito de apreciar se tem direito aos «juros indemnizatórios sobre a quantia que foi indevidamente retida entre janeiro de 2012 e outubro de 2013, desde a data do respetivo pagamento até à data da emissão da correspondente nota de crédito, calculados à taxa legal de juros em vigor, nos termos do artigo 43.º, n.ºs 1, 2 e 4, da LGT, e artigo 61.º, n.º 3, do CPPT», como refere no artigo 268.º do pedido de pronúncia arbitral.

Quanto às retenções relativas ao período de Outubro de 2012 a Junho de 2013, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, «o reembolso da DSRI, referente ao período de Outubro de 2012 a Junho de 2013 teve por base as retenções na fonte líquidas, ou seja, já deduzidas dos encargos com comissões de gestão e de contratos celebrados, pois conforme se retira dos pedidos apresentados pela Requerente, esta declarou e classificou o rendimento líquido nos formulários RFI a título de “Rendimento Bruto”».

Uma vez que a Requerente defende que, para além daquelas deduções de encargos, devem também ser deduzidos os encargos correspondentes às amortizações financeiras, mantém-se a utilidade da lide quanto às restantes retenções com as reduções indicadas pela Requerente no artigo 58.º das suas alegações.

 

2.5. Questão dos pressupostos da revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT

 

Embora os actos que são objecto do pedido de pronúncia arbitral sejam os actos de retenção na fonte, como se disse, a sua impugnação sem prévia reclamação e para além do prazo desta depende da verificação dos pressupostos previstos para a revisão do acto tributário, pois se não se verifica uma situação em que a Autoridade Tributária e Aduaneira devesse efectuar a revisão os actos estarão consolidados na ordem jurídica.

O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que nas situações em que pode os contribuintes podem impugnar judicialmente ou reclamar de actos de liquidação em determinados prazos, podem também, depois desses prazos estarem esgotados, pedir a revisão do acto tributário, com os fundamentos restritos previstos no artigo 78.º da LGT. A revisão tem por fundamento o dever de a Administração Tributária revogar de actos ilegais, repondo a legalidade e, nestes casos, não tem o efeito de eliminação jurídica retroactiva dos efeitos do acto (nomeadamente a nível de juros indemnizatórios), mas apenas os de restituição do que foi indevidamente cobrado. ( [11] )

Este dever de revogação de actos ilegais que a revisão do acto tributário materializa não depende de prévia impugnação ou reclamação, com também tem entendido uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo. ( [12] )

Assim, o facto de ter decorrido o prazo de dois anos previsto no n.º 4 do 132.º do CPPT e no n.º 3 artigo 137.º do CIRC para reclamação pelo substituído (titular dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte), não obsta a que apresente pedido de revisão do acto tributário.

Por outro lado, não há obstáculo à impugnabilidade dos actos de retenção derivado da exigência feita nestas normas de que a retenção tenha carácter definitivo e não mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, pois no caso em apreço, a retenção na fonte tem natureza definitiva, como resulta do artigo 94.º, n.º 3, do CIRC (na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), em que se estabelece o seguinte:

3 – As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, excepto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo:

a) Quando, nos termos dos artigos 9.º e 10.º, ou nas situações previstas no Estatuto dos Benefícios Fiscais, se excluam da isenção de IRC todos ou parte dos rendimentos de capitais;

b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis.

c) Quando se trate de rendimentos de capitais que sejam pagos ou colocados à disposição em contas abertas em nome de um ou mais titulares mas por conta de terceiros não identificados, excepto quando seja identificado o beneficiário efectivo, termos em que se aplicam as regras gerais. (Aditada pela Lei n.º 55-A/10, de 31-12).

 

            No caso em apreço, verifica-se uma situação enquadrável naquela alínea b), pelo que se está retenção na fonte com carácter definitivo e, consequentemente, está perante actos impugnáveis pela Requerente, titular dos rendimentos substituída.

            Não existia, assim, obstáculo à apreciação pela Autoridade Tributária e Aduaneira do mérito do pedido de revisão, que, aliás, concretizou.

