Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 119/2020-T
Data da decisão: 2021-09-06  IRS  
Valor do pedido: € 12.683,40
Tema: IRS – subsídio de refeição, ajudas de custo e limites legais.
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SUMÁRIO:

 

I – As remunerações acessórias constituem rendimento do trabalho dependente, quando preencham as condições previstas no artigo 2.º, n.º 3, al. b) do CIRS: i) Sejam auferidas em função da prestação de trabalho ou em conexão com esta e ii) Constituam para o beneficiário uma vantagem económica.

 

II – O subsídio de refeição constitui uma vantagem económica destinada a compensar o trabalhador pelas despesas com a alimentação no decurso da jornada de trabalho.

 

III – É sobre a AT que recai o ónus de provar que determinadas quantiais declaradas como ajudas de custo constituem retribuição – subsídios de refeição, artigos 55.º, 74.º, n.º 1 e 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”).

 

DECISÃO ARBITRAL

I - RELATÓRIO

 

1.

 

a) A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Loulé;

 

b) B..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... São Bartolomeu de Messines;

 

c) C..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ...-... São Brás de Alportel;

 

d)  D..., contribuinte n.º..., residente na Rua..., Lote..., ..., ...-... Loulé;

 

e) E..., contribuinte n.º ..., residente na Rua ..., ..., ..., ...-... Ferreiras;

 

f) F..., contribuinte n.º..., residente na Rua..., Lote..., ..., ..., ...-... Faro;

 

g) G..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., ..., ...-... Boliqueime;

 

h) H..., contribuinte n.º..., residente no ..., ..., ..., ...-... Lagoa;

 

i) I..., contribuinte n.º ... e mulher J..., contribuinte n.º..., residentes na Rua ..., ..., ..., ...-... Almancil;

 

 j) K..., contribuinte n.º..., residente em ...– n.º ..., ..., ...-... Faro;

 

k) L..., contribuinte n.º ..., residente na Rua..., ..., ..., ...-... Lagos;

 

l) M..., contribuinte n.º..., residente em ..., ..., ...-... Faro;

 

m) N..., contribuinte n.º ... e mulher O..., contribuinte n.º..., residentes na Rua ... n.º..., ..., ...-... Estômbar;

 

 n) P..., contribuinte n.º ..., residente no ..., ..., ..., ...-... Lagoa;

 

o) Q..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lagoa;

 

 p) R..., contribuinte n.º..., residente em ..., ...- ..., ...-... Porches;

 

q) S..., contribuinte n.º..., residente em ..., ..., ...-... Conceição de Tavira;

 

 r) T..., contribuinte n.º ..., residente na ..., ..., ..., ..., ...-... Portimão;

 

s) U..., contribuinte n.º ..., residente na Rua..., ..., ..., ...-... Lagos;

 

t)  V..., contribuinte n.º ... e mulher W..., residentes na Rua ..., ..., ...-... Lagos;

 

u) X..., contribuinte n.º ... e mulher Y..., contribuinte n.º..., residentes na Rua..., ..., ..., ...-... Lagos;

 

doravante designados por Requerentes, apresentaram em coligação, no dia 23/02/2020 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, respeitante às liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) números 2019...; 2019...; 2019...; 2019...; 20194...; 2019...; 2019...; 2019...; 2019...; 2019...; 2019...; 2019...; 2019...; 2019...; 2019...; 2019...; 2019...;  2019...; 2019...;  2019... e 2019..., respetivamente, por entenderem que são ilegais – os montantes auferidos  a título de “subsídio de 2.ª refeição” não se enquadram na referida figura, mas – pelo contrário –  constituem, nomeadamente, um reembolso do valor da refeição que a entidade patronal está obrigada a processar com fonte no Direito do Trabalho e, subsidiariamente, uma ajuda de custo não tributada.

 

2. No dia 05/08/2020 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

3. O mandatário dos Requerentes, no dia 05/08/2020 veio aos autos requerer a junção de “[p]etição inicial devidamente aperfeiçoada”, na qual sustenta que – por lapso – não identificou todos os Requerentes na versão entregue em 23/02/2020, aditando nesta os seguintes Requerentes:

 

a)            Z..., contribuinte n.º ..., residente na Rua..., ..., R..., ..., ...-... Portimão;

 

b)           AA..., contribuinte n.º..., residente na Rua..., ..., ..., ...-... Almancil;

 

c)            BB..., contribuinte n.º ..., residente na Rua ..., ..., ...º, ...-... Loulé;

 

d)           CC..., contribuinte ..., residente na Rua ..., ..., ..., ...-... Olhão;

 

e)           DD..., contribuinte n.º ... e EE..., contribuinte ..., ele residente no ..., ...-..., ...-... Santa Catarina da Fonte do Bispo.

 

f)            FF..., contribuinte n.º ... e mulher GG..., contribuinte..., residentes em ..., ..., ...-... São Bartolomeu de Messines;

 

g)            HH..., contribuinte n.º ... e mulher II..., contribuinte ..., residentes na Rua ..., n.º ..., ...-... Martinlongo;

 

h)           JJ..., contribuinte n.º ... e mulher KK..., contribuinte n.º ..., residentes na Rua ..., ...,  ..., ...-... Loulé.

 

4. Cumprindo a estatuição do artigo 17.º, números 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”) foi a Requerida em 13/08/2020 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

5.  A Requerida em 22/09/2020 apresentou a sua resposta, advogando que: i) a “petição inicial aperfeiçoada” deve ser desentranhada; ii) verifica-se a caducidade do direito de ação respeitante às liquidações que geraram reembolso e, iii) devem improceder os pedidos de pronúncia arbitral [mérito], atenta a legalidade das liquidações - [a]penas o subsídio de refeição na parte que não exceda o limite legal encontra-se excluído de tributação.

