Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 128/2016-T
Data da decisão: 2016-07-08  Selo  
Valor do pedido: € 2.208,00
Tema: IS - Fundos de Investimento Imobiliário; inconstitucionalidade do art. 236.º, norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH, prevista pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro; retroatividade da lei fiscal
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Decisão Arbitral

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

A…– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, S.A. (doravante designada de “Requerente”), com o número de identificação fiscal … e com sede na Rua…, n.º…, …, …-…Lisboa, na qualidade de sociedade gestora e em representação do B…– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL, com o número de identificação fiscal …, apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com o objectivo de obter a declaração de ilegalidade dos despachos de indeferimento emitidos pela AT relativamente às reclamações graciosas apresentadas pela Requerente e, consequentemente, dos actos de liquidação de Imposto do Selo (IS) n.º … e ..., no valor de €2.208.

 

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD em 18 de Março de 2016 e automaticamente notificado à AT.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 23 de Maio de 2016.

 

A AT respondeu defendendo a improcedência do pedido.

 

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em face do teor da matéria contida nos autos.

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

 

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

 

II.                MATÉRIA DE FACTO

 

Com base nos elementos que constam do processo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)   A 23 de Dezembro de 2013, a Requerente na qualidade de sociedade gestora e em representação do B…– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL adquiriu a fracção autónoma designada pela letra “Z” do prédio urbano inscrito matricialmente sob o artigo … e a fracção autónoma designada pelas letras “AC” do prédio urbano inscrito matricialmente sob o artigo …;

 

B)   Os referidos imóveis foram adquiridos com destinado exclusivamente a arrendamento para habitação permanente;

 

C)   A aquisição daqueles imóveis beneficiou de isenção de IS ao abrigo do n.º 8 do artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH;

 

D)    A 27 de Março de 2015 e a 14 de Abril de 2015, foram alienados os imóveis identificados;

E)   Foram efectuadas as liquidações de IS … no montante de €1.264,00 e n. º…, no montante de €944,00;

 

F)   A Requerente apresentou reclamação graciosa dos actos de liquidação de IS acima identificados;

 

G)   A 7 de Dezembro de 2015, a Requerente foi notificada dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas;

 

H)   Os actos de liquidação de IS identificados foram fundamentados no facto de ter sido dado aos imóveis um destino diferente do arrendamento para habitação.

 

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III.             MATÉRIA DE DIREITO

 

A – DA POSIÇÃO DAS PARTES

 

A Requerente alega no seu pedido de pronúncia arbitral o seguinte:

 

1.      Deve ser declarada a ilegalidade dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas e dos actos de liquidação de Imposto do Selo identificados (cfr. Documentos 1 a 4), sendo os mesmos anulados, com a consequente restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, tudo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011;

 

2.      Na sequência da crise económica despoletada em 2008, diversas entidades depararam-se com constrangimentos de ordem creditícia, os quais se traduziram em verdadeiros óbices no cumprimento dos compromissos assumidos perante instituições financeiras e de crédito;

 

 

3.      Em face da necessidade premente de conceber uma resposta eficaz e imediata face à conjuntura económico-financeira, o legislador introduziu no ordenamento jurídico português a figura dos FIIAH, tendo consagrado o regime especial aplicável aos mesmos (cfr. artigos 102.º e seguintes da Lei n.º 64-4/2008, de 31 de Dezembro – Orçamento do Estado para 2009);

 

4.      Em matéria tributária, o legislador concedeu aos FIIAH uma panóplia de benefícios fiscais, substancialmente mais expressivos do que os previstos para os restantes fundos de investimento imobiliário;

 

 

5.      Neste âmbito, refira-se a isenção de Imposto do Selo prevista no n.º 8 do artigo 8.º do regime especial em análise, de acordo com a qual se determinou que “ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra”;

6.      Em conformidade com o exposto, resultava evidente da redacção da norma que a aplicação daqueles benefícios fiscais, em Imposto do Selo, na esfera dos FIIAH não se encontrava subordinada a qualquer condição de cariz temporal, bastando, para o efeito, a mera observância do facto tributário, i.e. o acto de aquisição do direito de propriedade sobre os imóveis;