 

            3. Matéria de facto

           

            3.1. Factos provados

           

            Consideram-se provados os seguintes factos:

A)     A Requerente A…, com sede na Irlanda, e a B…, SA, com sede em Portugal, celebraram a 28-12-2009 um contrato de Commission and Agency Agreement, cuja vigência teve o seu início a 01-01-2010 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B)     A B… promove a locação operacional de equipamentos tecnológicos através de um conjunto de parceiros comerciais cuja actividade consiste na venda de tais equipamentos;

C)     Quando uma empresa potencial cliente adquirente contacte um destes parceiros comerciais fornecedores de equipamentos para a aquisição dos mesmos e caso necessite de liquidez para o efeito, esse fornecedor promove então os serviços da B… junto do potencial cliente com vista à celebração por este de um contrato de locação do equipamento em causa com a B…, em alternativa à sua aquisição;

D)     Se o potencial cliente estiver interessado na opção pela locação dos equipamentos, a B… iniciará negociações como o mesmo para a celebração de um contrato de locação desses equipamentos;

E)      Sendo as negociações concluídas com sucesso, a B… celebra então um contrato de aluguer de equipamentos, actuando em nome próprio, mas por conta da Requerente;

F)      Celebrado o contrato de aluguer, por conte da Requerente, a B… transmite instruções ao seu parceiro comercial (fornecedor de equipamentos) para que este proceda à entrega do equipamento contratado (locado), nas instalações do cliente (locatário);

G)     O parceiro comercial (fornecedor de equipamentos) procede à venda e facturação destes equipamentos locados a B…, que os revende e refactura a Requerente;

H)     Esta aquisição e revenda decorrem do facto da B… actuar de facto por conta da Requerente, pelo que lhe transmite de imediato a propriedade dos bens locados;

I)        A revenda é sempre efectuada sem a adição de qualquer margem, razão pela qual a respectiva factura é sempre emitida à Requerente (pela B…) por um montante equivalente ao valor de aquisição dos mesmos;

J)       A proprietária e a locadora efectiva dos equipamentos locados é a Requerente;

K)     Adicionalmente, cabe ainda à B… gerir e realizar a manutenção dos contratos de locação de equipamentos celebrados com os clientes locatários localizados em Portugal;

L)      Nos termos do Commission and Agency agreement a intervenção da B… é remunerada exclusivamente através das comissões acordadas e que lhe são devidas pela Requerente;

M)    Essa remuneração, em concreto, corresponde a uma comissão de 385,00€ por cada contrato novo celebrado com um cliente em Portugal e ainda por uma comissão de gestão de 2,33€/mês por cada contrato que esteja em curso;

N)     A obtenção das rendas de locação de equipamentos sitos em Portugal implica para a Requerente um conjunto de encargos diretamente conexos com a obtenção dessas rendas em Portugal e que são indispensáveis à realização da locação;

O)     A Requerente incorre ainda com os encargos inerentes a aquisição e detenção dos bens locados, inclusivamente as depreciações dos equipamentos adquiridos para locação em Portugal;

P)      Nos termos do Commission and Agency Agreement acima referido, a B… factura então mensalmente à Requerente o custo de aquisição dos equipamentos adquiridos para locação;

Q)     Nos termos do Commission and Agency Agreement, a Requerente factura mensalmente à B… o valor das rendas de locação de equipamento, correspondente ao montante que a B… facturou e cobrou dos locatários (clientes) nacionais, em nome próprio mas por conta da Requerente, deduzido das Comissões que lhe são devidas pela celebração e pela administração e gestão dos contratos de locação;

R)     Os montantes constantes nas facturas emitidas mensalmente pela Requerente foram, entre Janeiro de 2012 e Outubro de 2013, sujeitos a retenção na fonte, pela B…, à taxa de 10 %, ao abrigo do artigo 12.º, n.º 2, da CDT Portugal-Irlanda foram os seguintes (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):

 

S)      A base de incidência da taxa de 10 % aplicada pela B…, com o objectivo de aplicar o artigo 12.º. n.º 2, da CDT Portugal-Irlanda, correspondeu ao valor das rendas de locação de equipamentos deduzidas das comissões auferidas pela B…;

T)      Os valores bruto das rendas de leasing relativas aos contratos celebrados pela B…, SA, por conta da Requerente, foi de € 24.116.437,00 em 2012 e € 29.658.205,88 em 2013, estando nesse valores incluídos os valores relativos à amortização financeira dos equipamentos locados, nos valores de € 16.018.928,14, quanto ao ano de 2012, e de € 21.591.482,51, quanto ao ano de 2013;

U)     A B… foi objecto de uma acção da inspecção tributária aos anos de 2012 e de 2013 identificada com 0 número de Ordem de Serviço Ol2014…/…, que foi iniciada em 2014 e concluída no primeiro semestre de 2015 (documento n.º 13 pedido de pronúncia arbitral, documentos juntos com as alegações da Requerente);

