Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 129/2016-T
Data da decisão: 2016-10-16  IRC  
Valor do pedido: € 91.354,90
Tema: IRC – Artigo 19.º do EBF; Criação líquida de postos de trabalho
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), João Ricardo Catarino e Maria Manuela do Nascimento Roseiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 04 de Março de 2016, A..., pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua…, n.º …, …-…, … apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado, relativo à autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC"), com o n.º 2011…, referente ao exercício de 2010, no valor de €91.354,90.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que no exercício de 2010, a Requerente, para efeitos de determinação da matéria colectável, deduziu, a título de benefício fiscal relativo à criação líquida de postos de trabalho, o montante de €4.271.545,46, quando, no seu entender, deveria ter sido deduzido um montante adicional de €317.094,41, pelo que o beneficio fiscal a deduzir deveria ter ascendido ao total de €4.588.639,87, uma vez que a ora Requerente limitou, no seu entender, indevidamente, a majoração do benefício fiscal da CLPT de modo proporcional à duração da vigência do contrato de trabalho dos colaboradores.

 

  1. No dia 07-03-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 04-05-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 27-05-2016.

 

  1. No dia 22-06-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Atendendo a que não se verificava qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, ao abrigo do disposto nos art.ºs 16.º/c) e 19.º do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT;

 

  1. Foi facultada às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas, o que não fizeram.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias após a apresentação de alegações pela Requerida, ou o termo do respectivo prazo, para a entrega da decisão final, prazo esse que foi prorrogado por mais 30 dias.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A ora Requerente é uma empresa que opera na área de distribuição alimentar, sendo proprietária de diversas lojas situadas em várias localidades do país.

2-      A Requerente procede ao recrutamento de um número bastante significativo de colaboradores, o que contribui para a criação de postos de trabalho, nos termos definidos pelo, à data, vigente, artigo 19.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF").

3-      A Requerente adopta um período de tributação compreendido entre 1 de Março e 28 de Fevereiro.

4-      No cumprimento das suas obrigações declarativas em sede Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("IRC"), a Requerente procedeu tempestivamente, em 28/07/2011, à entrega da Declaração de Rendimentos - Modelo 22 do IRC, referente ao período de 2010.

5-      No exercício de 2010, a Requerente, para efeitos de determinação da matéria colectável, deduziu, a título de benefício fiscal relativo à criação líquida de postos de trabalho (CLPT), o montante de €4.271.545,46.

6-      A ora Requerente limitou a majoração do benefício fiscal da CLPT de modo proporcional à duração da vigência do contrato de trabalho dos colaboradores.

7-      Caso não procedesse a tal limitação, o benefício fiscal a deduzir ascenderia ao total de €4.588.639,87, correspondendo a um montante adicional de €317.094,41.

8-      A Requerente, oportunamente, apresentou Pedido de revisão do acto tributário.

9-      A AT indeferiu o mesmo, primeiro em sede de Pedido de Revisão de Acto Tributário e, posteriormente, em sede de Recurso Hierárquico.

10-  Entendeu a AT que “(...) estipulando o n.º 5 da citada norma art. 19.º do EBF), um limite temporal para o benefício fiscal, que se calcula tendo por base o início da vigência do contrato de trabalho, a majoração máxima a que se refere o n.º 3 também deve ter por base o mesmo período”.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

 

 

B. DO DIREITO

 

            Como acordam ambas as partes na presente acção arbitral tributária, a questão controvertida consiste em saber se o benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF (criação de emprego para jovens) deve ser ajustado proporcionalmente, para efeitos do limite máximo da majoração, nos casos em que que os contratos de trabalho elegíveis, cessem ou se iniciem durante o respectivo período de tributação.

            É o seguinte o teor da norma em questão, na parte que ora releva e na redacção aplicável ao facto tributário sub iudice:

“1 — Para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150 % do respectivo montante, contabilizado como custo do exercício.(...)

3 — O montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida.(...)

5 — A majoração referida no n.º 1 aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, não sendo cumulável, quer com outros benefícios fiscais da mesma natureza, quer com outros incentivos de apoio ao emprego previstos noutros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho.”.