 

6. O tribunal convidou, no dia 29/09/2020, os Requerentes para, querendo, se pronunciarem quanto a matéria de exceção vertida na resposta.

 

7. Os Requerentes vieram, em consequência, dizer que o tribunal deve apreciar o mérito das liquidações identificadas na petição inicial aperfeiçoada, pois existem nos autos documentos relativos a tais coligantes, o valor das liquidações adicionais foi tomado em consideração na determinação da utilidade económica do pedido e as demonstrações de acerto de contas determinaram imposto a pagar.

 

8.  Por despacho de 09/12/2020 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT [referindo-se no teor do despacho que a matéria de exceção seria conhecida na decisão arbitral] e notificadas as partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas.

 

 

POSIÇÃO DAS PARTES

 

9. Os Requerentes entendem que as liquidações adicionais são ilegais, pois os valores pagos a “título de subsídio de 2.ª refeição” não assumem o caráter de subsídio, mas constituem um reembolso do valor da refeição que a entidade patronal está obrigada a processar, por força da cláusula 55.ª do Acordo de Empresa (“AE”), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (“BTE”), 1.ª série, n.º 12, de 29/03/1986, na redação em vigor no ano de 2015. Isto é, os valores qualificados como subsídios de 1.ª e 2.ª refeição nas subcontas “632612 – Sub. 1.ª Refeição e 632613 – Sub. 2.ª Refeição” não respeitam aos subsídios de refeição, previstos na cláusula 53.ª do AE, mas às situações reguladas na cláusula 55.ª da mesma fonte normativa.

Concomitantemente, alegam que: os recibos emitidos aos trabalhadores espelham corretamente a realidade quando identificam subsídios de refeição (cláusula 53.ª do AE) e outras situações identificadas como refeições (cláusula 55.ª do AE), isto é, defendem que não existe qualquer duplicação de subsídios de refeição auferidos pelos trabalhadores, pelo que as despesas com refeições consubstanciam, para efeitos de IRS, verdadeiras ajudas de custo.

Em resumo, sustentam que as liquidações adicionais são ilegais, pois os valores referentes a refeições foram pagos aos trabalhadores a título de reembolso, porquanto foram inicialmente por si suportados sem que tal configure um subsídio de refeição e, não existindo qualquer duplicação com os subsídios de refeição, a sua natureza é de ajudas de custo.

Peticionam, por último, o reembolso do imposto pago e a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) no pagamento de juros indemnizatórios.

 

10. A Requerida apresenta a defesa com os seguintes fundamentos:

 

i) “Petição inicial aperfeiçoada”

 

No dia 23/02/2020 foi apresentado um pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral relativamente a vinte e um Requerentes, contudo no dia 05/08/2020 foi remetida uma petição inicial aperfeiçoada para os autos, na qual são adicionados outros nove Requerentes e as respetivas liquidações.

Propugna que o princípio da estabilidade da instância é aplicável ao processo arbitral tributário e, por conseguinte, com a apresentação da petição inicial aperfeiçoada há uma alteração dos sujeitos da relação processual e do pedido, circunstância que colide com o referido princípio.

Em resumo, no seu juízo, a petição inicial aperfeiçoada deve ser desentranhada, com todas as consequências legais.

 

 

ii) Caducidade do direito de ação

 

Sustenta que as liquidações adicionais aqui em causa geraram em algumas hipóteses direito a reembolso e, noutros casos, obrigação de pagar imposto. Nas hipóteses em que houve lugar a reembolso, o prazo para a apresentação do pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral foi violado, pois foi apresentado depois de esgotados os 90 dias a contar da data das aludidas notificações.

Em suma, verificando-se a caducidade do direito de ação, deve o tribunal declarar a exceção, no que respeita aos Requerentes suprarreferidos.

 

iii) Natureza jurídica dos “subsídios de refeição”

 

As quantias auferidas pelos Requerentes não estão excluídas de tributação, pois, individualmente consideradas, excedem os limites legais previstos para a aplicação de tal solução normativa – artigo 2.º, n.º 3, al. b), subalínea 2) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”).

Para tal conclusão milita, em primeiro lugar, a circunstância de a entidade patronal dos Requerentes ter classificado contabilisticamente tais valores como sendo subsídios de refeição, identificando-os como “Subs. 1.ª refeição (conta 632612)” e “Subs. 2.ª refeição (conta 632613)”.

Defende: o argumento de que a classificação/registo contabilístico está incorreto não procede, na medida em que se presumem verdadeiras e de boa-fé as informações contidas na contabilidade organizada e as contas legalmente aprovadas e certificadas.

Em segundo lugar, a entidade patronal paga o subsídio de refeição aos trabalhadores por dia de trabalho (conta 632612) e, concomitantemente, processa um outro subsídio de refeição (que designa como segundo subsídio) quando o trabalhador tem um serviço contínuo superior a 12 horas (conta 632613) que cumula com o primeiro.

Também não procede a alegação de que os pagamentos dos referidos valores não têm a natureza de subsídio de refeição, porquanto têm por fonte um AE e correspondem a um reembolso do montante pago com uma refeição.