V)     Em 18-05-2015, a B… foi notificada do Relatório de Inspecção Tributaria em que a AT entendeu que as retenções na fonte sobre os montantes de royalties relativos aos anos de 2012 e 2013 pagos pela B… a Requerente deveriam ter sido efectuadas sobre o montante bruto das rendas de locação e não sobre o valor deduzido do montante das comissões de celebração de contratos de locação operacional e de gestão devidas à B…;

W)   Em 04-06-2015, a B… foi notificada das Demonstrações de Liquidação de retenções na fonte de IRC com os nºs 2015 … e 2015 … respeitantes às Liquidações Adicionais n.ºs 2015 … e 2015 …, relativas aos anos de 2012 e 2013 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

X)      Em 17-07-2015, a Requerente solicitou, ao abrigo do n.º 4 do artigo 96.º do Código do IRC e da Directiva n.º 2003/49/CE, também designada de Directiva Juros e Royalties, o reembolso parcial das retenções na fonte efectuadas pela B… e suportadas pela Requerente nos meses de Outubro de 2012 a Setembro de 2014 (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

Y)     Os montantes peticionados pela Requerente, relativamente ao período de Outubro de 2012 a Dezembro de 2013, foram deferidos e reembolsados pela Autoridade Tributária e Aduaneira em Abril de 2017, passando a ser aplicada a taxa de 0% de retenção na fonte para os períodos de Julho de 2013 a Dezembro de 2013 e de 5% para os períodos de Janeiro de 2012 a Junho de 2013, tendo sido emitidas guias de pagamento nos seguintes termos, relativamente aos períodos de tributação de 2012 e 2013 (artigo 57.º das alegações da Requerente e artigo 27.º da Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira):

 

 

 

 

Z)      A simulação da tributação da Requerente como não residente e como residente relativa aos períodos de Janeiro a Setembro e Outubro a Dezembro de 2012 é a seguinte (artigo 58.º das alegações da Requerente):

AA)    A simulação da tributação da Requerente como não residente e como residente relativa aos períodos de Janeiro a Junho de 2013 (artigo 58.º das alegações da Requerente):

BB)     A Requerente é detida em 90,9% do seu capital pela C…, sociedade com sede na Alemanha (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), detendo esta também 100% do capital social da B… desde 01-01-2012 (documentos n.ºs 10 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

CC)     Em 02-11-2015, a B… apresentou impugnação judicial contra as Liquidações Adicionais referidas (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

DD)     Em 21-12-2015, a Requerente solicitou a revisão oficiosa das retenções na fonte de IRC, relativamente aos meses de Janeiro de 2012 a Dezembro de 2013, por entender que a base tributável das retenções na fonte sofridas (rendas deduzidas das comissões já referidas) deveria ter sido também deduzida dos encargos com as depreciações dos equipamentos (documento nº 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

EE)  Pelos Ofícios n.º … de 02-06-2010 e … de 18-08-2016 relativos ao processo n.º …/2010, a Requerente foi notificada do projecto de indeferimento do seu pedido de revisão oficiosa e para exercer o seu direito de audição prévia (documentos n.ºs 14 e 15 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

FF)       A Requerente não exerceu o direito de audição;

GG)     Em 22-11-2010, a Requerente foi notificada do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, em que se remete para a fundamentação do projecto de indeferimento (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

HH)    Na fundamentação do projecto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa refere-se, além do mais, o seguinte:

No entanto, independentemente desta discussão, e admitindo-se que a posição da AT sobre esta matéria podia/possa ser alterada, cabendo assim a retenção na fonte no disposto do artigo 78º da LGT parece-nos que as pretensões do contribuinte nunca poderiam vir a ser satisfeitas.

Com efeito, é solicitada na sua petição que se considere como rendimentos sujeitos a retenção na fonte não o valor bruto dos royalties pagos pela sua associada B…, mas estes royalties deduzidos dos encargos suportados para a sua obtenção, ou seja as comissões de gestão e de celebração dos contratos de locação bem assim como os gastos suportados com a depreciação dos equipamentos locados. Ora, sendo a A… que exerce a actividade de locação de equipamentos, agindo a B… sociedade residente em Portugal simplesmente por conta daquela, os encargos suportados com essa actividade são custos da A…, entrando negativamente no cálculo do rendimento sujeito a tributação na Irlanda em sede de “corporation tax”.

A própria requerente afirma na sua petição (Ponto 32º) que “é ela a proprietária dos equipamentos assim adquiridos e, bem assim a titular das rendas dos respectivos contratos de locação”.

