Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 128/2017-T
Data da decisão: 2017-07-26  IRC  
Valor do pedido: € 36.233,14
Tema: IRC - Acção inspectiva - Proibição da repetição de procedimento inspectivo externo - Artigo 63º nº 4 da LGT
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Decisão Arbitral

 

Partes

 

Requerente: A…, LDA., NIPC nº…, com sede em …, Apartado …, …-…, …;

Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)

 

I.         RELATÓRIO

 

a)      Em 20 de Fevereiro de 2017 a Requerente entregou no CAAD um pedido de pronúncia arbitral (PPA) solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

 

O PEDIDO

 

b)        A Requerente pede a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação adicional de IRC n.º 2016…, referente ao ano de 2011, no valor de € 31.696,62 e de liquidação de juros compensatórios no valor de € 4.536,52, num total de € 36 233,14 .

c)        Peticiona ainda que “sendo revogados — como se impõe — os actos de liquidação objecto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, devem os montantes indevidamente pagos ser restituídos à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal, nos termos do artigo 43º, nº1, da LGT, contados desde a data em que ocorreu aquele pagamento até integral reembolso”.

 

 

 

A CAUSA DE PEDIR

 

d)        A Requerente foi alvo de uma acção inspectiva externa da qual resultou a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios acima indicada, tendo apresentado reclamação graciosa, cujo indeferimento lhe foi notificado em 5 de Dezembro de 2016, por não se conformar com o teor do Relatório Final de Inspecção.

e)        Procedimento de inspecção externo que foi efectuado ao abrigo da Ordem de Serviço nº 012013…, datada de 11 de Fevereiro de 2013, para o exercício de 2011.

f)         Invoca que as liquidações assim emitidas enfermam de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito.

g)        Primeiro porque considera que ocorreu “violação da regra do preceito do artigo 63º, nº 4, da LGT, proibição da repetição do procedimento inspectivo externo, na medida em que foram realizados mais do que um procedimento inspectivo externo, em relação ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação”,

h)        Uma vez que “… a … Requerente foi também informada de acção inspectiva anterior, ao abrigo do Despacho nº D12012…, datado de 14 de Janeiro de 2013, com o objectivo de "consulta, recolha e cruzamento de elementos", aos exercícios de 2011 e 2012

i)         Em segundo lugar porque “… a Autoridade Tributária ignorou as notas de crédito nºs FA… e FA… emitidas relativamente às facturas com os números 42 e 43”, relativas a vinho que “… não chegou a dar entrada nos inventários, porque não saiu da esfera da firma B…, como se verifica pelas aludidas notas de crédito emitidas, respectivamente, pelos montantes de € 63.972,01 e € 38.546,71”, sendo certo que o facto dos “… aludidos vinhos não terem chegado a dar entrada no inventário da Reclamante, deve-se exclusivamente ao facto de os mesmos nunca terem saído da esfera da firma B…”.

j)         E porque “… não retirando de qualquer base da contabilidade da empresa — e como tal, da verdade material —, a existência de uma venda, bem como do respectivo valor, a AT recorreu ilegalmente à utilização de métodos indirectos para determinar a matéria colectável”.

k)        Concluindo que a Requerente “... não infringiu o disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 17º do Código do IRC, porquanto a contabilidade reflecte todas as operações realizadas, já que não ocorreu qualquer transacção tendo por objecto o vinho mencionado nas facturas nºs 42 e 43, que não chegou a sair da esfera do fornecedor”.

l)         Termina pedindo o reembolso do pagamento indevido e pedindo a condenação da AT em juros indemnizatórios da seguinte forma: “… decorrendo a liquidação em crise de manifesto erro imputável aos serviços da Administração Tributária, cujo reconhecimento expressamente se requer, assiste ainda à Requerente, nos termos do artigo 43º, nº 1, da LGT, o direito a juros indemnizatórios”.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

m)     O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 27-02-2017.

n)        Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 11.04.2017. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

o)        O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 28.04.2017, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

p)        Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 28.04.2017 que aqui se dá por reproduzida.

q)        Logo em 28-04-2017 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 29.05.2017 juntando o Processo Administrativo (PA) composto por cinco ficheiros informatizados, designados por File 1 com 43 laudas, PA Parte 2 com 40 laudas, PA parte 3 com 30 laudas, PA parte 4 com 33 laudas e PA parte 5 com 9 laudas.

r)         Não se realizou a reunião de partes do artigo 18º do RJAT nem se produziram alegações escritas ou orais uma vez que as partes, por posição coincidente, prescindiram dessas formalidades processuais.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

s)        Legitimidade, capacidade e representação – As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

t)       Princípio do contraditório - Foi notificada a AT nos termos da alínea q) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes.

u)       Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do facto da Requerente ter apresentado o pedido de pronúncia em 20.02.2017 e o despacho de indeferimento da reclamação graciosa ter sido notificado em 5 de Dezembro de 2016.  Aliás, a AT não colocou em crise a tempestividade de apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

v)        A Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção externo ao abrigo da Ordem de Serviço nº 012013…, datada de 11 de Fevereiro de 2013, de âmbito parcial, para o exercício de 2011, mas apenas em 10 de Julho de 2015 lhe foi remetida a "carta aviso", comunicando que seria objecto de uma acção inspectiva para os exercícios de 2011, 2012 e 2013.

