Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 126/2012-T
Data da decisão: 2013-04-21  IRC  
Valor do pedido: € 85.664,50
Tema: Competência do Tribunal Arbitral em razão da matéria; litispendência; caducidade do direito à liquidação
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Processo n.º 126/2012-T

 

 

Acordam os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Árbitro Presidente), Prof. Doutor João Sérgio Ribeiro e Prof. Doutor Fernando Borges de Araújo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral:

 

1. Relatório

 

 

…, contribuinte n.º …, com domicílio fiscal em … Faro, Reclamante no procedimento tributário acima e à margem referenciado (doravante “Requerente”), veio, invocando o disposto nos artigos 23.º e 95.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 137.º, n.º 1 do Código do IRC, 10.º, n.ºs 1, alínea a) e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, requerer a CONSTITUICÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º …, de 3-10-2007, no valor de € 85.664,50.

O Requerente afirma que a referida liquidação foi oficiosamente emitida pela Administração Tributária, na sequência de uma mais-valia imobiliária gerada pela sociedade de Direito gibraltino A..., pessoa colectiva n.º …, à época com sede em …, Gibraltar (doravante “A...”), sendo imputada ao Requerente, pela Administração Tributária, a qualidade de responsável solidário pelo respectivo pagamento, atribuindo-lhe a qualidade de gestor de bens ou direitos da A... .

Defende o Requerente que em nenhum momento foi notificado pela Administração Tributária no âmbito do procedimento de inspecção que precedeu a liquidação de IRC na origem da execução fiscal n.º…, tal como não foi directamente notificado da respectiva liquidação de imposto, muito menos lhe foi concedido prazo para o respectivo pagamento voluntário. O Requerente sustenta também não ter sido notificado pela Administração Tributária de que, de acordo com o entendimento daquela, é tido por responsável solidário na putativa qualidade de gestor de bens e direitos da A..., o que o impediu de participar na decisão administrativa de lhe imputar essa qualidade ou, pelo menos, recolher matéria probatória para confirmar ou infirmar semelhante hipótese. Para além disso, o Requerente defende que é incompetente a Direcção de Finanças de … para a realização do procedimento interno de inspecção, subjacente à liquidação. Defende ainda o Requerente que o artigo 43.º, n.º 2, do CIRS é incompatível com o artigo 63.º do tratado sobre o funcionamento da União Europeia; e que foi erradamente quantificada a mais-valia por não se ter considerado as despesas inerentes à aquisição do imóvel.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Árbitro Presidente), o Prof. Doutor João Sérgio Ribeiro e o Prof. Doutor Fernando Borges de Araújo, que comunicaram a aceitação do encargo.

Em 09-01-2013 foram as Partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24-01-2013.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que refere que se encontra pendente processo de Oposição no Tribunal Administrativo e Fiscal de … tendo por objecto a exigibilidade da liquidação ora controvertida, com fundamento quer na inexistência da responsabilidade solidária quer na falta de notificação ao Requerente da liquidação dentro do prazo de caducidade.

A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca, como excepção, a parte do pedido dirigida à inexigibilidade da liquidação, por este Tribunal Arbitral ser incompetente e, se o não for, por existir uma situação de litispendência face a um processo judicial de oposição à execução fiscal em curso. Para além disso, refere ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que o Tribunal deverá atender à relação de prejudicialidade desse pedido com a oposição em curso, para efeitos de eventual suspensão da instância, até ao termo da discussão nesta da questão da responsabilidade solidária do Requerente e sobre a questão da caducidade do direito de liquidação.

Refere ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que a liquidação foi notificada à A..., na pessoa do seu representante fiscal, através de correspondência com registo interno da Autoridade Tributária e Aduaneira n.º RY ...PT, de 30/11/2007, distribuída pelos CTT, juntando, com o fim de o provar, «prints» extraídos do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Defende igualmente a Autoridade Tributária e Aduaneira que para obstar à caducidade basta a notificação do responsável originário pelo imposto, que a Direcção de Finanças de … era competente para o procedimento de inspecção, que o Requerente não tinha de ser ouvido no procedimento, e que não se verificam os vícios de violação de lei invocados.