Assim sendo, a que título é que vai deduzir ao valor dos royalties facturados à sua congénere B… os custos referidos?

(…)

Não tem assim, em nosso entender, razão o sujeito passivo quando se insurge contra o teor da informação vinculativa elaborada a propósito do actual artigo 84º do CIRC (ex – 88º) por esta referir que “Existindo Convenção celebrada com o país de residência do locador, na qual se assimilem a royalties as remunerações pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento, as rendas de leasing estão sujeitas a RF a título definitivo, sobre a totalidade do rendimento (capital + juros) à taxa de 15% ou à taxa estabelecida na Convenção aplicável ao caso…

 

II)      A Administração Tributária emitiu uma ficha doutrinária com base na Informação Vinculativa proferida no processo n.º …/2003, em que se refere o seguinte:

Processo: …/2003 – com despacho concordante do Sr. Director-Geral dos Impostos, em 2004.03.25 Conteúdo: De acordo com a lei interna, as rendas de locação financeira pagas a entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva neste território ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado, encontram-se sujeitas a tributação no mesmo território, à taxa de 15%, operando a retenção a título definitivo, de acordo com o disposto no nº2 da alínea c) do nº3 do artigo 4º e alínea b) do n.º 1 do artigo 88º, ambos do Código do IRC. Existindo convenção celebrada com o país de residência do locador, na qual se assimilem a royalties as remunerações pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento, as rendas de leasing estão sujeitas a retenção na fonte, operando a mesma a título definitivo, sobre a totalidade do rendimento (capital + juros), à taxa de 15% ou à taxa estabelecida na convenção aplicável ao caso, devendo, para o efeito, a entidade devedora dessas rendas estar munida, até ao termo do prazo para a entrega do imposto, de um formulário Mod.10-RFI da Direcção de Benefícios Fiscais, certificado pelas autoridades competentes do Estado da residência (vd. nºs 3 e 4 do artigo 90º do Código do IRC).

Se o beneficiário efectivo das royalties, residente do outro Estado Contratante, exercer em território português uma actividade comercial ou industrial por meio de um estabelecimento estável aí situado ou exercer neste território uma profissão independente, por meio de uma instalação fixa aí situada e o direito ou bem relativamente ao qual as royalties são pagas estiver efectivamente ligado a esse estabelecimento estável ou a essa instalação fixa, nestes casos são aplicáveis as disposições do artigo 7º, relativo à tributação dos lucros, ou do artigo 14º, relativo à tributação das profissões independentes, consoante o caso. [13]

JJ)    Em 20-02-2017, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

            3.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

            Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

            A prova baseia-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

            Quanto aos valores da amortizações financeiras contidas nas rendas pagas pela B…, S.A, à Requerente, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 134.º da Resposta defenda que não se devem considerar provados, os fundamentos que invoca para duvidar da correspondência à realidade dos valores invocados pela Requerente não se afiguram pertinentes.

            Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira, como se vê pelos artigos 131.º e 132.º da Resposta, baseia a sua posição na falta de observância do regime previsto nos artigos 29.º e 34.º do CIRC e no Decreto Regulamentar n.º 25/2009 e não identificação dos bens em causa, nem os períodos de vida útil ou mesmo o método de depreciação utilizado, o que seria necessário se estivessem em causa amortizações técnicas de equipamentos, mas não se afigura necessário quando estão em causa amortizações financeiras contidas em rendas de locação operacional.

            Para além disso, constata-se que na decisão do pedido de revisão oficiosa a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez referência a dúvidas sobre esses valores como fundamento do indeferimento.

 

            4. Matéria de direito

 

            4.1. Questões que são objecto do processo

 

            A Requerente é não residente sem estabelecimento estável em Portugal e com sede na Irlanda.

            A B…, SA, com sede em Portugal, actuando por conta da Requerente, celebrou contratos de locação operacional de equipamentos de que esta ficou proprietária e efectuou a cobrança das respectivas rendas, que transferiu para a Requerente, deduzidas dos valores das comissões pela primeira auferidas.

            A B…, SA, efectuou a retenção na fonte de IRC relativa às rendas com base nos valores das rendas deduzidos das comissões que cobrou.

