Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 102/2016-T
Data da decisão: 2016-08-11  IMI  
Valor do pedido: € 33.039,75
Tema: IMI - Artigo 112º nº 4 do CIMI. Artigos 19º nº 1 da LGT e 43º nº 1 do CPPT. Portaria 150/2004, de 13.02, retificada pela declaração 31/2004, de 23.03 e alterada pela Portaria 292/2011, de 08.11. Alteração de domicílio fiscal. País, território ou região sujeito a regime fiscal claramente mais favorável.
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DECISÃO ARBITRAL

 

PARTES

Requerente: A…, NIPC PT…, com sede no Estado …, USA (representada por B… SA, NIPC PT…, com sede no…, lote … – Escritórios, … …, … …).

Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

 

I.                   RELATÓRIO

 

a)      Em 23-02-2016, a Requerente entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

O PEDIDO

 

b)      A Requerente pede, mediatamente, a declaração de ilegalidade da liquidação de IMI relativa ao ano de 2012, constante das notas de cobrança n.º 2012-… (1ª prestação), n.º 2012-… (2ª prestação) e n.º 2012-… (3ª prestação), emitidas com referência ao prédio urbano sito na União das Freguesias de … e …, concelho de Lagoa, artigo matricial …, no valor global de 33 039,75 euros (€ 2 619,30 + 2 619,30 + 27 801,15 = 33 039,75).

c)      Imediatamente, pretende se declare desconforme com a lei, a decisão de indeferimento do recurso hierárquico que, sob o n.º …2014…, apresentou à AT e correu termos na Direcção de Serviços do Imposto Municipal Sobre Imóveis.

d)     Termina pedindo, ainda, a condenação da AT no reembolso do valor do IMI que pagou e no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa legal, até reembolso do imposto pago.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

e)      O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 07-03-2016.

f)       Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 21-04-2016. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

g)      O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 09-05-2016, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

h)      Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 09-05-2016 que aqui se dá por reproduzida.

i)        Em 11-05-2016 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 15.06.2016. Juntou ainda o PA composto por 2 ficheiros informatizados designados por PA1 com 1/60 laudas e por PA2 com 1/34 laudas.

j)        Por despacho do TAS de 16.06.2016, notificado neste dia, convidaram-se as partes a tomar posição sobre a realização ou não da reunião de partes do artigo 18º do RJAT e produção de alegações. A Requerida por requerimento de 21.06.2016 manifestou a sua posição no sentido de que “se poderá prescindir da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, assim como das alegações finais”, o que foi notificado à Requerente em 21.06.2016.

k)      Por despacho do TAS de 19.07.2016, face à ausência de tomada de posição da Requerente, considerou-se que prescindia da reunião de partes, mas não de alegações, marcando-se prazo para alegações escritas e sucessivas, a menos que viesse comunicar o contrário no prazo para alegações. Por requerimento de 22.07.2016 veio a Requerente manifestar a sua posição sobre a tramitação processual aderindo à posição da Requerida, prescindindo da realização da reunião de partes e da produção de alegações.

l)        Face à posição coincidente das partes, o TAS por despacho de 22 de Julho de 2016, revogou a decisão de 19.07.2016, marcou a data da decisão final e convidou a Requerente a proceder ao pagamento da taxa de arbitragem subsequente. Despacho que foi notificado às partes em 25.07.2016.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

m)    Legitimidade, capacidade e representação – As partes gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária, são partes legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

n)      Princípio do contraditório - A Requerida foi notificada do pedido de pronúncia nos termos do inciso i) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes.

o)      Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do facto da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico, aqui imediatamente em discussão, ter sido notificada por ofício com data de 28.11.2015, recebido em 30.11.2015, e o pedido de pronúncia ter sido registado no CAAD em 23.02.2016.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

p)      A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na União das Freguesias de … e…, concelho de Lagoa, artigo matricial …º, o qual foi avaliado em 2012, tendo resultado um valor patrimonial tributário de 440 530,00 euros.