w)      Refere que a acção inspectiva teve início em 27 de Julho de 2015, com a assinatura da Ordem de Serviço e terminou em 3 de Dezembro de 2015.

x)        Mais refere: “contudo, a ora Requerente foi também informada de acção inspectiva anterior, ao abrigo do Despacho nº D12012…, datado de 14 de Janeiro de 2013, com o objectivo de "consulta, recolha e cruzamento de elementos", aos exercícios de 2011 e 2012 … assinada pelo gerente da Requerente em 22 de Janeiro de 2013 data de início dessa acção inspectiva”.

y)        Conclui que “… houve lugar a duas acções inspectivas externas, sobre o mesmo exercício, com o mesmo âmbito e o mesmo sujeito passivo: uma primeira ao abrigo do Despacho nº D12013…, de 14/01/2013, com início em 22/01/2013, com a assinatura do gerente da Requerente; uma segunda ao abrigo da Ordem de Serviço nº 012013…, de 11/02/2013, com início em 27/07/2015, com a assinatura do gerente da Requerente”.

z)        Invoca para sustentar esse raciocínio que “nos termos do disposto no artigo 13º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPIT), quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em: Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos; Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso”.

aa)    Concluindo que “ocorreu assim, a violação da regra do preceito do artigo 63º nº 4 da LGT, proibição da repetição do procedimento inspectivo externo, na medida em que foram realizados mais do que um procedimento inspectivo externo, em relação ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação”, uma vez que “…não se verificou qualquer facto que desse origem à reabertura, reanálise, modificação ou promoção de aditamentos à inspecção já iniciada, pelo que não pode senão estar em casa a violação destes artigos”.

bb)    Mesmo que assim não fosse, refere que “… terá de entender-se que a acção inspectiva ao ano de 2011 se iniciou verdadeiramente em 22 de Janeiro de 2013, aquando da assinatura pelo gerente da Requerente do Despacho do Procedimento de Inspecção datado de 14 de Janeiro de 2013, tendo durado até Janeiro de 2015 — já que não sabe a Requerente da data certa do seu termo, atenta a falta de notificação do Relatório de Inspecção”, pelo que “… foi, em muito, ultrapassado o prazo de 6 meses previsto no artigo 36º do RCPIT, sem que qualquer prorrogação tenha sido comunicada à Requerente”.

cc)    Por outro lado invoca ainda que ocorreu um “erro na correcção da matéria colectável”, porquanto “a Autoridade Tributária procedeu a correcções aritméticas em sede de IRC, com base nas conclusões constantes do relatório de inspecção tributária, que se consubstanciaram num acréscimo à matéria colectável do valor de € 100.063,00, por omissão de venda de vinhos, com base nas facturas de compra de vinho … (facturas nºs 42 e 43 juntas ao Relatório de Inspecção Tributária)”com o que a Requerente não se conforma “… uma vez que a Autoridade Tributária entende, pelo simples facto de não se encontrar o mencionado vinho inscrito em inventário, existiu, sem mais uma venda”, ignorando “… as notas de crédito nºs FA00… e FA… emitidas relativamente às facturas com os números 42 e 43”.

dd)    “… a Requerente já pretendeu esclarecer, sem sucesso, que o vinho não chegou a dar entrada nos inventários, porque não saiu da esfera da firma B…, como se verifica pelas aludidas notas de crédito emitidas, respectivamente, pelos montantes de € 63.972,01 e € 38.546,71”.

ee)    Concluindo que “acresce que, não retirando de qualquer base da contabilidade da empresa — e como tal, da verdade material —, a existência de uma venda, bem como do respectivo valor, a AT recorreu ilegalmente à utilização de métodos indirectos para determinar a matéria colectável”, “face aos quais a AT tem que ter sempre presente o carácter marcadamente excepcional e subsidiário, em respeito pelos requisitos e condições previstos nos artigos 87º e 89º da LGT”, pelo que “… não infringiu o disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 17º do Código do IRC, porquanto a contabilidade reflecte todas as operações realizadas, já que não ocorreu qualquer transacção tendo por objecto o vinho mencionado nas facturas nºs 42 e 43, que não chegou a sair da esfera do fornecedor”.

ff)      Quanto ao pedido de reembolso do valor pago e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios refere “… decorrendo a liquidação em crise de manifesto erro imputável aos serviços da Administração Tributária, cujo reconhecimento expressamente se requer, assiste ainda à Requerente, nos termos do artigo 43º, nº 1, da LGT, o direito a juros indemnizatórios computados sobre aquele montante”, pelo que “… sendo revogados — como se impõe — os actos de liquidação objecto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, devem os montantes indevidamente pagos serem restituídos à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal, nos termos do artigo 43º nº1 , da LGT, contados desde a data em que ocorreu aquele pagamento até integral reembolso”.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