Na reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, realizada em 6-3-2013, o Requerente pronunciou-se sobre as excepções oralmente e, com a concordância da Autoridade Tributária e Aduaneira, juntou aos autos um documento escrito, relativo à resposta às excepções.

No dia 4-4-2013 tiverem lugar as alegações orais.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Tudo visto, cumpre proferir decisão.

 

2. Questão prévia da incompetência em razão da matéria

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão prévia da incompetência deste Tribunal Arbitral, em razão da matéria, para o conhecimento da questão da falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade.

A questão coloca-se por o artigo 2.º do RJAT apenas prever competências dos tribunais arbitrais tributários que funcionam no CAAD relativamente a declaração da ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, e declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), e ser portanto questionável a forma de invocação perante os tribunais da ilegalidade resultante da falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade.

Na verdade, antes da vigência do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), entendia-se generalizadamente que a falta de notificação do acto de liquidação dentro do prazo de caducidade implicava ilegalidade do acto de liquidação.

Com aquele Código suscitaram-se dúvidas jurisprudenciais sobre a possibilidade de invocação em oposição à execução fiscal da ilegalidade consubstanciada pela notificação da liquidação depois do termo do prazo de caducidade, designadamente se ela se enquadrava na alínea e) do n.º 1 do seu artigo 204.º.

Depois de decisões contraditórias, o Supremo Tribunal Administrativo veio a entender em recurso por oposição de julgados que, nos casos em que não foi efectuada notificação da liquidação e foi instaurada execução fiscal, está-se perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação, que constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT e, quando foi efectuada uma notificação de um acto de liquidação, mas a notificação foi efectuada depois de ter decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidação, está-se perante um fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (acórdão do Pleno de 20/01/2010, processo n.º 832/08).

Depois desta jurisprudência, resta saber se, para além de poder ser invocada como fundamento de oposição à execução fiscal a falta de notificação da liquidação antes de terminado o prazo de caducidade pode ser também fundamento de impugnação judicialmente por implicar ilegalidade superveniente do ato de liquidação.

Na abordagem desta questão, tem de levar-se em conta o regime previsto no art. 45.º, n.º 1, da LGT e a supremacia que a esta Lei é reconhecida pelo art. 1.º do CPPT, ao dizer que este Código se aplica «sem prejuízo do disposto ... na lei geral tributária».

Na verdade, naquele n.º 1 do art. 45.º estabelece-se que «o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos», o que tem ínsito que a falta de notificação nesse prazo afecta o direito de liquidação, afectando a sua legalidade, sendo esse, aliás, o regime vigente no momento em que a LGT foi publicada, antes do CPPT.

O referido art. 1.º do CPPT, ao referir que este diploma não prejudica o disposto na LGT, é uma norma geral que limita o alcance de todas as disposições deste Código, pelo que se chega à conclusão de que não pode, com base na referida alínea e) do n.º 1 do art. 204.º, considerar-se revogado o art. 45.º, n.º 1, na parte em que atribui à falta de notificação tempestiva eficácia invalidante.

Mas, assim, será de restringir o alcance da alínea e) do n.º 1 do art. 204.º, harmonizando-o com o art. 45.º, n.º 1, da LGT, na parte em que pode considerar-se revogatório deste, mantendo a possibilidade de invocação em impugnação judicial da ilegalidade que deriva da falta de notificação dentro do prazo de caducidade.

Porém, o facto de o art. 204.º, n.º 1, do CPPT admitir explicitamente a possibilidade de invocação da intempestividade da notificação como fundamento de oposição à execução fiscal impõe que se entenda que também se pode deduzir oposição com este fundamento.

O que significa, assim, que haverá uma dupla possibilidade de invocação da intempestividade da notificação à face do art. 45.º, n.º 1, tanto como fundamento de impugnação judicial como fundamento de oposição, à semelhança do que sucede com a ilegalidade abstracta da liquidação e da duplicação de colecta.

Conclui-se do exposto que a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade constitui ilegalidade superveniente da liquidação que tenha sido efectuada dentro desse prazo, pelo que não há qualquer obstáculo à sua invocação como fundamento de pedido de declaração de ilegalidade de acto de liquidação, enquadrável no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, já que foi legislativamente pretendido com o processo arbitral criar «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial» (artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).