q)      Em 2013 foi-lhe liquidado IMI, relativo ao ano de 2012, à taxa de 7,5% (artigo 112º-4 do CIMI) porquanto constava no cadastro da AT como tendo domicílio fiscal nas Ilhas Virgens Britânicas, considerado “país, território ou região sujeito a regime fiscal claramente mais favorável” nos termos da Portaria 150/2004, de 13.02.

r)       Discordando dessa liquidação alega que até 2005 teve aí o seu domicílio fiscal, mas em Dezembro desse ano procedeu à sua alteração para o Estado do … nos EUA, onde tem a sua sede desde então e que esta alteração foi registada no RNPC.

s)       Apenas em 2013 a Requerente procedeu à alteração do seu domicílio fiscal no RNPC (mas não no cadastro de contribuinte fiscal), pelo que, pelo menos a partir desta data entende que a Requerida deveria ter em conta, em sede de procedimentos graciosos (reclamação e recurso) para efeitos de anulação das liquidações de IMI, esse desiderato.

t)       Entende ainda que a AT deveria ter usado o mecanismo do artigo 19º nº 9º da LGT para rectificar, oficiosamente, o domicílio fiscal da Requerente (comunicado apenas ao RNPC) e dessa forma não liquidar o IMI nos termos em que foi liquidado.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

u)      Dissentindo do ponto de vista da Requerente, a Requerida refere quanto à rectificação oficiosa do domicílio fiscal que “não colhe desde logo porque a Requerente parece querer olvidar que o RNPC é uma entidade distinta da Requerida”. “Vale isto por dizer que a (pretensa) comunicação de 2013-05-10 ao RNPC nunca poderia constituir (como não constitui) qualquer alteração do domicílio fiscal, como alega a Requerente”, uma vez que o RNPC “encontra-se integrado no Instituto dos Registos e do Notariado como conservatória do registo comercial, sendo que tem por função organizar e gerir o ficheiro central de pessoas coletivas (artigo 78.º do Decreto-Lei 129/98, de 13 de maio)” e a “Requerida não se encontra integrada no Instituto dos Registos e do Notariado, mas sim no Ministério das Finanças, e não prossegue funções relacionadas com o registo comercial, mas antes «(…) por missão administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos, bem como exercer o controlo da fronteira externa da União Europeia e do território aduaneiro nacional, para fins fiscais, económicos e de protecção da sociedade, de acordo com as políticas definidas pelo Governo e o Direito da União Europeia» (artigo 2.º do Decreto-Lei 118/2011, de 15 de dezembro).

v)      “Isto significando, portanto, que tendo a Requerida procedido a uma alteração dos seus dados junto do RNPC para efeitos de registo comercial, então necessariamente teria de ter procedido de igual forma junto da Requerida, uma vez que inexiste intercomunicabilidade entre a alteração do registo comercial e o cadastro dos contribuintes”.

w)    Concluindo: “… nunca a Requerida poderia ter retificado o cadastro fiscal da Requerente com base somente na comunicação efetuada por esta última junto do RNPC, porquanto tal comunicação não foi levada ao conhecimento da Requerida”.

x)      Mas mesmo que fosse como a Requerida defende – quando à obrigação da AT em fazer a correcção do domicílio fiscal oficiosamente -, segundo os documentos apresentados a alteração da sua sede no RNPC ocorreu apenas em 18-07-2013, conforme documento nº 9 junto com o pedido de pronúncia e não em 2005.

y)      E continua: “… em decorrência direta do que se acaba de expor, tendo a alteração ao registo comercial sido efetuada a 2013-07-18, obviamente que a alteração da sede da Requerente ocorreu em momento posterior às liquidações sub judice, pois que estas foram emitidas pela Requerida a 2013-05-07”. “Por outras palavras, ainda que – por hipótese absurda e sem conceder minimamente – fosse defensável a intercomunicabilidade entre o RNPC e o cadastro fiscal da Requerida, certo é que, quer o pedido de alteração ao registo comercial (2013-06-19) quer a própria efetivação da alteração (2016-07-18), ocorreram em momento posterior à emissão dos atos tributários”.