            A questão essencial que está em causa no presente processo é a de saber qual a base de incidência da tributação das rendas de locação financeira, designadamente saber se, como defende a Requerente, aquela base de incidência deve ser constituída pelo montante dos rendimentos líquidos dos encargos directamente suportados para a sua obtenção, inclusivamente com dedução dos valores das amortizações financeiras contidas nos valores das rendas, para além das referidas comissões cobradas pela B…, SA.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira entende, em sintonia com a doutrina da Informação Vinculativa proferida no processo n.º …/2003, que na situação referida a retenção na fonte deve efectuar-se, a título definitivo, com base na “totalidade do rendimento (capital + juros) à taxa estabelecida na convenção aplicável ao caso”, aplicando-se, neste caso a taxa de 10% prevista na Convenção entre a República Portuguesa e a Irlanda para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/94, publicada no Diário da República, I Série, de 24-06-1994 (doravante “CDT”). Isto é, a Administração Tributária e Aduaneira entende que as retenções na fonte deveriam ser em montantes superiores e não inferiores aos que foram retidos, pois não deveria ter sido reduzida à base tributável os valores das comissões cobradas pela B…, SA.

            Para além da interpretação do artigo 12.º da CDT, a Requerente coloca as questões da compatibilidade das retenções na fonte que impugna com as normas dos artigos 56.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e com os artigos 7.º, n.ºs 5 e 6, 8.º, n.-º 4, e 266.º, n.º 2, da CRP, bem como os artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP.

           

            4.2. Apreciação das questões

 

            O artigo 12.º desta CDT , estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

Artigo 12.º

Royalties

1 - As royalties provenientes de um Estado Contratante e pagas a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributadas nesse outro Estado.

2 - Todavia, essas royalties podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se a pessoa que receber as royalties for o seu beneficiário efectivo, o imposto assim estabelecido não excederá 10% do montante bruto das royalties.

As autoridades competentes dos Estados Contratantes estabelecerão, de comum acordo, a forma de aplicar este limite.

3 - O termo «royalties», usado neste artigo, significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como filmes ou gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secreto, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico ou por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico.

         O termo «royalties» inclui também os pagamentos relativos a assistência técnica prestada em conexão com o uso ou a concessão do uso dos direitos, bens ou informações referidos no presente número.

 

            Resulta deste n.º 3 (e não é objecto de controvérsia) que as rendas auferidas pelo locador no âmbito de contratos de locação operacional se enquadram no conceito de “royalties”, para efeitos desta CDT. ( [14] )

            É de notar que, embora a Informação Vinculativa invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira se reporte a rendas de contratos de locação financeira (que é, pelo menos duvidoso, que se enquadrem no conceito de retribuições pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico), no caso dos autos estão em causa contratos de locação operacional de equipamentos que se enquadram naquele conceito de royalties.

            As rendas de contratos de locação operacional são «retribuições de qualquer natureza atribuídas ... pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico», pelo que se enquadram no n.º 2 do artigo 12.º da CDT.

            A totalidade dos valores das rendas constitui retribuição atribuída pelo locatário ao locador pelo uso ou concessão de uso dos equipamentos e, por isso, é o valor bruto dessa retribuição que naquela norma da CDT se considera royalties, para este feito, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira.

            Aliás, é essa regra na tributação de entidades não residentes, como se explica no ponto 12 do Preâmbulo do CIRC: «Quanto às entidades não residentes, a tributação dos seus rendimentos não imputáveis a estabelecimento estável, que se fará quase sempre por retenção na fonte a título definitivo, situa-se em valores que têm em conta a natureza dos rendimentos e o facto de, em regra, as respectivas taxas incidirem sobre montantes brutos».

            É por essa razão que as taxas de retenção na fonte aplicáveis, a título definitivo, aos rendimentos dessas entidades não residentes são, em regra, consideravelmente inferiores às que corresponderiam a tributação com base no lucro tributável. Designadamente, no caso rendimentos derivados do uso ou da concessão do uso de equipamento agrícola, industrial, comercial ou científico, a taxa é de 15 %, nos termos dos artigos 87.º, n.º 4, alínea b), e 94.º, n.ºs 1, alínea b), 3 e 5, do CIRC, nas redacções vigentes nos aos em causa (2012 e 2013).

            Na verdade, se fosse de atender apenas aos rendimentos líquidos derivados do uso ou da concessão do uso de equipamentos dos tipos referidos, não haveria justificação para a taxa ser inferior à que era aplicável à tributação com base no lucro tributável, que era de 25%, nos anos referidos (para além dos acréscimos de tributação aplicáveis a entidades residentes, a título de tributações autónomas, derrama estadual e derrama municipal).

            Assim, por força do n.º 2 do artigo 12.º da CDT, sendo a Requerente beneficiária efectiva das rendas, o imposto assim estabelecido não poderá exceder 10% do seu montante bruto.

