Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 124/2016-T
Data da decisão: 2017-01-12  IRC  
Valor do pedido: € 15.610,59
Tema: IRC - depreciações e amortizações aplicáveis a aerogeradores
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.A…, Lda., contribuinte n.º …  (doravante designada por Requerente), apresentou em 02/03/2016 pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita a anulação do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pesssoas Colectivas (IRC) n.º 2014…, da liquidação de juros compensatórios n.º 2015… e da demonstração de acerto de contas n.º 2015… – considerando-se como custo fiscalmente dedutível o montante de € 84 275,32, relativo à parte da amortização dos aerogeradores do parque eólico das…– respeitantes ao ano de 2010 e a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida.

 

1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou em 27/04/2016 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

1.3.No dia 12/05/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida em 12/05/2016 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e juntar o Processo Administrativo (PA) aos autos.

 

1.5.Em 09/06/2016 a Requerida apresentou a sua resposta na qual sustenta que a liquidação de IRC deve ser mantida na ordem jurídica.

 

1.6.O tribunal no dia 15/07/2016 determinou que a Requerente viesse aos autos indicar a matéria de facto do seu pedido de pronúncia arbitral acerca da qual pretendia a produção de prova testemunhal.

 

1.7.A Requerente em 06/09/2016 identificou por requerimento tais pontos de facto.

 

1.8.O tribunal em 16/09/2016 proferiu despacho no qual determinou a realização da diligência de produção de prova testemunhal para o dia 07/10/2016 atenta a sua relevância para a decisão arbitral a proferir.

 

1.9.No dia 07/10/2016 foi produzida a prova testemunhal, o tribunal determinou que o processo devia prosseguir para alegações, comunicou à Requerente a obrigação de proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente e fixou  prazo limite para proferir a decisão arbitral.

 

1.10.        A Requerente apresentou as suas alegações finais escritas no dia 18/10/2016, concluindo pela procedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

1.11.        A Requerida, nas suas alegações finais escritas de 28/10/2016, defendeu que as liquidações dever-se-ão manter na ordem jurídica, atenta a sua legalidade.

 

1.12.        O tribunal em 12/11/2016 prorrogou por 2 meses o prazo para proferir decisão arbitral.

 

 

 

2.      SANEAMENTO

 

O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão arbitral.

 

3.      POSIÇÃO DAS PARTES

 

A Requerente alega factualmente que na sequência do procedimento de inspecção decorrente da ordem de serviço n.º OI2014…, de âmbito geral realizada ao IRC e respeitante ao exercício de 2010, foi proposta a correcção do resultado fiscal de € 656 955,20 para € 791 230,52, isto é, no montante de € 134 275,32.

O fundamento de tal proposta alicerçou-se no seguinte: i) A constituição de uma provisão, no montante de € 50 000, referente ao processo judicial n.º 235/07.5TBRSD, no âmbito do qual B… e outros contestaram a instalação pela Requerente de aerogeradores em prédio de que são proprietários e ii) A taxa de amortização de 6,25 % praticada pela A…, Lda. no que respeita aos três aerogeradores que integram o parque eólico das … .

A Requerente, após ter sido notificada do relatório final de inspecção e da liquidação adicional de IRC, acrescida de juros compensatórios no montante total de € 25 299,66 entendeu aceitar a correcção relativa à provisão constituída no montante de € 50 0000. Assim, procedeu ao pagamento parcial do imposto e de juros compensatórios na parte respeitante à correcção com origem na desconsideração da provisão de € 50 000, no valor de € 9 689,07.

Contudo, não se conformou com a desconsideração da taxa de amortização de 6,25% por si utilizada relativamente aos aerogeradores que, no seu juízo, não é superior ao «período de utilidade esperada», tendo por referência o art. 31.º, n.º 2 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) e o art. 5.º, n.º 3 do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro e apresentou reclamação graciosa em 02/07/2015.

Para defender a ilegalidade de tal correcção, sustenta que os serviços da AT não cuidaram de perceber o racional económico que se encontrava subjacente à adopção de um período de vida útil correspondente a 16 anos no que concerne à amortização dos aerogeradores instalados no parque eólico das … .

Por isso, defende que, ao abrigo do disposto no Anexo II ao Decreto-Lei n.º 189/88, de 27 de Maio, na sua redacção actual, as centrais renováveis licenciadas à luz de tal diploma e do Decreto-Lei n.º 312/2001, de 10 de Dezembro são remuneradas pelo fornecimento de electricidade à rede nacional de distribuição em média e alta tensão, de acordo com a fórmula matemática que possibilita de uma forma clara a todos os agentes económicos ligados ao sector ter uma noção exacta da remuneração a auferir durante 15 anos.