z)      Conclui: “… mesmo que por hipótese meramente académica fosse de aceitar – que não é – o arguido pela Requerente, de que a mera comunicação ao RNPC, ocorrida a 2013-07-18, era suficiente para, posteriormente, a Requerida procedesse à retificação das liquidações emitidas no ano de 2013, ainda assim, aqueles actos tributários sempre eram plenamente válidos na ordem jurídica, não enfermando de quaisquer erros sobre os pressupostos de facto e de direito”. “Isso, pois que, no ano de 2012, precisamente o ano a que se reporta o IMI liquidado, a ora Requerente tinha o seu domicilio fiscal nas Ilhas Virgens Britânicas”. E as

aa)    “Ilhas Virgens Britânicas que, de acordo com a Portaria 150/2004, de 13/02, retificada pela Declaração de Retificação 31/2004, de 23 de março, posteriormente alterada pela Portaria 292/2011, de 8 de novembro, surgem como um “paraíso fiscal”, o que justifica que, nos termos e para os efeitos do artigo 112.º/4 do Código do IMI, a base de incidência daquele imposto – o valor patrimonial tributário do imóvel - seja tributada, como foi, a uma taxa de 7,5%”.

bb)  Insurge-se ainda contra a leitura da lei implícita na posição da Requerente, considerando ser violadora de princípios constitucionais, na medida em que “desvaloriza a realidade registral/cadastral em detrimento de uma realidade informal e insuscetível de um controlo mínimo por parte da Requerida, é ofensiva do basilar princípio da confiança e segurança jurídica que deve enformar qualquer relação jurídica, aqui se incluindo a relação tributária”.

cc)    Propugna pela improcedência do pedido de pronúncia e manutenção na ordem jurídica da decisão tomada no RH e da liquidação de IMI objecto de discussão.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

Estão em causa dois tipos de actos tributários, conforme alíneas b) e c) do Relatório desta decisão:

  • Imediatamente a decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico;
  • Mediatamente as liquidações de IMI.

 

O que há-de apurar-se, em termos de verdade material, face aos factos que se reputem como assentes, é desde quando a Requerente tem a sua sede nos EUA –… . Esta matéria bole com a questão de fundo que é a de saber, se em 31.12.2012, data relevante para a liquidação do IMI aqui em causa, a sua sede (domicílio fiscal) era nos EUA ou nas Ilhas Virgens Britânicas.

 

Resolvida a questão de fundo – face à prova produzida e à verdade material – resultará a procedência ou improcedência do pedido quanto à decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico, onde a mesma prova documental carreada para este processo foi apresentada, com reflexo subsequente e mediato na liquidação de IMI.

 

Reparamos que a defesa da AT é centrada nos actos de liquidação e não tão firmemente na decisão que adoptada no procedimento de recurso hierárquico.

 

A questão da comprovada falta de registo no cadastro fiscal do novo domicílio da Requerente a contar de 2005, nos USA –…, tem que ter obviamente consequências fiscais, que serão, neste caso, a questão dos juros, ou seja, o apuramento de quem deu causa à liquidação nos termos em que foi levada a efeito.

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA FUNDAMENTAÇÃO

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.

 

Factos provados

 

1)                 A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na União das Freguesias de … e …, concelho de Lagoa, artigo matricial …º, com o valor patrimonial tributário de 440 500,00 euros, determinado no ano de 2012, constando como seu titular em 31.12.2012 – conforme artigo 8º do pedido de pronúncia; ponto II Fundamentação – 3 Factos – nºs 1 e 2 (página 3/8) da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico e que constitui o Documento nº 1 em anexo ao pedido de pronúncia; página 24/34 do PA 2 junto pela AT e documento nº 6 junto com o pedido de pronúncia (caderneta predial).

2)                 Em Dezembro de 2005 a Requerente transferiu a sua sede das Ilhas Virgens Britânicas para o Estado do …– EUA, ficando a sua sede localizada em … …, Suite…, na cidade de …, …, …– conforme documentos 7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia; documentos de folhas 54 a 60 do PA1 e 1 a 10 do PA2 e artigos 13º e 14º do pedido de pronúncia – factos e documentos não impugnados pela AT.