Improcede, assim, a invocada excepção da incompetência deste Tribunal Arbitral em razão da matéria.

 

 

3. Questão da litispendência

 

Subsidiariamente, a Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da litispendência, por estar pendente num Tribunal Administrativo e Fiscal processo de oposição à execução fiscal em que é invocado como fundamento a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade.

Desde logo, constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez prova de que esteja pendente uma oposição à execução fiscal com o conteúdo que refere, o que impede que se possa julgar procedente a excepção.

Por outro lado, o artigo 13.º, n.º 4, do RJAT estabelece que a apresentação dos pedidos de constituição de tribunal arbitral preclude o direito de, com os mesmos fundamentos, reclamar, impugnar, requerer a revisão, incluindo a da matéria colectável, ou a promoção da revisão oficiosa, ou suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos ou sobre os consequentes actos de liquidação, excepto quando o procedimento arbitral termine antes da data da constituição do tribunal arbitral ou o processo arbitral termine sem uma pronúncia sobre o mérito da causa.

Decorre desta norma que, quando um mesmo pedido de declaração de ilegalidade de um acto de liquidação é suscitada perante um tribunal arbitral e um tribunal tributário é a apreciação pelo tribunal arbitral que prevalece, pois elimina o direito de, com os mesmos fundamentos, utilizar meios administrativos ou judiciais de impugnação.

Por isso, independentemente de saber se a qualidade jurídica de «oponente» equivale à de «requerente de pedido de pronúncia arbitral» (para efeitos da identidade de sujeitos exigida pelo n.º 2 do artigo 498.º do Código de Processo Civil) e de saber se o efeito jurídico pretendido no presente processo é o mesmo que a Requerente pretende obter no referido processo de oposição à execução fiscal (para efeito do n.º 3 do mesmo artigo), é de concluir que esta não se verifica.

Improcede, assim, esta questão prévia.

 

4. Suspensão da instância por pendência de causa prejudicial

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que deve ser suspensa a instância até que seja decidida a oposição que diz estar pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de …, por nela ter sido colocada a questão da falta de pressuposto da responsabilidade solidária, questão esta que considera prejudicial em relação às que são objecto do presente processo.

O artigo 279.º, n.º 1, do Código de Processo Civil estabelece que «o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta».

Independentemente da prova de ter sido proposta a oposição que a Autoridade Tributária e Aduaneira afirma estar pendente, a apreciação das questões colocadas no presente processo, atinentes à ilegalidade da liquidação, não dependem de prévia decisão em oposição sobre se o Requerente tem a qualidade de responsável solidário, pois o presente processo, como o processo de impugnação judicial, é meio processual adequado para esse efeito. O responsável solidário está no mesmo plano do devedor originário, quanto à possibilidade de uso de meios impugnatórios. Na verdade é quanto à responsabilidade subsidiária, e não quanto à responsabilidade solidária, que o artigo 151.º, n.º 1, do CPPT impõe que a apreciação dos respectivos pressupostos seja feita em processo de oposição à execução fiscal.

Da mesma forma, no que concerne à questão da falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, também não há qualquer razão para aguardar por decisão no invocado processo de oposição à execução fiscal, pois ela, como fundamento de ilegalidade do acto de liquidação, pode ser apreciada no presente processo, que é adequado à apreciação da legalidade do acto que dele é objecto. Na verdade, a alegação de que, se naquele invocado processo de oposição for julgado que a notificação foi feita fora do prazo de caducidade do direito de liquidação, o presente processo perderá utilidade, não tem qualquer correspondência com a realidade, pois neste são imputadas outras ilegalidades ao acto impugnado e, por outro lado, se no presente processo for declarada a ilegalidade deste acto, seja qual for o fundamento da ilegalidade, será o processo de oposição à execução fiscal que perderá utilidade, por a execução ter de ser julgada extinta (artigo 270.º, n.º 1, do CPPT).

Não se verifica, assim, qualquer fundamento para a suspensão do presente processo, por alegada pendência de uma oposição à execução fiscal, sendo de equacionar, antes, a questão de saber se a oposição deverá ser suspensa por estar pendente o presente processo, questão que, naturalmente, não importa apreciar aqui.

Indefere-se, assim, o pedido de suspensão da instância.

 

5. Matéria de facto

 

5.1. Factos provados

 

a) Ao abrigo da OI …, de 17/11/2006, da Direcção de Finanças de …, foi efectuada uma acção inspectiva interna à A..., com o NIPC …, sociedade de direito gibraltina, entidade não residente sem estabelecimento estável em território nacional, tendo por objecto o IRC de 2004 (reclamação graciosa junta ao processo e documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujos teores se dão como reproduzidos);

b) Nessa inspecção verificou-se que por escritura pública de compra e venda outorgada no 1.º Cartório Notarial de …, a 22/09/2004, a A..., representada pelo Requerente, com base em procuração, vendeu o lote de terreno urbano para construção, inscrito na matriz da freguesia de …, concelho de …, sob o artigo …, com o valor patrimonial tributável de € 42.665,18, pelo preço de € 400.000,00, imóvel que havia adquirido a título oneroso pelo montante global de € 51.198,21 (documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial e reclamação graciosa referida, cujos teores se dão como reproduzidos);

c) A A... não entregou a declaração de rendimentos modelo 22, referente à mais-valia obtida com a alienação onerosa de imóvel (reclamação graciosa junta ao processo);

d) A inspecção tributária propôs uma correcção meramente aritmética à matéria tributável referente à mais-valia obtida com a alienação onerosa do referido imóvel, calculada no valor de € 342.658,00, nos seguintes termos: (reclamação graciosa junta ao processo)

 

 

e) Consta dos documentos internos da Autoridade Tributária e Aduaneira que o relatório final da inspecção tributária, sancionado por despacho de 30/04/2007, foi notificado;

f) Na sequência da referida correcção, foi emitida a liquidação oficiosa de IRC referente a 2004, n.º 2007 …, de 03/10/2007, no montante de € 85.664,50, constando dos registos internos da Autoridade Tributária e Aduaneira ter sido expedida pelos seus Serviços Centrais com o registo interno n.º RY … PT, de 30/11/2007, distribuída pelos CTT e endereçada à A..., na pessoa do seu representante fiscal (documento n.º 2 junto com a resposta cujo teor se dá como reproduzido);

g) Em 27-4-2012, o Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação (documento n.º 5 junto com a petição inicial e reclamação graciosa junta ao processo);

h) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 17-8-2012 do Director de Finanças de … Adjunto, em regime de substituição, (documento n.º 8 junto com a petição inicial cujo teor se dá como reproduzido);

i) No sítio informático dos Correios relativo à pesquisa dos documentos enviados por registo não consta ter sido encontrado um objecto com o n.º RY…PT (documento n.º 9 junto com a petição inicial);

j) À data destas notificações constava do sistema de registo de contribuintes …, com o NIF …, na qualidade de representante fiscal da A..., na sequência da declaração de alterações n.º … (documento n.º 1 junto com a resposta).

 

5.1.1. Fundamentação dos factos provados

 

Os factos elencados foram dados como provados com base nos documentos indicados relativamente a cada um deles

 

5.2. Factos não provados

 

Não se provou que a Administração Tributária tivesse expedido para a Requerente a notificação da liquidação referida na alínea f) da matéria de facto fixada.

 

 

5.2.1. Fundamentação da matéria de facto não provada

 

O documento n.º 2 junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a resposta para demonstrar que o número de registo indicado na referida liquidação foi expedido não permite concluir que a expedição tenha sido efectuada.

Na verdade, constata-se que nela é indicado o registo postal n.º RY…PT (fls. 2 do documento n.º 2 junto com a resposta), que está incluído entre os números de registo privativo inicial (RY…PT) e de registo privativo final (RY…PT) indicados no «print» de fls. 4 do mesmo documento n.º 2, relativo a registos datados de 30-11-2007.

Porém, constata-se que esses números de registo inicial e final abrangem 8.319 registos e a «Guia de Expedição de Registos» relativa a esse dia 30-11-2007 refere apenas a quantidade de 6.625 registos.

Por isso, não se pode concluir que esta guia se reporte aos registos indicados naquele «print», e, consequentemente, que a liquidação tenham sido expedida.

Por outro lado, depois de anteriormente, em 2-5-2007, ter sido feita uma notificação dirigida ao representante fiscal da A... que veio devolvida com as indicações «desconhecido» e «mudou-se» (segundo a Autoridade Tributária e Aduaneira informa a fls. 11 da sua resposta), é de estranhar que tenha sido expedida a carta com a notificação da liquidação para o mesmo representante e domicílio e não tenha sido também devolvida.

Para além disso, a garantia constitucional da tutela judicial efectiva assegurada aos contribuintes em relação a todos os actos lesivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa) não é compatível com um controle jurisdicional da prática de actos pela Autoridade Tributária e Aduaneira baseado essencialmente em documentos internos por ela emitidos, reclamando que haja entidades externas, independentes da Autoridade Tributária e Aduaneira, que permitam aferir se os actos foram praticados e quando o foram. Designadamente, no caso das notificações das liquidações pelo correio, a garantia do respeito pelos direitos dos contribuintes não pode dispensar a comprovação pelos correios de que a expedição e entrega foram efectuadas, o que não sucede no caso em apreço, em que a indicação dos registos alegadamente expedidos em 30-11-2007 é feita apenas com base num «print» emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sem certificação de que os registos nele referidos foram expedidos. Na verdade, a guia de expedição de registos que consta de fls. 3 do documento n.º 2, junto com a resposta, tanto pode referir-se aos registos que constam do «print» junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, como a quaisquer outros, para além de o facto de a quantidade de registos indicada no «print» não corresponder à quantidade indicada na guia apontar mesmo fortemente no sentido de que esta não se reporta a esses registos.

 

6. Questão da ilegalidade da liquidação por falta de notificação no prazo de caducidade

 

Na apreciação dos vícios imputados ao acto cuja declaração de ilegalidade é pedida deverá começar-se pelos «vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos» [artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT], já que «a arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» (artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).

Por isso, não se apreciarão prioritariamente os vícios de preterição de direito de audição prévia e de incompetência do autor do acto, que têm natureza meramente formal e cuja procedência não afasta a possibilidade de renovação do acto com o mesmo conteúdo, começando-se por apreciar o vício de falta de notificação no prazo de caducidade, cuja procedência impede a renovação do acto de liquidação.

Como resulta da matéria de facto fixada, não se provou que a liquidação tivesse sido notificada à A... ou ao seu representante fiscal ou ao Requerente.

A dúvida sobre este ponto tem de ser processualmente valorada a favor do contribuinte e não contra ele, pois trata-se de um facto que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz ter praticado, constitutivo do direito que a Autoridade Tributária e Aduaneira pretende exercer em relação ao Requerente e, por isso, é sobre ela que recai o ónus da prova desse facto (artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária).

Assim, tem de analisar-se a legalidade do acto impugnado com base no pressuposto de que a notificação da liquidação não foi efectuada à A... ou ao seu representante fiscal ou ao Requerente e, como decorreu já o prazo de caducidade do direito de liquidação em que a notificação tem de ser efectuada (art. 45.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), tem de concluir-se que a liquidação enferma do vício de caducidade do direito de liquidação.

Nestes termos, procede o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação, com fundamento neste vício.

Consequentemente, é também ilegal a decisão da reclamação graciosa que manteve a liquidação.

 

7. Questões prejudicadas

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de caducidade do direito de liquidação, que assegura efectiva e estável tutela dos direitos do Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados.

Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no citado artigo 124.º do CPPT, julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados. Na verdade, se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse.

 

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade e anular a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.º 2007 …, de 3-10-2007, no valor de € 85.664,50. ( 1 )

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 85.664,50.

 

Custas: Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 21-4-2013

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(João Sérgio Ribeiro)

 

 

 

 

(Fernando Borges de Araújo)

1(  ) Embora o Requerente faça referência a juros compensatórios, a liquidação não os inclui.