Por impugnação

gg)    A Requerida tem outra leitura dos factos e propugna pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

hh)    Refere que “em cumprimento da Ordem de Serviço Externa n.º OI2013…, datada de 11-02-2013, foi desenvolvido pela Divisão de Inspecção Tributária II (DIT II), da Direção de Finanças de …, um procedimento de inspecção externo ao exercício de 2011 – da ora Requerente” e que “da referida acção inspectiva resultaram correcções meramente aritméticas, em sede de IRC e IVA, as quais se encontram devidamente explicitadas no Capítulo III do RIT

ii)       E que “… o que desencadeou os presentes autos foi a abertura e conclusão com correcções da Ordem de Serviço Externa n.º OI2013…, datada de 11-02-2013, desenvolvida pela Divisão de Inspecção Tributária II (DIT II), da Direção de Finanças de …, ao exercício de 2011” e que “… em nada relacionada surge aos autos a indicação da abertura do DI2013…, que segundo a Requerente se trata de uma repetição do procedimento inspectivo, por estar em causa o exercício de 2011, elencando assim a possível violação de vários preceitos legais”.

jj)        Discorda do raciocínio expendido pela Requerente quanto à existência de dois procedimentos de inspecção externos simultâneos, uma vez que “a abertura do DI2013… foi apenas e tão só para consulta, recolha de elementos e informações solicitadas pelas Autoridades Espanholas, tendo como objectivo a recolha e envio de informação sobre algumas operações entre a A… e a C…”, sendo que este “… despacho, não se trata de uma Ordem de Inspecção no mesmo sentido da OI2013… . Neste caso temos uma DI a qual foi atribuída o n.º 2013…, a qual credenciou os inspectores a recolherem os elementos solicitados pelo CLO, isto porque não existe qualquer pronúncia pelos nossos serviços de inspecção sobre os elementos recolhidos.

kk)  E continua a referir que “Só posteriormente com a abertura da Ordem de Serviço Externa n.º OI2013… é que a Requerente foi efectivamente objecto de uma acção de inspecção, o que culminou com a notificação do Relatório de Inspecção à ora Requerente que ocorreu através do ofício n.º … com data de 07-01-2016 a que coube o registo dos CTT n.º RM … PT, vide fls. 113 a 115 do Relatório Inspectivo – ora PA”, concluindo que “portanto em data anterior à liquidação, e em obediência ao disposto no n.º 1 e n.º 2 do artigo 62.º do RCPIT, para conclusão do procedimento de comprovação e verificação é elaborado um relatório final com vista à identificação dos factos detectados e sua qualificação jurídico tributária, o qual “deve ser notificado ao contribuinte por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no n.º 4 do artigo 60.º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação”, sendo que “ … a OI201…, inicialmente era parcial e incluía os exercícios 2011, 2012 e 2013, posteriormente, o âmbito da acção inspectiva passou para geral” .

ll)     E explica que “…o SIIIT (sistema informático de apoio às inspecções tributárias), a partir de 2014/2015 deixou de permitir a inclusão de mais do que um exercício em cada ordem de serviço”, resultando que “… quando se procedeu à alteração do âmbito da inspecção teve que se abrir duas novas OI”, resultando que “a OI2013… passou a incluir apenas 2011 e foi aberta OI2015… e OI2015…, respectivamente para 2012 e 2013”, como está devidamente explicada no relatório inspectivo.

mm)  Finaliza referindo que face a esta informação “… a argumentação vertida no pedido de pronuncia arbitral que defendia a existência de uma repetição de procedimento inspectivo ao exercício de 2011, deverá improceder por não provada”.

nn)    Quanto às correcções efectuadas em sede inspectiva, discorda a Requerida do ponto de vista da Requerente.

oo)    Em primeiro lugar porque “… a correcção relativa à omissão de vendas de vinhos encontra-se devidamente explicitada e fundamentada no Capítulo III – 1 do Relatório de Inspecção Tributária, vide folhas 22 a 31 do Processo de Reclamação Graciosa e folhas 10 a 18 do Relatório de Inspecção Tributária”, ocorrendo que “Da análise efectuada aos documentos de suporte aos lançamentos contabilísticos verificaram os Serviços da Inspecção Tributária situações que influenciaram negativamente o Resultado Liquido do Exercício por via do apuramento do Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas (CMVMC), sem existir uma contrapartida em rendimentos”.

pp)  E depois porque  “de uma forma resumida os SIT verificaram que: o inventário a 31 de Dezembro de 2011, não inclui o conteúdo das facturas nº 42 e nº 43, emitidas em 2011 por B…; na IES do exercício de 2012, o valor mencionado como inventário inicial é o mesmo do inventário a 31 de Dezembro de 2011; o vinho adquirido nas facturas nº 42 e nº 43, emitidas em 2011 por B…, não consta em nenhuma factura de venda de vinhos constantes da contabilidade; embora o sujeito passivo, em resposta à notificação efectuada no decurso do procedimento inspectivo, argumente que o vinho foi devolvido, em parte, pela Nota de Crédito nº…, datada de 03-03-2015, verifica-se que o vinho devolvida não é coincidente com o vinho constante nas facturas nº 42 e nº 43; Ambas as facturas foram contabilizadas numa sub conta 31 - compras (31212 –Compras mat.prim.-mer. intrac.);  as facturas nº 42 e nº 43 influenciaram o Custo das Mercadorias vendidas e matérias consumidas (CMVMC) em 100.063,00€, contudo não existe na contabilidade a venda dos vinhos, nem consta em inventário final; as facturas nº 42 e nº 43, emitidas em 2011 por B…, foram pagas pela A…, conforme se pode observar pela conta corrente do fornecedor – conta 221120224 –B…”.