3)                 A Requerente enviou ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC) uma carta com o Modelo 2 do RNPC pedindo a inscrição/identificação de pessoa colectiva ou entidade equiparada onde consta que juntou nomeadamente “prova de existência jurídica no país de origem emitida em 10.05.2013”, “acta de sociedade” e “certificado de constituição”, modelo recebido no RNPC em 21 de Junho de 2013, tendo sido emitida com data de 18.07.2013, pelo RNPC, uma certidão de identificação onde se refere “sede no país de origem: Estados Unidos da América” e um comprovativo de actualização de entidade onde se escreveu “Endereço da entidade: … …, Suite…, na cidade de…, …, … …” – conforme artigo 16º do pedido de pronúncia, documento nº junto com o pedido de pronúncia e documentos de folhas 11 a 19 do PA2 junto pela AT – factos e documentos não impugnados pela Requerida.

4)                 Em datas não concretamente determinadas, mas em 2013, a Requerente foi notificada da liquidação de IMI relativa ao ano de 2012, ocorrida em 07.05.2013, através das notas de cobrança n.º 2012-… (1ª prestação), n.º 2012-… (2ª prestação) e n.º 2012-… (3ª prestação), emitidas com referência ao prédio urbano sito na União das Freguesias de … e …, concelho de Lagoa, artigo matricial …º, no valor global de 33 039,75 euros (€ 2 619,30 + 2 619,30 + 27 801,15 = 33 039,75) – Conforme artigo 11º do pedido de pronúncia; documentos nºs 3, 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia; e ponto II Fundamentação – 3 Factos – nº 4 (página 3/8) da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico e que constitui o documento nº 1 em anexo ao pedido de pronúncia.

5)                 A Requerente pagou o imposto liquidado no valor global de 33 039,75 euros (€ 2 619,30 + 2 619,30 + 27 801,15 = 33 039,75) – conforme artigo 6º do pedido de pronúncia; apostilha colocada nos documentos nºs 3, 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia – face à não oposição da AT.

6)                 A Requerente deduziu reclamação graciosa contra a liquidação de IMI referida em 4) tendo sido instaurado o processo …2014… no SF de…, que veio a ser indeferida e notificada a decisão através do ofício nº … de 19.02.2014 – conforme artigo 18º do pedido de pronúncia; documento nº 2 junto com o pedido de pronúncia; e ponto II Fundamentação – 3 Factos – nºs 4  e 9 (páginas 3 e 4/8) da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico e que constitui o Documento nº 1 em anexo ao pedido de pronúncia.

7)                 A Requerente apresentou em 26.04.2014 recurso hierárquico que tomou o nº ...2014…, reagindo contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa – conforme artigo 19º do pedido de pronúncia; e ponto II Fundamentação – 3 Factos – nº 10 (página 4/8) da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico e que constitui o Documento nº 1 em anexo ao pedido de pronúncia.

8)                 Por ofício nº … de 26.22.2015 do SF de … foi a Requerente notificada do despacho de indeferimento do recurso hierárquico de 21.10.2015 da Directora de Serviços do IMI, contendo a seguinte fundamentação: “5.2 – Enquadramento legal e factual - Não há ocorrência de qualquer erro imputável aos serviços da AT portanto, não é imputável qualquer responsabilidade à administração tributária por quaisquer atos administrativos que afetem ou lesem direitos ou interesses dos contribuintes quando estes não cumprem com a obrigação contida no nº 1 do artigo 43º do CPPT. Com efeito, não sendo comunicada à AT a alteração da sede da aqui Recorrente, uma vez que esta não cumpriu a obrigação legal vertida no nº 1 do artigo 43º do CPPT, resultou que, à data de 31 de Dezembro de 2012, constava nas bases cadastrais da AT, que a recorrente tinha a sua sede nas Ilhas Virgens Britânicas, região com regime de tributação privilegiada, claramente mais favorável que consta elencada na Portaria 150/2004 de 13 de Fevereiro, retificada com a declaração de retificação 31/2004 de 23 de Março, alterada pela Portaria 292/2011 de 8.11, pelo que impõe-se concluir que a taxa de 7,5% aplicada por força do nº 4 do artigo 112º do CIMI, está corretamente aplicada. Não colhe o argumento invocado pela recorrente que comunicou a alteração da sua sede em 10 de Maio de 2013 e que o domicílio deveria ter sido retificado oficiosamente, com base no nº 8 do artigo 19º da LGT, quando esta só comunicou a alteração da sua sede em 2013 ao Registo Nacional das Pessoas Coletivas, verificando-se neste contexto que, só em 21 de Junho de 2013 a recorrente procedeu à entrega, no Instituto de Registos e Notariado – Registo Nacional de Pessoas Coletivas da declaração Mod. 2 RNPC, destinada a comunicar a alteração da sua sede para …– Estados Unidos da América: A alteração do domicílio tem de ser obrigatoriamente participada à administração tributária dentro do prazo legalmente estabelecido com vista à produção dos efeitos fiscais decorrentes das alterações, nomeadamente, no que respeita ao processamento das liquidações. Essa obrigatoriedade decorre expressamente das normas legais que regulam especificamente a matéria fiscal, concretamente o artigo 43º do Código do Procedimento e Processo Tributário e o artigo 19º da Lei Geral Tributária.