Acrescenta que, a partir de tal data não se encontra assegurada a rentabilidade do parque eólico das … e que durante um ano será efectuada uma análise para aferir a sua manutenção face às condições do mercado.

Em bom rigor, observa que se as partes concordam relativamente à circunstância de, no caso concreto, a taxa de depreciação ou amortização dever ser razoável, tendo em conta o período de utilidade esperada, tal já não sucede relativamente ao significado jurídico-tributário do referido período de vida útil.

Com efeito, afirma que a AT interpreta o conceito na óptica de «garantia de bom funcionamento», quando alicerça as suas correcções nos dados técnicos disponibilizados pelo fornecedor dos equipamentos e, no seu juízo, a utilidade relevante no âmbito do IRC é a económica e não a «durabilidade» do activo.

Bem como sustenta ser necessário ter em consideração as condições concretas e efectivas em que a Requerente opera e correlacionar os gastos de uso de um activo (aerogeradores) com os rendimentos que ele gera. Por isso, o plano de negócios delineado por si teve por objectivo efectuar um encontro de contas entre os réditos gerados e os custos associados à sua instalação e manutenção. Em suma, pugna que o raciocínio utilizado pela AT na correcção não teve em conta o critério da razoabilidade, ao fundamentar-se em exclusivo em elementos técnicos e teóricos, desligados das condições concretas em que a Requerente opera.

Por outro lado, invoca que a taxa de amortização e depreciação proposta pela AT é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade e da tributação do lucro real, na medida em que provocaria uma discriminação relativamente ao regime aplicável a outras entidades produtoras de energia, como é o caso de centrais hidroeléctricas.

Finalmente, advoga que os tribunais arbitrais são competentes para reconhecer o direito de pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida e que, no caso concreto, a Requerente prestou garantia no montante de € 20 457,79. Assim, durante o período em que mediar a prestação de garantia esta irá incorrer em custos, cujo montante pretende ver ressarcidos.

Por seu turno, a Requerida, na sua Resposta defende que, se devia admitir um período de utilidade esperada para efeitos fiscais de 20 anos, porque o fornecedor dos equipamentos em causa, C… A/S disponibilizou dados técnicos que corroboram esse período, o Comité Internacional de Electrónica, na sua norma …-1, recomenda que as turbinas sejam projectadas tendo como vida útil mínima de 20 anos e foi de 30 anos o prazo de duração de um acordo de cedência do direito de uso e fruição correspondente a uma parcela de terreno.

O único critério que a lei impõe à AT é que esta, na determinação da taxa de depreciação ou amortização, observe o «período de utilidade esperada», sendo este o único critério que poderá determinar a referida taxa com objectividade, rigor e segurança.

O conceito de utilidade económica que a Requerente alega não tem qualquer fundamento legal, até porque seria curioso que a vida útil de um bem estivesse dependente da performance económica de um determinado sujeito passivo ou do projecto em que o bem a amortizar está inserido.

Acrescenta ainda que, nos presentes autos não estamos perante qualquer lacuna, mas na presença de um simples caso não regulado, onde é o próprio legislador que assume no art. 31.º, n.º 2 do CIRC, que pode optar por não fixar taxas de depreciação ou amortização de determinados bens e, nessa hipótese, consagra o critério a utilizar pela AT, o da razoabilidade, tendo em conta o período de utilidade esperada.

Termina defendendo que actuou em conformidade com o art. 31.º, n.º 2 do CIRC, isto é, que a aplicação da taxa de 5% aos aerogeradores não é injustificada ou desproporcional, pois resulta do período de utilidade esperada e respeita integralmente os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da tributação do lucro real.

Em suma, pugna que não pode ser assacado nenhum vício ou ilegalidade à correcção efectuada.

Deste modo, o tribunal tem de conhecer as seguintes questões:

i)                   Se a liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios do ano de 2010 são ilegais;

ii)                 Se a interpretação da Requerida, ao considerar, no caso concreto, 20 anos como o período de vida útil esperado, viola o princípio constitucional da igualdade e da tributação pelo rendimento real;

iii)               Se a Requerente tem direito a uma indemnização por prestação garantia indevida.