qq)    Pelo que, concluíram os Serviços de Inspecção tributária que: “(...)o vinho foi alienado pelo sujeito passivo no decurso do exercício de 2011, contudo não se encontra, a respectiva venda, reflectida nos registos contabilísticos, ou seja, existe uma omissão de venda de vinhos na contabilidade do sujeito passivo”. “Os vinhos em causa, foram adquiridos através da factura nº 42, datada de 26-09-2011, no valor de 48.000,00€ e nº 43, datada de 09-12-2011, no valor de 52.063,00€, ambas emitidas por B…”. “Em virtude de na contabilidade do sujeito passivo, referente ao exercício de 2011, as vendas de vinho serem muito pouco expressivas, não foi possível proceder à determinação da margem bruta de vendas obtida. Assim, vamos proceder ao apuramento do montante das vendas de vinho omitidas, considerando o valor de venda igual ao respectivo valor de aquisição”.

Foi apurado um acréscimo de vendas no valor de 100.063,00€.”

rr)      Pelo que “… nos termos conjugados do disposto no n.º 1 do artigo 17.º, na alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo e ainda da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º todos do CIRC, tem que ser acrescido ao resultado líquido o valor de € 100.063,00, sendo que o respectivo gasto já se encontra reflectido no custo das existências vendidas e consumidas apurado pelo sujeito passivo e declarado à Administração Fiscal”, “tanto mais, que até à presente data a reclamante não juntou aos autos (junto da AT nem junto do pedido de pronuncia arbitral) a Nota de crédito n.º FA… no valor de € 63.972,01”, “porquanto a Nota de Crédito FA… junta não diz respeito às aquisições de vinho constantes das facturas n.ºs 42 e 43”.

ss)     Discorda ainda que a AT tenha lançado mão da tributação por métodos indirectos, porquanto “…da análise à fundamentação do Relatório Inspectivo que explica as correcções efectuadas, verificamos uma improcedência de tais alegações por se tratar de uma quantificação directa”.

tt)       Quanto ao pedido de reembolso dos valores pagos pela Requerente e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios refere que “… a Administração Tributária fez a aplicação da lei, vinculadamente, nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT”, uma vez que “os actos tributários em crise são válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, não tendo ocorrido, in casu, qualquer erro imputável aos serviços”.

uu)    Propugna pela manutenção na ordem jurídica dos actos tributários em causa por estarem em conformidade com a lei com improcedência dos pedidos e sequente absolvição dos mesmos.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

Em primeiro lugar, cumpre ao TAS apurar se perante os factos trazidos ao pleiteio e que são admitidos por acordo ou provados por documentos, estamos perante dois procedimentos de inspecção tributária (externos) face à definição que consta da lei (artigo 13º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária – RCPIT).

 

Ou seja, haverá que apurar se a primeira diligência levada a efeito ao abrigo do Despacho nº D12013…, de 14/01/2013, com início em 22/01/2013, com a assinatura do gerente da Requerente, corresponde a um procedimento de inspecção tributária externo, uma vez que quanto à segunda diligência levada a efeito ao abrigo da Ordem de Serviço nº 012013…, de 11/02/2013, com início em 27/07/2015, nem tal é questionado.

 

Caso o primeiro procedimento seja de classificar como “procedimento externo de fiscalização” haverá que verificar, ainda, se estão ou não preenchidos os demais requisitos da admissibilidade de mais que um procedimento do nº 4 do artigo 63º da LGT (quanto ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação).

 

Caso o primeiro procedimento não seja de classificar como “procedimento externo de fiscalização” ou caso de verifiquem os requisitos que permitem a existência de mais que um procedimento, quanto ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, ter-se-á que passar à análise do segundo fundamento aduzido pela Requerida para impugnar a liquidação, a saber “erro na correcção da matéria colectável”, quer por alegada inconsideração das notas de crédito nºs 42 e 43, quer por alegada utilização de métodos indirectos para determinar a matéria colectável em IRC.

 

Por último, caso proceda o pedido de pronúncia arbitral terá que se apreciar o pedido de reembolso dos valores pagos por via da liquidação oficiosa qui impugnada e bem assim o direito aos juros indemnizatórios.

 

Refira-se que os tribunais arbitrais fiscais só podem decidir segundo “o direito constituído”.

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA.

FUNDAMENTAÇÃO

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.

 

Factos provados

 

1.      Com data de 14 de Janeiro de 2013 os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Serviços de … procederam à emissão de um despacho de credenciação de dois inspectores tributários com o nº D12012…, nos termos dos nºs 4 e 5 do artigo 46º do RCPIT com a finalidade de obterem junto da Requerente “consulta, recolha e cruzamento de elementos” quanto aos exercícios económicos de 2011 e 2012 – conforme documento nº 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa), artigo 11º do ppa e parcialmente os artigos 17º a 20º da resposta.