 Para alicerçar a referida conclusão advoga que: i) não é pelo pagamento estar regulamentado no AE que conduz à sua não tributação em IRS e ii) não se extrai dos recibos de vencimento que as quantias pagas pela entidade patronal dos Requerentes, a título de “subsídio de 2.ª refeição” constituam meros reembolsos de despesas efetuadas pelos Requerentes, pelo contrário, têm um valor fixo (5,80 euros/dia) que cumula com o subsídio contabilizado na conta 632612.

Acrescenta que:  o “subsídio de 2.ª refeição” não constitui uma ajuda de custo, na medida em que não é devido por uma deslocação, mas antes por uma extensão do horário de trabalho [contínuo] para além das 12 horas.

Em resumo, apenas o subsídio de refeição na parte que não exceda o limite legal não excluído de tributação e, por conseguinte, as liquidações adicionais dever-se-ão manter na ordem jurídica.

 

iv) Juros indemnizatórios

 

Se nenhum vício pode ser imputado às correções efetuadas no procedimento inspetivo e subsequentes liquidações, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

SANEAMENTO

 

i) “Pedido de pronúncia arbitral aperfeiçoado”

 

Os Requerentes vieram em 05/08/2020 apresentar uma petição inicial aperfeiçoada na qual foram aditados os seguintes coligantes:

 

a)            Z..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., ...º, ..., ...-... Portimão;

 

b)           AA..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., ..., ..., ... ... Almancil;

 

c)            BB..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., ..., ..., ...-... Loulé;

 

d)           CC..., contribuinte..., residente na Rua ..., ..., ...-... Olhão;

 

e)           DD..., contribuinte n.º... e EE..., contribuinte..., residentes em ..., ..., ...-... Santa Catarina da Fonte do Bispo.

 

f)            FF..., contribuinte n.º ... e mulher GG..., contribuinte..., residentes em ..., ...-... São Bartolomeu de Messines;

 

g)            HH..., contribuinte n.º ... e mulher II..., contribuinte..., residentes na Rua ..., n.º..., ...-... Martinlongo;

 

h)           JJ..., contribuinte n.º ... e mulher KK..., contribuinte n.º ..., residentes na Rua ..., ..., ...-... Loulé,

 

e novos atos de liquidação, sendo certo que algumas das liquidações destes Requerentes não estão sequer identificadas na denominada petição inicial devidamente aperfeiçoada.

Se para os Requerentes o “aperfeiçoamento” se justifica por um mero lapso [as liquidações constam na documentação junta ao pedido de pronúncia arbitral e o seu valor foi computado na utilidade económica do pedido]; para a Requerida estamos perante uma alteração subjetiva da instância, juridicamente inadmissível à luz do artigo 260.º do Código de Processo Civil (“CPC”).

O artigo 590.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT determina que o juiz providencie pelo aperfeiçoamento dos articulados, embora esse convite tenha os limites do artigo 265.º do CPC. Ou seja, o aperfeiçoamento do pedido de pronúncia arbitral é admissível quando o mesmo não respeita ao pedido ou a um núcleo essencial da causa de pedir .

No caso concreto, na peça processual entregue a 05/08/2020 não há aperfeiçoamento do pedido de pronúncia arbitral - bem pelo contrário - os Requerentes aproveitaram aquele que foi apresentado em 23/02/2020 para aditar novos coligantes/liquidações distintos daqueles que integravam o objeto do primitivo pedido de pronúncia arbitral [veja-se a identificação dos Requerentes e atos contenciosamente atacados] formulando novos pedidos anulatórios.

Nem se vê como seria possível decidir de forma distinta, pois o RJAT , na regulação procedimental prévia à constituição do tribunal arbitral determina:

“Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º”.

 

Ou seja, não estando os Requerentes e o ato cuja anulação pretendem identificados no pedido de pronúncia arbitral não se vê como seria, in casu, possível observar o referido artigo 13.º do RJAT quanto aos coligantes/pedidos – entretanto – aditados.

Deste modo, perante a exceção dilatória inominada impõe-se absolver a Requerida da instância dos novos pedidos formulados na peça processual entregue a 05/08/2020, com todas as consequências legais – artigos 278.º, n.º 1 e 590.º, n.º 5 do CPC.

 

ii) Caducidade do direito de ação relativamente aos atos que apuraram reembolso de IRS

 

Se para a Requerida o direito de ação já se encontrava caduco à data de apresentação do pedido de pronúncia arbitral relativamente àqueles Requerentes em que os atos impugnados geraram reembolso; já os Requerentes consideram que as liquidações adicionais têm, todas, demonstrações de acerto de contas com imposto a pagar. Ou, dito de outro modo, a impugnação de todas as liquidações é tempestiva.

A este propósito o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que:

 

[o] prazo para apresentar impugnação da liquidação adicional de IRC da qual resultou que o imposto a reembolsar é inferior ao imposto reembolsado, tal como resultou da autoliquidação de IRC, tendo o contribuinte sido notificado para pagar a diferença, conta-se, nos termos do artigo 102º 1 a) do CPPT, a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte. [nosso sublinhado],

 

 Acórdão de 30/05/2018, proferido no âmbito do processo n.º 01431/17. Isto é, quando estejamos perante uma liquidação adicional de imposto, emergente de ação inspetiva da qual resultaram correções à matéria tributável que tornaram necessária a realização de acertos de contas – documento de compensação – entre os valores da liquidação primária e os resultantes da liquidação adicional – pretende-se apurar a prestação tributária a satisfazer pelo sujeito passivo.

Revertendo tal interpretação para o caso concreto, o prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral somente se iniciou após o decurso do prazo para pagamento do IRS dos Requerentes.

Improcede assim a exceção de caducidade do direito de ação, o que se declara com todos os efeitos legais.

 

 

iii) Cumulação e pedidos e coligação de Requerentes

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). A cumulação de pedidos e a coligação dos Requerentes é admissível, porquanto a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

Em resumo, o processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir os pedidos, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

QUESTÕES A DECIDIR

 

Nesta sequência, tendo em atenção as pretensões e posições dos Requerentes e da Requerida constantes das suas peças processuais, acima descritas, são as seguintes as questões que o tribunal deve apreciar (sem prejuízo de a solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT):

 

a) Se as liquidações de IRS, parcialmente, impugnadas são ilegais, por os valores pagos a “título de subsídio de 2.ª refeição” não assumirem essa natureza, mas constituírem um reembolso do valor das refeições ou, subsidiariamente, uma ajuda de custo não tributada;

 

b) Se os Requerentes têm direito ao reembolso do imposto pago em excesso e a juros indemnizatórios.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

MATÉRIA DE FACTO

1. Factos com relevância para a apreciação da causa que se consideram provados

 

1.1.        Os Requerentes:

 

a) A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Loulé;

 

b) B..., contribuinte n.º ..., residente na ..., n.º..., ..., ...-... São Bartolomeu de Messines;

 

c) C..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., n.º..., ...-... São Brás de Alportel;

 

d)  D..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., ..., ..., ...-... Loulé;

 

e) E..., contribuinte n.º ..., residente na Rua..., ..., ...-... Ferreiras;

 

f) F..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., ..., ..., ..., ...-... Faro;

 

g) G..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., ..., ...-... Boliqueime;

 

h) H..., contribuinte n.º..., residente no ..., ..., ...-... Lagoa;

 

i) I..., contribuinte n.º .... e mulher J..., contribuinte n.º..., residentes na Rua ..., ...-... Almancil;

 

 j) K..., contribuinte n.º..., residente em...– n.º..., ...-... Faro;

 

k) L..., contribuinte n.º ..., residente na Rua ..., ...-... Lagos;

 

l) M..., contribuinte n.º ..., residente em..., ...-... Faro;

 

m) N..., contribuinte n.º ... e mulher O..., contribuinte n.º..., residentes na Rua ..., ...-... Estômbar;

 

 n) P..., contribuinte n.º ..., residente no ..., ..., ..., ...-... Lagoa;

 

o) Q..., contribuinte n.º ..., residente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lagoa;

 

 p) R..., contribuinte n.º..., residente em ..., ..., ...-... Porches;

 

q) S..., contribuinte n.º..., residente em..., ..., ...-... Conceição de Tavira;

 

 r) T..., contribuinte n.º ..., residente na ...,  ..., ...-... Portimão;

 

s) U..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., ..., ...-... Lagos;

 

 t)  V..., contribuinte n.º ... e mulher ..., residentes na Rua ..., ..., ...-... Lagos;

 

u) W... contribuinte n.º ... e mulher X..., contribuinte n.º ..., residentes na Rua ..., ...-... Lagos;

 

foram objeto de uma ação inspetiva respeitante ao ano de 2015, de âmbito parcial, para controlo declarativo. (Factos aceites pelos Requerentes e pela Requerida)

 

1.2.        No âmbito dos aludidos procedimentos inspetivos a AT apurou que os Requerentes auferiram, enquanto trabalhadores dependentes [motoristas] da LL..., S.A., quantias pecuniárias, a título de “subsídio 2.ª refeição”, que não foram tributadas em IRS. (Factos aceites pelos Requerentes e pela Requerida)

 

1.3.        A entidade patronal dos Requerentes veio, em sede inspetiva [DI 2018... de 09/03/2017] dizer o seguinte sobre as quantias pagas [aos coligantes]:

 

Conta 632611 [Subsídio de Refeição] – é pago quando o trabalhador permanece na “Base” do local de trabalho [ex: pagamentos ao pessoal de escritório com cartão “a la card” – n.º 1 da cláusula 53.ª];

Conta 632612 [Subsídio de 1.ª refeição] – é pago quando o trabalhador tem um serviço contínuo superior a 4 horas [cláusula 55.ª, n.º 2];

Conta 632655 [1.ª refeição deslocada] – é pago quando o trabalhador está deslocado mais de 5km da sua Base [cláusula 55.ª, n.º 6 conjugada com a n.º 1 da mesma];

Conta 632613 – [Subsídio de 2.ª Refeição] – é pago quando o trabalhador tem um serviço contínuo superior a 12 horas [cláusula 55.ª, n.º 4];

Conta 632656 [2.ª refeição deslocada] – é pago quando o trabalhador tem um serviço contínuo superior a 12 horas [cláusula 55.ª, n.º 4] e quando o trabalhador está deslocado mais de 5 Km da sua Base [cláusula 55.ª, n.º 6 conjugada com o n.º 1 da mesma].

 

                (Factos aceites pelos Requerentes e pela Requerida)

 

1.4.          A entidade patronal comunicou em 20/01/89 aos motoristas o seguinte:

Pelo presente informamos, que as refeições abrangidas pela cláusula 55.ª do A.E. serão reembolsadas no recibo de vencimento, para facilitar o controlo interno dos valores entregues aos motoristas.

 

(Documento junto pelos Requerentes sob o n.º 104)

 

1.5.        Em consequência foram, em tal âmbito, notificados [os Requerentes] das seguintes correções meramente aritméticas à matéria tributável:

 

Requerente       Montante da correção à matéria tributável

A...         1142,60 euros

B...         1044,00 euros

C...         1380,40 euros

D...         1316,60 euros

E...         1450,00 euros

F...         1316,60 euros

G...        1409,40 euros

H...         1264,40 euros

I...          1322,40 euros

K...         1577,60 euros

L...          1293,40 euros

M...       1357,20 euros

N...        1171,60 euros

P...         1299,20 euros

Q...        1044,00 euros

R...         1386,20 euros

S...         1252,80 euros

T...         1096,20 euros

U...        1096,20 euros

V...         1026,60 euros

X...         1154,20 euros

 

(Factos aceites pelos Requerentes e pela Requerida)

 

1.6.        No Relatório de Inspeção Tributária emergente do procedimento interno respeitante a cada um dos Requerentes consta o seguinte:

 

Apesar de nas DMR estarem declarados sob a descrição “A22 – Ajudas de custo e deslocações em viatura do próprio (parte não sujeita)”, tais importâncias são de facto pagamentos de subsídios de 2.ª refeição (o qual, segundo a entidade patronal, “é pago quando o trabalhador tem um serviço contínuo superior a 12 horas (cláusula 55.ª, n.º 4 do contrato coletivo de trabalho”). Pelo que, dado já ter sido pago subsídio da 1.ª refeição (conforme cláusula 53.ª, n.º 1), o estabelecido para o subsídio de refeição na subalínea 2), da alínea b), do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, já se encontra ultrapassado, logo, os pagamentos de subsídios de 2.ª refeição são sujeitos a tributação, sendo considerados rendimentos de trabalho dependente nos referidos termos.

Face ao exposto, as importâncias recebidas a título de subsídio de refeição, na parte em que excedem o limite legal estabelecido ou em que o excedam em 60% sempre que o respetivo subsídio seja atribuído através de vales de refeição, mencionadas no quadro acima, deverão ser acrescidas, para efeitos de tributação em sede de IRS, ao rendimento bruto da categoria A, do respetivo ano de 2015, de acordo com o disposto na subalínea 2), da alínea b), do n.º 3, do artigo 2.º do CIRS, conjugado com o disposto no artigo 57.º do CIRS…

 

 (PA e factos aceites pelos Requerentes e pela Requerida)

 

1.7.        Os Requerentes foram, assim, notificados das seguintes liquidações, documento de acerto de contas, valores e prazos de pagamento, com os seguintes termos:

 

i)             A... liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019...1 com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 362,41 euros, juros compensatórios de 49,20 euros, com prazo para pagamento até 25/11/2019;

 

ii)            B..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 334,07 euros, juros compensatórios de 44,26 euros, com prazo de pagamento até 25/11/2019;

 

iii)           C..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 441,74 euros, juros compensatórios de 59,78 euros, com prazo de pagamento até 25/11/2019;

 

iv)           D..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 417,59 euros, juros compensatórios de 56,37 euros, com prazo de pagamento até 25/11/2019;

 

v)            E..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 466,68 euros, juros compensatórios de 62,23 euros, com prazo de pagamento até 25/11/2019;

 

vi)           F..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 421,32 euros, juros compensatórios de 54,90 euros, com prazo de pagamento até 25/11/2019;

 

vii)          G..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 446,36 euros, juros compensatórios de 57,11 euros, com prazo de pagamento até 25/11/2019;

 

viii)         H..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 404,66 euros, juros compensatórios de 53,56 euros, com prazo de pagamento até 25/11/2019;

 

ix)           I..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 419,40 euros, juros compensatórios de 55,98 euros, com prazo de pagamento até 25/11/2019;

 

x)            K..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019...1 com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 504,85 euros, juros compensatórios de 59,43 euros, com prazo de pagamento até 25/11/2019;

 

xi)           L..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 413,88 euros, juros compensatórios de 54,70 euros, com prazo de pagamento até 25/11/2019;

 

xii)          M..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 438,13 euros, juros compensatórios de 57,40 euros, com prazo de pagamento até 25/11/2019;

 

xiii)         N..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 209,88 euros, juros compensatórios de 28,30 euros, com prazo de pagamento até 26/12/2019;

 

xiv)        P..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 415,80 euros, juros compensatórios de 56,40 euros, com prazo de pagamento até 16/12/2019;

 

xv)         Q..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 395,11 euros, juros compensatórios de 52,73 euros, com prazo de pagamento até 04/12/2019;

 

xvi)        R..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 443,59 euros, juros compensatórios de 60,66 euros, com prazo de pagamento até 04/12/2019;

 

xvii)       S..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 398,90 euros, juros compensatórios de 54,34 euros, com prazo de pagamento até 04/12/2019;

 

xviii)      T..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 350,78 euros, juros compensatórios de 47,89 euros, com prazo de pagamento até 04/12/2019;

 

xix)        U..., liquidação adicional n.º 2019..., documento acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida declaração no montante de 350,80 euros, juros compensatórios de 47,09 euros, com prazo de pagamento até 26/12/2019;

 

xx)         V..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 348,66 euros, juros compensatórios de 23,92 euros, com prazo de pagamento até 09/12/2019;

 

xxi)        X..., liquidação adicional n.º 2019..., documento de acerto de contas n.º 2019... com pagamento de IRS na aludida demonstração no montante de 369,37 euros, juros compensatórios de 49,14 euros, com prazo de pagamento até 02/12/2019.

 

(Anexo I junto pelos Requerentes no seu pedido de pronúncia arbitral; factos aceites pelos Requerentes e Requerida)

 

1.8.  Os Requerentes – infra descritos – procederam ao pagamento do imposto nos seguintes termos:

 

i)             A..., 362,41 euros de IRS e 49,20 euros de juros compensatórios, no dia 22/11/2019;

 

ii)            B..., 334,07 euros de IRS e 44,26 euros de juros compensatórios, no dia 25/11/2019;

 

iii)           C..., 441,74 euros de IRS e 59,78 euros de juros compensatórios, no dia 25/11/2019;

 

iv)           D..., 417,59 euros de IRS e 56,37 euros de juros compensatórios, no dia 25/11/2019;

 

v)            E..., 466,68 euros de IRS e 62,23 euros de juros compensatórios, no dia 19/11/2019;

 

vi)           F..., 421,32 euros de IRS e 54,90 euros de juros compensatórios, no dia 25/11/2019;

 

vii)          G..., 446,36 euros de IRS e 57,11 euros de juros compensatórios, no dia 19/11/2019;

 

viii)         H..., 404,66 euros de IRS e 53,56 euros de juros compensatórios, no dia 19/11/2019;

 

ix)           I..., 419,40 euros de IRS e 55,98 euros de juros compensatórios, no dia 25/11/2019;

 

x)            K..., 504,85 euros de IRS e 59,43 euros de juros compensatórios, no dia 22/11/2019;

 

xi)           L..., 413,88 euros de IRS e 54,70 euros de juros compensatórios, no dia 22/11/2019;

 

xii)          M..., 438,13 euros de IRS e 57,40 euros de juros compensatórios, nos dias 31/11/2019; 31/12/2019 e 31/01/2020;

 

xiii)         N..., 209,88 euros de IRS e 28,30 euros de juros compensatórios, no dia 26/12/2019;

 

xiv)        P..., 415,80 euros e 56,40 euros de juros compensatórios, no dia 03/12/2019;

 

xv)         Q..., 395,11 euros e 52,73 euros de juros compensatórios, no dia 01/12/2019;

 

xvi)        R..., 443,59 euros e 60,66 euros de juros compensatórios, no dia 22/11/2019;

 

xvii)       S..., 398,90 euros e 54,34 euros de juros compensatórios, no dia 04/12/2019;

 

xviii)      T..., 350,78 euros e 47,89 euros de juros compensatórios, no dia 02/12/2019;

 

xix)        U..., 350,80 euros e 47,09 euros de juros compensatórios, no dia 26/12/2019;

 

xx)         V..., 348,66 euros e 23,92 euros de juros compensatórios, no dia 03/12/2019;

 

xxi)        X..., 369,37 euros e 49,14 euros de juros compensatórios, no dia 28/11/2019.

 

(Anexo I junto pelos Requerentes no seu pedido de pronúncia arbitral; factos aceites pelos Requerentes e Requerida)

 

1.9. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 23/02/2020. (Sistema informático do CAAD)

 

2. Factos que não se consideram provados

 

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos [documentos juntos pelos Requerentes e PA].  Não há controvérsia quanto à matéria de facto.

 

MATÉRIA DE DIREITO

 

i)             Subsídio de refeição e ajudas de custo

 

Os Requerentes sustentam no pedido de pronúncia arbitral que os valores pagos a “título de subsídio de 2.ª refeição” não assumem o caráter de subsídio, mas de um reembolso a que sua entidade patronal está vinculada [cláusula 55.ª do AE] ou, caso assim não se entenda, uma ajuda de custo não tributada. Já a Requerida, na sua resposta, advoga que os pagamentos efetuados ao abrigo do referido normativo são, de facto, pagamentos de subsídios de refeição [2.ª] que, quando ultrapassem o limite da exclusão, devem ser tributados.

O legislador efetua - artigo 2.º, n.º 2 do CIRS – uma narração dos principais tipos de pagamentos e prestações que constituem rendimentos do trabalho dependente.

Neste contexto – remunerações tributáveis – devemos isolar as remunerações acessórias que compreendem todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídas na remuneração principal – artigo 2.º, n.º 3, al. b) do CIRS. Ou, dito de outro modo, sejam auferidas devido à prestação de trabalho ou em ligação com esta e, em segundo lugar, constituam para o beneficiário uma vantagem económica.

As remunerações acessórias constituem, assim, rendimento do trabalho dependente, quando preencham as condições previstas no artigo 2.º, n.º 3, al. b) do CIRS: i) Sejam auferidas em função da prestação de trabalho ou em conexão com esta e ii) Constituam para o beneficiário uma vantagem económica.

Embora não se revele fácil definir “vantagens acessórias”, perante a amplitude do conceito normativo, é possível observar que representam assim um benefício para o trabalhador e um encargo para a entidade patronal; são atribuídas a qualquer trabalhador, independentemente da sua categoria profissional, em qualquer setor de atividade e têm uma natureza heterogénea, podem revestir uma natureza pecuniária ou em espécie, por exemplo, os subsídios de residência e os subsídios de refeição.

Os subsídios de refeição constituem uma vantagem acessória prevista no artigo 2.º, n.º 3, al. b), 2) do CIRS, com o seguinte teor:

 

[…]

 

3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:

 

a) As remunerações dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção dos que neles participem como revisores oficiais de contas;

 

 

b) As remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente:

[…]

2) O subsídio de refeição na parte em que exceder o limite legal estabelecido ou em que o exceda em 60 % sempre que o respetivo subsídio seja atribuído através de vales de refeição;

[…]

 

O subsídio de refeição constitui uma vantagem económica destinada a compensar o trabalhador pelas despesas com a alimentação no decurso da jornada de trabalho.

O regime fiscal aplicável, em 2015, a esta remuneração era o seguinte: o subsídio de refeição, se fosse pago em dinheiro, encontrava-se excluído de tributação quando não excedesse 4,27 euros diários [limite legal estabelecido para a Administração Pública, à data dos factos] se, pelo contrário, fosse pago através de vales ou senhas de refeição não seria igualmente tributável, caso o seu montante [diário] não ultrapassasse 6,83 euros.

Em resumo, o subsídio de refeição visa compensar o trabalhador pelos gastos com as refeições durante o período laboral.

Por seu turno, a qualificação de um pagamento como abono de ajudas de custo depende de o trabalhador ter efetuado a deslocação ao serviço da empresa, circunstância, nomeadamente, a provar pelos mapas de itinerário e, em segundo lugar, a deslocação e permanência implicar a realização de despesas a compensar.

Nas retribuições tributáveis na categoria A de IRS cabem, repete-se, aquelas que integram a remuneração principal, como também as vantagens acessórias – direitos, benefícios e regalias não incluídos na remuneração principal .

Mas vejamos agora em concreto a segunda modalidade de vantagens acessórias que para os autos releva – ajudas de custo.

O artigo 2.º, n.º 3, al. d) do CIRS prevê que se consideram rendimentos do trabalho dependente:

 

“As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício” (nosso sublinhado).

 

 

                As ajudas de custo constituem importâncias pagas ao trabalhador com o objetivo de o ressarcir das despesas que suportou ao serviço da entidade patronal no quadro de deslocações que efetuou no interesse e por conta da entidade patronal. As ajudas de custo permitem abonar refeições e alojamento e não é exigida a prestação de contas à entidade patronal, mas – pelo contrário – é exigido que sejam observados os pressupostos aplicáveis aos trabalhadores do Estado.

A jurisprudência  sustenta quanto ao conceito de ajudas de custo:

A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, é suficientemente descritiva para dispensar grandes desenvolvimentos técnico-jurídicos: estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afetam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua atividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.

Na prática, porém, as coisas não se apresentam com tal linearidade. A dificuldade na determinação concreta dos custos elegíveis ou da sua comprovação conduz a que, muitas vezes, se convencionem atribuições patrimoniais fixas ou variáveis para compensar custos mais ou menos presumidos. E por vezes, o trabalhador faz a sua própria gestão de custos, poupando nas despesas e obtendo assim um rédito suplementar. Ora estas quantias, embora sejam justificadas com a ocorrência de custos ao serviço da entidade patrimonial, podem gerar verdadeiros acréscimos patrimoniais, na parte em que excedam os custos efetivamente suportados. (nosso sublinhado) E, assim sendo, as «ajudas de custo» podem conter verdadeiros rendimentos. Que, por apresentarem alguma conexão com a prestação do trabalho, cabem no conceito de remuneração acessória a que aludem a parte final do n.º 2 e a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

 

Poder-se-á não revelar fácil, em concreto, verificar se estamos perante um acréscimo patrimonial que excede o custo suportado na atividade desenvolvida por conta e no interesse da entidade patronal.

Essas dificuldades encontram-se refletidas na jurisprudência  quando sustenta:

 

 

A que acresce um limite qualitativo: as «ajudas de custo» são tributáveis quando (ou na parte em que) não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.

Tudo isto, naturalmente, no pressuposto de que essas quantias sejam percebidas a título de «ajudas de custo». Nada impede, na verdade, a que sobre essa designação seja acordado entre trabalhador e empregador o pagamento de quantias que não se destinem verdadeiramente a compensar custos, mas a remunerar trabalho. Sendo que, em tal caso, não se pode sequer falar em ajudas nem em custos.

Em alguns casos, o legislador presume que as importâncias despendidas não têm conexão com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal. São aqueles em que seja apurado que as importâncias atribuídas dizem respeito a despesas de deslocação, de viagens e de representação e não tenham sido prestadas contas até ao fim do exercício. Trata-se, porém – se bem vemos – de situações em que aquelas importâncias são provisionadas pela entidade patronal mas em que o trabalhador só tem direito ao valor dos custos efetivamente suportados com esse fim.

 

Em resumo, nas ajudas de custo o pagamento é efetuado para compensar os montantes despendidos, pela deslocação, ao serviço da entidade patronal e devem ser observados os pressupostos da sua atribuição aos trabalhadores do Estado.

Na ausência de um regime geral ou especial aplicável às relações laborais de direito privado no que tange às ajudas de custo [que podem integrar o reembolso de refeições] é aplicável aos trabalhadores por conta de outrem, para efeitos fiscais, o previsto no Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 abril, na redação atualmente em vigor, diploma gizado para as deslocações em serviço público.

O artigo 37.º do aludido diploma determina que o quantitativo correspondente ao abono diário do subsídio de refeição é deduzido nas ajudas de custo, quando as despesas sujeitas a compensação incluírem o custo do almoço.  Ou seja, se a empresa pagar o subsídio de refeição e na ajuda de custo estiver refletida a compensação para a refeição do mesmo dia de trabalho, o montante do subsídio de refeição é considerado como não sujeito a IRS, até ao limite previsto; já a ajuda de custo respeitante à compensação para a refeição [25 % do limite diário] é tributada como rendimento da categoria A sem qualquer limite.

Para além do mais, é sobre a AT que recai o ónus de provar que determinadas quantiais declaradas como ajudas de custo constituem retribuição – subsídios de refeição, artigos 55.º, 74.º, n.º 1 e 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”).