            No caso em apreço, a retenção na fonte de IRC efectuada pela B…, SA, foi de 10% do valor bruto deduzido do valor das comissões, pelo que não foi ultrapassado o limite previsto nesta norma da CDT.

            Mas, neste n.º 2 prevê-se apenas um limite à tributação das royalties (“o imposto assim estabelecido não excederá 10% do montante bruto das royalties”), pelo que não tem suporte legal o entendimento adoptado na referida Informação Vinculativa, que se reconduz a interpretá-lo como uma norma de incidência, impondo a tributação do titular das royalties através de retenção na fonte a título definitivo à taxa de 10% sobre o valor bruto destas.

            Na verdade, a 1.ª parte deste n.º 2 estabelece expressamente que «essas royalties podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado».

            Por isso, a interpretação correcta desta norma, aplicada às rendas provenientes de Portugal geradas por contratos de locação operacional, é a de que a tributação se faz de acordo com a lei vigente em Portugal, mas que, se esta exceder 10% do valor bruto das rendas, será reduzida a este valor.

            De qualquer forma, se tal excesso não existir, a tributação da Requerente não poderá exceder a que seria aplicável a uma entidade residente nas mesmas circunstâncias, por força dos princípios da proibição de restrições à livre prestação de serviços e restrições aos movimentos de capitais enunciados nos artigo 56.º e 63.º do TFUE, invocados pela Requerente com base em jurisprudência do TJUE, que convergem na sua aplicação, neste caso, com o princípio da não discriminação, enunciado no artigo 24.º da CDT, que estabelece que «os nacionais de um Estado Contratante não ficarão sujeitos no outro Estado Contratante a nenhuma tributação ou obrigação com ela conexa diferente ou mais gravosa do que aquelas a que estejam ou possam estar sujeitos os nacionais desse outro Estado que se encontrem na mesma situação».

            Na verdade, como tem sido entendido pelo TJUE, designadamente nos acórdãos invocados pela Requerente, o que é proibido por aquelas normas do Tratado e afecta aqueles princípios é a discriminação negativa de entidades não residentes face aos residentes no Estado Membro que aplica a tributação.

            Ora, no caso em apreço, como se vê pelas simulações que a própria Requerente apresente no artigo 58.º das suas alegações, o imposto a pagar se fosse tributada como residente, com dedução das depreciações à base tributável, seria sempre superior ao que pagou como entidade não residente:

– relativamente ao ano de 2012 pagou € 1.925.610,70 e se fosse entidade residente pagaria € 1.954.313,53;

– relativamente aos períodos de Janeiro a Junho de 2013 pagou € 697.843,42 e se fosse entidade residente pagaria € 1.184.483,83.

 

            Assim, é manifesto que não ocorreu discriminação negativa da Requerente por ser entidade não residente, para efeito do artigo 24.º da CDT, pelo que, não sendo ultrapassado pelas retenções na fonte efectuadas o limite de 10% previsto no artigo 12.º, n.º 2, da mesma, não foi violada qualquer norma deste diploma.

            Por outro lado, sendo a tributação que seria aplicável à Requerente, se fosse entidade residente, superior à que lhe foi aplicada através das retenções na fonte, é claro que da aplicação do direito interno não resulta qualquer restrição à liberdade de prestação de serviços, proibida pelo artigo 49.º do TFUE, pois ela visa apenas proteger a liberdade de prestação «em relação aos nacionais dos Estados-Membros estabelecidos num Estado-Membro que não seja o do destinatário da prestação». No caso em apreço, sendo menor a tributação efectuada através das retenções na fonte do que a que seria efectuada se a Requerente fosse residente em Portugal, a tributação em causa não afecta a sua liberdade de prestação de serviços em Portugal, antes a facilita.

            Esse mesmo facto de ser menor a tributação efectuada através da retenção na fonte do que a que seria aplicável se a Requerente fosse residente em Portugal obsta a que se possa divisar alguma restrição a movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º, n.º 1, do TFUE. Com efeito, essa regra não impede a aplicação das «disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido» [artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do TFUE], desde que não se traduzam em «discriminação arbitrária ou restrição dissimulada à livre circulação de capitais» (n.º 3 do mesmo artigo). No caso em apreço, a tributação através de retenção na fonte é justificada pela inviabilidade ou dificuldade de efectuar tributação de não residentes com base no lucro tributável e, sendo o regime fiscalmente favorável à Requerente, não se pode ver nele qualquer restrição dissimulada à livre circulação de capitais.