2.      Em 22 de Janeiro de 2013 o gerente da Requerente tomou conhecimento do despacho referido no número anterior a quem foi entregue uma cópia - conforme documento nº 3 frente junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa) e artigo 12º do ppa.

3.      Em 15 de Abril (04) de 2013 o gerente da Requerente assinou a nota de diligência (artigo 64º do RCPIT) emitida pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Serviços de … - conforme documento nº 3 verso junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa).

4.      Em 11 de Fevereiro de 2013 os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Serviços de … procederam à emissão da Ordem de Serviço nº 012013… pela qual foram credenciados inspectores tributários para a realização do procedimento de inspeção externo à Requerente, quanto ao exercício de 2011 – conforme relatório de inspecção: lauda 18 do PA (File 1 com 43 laudas), folha 7/43 do documento nº 2 junto com o ppa, artigo 8º do ppa e artigo 13º da resposta.

5.      Com data 10 de Julho de 2015, no cumprimento do disposto na alínea l) do nº 3 do artigo 59º da Lei Geral Tributária e do artigo 49º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, foi enviada "carta-aviso" à Requerente,  através do ofício nº…, comunicando-lhe que iria ser objeto de uma ação inspetiva para os anos/exercícios de 2011, 2012 e 2013, tendo posteriormente passado a incluir apenas o ano/exercício económico de 2011 – conforme relatório de inspecção: lauda 18 do PA (File 1 com 43 laudas), folha 7/43 do documento nº 2 junto com o ppa  e artigo 9º do ppa.

6.      Em 27 de Julho de 2015 teve início o procedimento externo de inspecção, sendo a Ordem de Serviço assinada pelo gerente da sociedade, tendo a análise dos documentos contabilísticos sido efetuada, por indicação do sujeito passivo, nas instalações do TOC - conforme relatório de inspecção: lauda 18 do PA (File 1 com 43 laudas), folha 7/43 do documento nº 2 junto com o ppa e artigo 10º do ppa.

7.      Em 03 de Dezembro de 2015 os atos de inspeção terminaram com a assinatura da respetiva Nota de Diligência, assinada pelo gerente da sociedade aqui Requerente - conforme relatório de inspecção: lauda 18 do PA (File 1 com 43 laudas), folha 7/43 do documento nº 2 junto com o ppa e artigo 10º do ppa.

8.      Com data de 07 de Janeiro de 2016, pelo ofício nº…, foi a Requerente notificada do Relatório de Inspecção resultante do procedimento inspectivo referido referidos nos nºs 4 a 7 supra, mediante registo dos CTT n.º RM … PT, entregue em 12 de Janeiro de 2016 – conforme artigo 23º da resposta e folhas 113 a 115 do PA (PA parte 4).

9.      Constam do Relatório de Inspecção correcções em sede de IRC, a saber:

Conforme folhas 18/43 do documento nº 1 junto com o ppa e folhas 30 do PA (File 1 com 43 laudas).

10.  Em 13 de Janeiro de 2016 a Requerida emitiu a liquidação de IRC 2016 … referente ao ano de 2011, no valor de € 31.696,62 e a liquidação de juros compensatórios nº 2016 … no valor de € 4.536,52, totalizando um valor a pagar de 36 233,14 euros – conforme folhas 120 do PA (PA parte 4) junto com a resposta, artigo 1º do ppa e artigo 1º da resposta.

11.  Em 11 de Maio de 2016 a Requerente pagou o montante global referido no número anterior – conforme documento nº 1 junto com o ppa.

12.  Em 12 de Julho de 2016 a Requerente apresentou uma reclamação graciosa contra as liquidações de IRC referidas em 10 supra, que tomou o nº …2016…, a qual, após audição prévia, lhe foi indeferida por despacho de 30 de Novembro de 2016 da Senhora Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de …, notificado à Requerente pelo ofício … e por esta recebido em 05 de Dezembro de 2016conforme artigo 2º do ppa, folha 1 do PA (File 1 com 43 laudas), folha 150, 151 e 152 do PA parte 4.

13.  Em 20 de Fevereiro de 2017 a Requerente entregou CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (ppa) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR

 

Face à matéria de facto provada, cumpre, em primeiro lugar, verificar se o procedimento a que se alude nos números 1 a 3 da matéria de facto considerada assente, corresponde a um procedimento de inspecção externo, uma vez que, quanto à segunda diligência levada a efeito ao abrigo da Ordem de Serviço nº 012013…, de 11/02/2013, com início em 27/07/2015, nem tal é questionado.

 

Caso o este primeiro procedimento seja de classificar como “procedimento externo de fiscalização” haverá que verificar ainda se estão ou não preenchidos os demais requisitos da admissibilidade de mais que um procedimento, conforme o prescrito no nº 4 do artigo 63º da LGT (quanto ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação).

 

Desde logo, a próprio documento de credenciação refere “procedimento de inspecção – despacho – nos termos dos nº 4 e 5 do artigo 46º do RCPIT”.

 

Ora, ao inserir-se a credenciação no artigo 46º do RCPIT está a AT a considerar que vai dar inicio a um procedimento de inspecção externo, como resulta claro do nº 1 do artigo 46º do mesmo RCPIT.

 

A alegada diferença entre Ordem de Serviço e Despacho não é aqui relevante, uma vez que, em ambos os casos, então em causa procedimentos de inspecção externos.

 

Relativamente à matéria da repetição de procedimento de inspecção externa já se pronunciou o CAAD, pelo menos nas decisões colectivas adoptadas nos processos 14/2012-T e 172/2016-T.

 

Refira-se o que se expressa na decisão colectiva adoptada no processo CAAD 14/2012-T, a que aderimos:

 

“O critério de distinção entre procedimentos de inspecção internos e externos extrai-se do artigo 13.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, em que se esclarece que o procedimento é interno «quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos» e é externo «quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso».

 

O critério de distinção entre procedimentos de inspecção internos e externos assenta, assim, na existência ou não de actos praticados fora dos serviços da Administração Tributária para obtenção dos elementos relevantes: se os actos se praticaram exclusivamente nesses serviços, está-se perante um procedimento interno; se algum ou alguns actos necessários para apurar os factos tributários foram praticados fora desses serviços, «total ou parcialmente», está-se perante um procedimento externo.

 

O que permite concluir que a análise de documentos que foram obtidos pela Administração Tributária com base em actos praticados fora dos seus serviços é de qualificar como acto de procedimento de inspecção externa, pois, independentemente de a actividade de análise se ter efectuado nas instalações da Administração Tributária, não se baseou exclusivamente na análise formal e de coerência dos documentos de que a administração tributária dispunha sem ter praticado os actos de inspecção externa. A inspecção só será qualificável como interna quando foi efectuada com base em documentos não obtidos através de actos inspectivos exteriores aos serviços”.

 

À face desta classificação das inspecções, quanto à actividade da Administração Tributária, de “consulta, recolha e cruzamento de elementos” quanto aos exercícios económicos de 2011, levada a efeito através do procedimento referido nos nºs 1 a 3 da matéria de facto assente, não se mostra provado ou evidenciado que os elementos consultados, recolhidos ou cruzados, não tenham sido levados em conta, directa ou indirectamente, no Relatório de Inspecção e sequentemente nas liquidações aqui impugnadas.

 

Os elementos obtidos no âmbito deste procedimento foram-no nas instalações da Requerente, não nos serviços da AT, como resulta da própria natureza da credenciação emitida para os funcionários inspectores.

 

Conclui-se, pois, que o procedimento em causa é um procedimento de inspecção externo, aliás, como a próprio AT considerou ao emitir o Documento nº 3 em anexo ao pedido de pronúncia arbitral.

 

Voltemos à decisão colectiva adoptada no processo CAAD 14/2012-T, a que aderimos:

 

“… O artigo 63.º, n.º 3, da LGT (na redacção inicial, actual n.º 4), depois de estabelecer que «o procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir», refere que só pode haver «mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas».

 

O objectivo daquela proibição é, em primeira linha, evitar que um mesmo contribuinte ou obrigado tributário seja sobrecarregado mais que uma vez com os incómodos que as acções de fiscalização externas são susceptíveis de lhe provocar.

 

Mas, conjugando esta norma com as do artigo 36.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, em que se estabelece que «o procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início» e apenas pode ser ampliado por mais dois períodos de três meses, nas circunstâncias aí taxativamente indicadas (sem prejuízo da suspensão nos caso previstos), conclui-se que os efeitos daquela proibição de, sem «factos novos», se realizar novo procedimento de inspecção externo respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, são amplificados, pois da globalidade deste regime legal resulta uma garantia para o contribuinte de que não pode ser alterada a definição jurídica da sua situação efectuada na sequência da conclusão do procedimento de inspecção externo, com base em factos que foram apurados pela Administração Tributária durante a inspecção.

 

Com efeito, como se referiu, inutilizar-se-ia toda a relevância da fixação de prazos máximos para conclusão do procedimento de inspecção se se entendesse que a Administração Tributária podia, depois de elaborado o relatório da inspecção e concluído o procedimento, elaborar novos relatórios com base nos elementos recolhidos durante a inspecção.

 

O alcance garantístico do referido deste regime é confirmado, de forma patente, pelo artigo 64.º do RCPIT em que se prevê a possibilidade de ampliação da proibição de alteração da posição jurídica assumida no relatório da inspecção, através do sancionamento das conclusões do relatório da inspecção, que impede a Administração Tributária de «proceder relativamente à entidade inspeccionada em sentido diverso do teor das conclusões do relatório nos três anos seguintes ao da data da notificação destas, salvo se se apurar posteriormente simulação, falsificação, violação, ocultação ou destruição de quaisquer elementos fiscalmente relevantes relativos ao objecto da inspecção» (n.º 4 deste artigo 64.º).”

 

Nada impedia à AT que através um só procedimento de fiscalização externo, se obtivessem os elementos que pretendia recolher, mormente os que refere no artigo 17º da Resposta “consulta de elementos e informações solicitadas pelas autoridades espanholas”, quanto às relações entre a actividade da empresa em Portugal e em Espanha, em conjunto com os demais elementos que permitissem avaliar o correcto cumprimento das obrigações fiscais da empresa em causa, ao nível do IVA e IRC.

 

Não são invocados factos “novos” como justificação para o segundo procedimento de inspecção, nem se alegou que o procedimento dos nºs 4 a 7 da matéria assente tivesse em vista apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte tenha invocado perante a administração tributária, ou apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.

 

Resulta ainda da leitura do Relatório de Inspecção que o cruzamento das relações comerciais entre a Requerente, actuando em Portugal e a Requerente, actuando em Espanha, foi determinante, não se sabendo, ou pelo menos não sendo evidenciado neste processo, em que procedimento de inspecção em concreto os elementos foram obtidos.

 

Voltemos outra vez à decisão colectiva adoptada no processo CAAD 14/2012-T, a que aderimos:

 

“O artigo 36.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária estabelece que «o procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início». A regra é reafirmada no artigo 53.º do mesmo diploma, em que se estabelece que «a prática dos actos de inspecção é contínua, só podendo suspender-se em caso de prioridades excepcionais e inadiáveis da administração tributária reconhecidas em despacho fundamentado do dirigente do serviço», mas sem prejuízo dos prazos legais de conclusão do procedimento previstos naquele diploma (n.ºs 2 e 3 deste artigo 53.º.).

 

Aquele prazo do procedimento de inspecção «poderá ser ampliado» por mais dois períodos de três meses, nas circunstâncias descritas no n.º 3 daquele artigo 36.º.

 

Mas, como o próprio termo indica, a ampliação não prejudica a regra da continuidade, tendo aquela de ser decidida antes de o procedimento terminar. A ampliação tem de ser uma «prorrogação» e não uma reabertura ou renovação de um procedimento já terminado. Aliás, o n.º 4 do mesmo artigo, em que se estabelece que «a prorrogação da acção de inspecção é notificada à entidade inspeccionada com a indicação da data previsível do termo do procedimento», confirma que é este o sentido daquela possibilidade de ampliação.

 

A análise dos elementos recolhidos durante a acção de inspecção externa integra-se no âmbito do procedimento de inspecção, pois ele tem de culminar com um relatório em que têm de ser identificados e sistematizados os factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária, inclusivamente a «descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, com menção e junção dos meios de prova e fundamentação legal de suporte das correcções efectuadas» [art. 63.º, n.º s 2 e 3 alínea i), do RCPIT, relativo à «conclusão do procedimento de inspecção»].

 

Esse relatório é o momento procedimental adequado para apreciar todos os elementos probatórios apurados, inclusivamente os fornecidos pelo sujeito passivo no exercício de direito de audição que procedimentalmente o precede”.

 

Ora, não consta que o primeiro procedimento tenha, quanto ao seu prazo, sido ampliado.

 

Ocorre, pois, violação da norma do artigo 63º nº 4 da LGT (existência de mais que um procedimento externo) quando se promove

  • um procedimento de inspecção externo, com base em despacho de 14 de Janeiro de 2013, com a finalidade de junto da Requerente se proceder a “consulta, recolha e cruzamento de elementos” quanto aos exercícios económicos de 2011 e 2012, iniciado em 22 de Janeiro de 2013 e terminado em 15 de Abril (04) de 2013;

e depois se promove um outro

  • procedimento de inspecção externo, com base numa Ordem de Serviço de 11 de Fevereiro de 2013, quanto ao exercício económico de 2011, iniciado em 27 de Julho de 2015, tendo a análise dos documentos contabilísticos sido efetuada, por indicação do sujeito passivo, nas instalações do TOC e tendo terminado e 03 de Dezembro de 2015.

 

Tal actuação viola ainda o princípio da legalidade. Voltamos à decisão colectiva adoptada no processo CAAD 14/2012-T, a que aderimos:

 

“Com efeito, o artigo 55.º da LGT, em sintonia com o artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa estabelece que «a administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários».

 

Concretizando o «princípio da legalidade», o artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo [subsidiariamente aplicável, por via do artigo 2.º, alínea c), da LGT] preceitua que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos».

 

Aquela limitação derivada dos poderes que sejam conferidos à Administração evidencia que o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa»”

 

 

É de notar, neste contexto, que o facto de a Requerente não invocar expressamente a violação deste princípio como vício do acto impugnado, não é obstáculo a que se dê este enquadramento jurídico à invocação da falta de fundamento legal …

 

Na verdade, a aplicação do enquadramento jurídico adequado não se confunde com alteração da causa de pedir e vigora no nosso direito processual o princípio ius novit curia, que se traduz em o tribunal não estar limitado pelas alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 664.º do Código de Processo Civil).