 

7.      Não obstante, o Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) introduziu alterações relevantes ao regime fiscal aplicável aos FIIAH, estabelecendo, nomeadamente, novos condicionalismos para a atribuição de benefícios fiscais às operações realizadas por este tipo de fundos de investimento imobiliário;

 

8.      Neste contexto, importa trazer à colação o n.º 14 acrescido ao anteriormente referido artigo 8.º, que veio determinar que, para efeitos de aplicação da isenção de Imposto do Selo acima expendida, “considera-se que prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objecto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo (…)” – norma aditada pelo artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013;

 

9.      E, no âmbito destas alterações, o legislador previu, ainda, uma norma de carácter transitório, dispondo que as novas regras, além de serem aplicáveis aos prédios urbanos adquiridos pelos fundos de investimento a partir de 1 de Janeiro de 2014, deveriam ser, igualmente, aplicáveis a “ (…) prédios que tenham sido adquiridos por FIAAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014” (sublinhado nosso) – cfr. artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013.

 

 

10.  Ora, a alteração promovida pelas normas acima descritas assumiu assim um carácter marcadamente retroactivo, estipulando condições ou requisitos adicionais para a aplicação de benefícios fiscais a operações realizadas no passado – as quais haviam já beneficiado daqueles benefícios.

 

11.  Ora, nestes termos, a norma transitória acima expendida atenta manifestamente contra o princípio da não retroactividade da lei fiscal e, ainda, contra o princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, todos constitucionalmente consagrados, não podendo a Requerente aceitar a sua aplicação in casu e as inerentes liquidações de Imposto do Selo que ora se impugnam;

 

 

12.  De facto, na situação em análise, o legislador alterou o regime legal aplicável e, na respectiva norma transitória, veio condicionar a atribuição dos benefícios fiscais já concedidos no passado à observância dos (novos) requisitos e condições – os quais não se encontravam previstos no momento em que os actos tributários foram praticados e em que foi atribuído o benefício fiscal de isenção de Imposto do Selo àqueles actos;

 

13.  O novo regime gerou assim uma situação mais onerosa na esfera do Fundo – que adquiriu os imóveis ao abrigo do anterior regime, beneficiando da isenção de Imposto do Selo (e de IMT) – impondo um novo enquadramento legal ao facto tributário verificado no passado, sem que o Fundo pudesse “adequar a sua actuação de acordo com as novas regras”. Esta é uma situação inaceitável e manifestamente abusiva, que não pode proceder;

 

 

14.  De facto, este “novo” enquadramento aplicado às aquisições de imóveis realizadas em 2013, é manifestamente prejudicial para o Fundo, defraudando todas as suas expectativas e impedindo-o de “adequar” as suas decisões – com efeito, caso fosse inaplicável a isenção de Imposto do Selo (e de IMT) às operações de aquisição em análise, certamente o Fundo não teria efectuado esse investimento;

 

15.  Em face do exposto, importa inferir que a norma que fundamentou as liquidações sub judicei.e. o artigo 236.º da Lei n.º 82-C/2013, de 31 de Dezembro – atenta contra o princípio constitucional da não retroactividade da lei fiscal, conforme consagrado no artigo 103.º, n.º 3 da CRP;

 

 

16.  E, por conseguinte, deverá aquela norma ser desaplicada, no caso concreto, por manifesta inconstitucionalidade, sendo consequentemente anulados os actos tributários de liquidação de Imposto do Selo sub judice.

 

17.  Paralelamente à inconstitucionalidade inerente à posição propugnada pela AT, entende a Requerente que os actos de liquidação do Imposto do Selo que constituem o objecto do presente pedido não incluem, de forma clara e suficiente, a necessária fundamentação de facto e de direito;

 

 

18.  Assim, requer que seja a AT condenada no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento do imposto aqui em apreço até ao seu integral reembolso.