 

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. Factos que se consideram provados

4.1.1. A Requerente produz electricidade por meio eólico.

4.1.2. Para realizar essa finalidade dispõe de parques eólicos com aerogeradores.

4.1.3. Um desses parques encontra-se instalado em …–… .

4.1.4. A Requerente alocou € 6 742 025,21 à aquisição e montagem de três aerogeradores em tal parque, modelo V 90, do fabricante C… A/S, com vista a realizar o seu objecto social.

4.1.5. No âmbito da Ordem de Serviço n.º OI2014…, de 02/07/2014, a AT procedeu a uma acção inspectiva de âmbito geral e ao período de tributação de 2010.

4.1.6. Em resultado de tal acção inspectiva foi elaborado Relatório  de Inspecção, o qual se dá como integralmente reproduzido e onde consta, nomeadamente, o seguinte: «Da análise do Mapa de Depreciações e Amortizações constante do Dossier Fiscal (Anexo 4), verificou-se que a principal rubrica se refere ao “Equipamento de Centrais” no montante de € 6 742 025,21, com o código …, cuja amortização no exercício é de € 421 376,57. Conforme se verificou em acções inspectivas anteriores, aquela rubrica é referente à aquisição e montagem dos 3 aerogeradores, Marca e fabricante –C…, Modelo V90, estando os mesmos a ser amortizados à taxa de 6,25%, tendo por base um período de vida útil de 16 anos. O regime fiscal das amortizações e depreciações é regulado pelo Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, no qual não está prevista qualquer taxa específica para os equipamentos de produção de energia eólica. Deste modo e face à inexistência deste tipo de equipamentos nas tabelas anexas ao Decreto Regulamentar 25/2009, de 14 de Setembro, nos termos do n.º 2 do artigo 31.º do CIRC e do n.º 3 do 5.º do 25/2009, de 14/09, relativamente aos bens para que não se encontrem fixadas taxas de amortização, como é o caso dos aerogeradores, são aceites pela Direcção-Geral dos Impostos as consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada. Por consulta aos dados técnicos disponibilizados na internet pelo fornecedor dos equipamentos em causa –C… A/S, verifica-se que o período de vida útil mínimo esperado para esses equipamentos é de 20 anos (Anexo 5), o que vai de encontro ao recomendado pelo Comité Internacional de Electrónica, na sua norma …-1.(…) Deste modo a taxa máxima de amortização permitida para efeitos fiscais não poderá ser superior a 5%, conforme previsto no disposto no n.º 3 do art. 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14/09 e n.º 2, do art. 31.º do CIRC, pelo que se propõe a seguinte correcção às amortizações do exercício, por não serem gastos dedutíveis  para efeitos fiscais nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1, do art. 34.º do CIRC:

 

Código

Valor do equipamento

Taxa de amortização  praticada

Amortização de amortização máxima permitida

Amortização praticada

Amortização aceite

Correcção

€6 742025,21

6,25%

5%

€421 376,58

€337 101,26

€84275,32

 

(…)».

4.1.7. A Requerente foi notificada para o exercício do direito de audição por intermédio de ofício em 28/11/2014.

4.1.8. A Requerente exerceu o direito de audição em 17/12/2014.

4.1.9. O relatório final de inspecção tributária foi notificado à Requerente por ofício datado de 26/12/2014.

4.1.10. Em resultado de tais correcções foi a Requerente notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2014… no montante de € 25 299,66, na qual se inclui a liquidação de juros compensatórios no montante de € 3 144,24 e da demonstração de acerto de contas n.º 2015… .

4.1.11. Posteriormente, a Requerente aceitou a correcção da provisão constituída no montante de € 50 000 e procedeu ao pagamento por conta de € 9 689,07 no âmbito do processo de execução fiscal n.º …2015… .

4.1.12. Com vista à suspensão do processo executivo n.º …2015… a Requerente apresentou em 19/06/2015 garantia bancária no montante de € 20 457,79.

4.1.13. Foi apresentada reclamação graciosa da liquidação de IRC de 2010 com vista à consideração como custo fiscalmente dedutível do montante de € 84 275, 32 respeitante à parte da amortização dos aerogeradores do parque eólico das … .

4.1.14. No dia 03/12/2015 a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada.

4.1.15. A Requerente no dia 02/03/2016 apresentou o pedido de pronúncia arbitral que alicerça o presente processo.

4.1.16. A Requerente considerou que os aerogeradores têm um período de vida útil de 16 anos, amortizando-os à taxa de 6,25%.

4.1.17. A energia produzida pela Requerente é vendida de acordo com as condições previstas no Decreto-Lei n.º 189/88, de 27 de Maio.