            Tratando-se de situações em que é claro que não há violação destas regras do direito de União Europeia e já há jurisprudência do TJUE que define o seu alcance, não se justifica o reenvio prejudicial a que alude a Requerente, que seria inútil [artigo 130.º do CPC subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT].

            No que concerne às normas constitucionais invocadas pela Requerente conexionadas com estas regras do direito da União Europeia e dever de sua aplicação pela Autoridade Tributária e Aduaneira (artigos 7.º, n.ºs 5 e 6, 8.º, n.º 4, e 266.º, n.º 2, da CRP), afigura-se que não é pertinente a sua invocação quando estão em causa actos de retenção na fonte que não foram praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira e que são aqueles cuja anulação a Requerente pede no final do pedido de pronúncia arbitral e que são objecto do processo. Por isso, mesmo que essas normas tivessem sido violadas pela decisão do pedido de revisão, a violação apenas poderia justificar a anulação desta decisão, mas não os actos de retenção na fonte, que não enfermam de qualquer das ilegalidades que a Requerente lhes imputa.

            De qualquer forma, pelo que se referiu, a decisão do pedido de revisão oficiosa não é incompaginável com as normas do direito de União Europeia que a Requerente invoca pelo que não foi incumprido o dever da sua aplicação que decorre dos artigos 7.º, n.ºs 5 e 6, 8.º, n.º 4, e 266.º, n.º 2, da CRP.

            No que concerne ao princípio da igualdade, enunciado no artigo 13.º da CRP, proíbe as discriminações arbitrárias. «A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo. Nesta perspectiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes. Porém, a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou nas relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da "discricionariedade legislativa" são violados, isto é, quando a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma "infracção" do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio". ( [15] )

            A distinção de tratamento fiscal de empresas residentes e não residentes é justificada por evidentes razões de praticabilidade e eficiência da tributação, em face da dificuldade ou inviabilidade de aferição correcta do lucro tributável das não residentes. Por isso, é uma medida legislativa de distinção de tratamento fiscal que não implica discriminação arbitrária.

            Por outro lado, quando os princípios da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real, trata-se de uma regra que admite excepções, como decorre da sua formulação e, neste caso, as razões de praticabilidade e eficiência que se refeririam justificam uma excepção.

            Consequentemente, não ocorre violação de qualquer destas normas constitucionais.

 

 

            5. Juros indemnizatórios

 

            O reembolso de impostos pagos e os juros indemnizatórios têm como pressuposto pagamento indevido de prestação tributária (artigo 43.º, n.º 1, da LGT).

            Não se demonstrando que as retenções na fonte sejam ilegais, improcedem, consequentemente, o pedido de reembolso e juros indemnizatórios.

 

            6. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar improcedentes as excepções e questão prévia suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

b)      Julgar extinta parcialmente a instância na parte correspondente às retenções na fonte que foram reembolsadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, referidas na alínea Y) da matéria de facto;

c)      Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos de anulação, reembolso e juros indemnizatórios.

 

 

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 4.953.518,49.

 

 

8 Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 62.424,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Tendo-se verificado inutilidade superveniente da lide parcial, quanto a retenções na fonte no valor global de € 2.456.428,17 [somas dos valores reembolsados referidos na alínea Y) da matéria de facto fixada, sem considerar a que se refere ao período de tributação de 2014, que não faz parte do objecto do presente processo], entende-se que a inutilidade é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, por não ter decidido os pedidos de reembolso no prazo de um ano previsto no n.º 5 do artigo 96.º do CIRC (o pedido de reembolso foi apresentado em 17-07-2015, como se vê pelo documento n.º 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral, e só em Abril de 2017 foram efectuados os reembolsos) e já depois de ter sido apresentado o pedido de pronúncia arbitral, em 20-02-2017.

            Assim, em face do disposto no n.º 3 do artigo 536.º do CPC, entende-se que, relativamente à parte em que se verificou a inutilidade superveniente da lide (49,59% do valor do pedido), a responsabilidade por custas cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Na parte restante, tendo a Requerente ficado vencida, cabe-lhe a responsabilidade por custas (artigo 528.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Nestes termos, são responsáveis pelas custas a Requerente na percentagem de 50,41% e a Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 49,59%

 

 

Lisboa, 17-08-2017

 

 

 

Os Árbitros

 

 

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

 

 

(Luís Menezes Leitão)

 

 

 

(Jorge Bacelar Gouveia)

 



[1]Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.

[2] BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 4.ª edição, página 100.

[3]Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.