A respeito, é entendimento do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, nº 03112/09 de 30.06.2009 –

 “… Na verdade, por força do nº 3 do artigo 43º do CPPT e nº 3 do artigo 19º da LGT, impendia sobre a Recorrente o dever de comunicar a alteração do seu domicílio fiscal. Decorrendo do artigo 43º do CPPT em conformidade com o nº 13 do artigo 19º da LGT e regra de inoponibilidade à administração Tributária da mudança de domicílio que não lhe tiver sido declarada, referindo o seu nº 3 que a comunicação só produz efeitos se o interessado fizer a prova de já ter solicitado ou obtido a atualização do domicílio ou sede no número fiscal do contribuinte. Do disposto no nº 19º nº 6 da LGT, não decorre que a administração tributária AT caiba por princípio, proceder a diligências para conhecer qualquer eventual novo domicílio fiscal dos contribuintes… Como decorre límpido do nº 2 do mesmo normativo sobre o contribuinte recai a obrigação de comunicar o local da sua residência habitual aos serviços da AT (…) A estes somente se concede a possibilidade, o poder/dever, de retificar a informação disponível sobre o domicílio fiscal dos suspeitos passivos, na condição de terem acesso a elementos que, com segurança, atestem a mudança, alteração, devendo obviamente se necessário diligenciar pela confirmação dos dados acedidos (…). Embora a lei não o diga expressamente, o tratamento desta matéria exige particulares cautelares, sob pena de se poder estar a atribuir importância e relevo a uma alteração meramente transitória e que o sujeito passivo não pretenda exercitar, não se olvidando que a comunicação por parte deste de alterações do domicílio fiscal obedece a específico e privativo formalismo, inclusive documental atestem a mudança, alteração, devendo, obviamente se necessário diligenciar pela confirmação dos dados acedidos”.

Face aos autos constantes do processo, bem como da informação constante das bases de dados cadastrais da AT referentes à Recorrente resulta que a alteração da sede não foi comunicada à Administração Fiscal em tempo, não produzindo quaisquer efeitos em matéria fiscal, nomeadamente na liquidação de IMI de 2012, pelo que, tal situação subsume-se ao disposto no nº 3 do artigo 19º da LGT, logo, estamos face a uma situação que configura erro imputável ao sujeito passivo e impõe-se concluir que a taxa de 7,5% aplicada por força do nº 4 do artigo 112º do CIMI, está corretamente aplicada, pelo que, a liquidação do IMI do ano de 2012, foi corretamente efetuada face às normas legais vigentes, razão pela qual deverá ser indeferida a pretensão do sujeito passivo”.

6. Conclusão

Do vertido, na presente informação com base nos fundamentos expostos e da análise de todos os elementos juntos ao processo, afigura-se que não obstante a recorrente ter alterado a sua sede das Ilhas Virgens Britânicas para o Estado do … nos Estados Unidos da América, no Registo Nacional de Pessoas Coletivas em 21 de Junho de 2013, não comunicou tal alteração à Administração Tributária em tempo útil, não cumprindo a obrigação legal de participar a alteração da sede, que se encontra consignada no nº 1 do artigo 43º do CPPT, pelo que deve manter-se o ato recorrido, negando-as, assim, provimento ao recurso hierárquico” – conforme artigo 21º do pedido de pronúncia; documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia; e folhas 24 a 33 do PA2 junto pela AT.

9)                 Em 23-02-2016, a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia – registo de entrada no SGP do pedido de pronúncia.

 

Factos não provados

 

 Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR

 

Como resulta dos factos provados (alíneas 3) e 4) do ponto III) e não contestados pelas partes, só em 21 de Junho de 2013 foi recebido no RNPC o Modelo 2 respectivo. Mas a liquidação de IMI ocorreu em 07 de Maio de 2013, como se retira das três notas de cobrança juntas ao processo, relativas às três prestações de IMI.

 

Quer isto dizer que, mesmo que fosse considerado relevante, em termos de domicílio fiscal oponível à AT o que conste no Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC), no caso isso não poderia ser aqui invocado, porquanto a alteração do domicílio fiscal (a sede) da Requerente, em termos de verdade material, ocorreu em Dezembro de 2005 (alínea 2) do ponto III desta decisão) e só foi comunicada ao RNPC em 21.06.2013, quando a liquidação de IMI já tinha sido levada a efeito, em 07.05.2013.

 

No entanto, em termos de factos provados, face à verdade material, a Requerente logrou provar, por documentos não colocados em crise, que alterou em Dezembro de 2005 o seu domicílio fiscal, a sua sede, das Ilhas Virgens Britânicas para o Estado do … nos EUA, como se retira da alínea 2) do ponto III desta decisão.

 

Na alínea 81) da Portaria 150/2004, de 13.02, rectificada pela declaração 31/2004, de 23.03 e alterada pela Portaria 292/2011, de 08.11, constam as Ilhas Virgens Britânicas, integrando a lista de “países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis”. Mas o Estado do …- EUA, não consta dessa lista, pelo que, “brevitatis causae”, a decisão que recaíu sobre o recurso hierárquico não deveria deixar de ter em consideração a prova deste facto que foi levada pelo contribuinte ao respectivo procedimento e agora, também, em sede de impugnação jurisdicional.

 

Nesta medida só pode proceder o pedido de anulação da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico. E mediata e consequentemente deverá proceder, também, o pedido de anulação da liquidação de IMI.

 

De facto, muito embora a liquidação do IMI, ao tempo que foi levada a efeito, em Maio de 2013, com referência a 31.12.2012 (nº 4 do artigo 112º, nº 1 do artigo 8º nº 1 do artigo 113º, ambos do CIMI) apenas poderia ter conta os elementos de que dispunha a AT, por força da falta de diligência da Requerente no cumprimento do dever legal de alteração formal do seu domicílio no cadastro fiscal, conforme do nº 1 do artigo 19º da LGT e nº 1 do artigo 43º do CPPT, o certo é que nada impedia que, face à verdade material (de que a sede ou domicílio da Requerente já não era nas Ilhas Virgens Britânias, mas sim num estado federado dos EUA), devidamente provada pela Requerente, em sede de recurso hierárquico, fosse anulada a liquidação, como aqui se impõe, no estrito dever de se julgar segundo o direito constituído.

 

Não se configura que a Requerente tenha razão ao invocar que a AT deveria ter alterado o seu domicílio fiscal “oficiosamente” uma vez que, como o refere a AT, nem tão pouco a comunicação ao RNPC foi levada a efeito antes da liquidação do IMI.

 

No entanto, a falta de alteração da Requerente do seu domicílio fiscal no cadastro de contribuinte na AT, por falta de diligência, não pode de forma alguma ser oponível à AT nos termos do nº 4 do artigo 19º da LGT e do artigo 43º nº 2 do CPPT, o que não bole com o que acima se referiu quanto ao mérito da decisão que recaíu sobre o recurso hierárquico, face à prova ulterior à liquidação do verdadeiro domicílio fiscal da Requerente.

 

Questões de conhecimento prejudicado

 

Tendo em conta que na resposta da AT se refere que a leitura da lei implícita na posição da Requerente é considera violadora de princípios constitucionais, na medida em que “desvaloriza a realidade registral/cadastral em detrimento de uma realidade informal e insuscetível de um controlo mínimo por parte da Requerida, é ofensiva do basilar princípio da confiança e segurança jurídica que deve enformar qualquer relação jurídica, aqui se incluindo a relação tributária”, consigna-se que o TAS, nesta decisão, não segue o ponto de vista da Requerente, quanto à falta de registo cadastral da alteração do domicílio, pelo que fica prejudicada a apreciação desta questão.

 

Juros indemnizatórios

 

Provou-se em 5) do ponto III desta decisão que “a Requerente pagou o imposto liquidado no valor global de 33 039,75 euros (€ 2 619,30 + 2 619,30 + 27 801,15 = 33 039,75)”.

 

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

 

Como resulta do teor literal desta norma, o direito a juros indemnizatórios depende de «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

 

No caso, a Requerente suportou € 33 039,75, pelo que a anulação da liquidação, para além do dever de reembolso, pode acarretar o pagamento de juros indemnizatórios, caso tenha ocorrido erro imputável aos serviços da AT na liquidação.

 

O nº 2 do artigo 43º da LGT refere que se considera haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

Não foi o caso, muito embora o contribuinte tenha pago a dívida liquidada no âmbito de uma notificação que lhe foi feita pela AT (o que será equivalente a uma orientação genérica da AT), o certo é que a liquidação ficou a dever-se, em exclusivo, ao facto do contribuinte ter omitido um dever legal que consta expressamente no nº 1 do artigo 19º da LGT e no nº 1 do artigo 43º do CPPT.

 

A ilegalidade da decisão adoptada em sede de recurso hierárquico é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa, mas o que releva para efeito de direito aos juros é a existência de erro imputável aos serviços ao nível do acto de liquidação do imposto.

 

Não se configura, no caso, que a AT tenha perpetrado erro, no que tange à liquidação, uma vez que foi levada a efeito considerando o domicílio fiscal que o contribuinte tinha no seu cadastro fiscal, incumprindo-se o dever legal de o alterar, no prazo de 15 dias a que se alude no nº 1 do artigo 43º do CPPT.

 

Aliás, no caso, sempre seria e será devido o IMI, às taxas que resultam das alíneas b) ou c) do nº 1 do artigo 112º do CIMI (segundo a Assembleia Municipal da respectiva edilidade), que não à taxa “ad valorem” do nº 4 da mesma disposição legal, pelo que, a serem devidos juros ao contribuinte, os mesmos só deveriam incidir sobre a diferença entre o IMI pago e o IMI devido segundo a taxa normal do IMI e aplicar.

 

Consequentemente, a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios, improcedendo, nesta parte, o respectivo pedido.

 

V. DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos:

·         Julga-se procedente o pedido de anulação da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico que tomou o nº … 2014 …, notificada por ofício nº … de 26.22.2015 do SF de … e consequentemente o acto de liquidação de IMI do ano de 2012, ocorrido em 07.05.2013, constante das notas de cobrança n.º 2012-… (1ª prestação), n.º 2012-… (2ª prestação) e n.º 2012-… (3ª prestação), emitidas com referência ao prédio urbano sito na União das Freguesias de … e …, concelho de Lagoa, artigo matricial …, no valor global de 33 039,75 euros (€ 2 619,30 + 2 619,30 + 27 801,15 = 33 039,75)

·      Anulam-se a liquidação e o despacho referidos, por estarem em desconformidade com o nº 4 do artigo 112º do CIMI.

·      Julga-se procedente o pedido de condenação da AT, no reembolso à Requerente, do excesso de imposto pago a mais, considerando que o imposto devido é o que resultar da aplicação das taxas das alíneas b) ou c) do nº 1 do artigo 112º do CIMI.

·      Julga-se improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios.

***

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 33 039,75.

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 836,00 € segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo 4/5 a cargo da Requerida e 1/5 a cargo da Requerente, face aos decaimentos.

Notifique.

Lisboa, 11 de Agosto de 2016

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

 

Augusto Vieira

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.