 

Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:

 

1.      Em primeiro lugar, há que ressalvar que, à data de criação do regime tributário aplicável aos FIIAH, as isenções de IS exigiam, respectivamente: (i) que a aquisição dos imóveis tivesse como destino exclusivo o “arrendamento para habitação permanente” e, (ii) que a transmissão tivesse por objecto “prédios destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5”;

 

2.      Ora, no caso em apreço não foi dado ao imóvel o destino previsto na lei, a afectação ao arrendamento;

 

3.      Na verdade, o objectivo para a atribuição de um benefício fiscal em sede de IMT aos FIIAH foi estabelecido claramente desde o início - "As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento";

 

4.      Ou seja, os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das referidas isenções, sempre tiveram, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, que cumprir o pressuposto de que tais prédios fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente;

 

5.      As liquidações ora impugnadas tiveram precisamente como fundamento o facto de ter sido dado ao imóvel um destino diferente daquele que originou a atribuição do benefício fiscal;

 

6.      No ordenamento jurídico-administrativo português, por razões de segurança jurídica o regime regra de invalidade dos actos administrativos é a mera anulabilidade, a qual assegura que, padecendo um ato de vício que implique a sua anulabilidade, decorrido determinado hiato temporal sem que a sua validade seja atacada, tal ato se converte definitivo, tornando-se assim válido;

 

7.      Os actos de liquidação na medida em que não violam o conteúdo essencial do direito fundamental mas apenas o princípio da legalidade tributária, são meramente anuláveis;

 

8.      Contudo, no caso em apreço os actos impugnados foram praticados de acordo com a lei em vigor não se verificando qualquer violação dos princípios constitucionais;

 

9.      Por força das alterações introduzidas, a partir de 1 de Janeiro de 2014:

 

a)      A isenção de IMT e IS e dos imóveis integrados em FIIAH é alargada até 2015.

b)      Passou a ser exigida prova da existência de contrato de arrendamento para habitação permanente para efeitos de cumprimento do pressuposto de afectação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente.

 

 

10.  Estas alterações aplicam-se aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de Janeiro de 2014;

 

11.  Relativamente aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, o prazo de 3 anos conta-se a partir de 01.01.2014;

 

 

12.  A lei nova não altera os pressupostos, as condições de atribuição e de reconhecimento do benefício fiscal de isenção de IS, havendo apenas a previsão legal do tempo e do modo de cumprimento de um requisito legal previamente estabelecido;

 

13.  Pelo que se infere, com facilidade, que a isenção em questão não deixou simplesmente de vigorar: o que sucedeu, apenas, foi que foram estabelecidos meios de prova que visaram concretizar um requisito legal previsto de forma indeterminada com total e absoluto respeito pelo princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança;

 

14.   Razão pela qual não se pode afirmar que se verifica qualquer violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, nomeadamente, através de imposição superveniente de quaisquer condições determinantes da caducidade do direito à isenção de IMT ou de IS que não estivessem inicialmente previstas;

 

15.  A nova redacção introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em prol da segurança jurídica e do princípio da protecção da confiança e na senda do espírito do legislador, aquando da criação do regime, veio apenas densificar o critério já exigido, estipulando “que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objecto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo”.

 

16.  Pelo que não se verifica, no caso em apreço qualquer situação de retroactividade da lei fiscal, mas, mesmo que assim não se entendesse, o Tribunal Constitucional tem vindo a entender, nos Acórdãos n.ºs 11/83 e 66/84 e 141/85 que, apesar de não se poder retirar da Constituição uma proibição radical de impostos retroactivos, tal deveria considerar-se constitucionalmente vedado quando essa retroactividade fosse «arbitrária e opressiva e violasse «de forma intolerável a segurança jurídica e a confiança que as pessoas têm obrigação (e também o direito) de depositar na ordem jurídica que as rege»;

 

17.  É assim manifesto que, desde o início do regime, os benefícios fiscais aplicáveis aos FIIAH sempre dependeram da afectação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente;

 

18.  Sem embargo das alterações legislativas introduzidas pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, a AT, no âmbito dos seus poderes de fiscalização, sempre poderia aferir, de forma a concluir pela permanência do benefício ou, antes, pela reposição do sistema de tributação-regra nos termos do artigo 14º do EBF;

 

19.  Aliás, a caducidade da isenção por falta de pressupostos de atribuição já se encontrava expressamente consagrada no artigo 14.º, n.º 2 do EBF, limitando-se o artigo 8.º, n.º 16 do regime a estabelecer um prazo definido cuja contagem apenas se inicia após a entrada em vigor da lei nova;

 

20.  O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta matéria nos recursos apresentados pela ora Requerente nos processos n.ºs 688/2015-T e 398/2015-T em que decidiu não conhecer do objecto do recurso;

 

21.  Improcede assim o pedido de pagamento de juros indemnizatórios pois não se verifica qualquer erro na actuação da entidade requerida, muito menos um erro imputável aos serviços, ficando assim afastada a aplicação do artigo 43.º da LGT.

 

Face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, para determinar se os actos de liquidação de IS sub judice são ou não ilegais por violação do disposto no artigo 103.º, n.º 3 da CRP será necessário verificar qual é a interpretação que deve ser efectuada ao artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

 

Para tal importa atender ao disposto no artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), segundo o qual a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação.

 

Os principais gerais de interpretação estão estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC), nos seguintes termos:

 

 

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

 
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.


3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

Atendendo àqueles princípios, vejamos, então, qual era o regime fiscal aplicável às aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos FIIAH e SIIAH, antes de serem introduzidas as alterações previstas pelo artigo 236.º da Lei do OE 2014.

 

Dispunha o artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH e SIIAH, o seguinte:

 

 

“Artigo 8.º

Regime tributário

1 - Ficam isentos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) os rendimentos de qualquer natureza obtidos por FIIAH constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas nos artigos anteriores.

2 - Ficam isentos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de IRC os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento referidos no número anterior, pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares, quer seja por distribuição ou reembolso, excluindo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação das unidades de participação.

3 - Ficam isentas de IRS as mais-valias resultantes da transmissão de imóveis destinados à habitação própria a favor dos fundos de investimento referidos no n.º 1, que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento.

4 - As mais-valias referidas no número anterior passam a ser tributadas, nos termos gerais, caso o sujeito passivo cesse o contrato de arrendamento ou não exerça o direito de opção previsto no n.º 3 do artigo 5.º, suspendendo-se os prazos de caducidade e prescrição para efeitos de liquidação e cobrança do IRS, até final da relação contratual.

5 - São dedutíveis à colecta, nos termos e limites constantes da alínea c) do n.º 1 do artigo 85.º do Código do IRS, as importâncias suportadas pelos arrendatários dos imóveis dos fundos de investimento referidos no n.º 1 em resultado da conversão de um direito de propriedade de um imóvel num direito de arrendamento.

6 - Ficam isentos de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente que integrem o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

7 - Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º

9 - Ficam isentas de taxas de supervisão as entidades gestoras de FIIAH no que respeita exclusivamente à gestão de fundos desta natureza.

10 - Ficam excluídas das isenções constantes do presente artigo as entidades que sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

11 - As obrigações previstas no artigo 119.º e no n.º 1 do artigo 125.º do Código do IRS devem ser cumpridas pelas entidades gestoras ou registadoras.

12 - Caso os requisitos referidos no n.º 1 deixem de verificar-se, cessa a aplicação do regime previsto no presente artigo, passando a aplicar-se o regime previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, devendo os rendimentos dos fundos de investimento referidos no n.º 1 que, à data, não tenham ainda sido pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares ser tributados autonomamente, às taxas previstas no artigo 22.º do mesmo diploma, acrescendo os juros compensatórios correspondentes. 

13 - As entidades gestoras dos fundos de investimento referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto dos fundos cuja gestão lhes caiba.”

Do descrito supra, resulta, com interesse para a apreciação dos actos de liquidação sub judice, que “Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º”

 

São, portanto, abrangidos pela isenção de IS i) todos os actos praticados pelos FIIAH elegíveis; ii) conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente; iii) que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos; ou iv) o exercício da opção de compra pelo arrendatário até 31 de Dezembro de 2020.

 

Assim, caso não tivesse ocorrido qualquer alteração legislativa ao artigo 8.º, a isenção de IS seria apenas aplicável i) em caso de transmissão por força da conversão do direito de propriedade num direito de arrendamento e ii) no caso de ser exercido o direito de opção de compra pelo arrendatário.

Isto significa que a Requerente tem direito ao benefício fiscal em causa, desde que cumpra as condições legais estabelecidas para a sua atribuição.

Na verdade, a isenção de IS em causa está condicionada aos factos e circunstâncias para os quais é concedida e que resultam da previsão e estatuição normativa do artigo 8.º, n.º 8 do Regime dos FIAHH.

Ora, como resulta do n.º 2 do artigo 14.º da LGT que “Os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito.”

Não se compreende, por isso, que se defenda que a isenção de IS em causa não era à data condicionada à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias, nem tão pouco sujeita a qualquer regime de caducidade. Se tal entendimento vingasse, teoricamente, tal significaria que, no âmbito do regime dos FIAHH, podiam ser efectuadas alienações de bens com destino ao arrendamento habitacional isentas de impostos sobre o património num dia e no dia seguinte esses mesmos bens poderiam ser vendidos para outro fim que não o arrendamento pelo Fundo, sem qualquer encargo em termos de impostos sobre o património. Tal diferenciação fiscal seria injustificada.

 

Conclui-se, por isso, que resultando dos factos apurados que os actos de liquidação em apreço respeitam a imóveis, que foram alienados em 27 de Março de 2015 e em 14 de Abril de 2015, verifica-se que, quer à luz do regime jurídico dos FIIAH estabelecido ab initio, quer à luz do mesmo regime jurídico, alterado pela Lei do OE 2014, a isenção de IS caducou, pois, não se demonstrou que houve uma transmissão por força da conversão do direito de propriedade num direito de arrendamento ou que foi exercido o direito de opção de compra pelo arrendatário.

 

Tendo em conta que os actos de liquidação IS, ora em crise, têm por base legal o disposto no artigo 8.º, n.º 8 do Regime Tributário dos FIIAH, cuja redacção actual já se encontrava vigente à data da aquisição do imóvel pelo Fundo, os actos de liquidação em causa são legais, uma vez que a isenção concedida caducou com a alienação dos imóveis, fora das situações previstas no artigo 8.º, n.º 8 do Regime dos FIAHH.

 

A questão colocada pela Requerente relativa à retroactividade ou não das normas introduzidas pelo artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é, portanto, irrelevante para aferir da legalidade dos actos de liquidação sub judice, neste caso concreto.

 

Na verdade, a Lei do OE 2014 aditou ao artigo 8.º, os números 14 a 16, nos seguintes termos:

 

“14 - Para efeitos do disposto nos n.os 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

Ver diploma15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.o 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.”

 

Na situação em análise não está em causa, nenhuma das situações especificamente previstas nas normas transcritas (ou pelo menos, não foram alegados quaisquer factos nesse sentido).

A norma questionada pela Requerente estabelece o seguinte:

 

 “Artigo 236.º

Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH

 

1 - O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.o 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.o 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.o 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014.”

 

Sendo a norma transitória referida referente ao disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º, cuja previsão é inaplicável à presente situação, a discussão da retroactividade da norma em causa não tem cabimento na presente causa.


Relativamente à alegada falta de fundamentação dos actos de liquidação, alega a Requerente que os actos de liquidação de IS subjacentes aos presentes autos padecem do vício de falta de fundamentação, sendo por isso, anuláveis.

 

Da análise dos actos de liquidação de IS constata-se que daqueles consta as disposições legais aplicáveis, a qualificação e a quantificação dos factos tributários, assim como as operações de apuramento da matéria tributável.

 

Consequentemente, não pode ser imputável a estes actos qualquer vício de falta de fundamentação, uma vez que os actos contêm os elementos legalmente exigíveis.

 

IV.             DECISÃO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

A)     Julgar totalmente improcedente o pedido de anulação do indeferimento das reclamações graciosas apresentadas relativamente aos actos de liquidação de IS identificados;

 

 

B)    Condenar a Requerente nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.

 

 

V.                VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em €2.208.

 

 

VI.             CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 8 de Julho de 2016

 

A Árbitro

 

 

 

 

Magda Feliciano

 

 

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)