 

ii) Caso concreto

 

A entidade patronal dos Requerentes declarou os montantes processados nas declarações mensais de remunerações como “Ajudas de custo e deslocações em viatura do próprio” (parte não sujeita).

O AE a que os Requerentes aludem no seu pedido de pronúncia arbitral dispõe na sua cláusula 53.ª, n.º 1 o seguinte:

 

Os trabalhadores abrangidos pelo presente AE, ressalvados os referidos nos números seguintes, terão direito a um subsídio, por cada dia em que haja prestação de trabalho, no valor de 850$00.

 

Já na cláusula 55.ª, com a epígrafe “Alojamento e deslocações no continente” tem, nomeadamente, o seguinte teor:

 

1 – Considera-se na situação de deslocado, para efeitos da presente cláusula, todo o trabalhador que se encontrar a uma distância superior a 5 km do seu local de trabalho.

2 – O trabalhador tem direito a tomar uma refeição ao fim de um mínimo de quatro horas, e um máximo de quatro horas e meia após o início do serviço.

(…)

4 – O trabalhador terá direito a tomar segunda refeição se lhe for determinado permanecer ao serviço para além de doze horas após o respetivo início, incluindo o período da primeira refeição.

A segunda refeição, com a duração de uma hora, terá início entre o fim da penúltima hora do período normal de trabalho, desde que esta não se verifique antes da quarta hora após o termo do intervalo da primeira refeição, e o fim da décima segunda hora após o início do serviço, incluindo o período da primeira refeição.

[…]

6 – Terá direito ao reembolso por cada refeição o trabalhador que se encontre durante a tomada de refeição fora dos limites estabelecidos no n.º 1 desta cláusula, no valor de 1050$.

 

Apurou-se nos procedimentos inspetivos [com respaldo no probatório] que os montantes pagos aos Requerentes quando ao serviço da entidade patronal e a realizar um serviço contínuo superior a quatro horas foram contabilizados na “Conta 632612” [subsídio de 1.ª refeição] ou quando esse serviço é superior a doze horas na “Conta 632613” [subsídio 2.ª refeição]. Ou seja, a causa de processamento dos valores como subsídio de 2.ª refeição está no facto de o trabalhador desenvolver um serviço contínuo superior a doze horas e, assim, necessitar de fazer uma refeição adicional. A AT fundamenta ainda as correções com a classificação e registo contabilístico efetuado pela entidade patronal dos Requerentes, v.g. conta 632613 – subsídio de 2.ª refeição.

A declaração de rendimentos dos Requerentes goza, como já se disse, da presunção de veracidade que lhe é conferida pelo artigo 75.º, n.º 1 da LGT, caberá, assim, à AT afastar essa presunção de veracidade, recolhendo elementos que o façam de forma sustentada e sólida.

O ónus da prova é da AT que deve coligir indícios que permitam apreender a existência de retribuição sob a forma de subsídios de refeição.

O tribunal entende que esse ónus foi cumprido, pois a entidade patronal veio dizer que: os valores declarados como ajudas de custo são pagos quando o trabalhador tem um serviço contínuo superior a 12 horas, por referência à cláusula 55ª, n.º 4 do AE. Na referida fonte normativa alude-se expressamente ao direito a uma 2.ª refeição, sendo que o valor processado terá por finalidade compensar os gastos com essa refeição durante o período em que os trabalhadores estão ao serviço da entidade patronal e tomam essa refeição fora da sua residência habitual.  Ou, dito de outro modo, há subsunção no conceito de subsídio de refeição; os Requerentes auferem as quantias aqui em causa por desenvolverem a sua atividade profissional, note-se que são motoristas e, como tal, os itinerários que têm de observar resultam do normal desenvolvimento da prestação laboral.

Em resumo, os valores processados a este título [naturalmente em cumulação com o subsídio de 1.ª refeição], quando excedam o limite legal, são tributados.

Ainda que assim não fosse, os Requerentes advogam que o subsídio de 2.ª refeição constitui uma ajuda de custo [por via da deslocação dos Requerentes] processada em cumulação com o 1.º subsídio de refeição, contudo, como já se disse, caso fosse pago conjuntamente com o 1.º subsídio de refeição e se destinasse [a hipotética ajuda de custo] a compensar o valor de tal refeição [o que seria o caso], o mesmo seria tributado no âmbito da categoria A sem qualquer limite, por aplicação do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 abril.

Alegam ainda que: os pagamentos efetuados com a referida habilitação normativa [cláusula 55.ª, n.º 4 do AE] constituem um reembolso de uma despesa. Todavia, se assim fosse, o valor suportado (despesa) não teria sempre a mesma dimensão quantitativa – 5,80 euros diários e, em segundo lugar, os Requerentes não demonstram que os valores suportados são distintos daqueles que são processados a tal título.

Em resumo, as correções e liquidações dever-se-ão manter na ordem jurídica e, simultaneamente, fica prejudicado o conhecimento das demais questões.

 

III – DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

a) Julgar improcedente o pedido de anulação dos atos tributários objeto dos autos;

 

b) Absolver a Requerida de restituir aos Requerentes as quantias constantes nas liquidações adicionais de IRS e respetivas demonstrações de acerto de contas;

 

c) Julgar improcedente os pedidos de pagamento de juros indemnizatórios;

 

d) Condenar os Requerentes no pagamento das custas arbitrais.

 

VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 9 439,37 euros [o valor corresponde à soma das liquidações impugnadas], nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

CUSTAS

 

Custas a suportar pelos Requerentes, no montante de 918,00 euros, artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 6 de setembro de 2021

 

O árbitro,

Francisco Nicolau Domingos