 

Em processos impugnatórios, quando a causa de pedir é um determinado comportamento ilegítimo da Administração, que é invocado como fundamento do pedido de anulação, não há «necessidade de relacionar o facto com a fattispecie normativa», podendo «o juiz aplicar uma norma que o recorrente não tenha indicado, ou uma norma diferente daquela que por ele tenha sido erradamente indicada, desde que o recorrente tenha correctamente qualificado a conduta como ilegal, por referência ao conteúdo material de uma norma efectivamente existente»”

 

No caso concreto aqui em apreciação, face aos factos apurados e ao teor do extenso Relatório de Inspecção, configura-se que assiste razão ao Requerente quando afirma no artigo 15º e 25º do ppa que “face do resultado produzido, não é possível defender-se que o primeiro procedimento de inspecção visou apenas a recolha de informação, antes se podendo afirmar que foi muito mais do que isso, pois foi nessa informação que se fundamentou toda a acção inspectiva posterior”  e que “… não se verificou qualquer facto que desse origem à reabertura, reanálise, modificação ou promoção de aditamentos à inspecção já iniciada, pelo que não pode senão estar em casa a violação destes artigos”.

 

Ao ler-se ao Relatório de Inspecção verifica-se que uma grande parte das operações que a AT entendeu estarem erradamente consideradas na Contabilidade da empresa têm a ver com o relacionamento entre a A… e a C… .

 

Pela sucessão de factos que constam nos nºs 1 a 7 da matéria de facto assente, o julgamento que este TAS faz, é que a AT só após a realização dos actos que integraram o primeiro procedimento de fiscalização externo e face aos elementos aí recolhidos, é que verificou que havia fundamento para proceder aos actos de fiscalização que integraram o segundo procedimento, emitindo, entretanto, a respectiva Ordem de Serviço.

 

Não se provou a existência de qualquer facto que desse origem à reabertura, reanálise, modificação ou promoção de aditamentos à primeira inspecção já iniciada.

 

Pelo que, nos termos expostos, procede o pedido de pronúncia, uma vez que o segundo procedimento de inspecção não poderia ser levado a efeito, nos termos em que o foi, sob pena de existir dissintonia com a norma do artigo 63º nº 4 da LGT, (existência de mais que um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação).

 

Sendo procedente o pedido de pronúncia com base no primeiro fundamento de ilegalidade invocado (desconformidade com o nº 4 do artigo 63º da LGT) fica prejudicada a apreciação de outros fundamentos invocados.

 

Pedido de reembolso dos montantes pagos e pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios

 

A Requerente, logrou provar que pagou os valores correspondentes à liquidação de IRC 2016… referente ao ano de 2011, no valor de € 31.696,62, aqui impugnada e liquidação de juros compensatórios nº 2016 … no valor de € 4.536,52, totalizando um valor a pagar de 36 233,14 euros, conforme nº 11 da matéria de facto assente.

 

Anulando-se, como se vai anular, as liquidações aqui impugnadas (a requerente não peticiona a anulação do despacho que lhe indeferiu a reclamação graciosa), por estarem em desconformidade com a lei, resulta que a Requerente tem direito ao reembolso do montante global pago.

 

Pede ainda juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da anulação das liquidações, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a)       Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b)       Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c)       Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).

 

A ilegalidade das liquidações é imputável à Administração Tributária, que as emitiu com base num relatório de inspecção resultante de um segundo procedimento de fiscalização externo, em dissintonia com a lei.

 

No presente caso é de aplicar o regime do nº1 do artigo 43º da LGT.

 

Citando ainda a decisão colectiva CAAD Processo 14/2012-T, a que aderimos: “Tem-se entendido, com base na referência que nesta norma se faz a «erro» que só em nos casos de anulações com fundamento em vícios respeitantes à relação jurídica tributária há lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma (sem prejuízo do direito de indemnização derivado de actos ilegais que o lesado sempre tem nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual, se se verificarem os respectivos pressupostos).

 

No caso presente, está-se perante um vício que, apesar de radicar em violação de normas de natureza procedimental relativas ao procedimento de inspecção tributária, é reconduzível a um vício atinente à relação jurídica tributária, pois o que está em causa é o direito que o contribuinte tem a ver mantida a definição do conteúdo desta relação que foi efectuada pelo … acto de liquidação adicional, praticado na sequência da conclusão do (segundo) procedimento de inspecção externa.”

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, desde 11 de Maio de 2016, quanto à quantia de 36 233,14 euros.

 

Os juros indemnizatórios são devidos sobre a referida quantia, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde a data acima indicada e até à emissão da respectiva nota de crédito.

 

V - DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos, decide-se:

1.      Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação de IRC n.º 2016…, referente ao ano de 2011, no valor de € 31.696,62, por desconformidade com o nº 4 do artigo 63º da LGT.

  1. Julgar procedente o pedido de liquidação declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação de juros compensatórios no valor de € 4.536,52, por desconformidade com o nº 4 do artigo 63º da LGT,
  2. Julgar procedente o pedido de reconhecimento da Requerente ao reembolso dos montantes pagos, num total de € 36 233,14.
  3. Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento do valor global de € 31.696,62, até à data do seu integral reembolso.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 36 233,14 euros.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 836,00,00 segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 26 de Julho de 2017

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

 

Augusto Vieira

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.