4.1.18. O pagamento da tarifa garantida para a produção de energia a partir de fontes renováveis é de 15 anos.

4.1.19. O valor residual dos aerogeradores é de zero após o decurso dos 15 anos, porquanto não se vendem e são desmantelados, não tendo qualquer valor de mercado.

4.1.20. Os aerogeradores constituem uma área muito sensível aos avanços tecnológicos.

4.1.21. Os custos de desmantelamento, findos esses 15 anos, são significativos e o produto da venda do cobre incorporado nos aerogeradores não é suficiente para assegurar tais custos.

4.1.22. A Requerente planeou a sua atividade com base em tais circunstâncias.

 

4.2. Factos que não se consideram provados

Não existem factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

 

            A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa, bem como no depoimento das testemunhas, D… (4.1.19 a 4.1.22) e E… (4.1.19 a 4.1.22), que o prestaram com isenção e conhecimento dos factos que relataram.

           

5. DO DIREITO

 

            A questão essencial neste processo consiste em determinar qual é a taxa de amortização que deve ser utilizada para os aerogeradores que integram o parque eólico da Requerente sito em … . Ou seja, determinar, à luz do enquadramento fiscal em vigor no exercício de 2010, qual o período de vida útil dos aerogeradores da Requerente descritos no relatório de inspecção tributária, para se apurar a taxa de depreciação a considerar fiscalmente.

            Deste modo, há, desde logo, que identificar o enquadramento jurídico sobre o qual as partes dissentem na sua interpretação.

            Assim, o art. 31.º do CIRC, na redacção adveniente do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, prevê o seguinte: «1. No método das quotas constantes, a quota anual de depreciação ou amortização que pode ser aceite como gasto do período de tributação determina-se aplicando as taxas de depreciação ou amortização definidas no decreto regulamentar que estabelece o respectivo regime aos seguintes valores:

a)      Custo de aquisição ou de produção;

b)      Valor resultante de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;

c)      Valor de mercado, à data de abertura da escrita, para os bens objecto de avaliação para esse efeito, quando não seja conhecido o custo de aquisição ou produção.

  1. Relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis (sublinhado nosso), tendo em conta o período de utilidade esperada (sublinhado nosso)…».

Mais, também o Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro dispõe no art. 5.º, n.º 3 que: «…relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas referidas no n.º 1, taxas de depreciação ou amortização são aceites as que pela Direcção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada (sublinhado nosso)».

            Em suma, não estando prevista no Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, na redacção em vigor à data do facto tributário, a taxa de amortização para aerogeradores, a Requerente, por injunção do art. 31.º, n.º 2 do CIRC tinha de aplicar uma taxa que considerasse razoável, tendo em conta «o período de vida útil» esperado para os aerogeradores.

            Mas, como deve apreciar o tribunal a razoabilidade da taxa de depreciação utilizada (6,25%) tendo em consideração o período de utilidade esperada para os aerogeradores?

            Em tal actividade é necessário valorar os dados carreados para os autos pelas partes, isto é, a informação fornecida pelo prestador C… A/S e o documento que analisa a vida útil de equipamentos para a produção de energia hidroeléctrica. Mais, a especificidade da questão exige que se valore, não só os elementos de natureza contabilística e fiscal, como também os de natureza económica, técnica e os próprios depoimentos das testemunhas.

            Da prova constante nos autos resulta que, em 2010, não existia motivo para que fosse esperado um período de vida útil superior aos 16 anos que a Requerente tomou em consideração para efectuar as amortizações, mormente, o de 20 anos, utilizado pela AT, por lhe ter sido indicado pelo fornecedor dos aerogeradores que o referido período é de 20 anos, como recomenda a norma …-1 do Comité Internacional de Electrónica, ao sustentar que as turbinas sejam projectadas tendo como vida útil mínima tal número de anos.

            Da matéria de facto provada resulta que, não só a Requerente projectou a sua actividade pelo período de tarifa garantida para a energia produzida com recurso à força do vento, como também os aerogeradores se tornam obsoletos antes de atingirem 15 anos de utilização, têm elevados custos de desmantelamento e estes equipamentos não têm qualquer valor de mercado.

            Consequentemente, não se pode considerar determinante a informação recolhida pela AT de que se deva esperar um período de vida útil de 20 anos para os aerogeradores perante o supra exposto.

            De outro lado, a circunstância da Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro, ter vindo expressa e concretamente integrar os «equipamentos de energia eólica» na lista de taxas da tabela II anexa ao Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro e indicar a taxa 8, que corresponde a 12,5 anos de vida útil, aponta para o acerto do juízo de razoabilidade efectuado pela Requerente ao utilizar um período de vida útil de 16 anos.