            Está em causa saber se, no caso de um trabalhador elegível para o benefício fiscal em questão, e que inicia a sua prestação de trabalho em data não coincidente com o período de tributação da entidade empregadora, a majoração consagrada no n.º 3 da norma transcrita, se aplica na sua literalidade ao ano de início e ao ano de fim do período de 5 anos referido no n.º 5 da mesma norma.

            Concretizando num exemplo, trata-se de saber se, por hipótese, um trabalhador elegível para efeitos do benefício fiscal em causa, auferindo uma remuneração equivalente a duas vezes o salário mínimo, que entre ao serviço no meio do período de tributação, confere à sua entidade empregadora a possibilidade de gozar o benefício previsto no n.º 1, durante os 6 exercícios durante os quais se prolonga o período de 5 anos referido no n.º 5, com a limitação integral a que se refere o n.º 3, entendendo a Requerente que sim, na senda do decidido no processo arbitral 212/2013T[2] do CAAD, e a Requerida que não.

            Antes de avançar, cumpre deixar claro, como a formulação efectuada do problema a dirimir indicia já, que não está em causa saber se o benefício fiscal em questão se pode, ou não, estender por 6 exercícios fiscais da entidade empregadora. A resposta a esta pergunta é clara e afirmativa, estando ambas as partes no litígio de acordo quanto a isso.

            O que está em causa apurar, isso sim, é se em tais casos, ou seja, quando o benefício fiscal em questão se distribui por 6 exercícios fiscais da entidade empregadora, o limite máximo à majoração consagrado no n.º 3 é aplicável, tout court, a todos os exercícios, maxime, no que importa para a questão a dirimir, ao primeiro e ao último exercício.

            A resposta à questão decidenda não é linear.

            Tendo a mesma sido objecto de apreciação no já referido processo 212/2013T, onde, em suma se entendeu:

“Na verdade, também quanto a esta questão não há qualquer suporte textual nem justificação razoável para estabelecer outros limites que não sejam os expressamente previstos à face de cada uma das redacções do n.º 2 do artigo 17.º do EBF.

E, neste caso, há reforçadas razões para dar relevância ao elemento textual, derivadas do facto de se estar perante um regime legal que foi várias vezes revisto e em que, por isso, se materializaram várias possibilidades de o legislador ter reformulado a expressão do seu pensamento, se tivesse constatado que tinha dito mais ou menos do que o que pretendia. Ora, constata-se que, já depois da Lei n.º 32-B/2002, o artigo 17.º do EBF foi completamente revisto pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e, no novo n.º 3, refere-se que «o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida», o que corresponde, com actualização terminológica, à redacção anterior.

Por outro lado, o elemento racional ou teleológico também não aponta para uma interpretação que restrinja o alcance do benefício fiscal.

Com efeito, a única razão que, abstractamente, poderia explicar outras limitações da majoração, não expressamente previstas, seria a maximização das receitas fiscais, e essa razão não vale quando se está a interpretar normas que prevêem benefícios fiscais, que são justificadas por razões extrafiscais. Na verdade, subjacente ao estabelecimento do benefício fiscal não pode existir um desígnio legislativo de aumentar as receitas fiscais, pois está-se perante situações em que a lei considera que a esse interesse fiscal devem sobrepor-se «interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).”

            Ressalvado o muito respeito devido à decisão transcrita, não é possível subscrever o entendimento ali preconizado.

            Efectivamente, e como muito bem no aresto em causa se formulou, essencial para a decisão da situação que se coloca a resolver é apurar se há “suporte textual” ou “justificação razoável”, fundada nos elementos próprios da interpretação jurídica, que imponha uma interpretação restritiva da norma do n.º 3 do artigo 19.º do EBF em causa.

            Ora, é aqui que reside o cerne da divergência com o decidido no acórdão em questão, e com o sustentado pela Requerente no presente processo.

            Com efeito, há uma circunstância ponderosa, que não foi, pelo menos de forma perceptível, considerada na decisão do processo 212/2013T, nem na argumentação da Requerente, que é a circunstância de a interpretação que fez vencimento naquele aresto, e em que aquela se ancora, encerrar uma violação directa e assinalável do princípio constitucional da igualdade.

            Com efeito, aceitando-se, como fez o acórdão tirado no processo 212/2013T, e como pretende a Requerente, que o limite máximo à majoração consagrado no n.º 3 é aplicável, tout court, a todos os exercícios, maxime, ao primeiro e ao último exercício, quando a admissão do trabalhador elegível para efeitos do benefício fiscal em causa não se dê no primeiro dia do exercício fiscal da entidade empregadora, estar-se-á a gerar uma situação de desigualdade, entre os destinatários do benefício fiscal, sem fundamento axiológico que o justifique e de um modo absolutamente arbitrário.

            Que assim é, basta atentar no exemplo limite de duas entidades empregadoras, que empreguem um trabalhador elegível para o benefício fiscal, pagando-lhes o mesmo salário (p. ex. duas vezes o salário mínimo nacional), mas em que uma emprega o seu trabalhador no primeiro dia do seu exercício fiscal, e outra a meio. Neste exemplo, enquanto que a primeira entidade irá ter um benefício fiscal igual a 5 vezes 14 salários mínimos nacionais, a segunda irá ter um benefício igual a 5 vezes 14 salários mínimos nacionais.

            A questão, aqui chegados, torna-se a de saber se esta solução se justifica e terá sido querida pelo legislador, sendo que a resposta a tal questão não poderá deixar de ser, julga-se, negativa.

            Com efeito, a situação de desigualdade entre as duas entidades empregadoras, no exemplo, ou, em geral, entre entidades empregadoras em função da data, mais ou menos próxima do meio do exercício fiscal em que admitam trabalhadores elegíveis para o benefício fiscal, não colhe qualquer justificação material, tratando-se de forma desigual, situações que são, objectivamente iguais.

            Ora, como é consabido, um princípio da igualdade é um dos princípios constituintes basilares do direito tributário, e nada, pelo menos à luz do critério do legislador razoável, permite concluir que, no regime em análise, o legislador tenha querido afrontar de forma tão directa aquele princípio, dispensando um benefício distinto em função de um factor arbitrário, como seja a altura, no decurso do exercício fiscal, em que é admitido um trabalhador.

Efectivamente, no plano fiscal, princípio da igualdade não é mais do que uma expressão específica do princípio da igualdade geral dos cidadãos perante a lei, previsto no artigo 13º da CRP que comporta uma dupla vertente de igualdade formal (igualdade perante a lei, geral e abstrata), e uma vertente material (proibindo discriminações arbitrárias). Ora, como é consabido, o princípio pode ser visto em dois planos distintos, a saber:

• O da igualdade horizontal – segundo o qual a um rendimento, capital ou consumo igual deve corresponder igual medida de imposto;

• O da igualdade vertical segundo o qual a um rendimento, capital ou consumo diferentes deve corresponder imposto diferente.

Decorre, pois, do princípio geral de igualdade a proibição de discriminações arbitrárias, extensível ao direito fiscal sob pena de violação da própria ideia de Estado de Direito, a proibição de todas as formas de tributação (ou de isenção) discriminatórias ou arbitrárias, inaceitáveis à luz dos ideais de igualdade jurídica e substantiva, o que confere ao princípio um caráter de supra positividade ou transcendência face ao Direito criado. Isto é, decorre do princípio em questão a proibição de todas as formas de imposição ou de isenção que não radiquem em, ou que violem objetivamente, pressupostos valorativos gerais, conhecidos e aceites como a expressão de um senso de justiça adoptado na forma do Estado de direito, nas leis e na prática da interpretação e aplicação do direito.

A ideia de generalidade da tributação, porém, não impede a consagração de regimes de tributação diferenciados, nem o estabelecimento de isenções, desagravamentos ou agravamentos fiscais, desde que eles se encontrem fundados em valores e fins de ordem pública que sejam superiores aos que determinaram a criação do próprio imposto. Ou seja, não se impede a diferenciação baseada em valores percepcionados, mas impede-se a discriminação assente em realidades não consentidas pela própria ordem fundamental (como o sexo, a idade, a raça ou o credo).

Ora, sendo verdade que o princípio da igualdade jurídica e fiscal não é um princípio absoluto, pois admite situações de discrímen, também é verdade que estas situações devem corresponder a discriminações fundadas em valores institucionalizados, genericamente aceites e acolhidos na ordem de valores instituída.

Assim, em teoria, podemos descortinar duas situações discriminatórias: as toleráveis ou até mesmo desejadas, por corporizarem o tratamento diferenciado de situações objectivamente diferentes (igualdade vertical), e as intoleráveis, que são objecto de repulsa tanto pela ordem jurídica, na justa medida em que esta reflete a tal ordem de valores e o senso geral de justiça, como pelo cidadão ou pelo julgador.

No caso, a consagração do benefício fiscal em causa acha-se dentro da ordem de valores instituída, sendo claro para todos que ele radica em motivações últimas que são do interesse geral promover, como é manifestamente o caso da criação e da estabilidade do emprego. Só assim se justifica que a lei permita que se prescinda da receita fiscal a que o Estado normalmente teria direito, em nome de valores que “são superiores aos que suportam a tributação regra”, como eloquentemente o entendia Nuno Sá Gomes (Teoria Geral dos Benefícios Fiscais) numa feliz fórmula que veio, depois, a ser consagrada no EBF.

Ora, no caso, em que duas empresas na situação supra descrita se encontram objetivamente na mesma situação e que deviam, por isso, merecer o mesmo tratamento fiscal – a mesma medida de benefício - não se poderá atender ao facto (irrelevante) de que elas não criaram o posto de trabalho no mesmo momento, considerando que se encontram, por isso, em situação objetivamente diferente.

Considera-se, assim, que não basta haver diferenças ao nível dos factos, para que a situação deva ser tratada de forma diferente. É, além do mais, necessário que essa diferença seja objectivamente relevante. Por exemplo, para efeitos de atribuição do benefício fiscal é irrelevante que uma das empresas, no exemplo acima, tenha sede no norte ou no sul do país. Trata-se de uma diferença que não tem relevância e que em nada interessa para a concessão do benefício fiscal ou a determinação do seu montante.

O mesmo nos parece que deva suceder com o facto de as empresas criarem postos de trabalho em meses diferentes no ano. E isto porque, embora a lei se refira à “criação líquida” de postos de trabalho, e com isso procure incentivar o emprego e a estabilidade no emprego, parece claro que o bem-estar social emergente dessa criação é igual, independentemente da altura do exercício fiscal do empregador em que esse emprego for criado, pois é igual o efeito benéfico que a medida de incentivo fiscal proporciona à sociedade em geral, contanto a relação de emprego se prolongue pelo mesmo período de tempo.

Acresce, neste mesmo sentido, que a lei fala em montante “máximo” da majoração anual, inculcando a ideia de que o valor dessa majoração é variável, podendo ser inferior, e conquanto não exceda um montante que, no limite, corresponde a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida. É neste termos que nos parece que o preceito deve ser interpretado tomando por base estes pressupostos valorativos que, a nosso ver, corporizam a sua verdadeira mens legis. Pois que toda a norma ou o regime legal repousa numa ratio juris, requerendo-se que seja entendida no sentido que melhor responda à consecução do resultado pretendido, do ideal de justiça nela vertido[3].

            Assim sendo, como, crê-se, não pode deixar de ser, considera-se que o elemento racional ou teleológico da interpretação aponta efectivamente para uma interpretação que restrinja o alcance do benefício fiscal, tendo-se de concluir que o legislador terá, porventura, na norma em causa, exprimido o seu pensamento de maneira imperfeita, e existindo uma justificação racional razoável – a afirmação cabal do princípio da igualdade – para operar uma interpretação restritiva, que implique que, quando se prolongue por seis exercícios fiscais, o montante máximo do benefício fiscal consagrado no artigo 19.º/3 do EBF seja proporcionalmente reduzido à duração do prazo de 5 anos do contrato do trabalhador que o justifica, no primeiro e no sexto exercício.

            Face ao exposto, conclui-se ter sido correcta a aplicação do Direito efectuada pela AT nos actos tributários objecto da presente acção arbitral, pelo que devem aqueles ser mantidos na ordem jurídica, improcedendo o pedido formulado pela Requerente.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, absolver a Requerida do pedido, e condenar a Requerente nas custas do processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €91.354,90, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 16 de Outubro de 2016

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(João Ricardo Catarino)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Maria Manuela do Nascimento Roseiro)



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Disponível em www.caad.org.pt.

[3]  ANDRADE, Domingos, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, e FERRARA, Francesco, Interpretação e Aplicação das Leis, Arménio Amado, editor, Coimbra, 1978.