[4] Há manifesto lapso da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao fazer referência a actos de liquidação, pois no caso em apreço estão em causa actos de retenção na fonte.

[5] Acórdão n.º 177/2016, de 29-3-2016, processo n.º 126/15.

[6]              Embora no art. 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, em que se define a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, se faça referência à criação de impostos e sistema fiscal, esta norma deve ser integrada com o conteúdo do n.º 2 do art. 103.º da mesma, em que se refere que a lei determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, que constitui uma explicitação do âmbito das matérias incluídas naquela reserva, como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional.

                A título de exemplo, indicam-se neste sentido, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

        – n.º 29/83, de 21-12-1983, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 338, página 201 (especialmente, páginas 204-205);

        – n.º 290/86, de 29-10-1986, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8.º volume, página 421 (especialmente, páginas 423-424);

        – n.º 205/87, de 17-6-1987, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º volume, página 209 (especialmente páginas 221-222);

        – n.º 461/87, de 16-12-1987, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 372, página 180 (especialmente página 197);                                                                                                                                          

        – n.º 321/89, de 29-3-1989, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 385, página 265 (especialmente página 281).

 

                O Tribunal Constitucional tem entendido também que a reserva de competência legislativa da Assembleia da República compreende tudo o que seja matéria legislativa e não apenas as restrições de direitos (neste sentido, pode ver-se o acórdão n.º 161/99, de 10-3-99. processo n.º 813/98, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 81).

[7]              No conceito de «liquidação», em sentido lato, englobam-se todos os actos que se reconduzem a aplicação de uma taxa a uma determinada matéria colectável e, por isso, também os actos de retenção na fonte (para além dos de autoliquidação e pagamento por conta, que não interessam para a decisão do presente processo).

[8] Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 2-4-2009, processo n.º 0125/09.

[9] Exemplo de uma situação deste tipo é a do art. 22.º, n.º 13, do CIVA, em que se prevê a utilização do processo de impugnação judicial para impugnar actos de indeferimento de pedidos de reembolso.

[10] No sentido de o meio processual adequado para conhecer da legalidade de acto de decisão de procedimento de revisão oficiosa de acto de liquidação ser a acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do CPTA) se nessa decisão não foi apreciada a legalidade do acto de liquidação, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20-5-2003, processo n.º 638/03; de 8-10-2003, processo n.º 870/03; de 15-10-2003, processo n.º 1021/03; de 24-3-2004, processo n.º 1588/03, de 6-11-2008, processo n.º 357/08.

                Adoptando o entendimento de que o processo de impugnação judicial é o meio processual adequado para impugnar actos de indeferimento de reclamações graciosas que tenham apreciado a legalidade de actos de liquidação, podem ver-se os acórdãos do STA de 15-1-2003, processo n.º 1460/02; de 19-2-2003, processo n.º 1461/02; e de 29-2-2012, processo n.º 441/11.

[11]Neste sentido, pode ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, processo n.º 0402/06.

[12]Por todos, pode ver-se se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-02-2013, processo n.º 0839/11, em que se afirma: «constitui jurisprudência há muito pacífica, constante e consolidada no STA, que apesar de não ter sido deduzida reclamação administrativa contra o acto de liquidação nos termos da 1ª parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT, o interessado pode ainda solicitar à administração tributária a revisão oficiosa do acto ao abrigo da 2ª parte desse n.º 1, que regula a revisão de actos tributários por iniciativa da Administração com fundamento em erro imputável aos serviços, a deduzir no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou, no caso o tributo não ter sido pago,todo o tempo) - Cfr., entre tantos outros, os Acórdãos de 20/03/2002, no Proc. n.º 26.580; de 19/11/2003, no Proc. n.º 1181/03; de 17/12/2002, Proc. n.º 1182/03; de 29/10/2003, no Proc. n.º 462/03; de 02/04/2003, Proc. n.º 1771/02; de 20/07/2003, no Proc. n.º 945/03; de 30/01/2002, no Proc. 6.231; de 28/11/2007, no Proc. 0532/07; de 21/01/2009, no Proc.0771/08; de 22/03/2011, no Proc. n.º 109/10; de 14/03/2012, no Proc. n.º 1007/11 e de 14/06/2012, no Proc. n.º 842/11».

[14] Embora a retribuição pelo pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico tenha deixado de integrar o conceito de royalties na Convenção Modelo da OCDE, Portugal reservou o direito de continuar a tributar como royalties esses rendimentos (§ 43.1 do Comentários ao artigo 12.º da Convenção Modelo da OCDE).

[15]GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, página 127.