Deste modo, aplicando-se a taxa de 8% fixada neste novo diploma a equipamentos semelhantes aos da Requerente, ainda que a períodos de tributação posteriores a 2015, não pode deixar de se concluir que em 2010 foi razoável entender que não seria de esperar um período vida útil superior a 16 anos.

Na verdade, se é certo que a referida alteração legislativa não tem efeitos retroactivos, também o é que a questão central deste processo consiste em apurar se era razoável em 2010 esperar menos de 20 anos de vida útil para aerogeradores e é manifesto que o facto de o legislador em 2014 ter concluído que o período de vida útil adequado é de 12,5 anos, demonstra que, no juízo legislativo, já era perfeitamente razoável que não se esperasse um período superior[1].

No caso concreto vislumbra-se que a Requerente até utilizou uma taxa de amortização correspondente a um período de vida útil superior a 12,5 anos, pelo que não há fundamento para que a AT não considerasse razoável o período de vida útil esperado que resulta da taxa 6,25%.

E a conclusão diferente não se chega pelo facto de a Requerente ter celebrado um acordo de cedência do direito de uso e fruição de uma parcela predial, na medida que em este não se eterniza na ordem jurídica. Ou, dito de outro modo, nada obsta a que o mesmo seja modificado ou extinto.

Por tal somatório de razões, a liquidação objecto destes autos padece do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e, como tal, terá de ser anulada.

Paralelamente, se a liquidação de IRC é ilegal por se alicerçar em correcção à matéria tributável sem suporte legal, padece de semelhante vício a liquidação de juros compensatórios.

Finalmente, a Requerente formula um pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, porquanto entende que há erro imputável à AT na prática da liquidação adicional.

Acontece que, o art. 2.º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT delimita a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sobre a égide do CAAD com a «declaração de ilegalidade».

Deste modo, é legítimo questionar se é possível condenar a AT no pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida?

Em primeiro lugar, o legislador, na autorização legislativa concedida pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril escreveu que: «O processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». Por outras palavras é à luz de tal finalidade legislativa que devem ser interpretados os artigos 2.º, 10.º e 24.º, n.º 1, al. b), todos do RJAT.

Na verdade, o art. 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) estabelece que: «A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda».

Por isso, no processo arbitral é possível, não só apreciar pedidos de natureza anulatória, como também o reconhecimento do direito à indemnização por prestação de garantia indevida.

O regime do direito à indemnização por garantia indevida encontra-se previsto no art. 53.º da Lei Geral Tributária (LGT) que prevê o seguinte: «1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida. 2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo. 3. A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente. 4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que se efectuou».

No caso concreto, é possível constatar a partir da matéria de facto dada como provada que foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …2015… no Serviço de Finanças de … e que a Requerente prestou uma garantia para suspender tal processo no montante de € 20 457,79.

Deste modo, o erro subjacente à liquidação adicional de IRC e da liquidação de juros compensatórios é da AT, porquanto a correcção empreendida foi da sua iniciativa e a Requerente não contribuiu para que tal erro fosse praticado. Com efeito a prestação de garantia bancária com vista à suspensão do processo de execução fiscal afigura-se como não devida e, como tal, tem a Requerente direito a ser indemnizada pelos prejuízos que advieram da garantia prestada.

Não existindo elementos que permitam determinar o montante de indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução da presente decisão.

 

6. DECISÃO

 

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide o tribunal:

i)                   Anular o indeferimento expresso da reclamação graciosa e consequentemente, a liquidação de IRC n.º 2014…, a liquidação de juros compensatórios n.º 2015…, respeitantes ao ano de 2010 e a demonstração de acerto de contas n.º 2015…, na parte correspondente à correcção da taxa de depreciação dos aerogeradores.

ii)                 Condenar a Requerida no pagamento de uma indemnização à Requerente, por prestação de garantia indevida, no valor que vier a ser fixado em execução de sentença.

 

7. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 15 610,59, nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

8. CUSTAS

Custas a cargo da Requerida, no montante de € 918, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, na medida em que o pedido procedeu integralmente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 12 de Janeiro de 2017

 

O árbitro,

 

 

Francisco Nicolau Domingos



[1] V. neste sentido a decisão arbitral n.º 16/2015-T, de 01/09/2015 e na qual assumiu a função de árbitro-presidente o Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA.