Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 185/2023-T
Data da decisão: 2024-03-12  IMI  
Valor do pedido: € 52.793,55
Tema: IMI – Impugnação de VPT – Sua inadmissibilidade – Pedido de Revisão oficiosa.
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SUMÁRIO:

1. A impugnação dos VPT como pressuposto de facto das liquidações de IMI impugnadas não é admissível nas impugnações destas liquidções, pois a fixação do VPT não é acto preparatório da liquidação de IMI.

2. A liquidação de IMI para a determinação da coleta através da aplicação da taxa à matéria coletável ou tributável constitui um acto administrativo distinto dos que o precederam no respetivo procedimento, como seja o da avaliação do valor patrimonial.

3. Não sendo assacados aos actos de liquidação de IMI quaisquer vícios de ilegalidade dos mesmos ou qualquer injustiça grave ou notória a que eles conduzam, não pode proceder o pedido de revisão oficiosa dessas liquidações.

 

DECISÃO ARBITRAL

          O árbitro José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 30/05/2023, profere a presente decisão arbitral, nos termos seguintes:

         

1. Relatório:

A... Lda. (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), com número de identificação fiscal..., e com sede na ...‐ ..., ...-... Vila Real Santo António, veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nºs. 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 de Março, requerer a Constituição de Tribunal Arbitral, no sentido de, face à decisão de indeferimento expresso do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado pela Requerente, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), ser declarada a invalidade dessa decisão e a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre os Imóveis (“IMI”) nº.s 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019..., 2019..., 2020..., 2020..., e 2020..., referentes ao ano de 2017, 2018, 2019, e 2020, no montante total de € 52.793,55, bem como o reembolso do imposto que entende indevidamente pago

 

1.1 Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral:

O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 22/3/2023 e aceite no mesmo dia, nos termos regulamentares aplicáveis, tendo o Requerente optado pela não designação de árbitro.

Por despacho de 12/5/2023 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi designado para árbitro o ora subscritor, tendo sido comunicada essa designação no mesmo dia às partes e não tendo havido reclamação da mesma, em 30/5/2023, foi comunicada às partes a constituição do Tribunal Arbitral;

A 3/7/2023, a Requerida apresentou a sua Resposta, não juntando qualquer processo administrativo (PA), tendo, nessa mesma data, o CAAD notificado o requerente da Resposta da AT.

Por despacho de 11/9/2023, foi dada possibilidade ao requerente se pronunciar sobre a excepção deduzida pela requerida, ainda que não de forma autónoma, mas o requerente nada disse.

Por despacho arbitral de 19/11/2023, foi dispensada a reunião a que se refere o artº. 18º. do RJAT e notificadas as partes para alegações no prazo de 15 dias sucessivos, não o tendo feito qualquer delas.

Nesse mesmo despacho, a requerente foi notificada para, no prazo para apresentação das suas alegações, dar oportuno cumprimento ao disposto no artigo 4º-3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, ou seja, pagamento, antes da decisão e pela forma regulamentar, do remanescente da taxa arbitral.

Por despacho de 23/11/2023 foi prorrogado o prazo para proferir a decisão por mais 2 meses.

Em 11/12/2023, pela requerida foi junto acórdão uniformizador de jurisprudência proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, tendo esta junção sido notificada à requerente, que nada disse.

Por despacho de 22/1/2024 foi prorrogado o prazo para proferir a decisão por mais 2 meses.

 

1.2 – Posição do Requerente

No âmbito da sua actividade, alega a Requerente que é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção, tendo sido notificada dos actos de liquidação de IMI atrás identificados, liquidações essa de IMI que tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adoptada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, bem como a aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI, conforme demonstrado nas cadernetas prediais urbanas que se juntam sob Documento 3.

Recentemente, face ao expressamente consagrado no artigo 45.º do Código do IMI e nos termos preconizados pela jurisprudência constante do STA quanto à errónea aplicação dos coeficientes acima mencionados na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes.

Porém, a AT não rectificou os valores patrimoniais tributários que serviram de base tributável das coletas de IMI destes mesmos terrenos para anos de tributação anteriores (2017, 2018, 2019, e 2020) – i.e. para estes anos, as coletas de IMI destes terrenos para construção continuaram assentes em valores patrimoniais tributários errónea e ilegalmente fixados.

Concretamente e para efeitos de determinação dos valores patrimoniais tributários de todos os terrenos para construção da Requerente, cuja coleta a Requerente vem agora impugnar, a AT considerou, sobre o valor médio de construção legalmente definido, a majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI – i.e. a AT aplicou indevidamente a referida majoração ao valor base dos prédios edificados (Vc) a terrenos para construção em apreço – valor este correspondente, nos anos 2017 e 2018 a € 603,00; e nos anos 2019 e 2020 a € 615,00.

 Porém, anteriormente ao ano 2020, a jurisprudência nacional (do STA, do TCA‐Sul e dos Tribunais Arbitrais do CAAD) tem vindo reiteradamente a preconizar que, para efeitos de determinação dos valores patrimoniais tributários de terrenos para construção, não poderá ser aplicado o valor base dos prédios edificados, que “corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25 % daquele valor” conforme definição estabelecida no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI na redação anterior à alteração legislativa efetuada pela Lei n.º 75‐B/2020, de 31 de Dezembro (Lei de Orçamento de Estado para 2021), já que segundo tal jurisprudência: (i) só o valor médio de construção, por metro quadrado, poderia ser considerado na fixação de valores patrimoniais tributários de terrenos para construção (valor médio este fixado nos anos 2017 e 2018 nos € 482,401 e 2019 e 2020 nos € 492,002; e que (ii) a majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação prevista no cálculo do valor base dos prédios edificados não poderia ser aplicada na fixação de valores patrimoniais tributários de terrenos para construção.

Ora, dessa diferença (correspondente à majoração de 25% acima referida) entre (i) o valor médio de construção, por metro quadrado referido e (ii) o valor base dos prédios edificados (correspondente àquele valor médio de construção acrescido da majoração em causa) ‐ € 603,00 nos anos 2017 e 2018 e € 615,00 nos anos 2019 e 2020 –, resulta um acréscimo, que reputa ilegal, dos valores patrimoniais tributários de terrenos para construção nos anos 2017, 2018, 2019, e 2020, com a consequente liquidação de um montante IMI superior ao montante legalmente devido face aos valores patrimoniais tributários que deveriam ter sido considerados para efeitos de cálculo da coleta de IMI referente a estes anos.

Porém, relativamente aos terrenos para construção detidos pela Requerente, a AT não rectificou as respetivas coletas de IMI, e simultaneamente não procedeu à revisão das liquidações de IMI anteriores, apesar de ter conhecimento de ter procedido erroneamente à fixação do valor patrimonial tributário mantendo‐se assim na ordem jurídica a existência de um montante de IMI superior ao montante legal e efetivamente devido, a saber:

- coleta de IMI em excesso em resultado dos valores patrimoniais tributários de tais terrenos para construção terem sido calculados com a aplicação errónea de coeficientes de localização, de afetação e /ou de qualidade e conforto, conforme coleta de IMI liquidada em excesso melhor detalhada nas tabelas 1 a 4 juntas em anexo como Documento 4;

- coleta de IMI em excesso em resultado dos valores patrimoniais tributários de tais terrenos para construção terem sido calculados com a aplicação errónea do valor base dos prédios edificados (Vc) / a majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI, conforme coleta de IMI liquidada em excesso melhor detalhada nas Tabelas 5 a 8 juntas em anexo como Documento 5.

Daqui resultam diferentes valores patrimoniais tributários de montantes inferiores àqueles que foram efetivamente utilizados para efeitos deste cálculo do imposto, pois que a desconsideração dos coeficientes referidos, bem como a desconsideração da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI, traduz‐se numa redução significativa dos valores patrimoniais tributários  destes terrenos, e, consequentemente, da coleta de IMI sobre os mesmos.

Imputa a recorrente erro na interpretação dos pressupostos de facto e direito aos actos de fixação do valor tributário, de que resultaram ilegais liquidações (parciais) de IMI, especificamente um erro na determinação da matéria tributável deste imposto que originou uma coleta ilegal de tributo, acrescentando e demonstrando que a Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, das respetivas liquidações de IMI atrás identificadas.

Alega que, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, formulou um pedido de revisão oficiosa junto da AT no dia 10 de Novembro de 2022, conforme documento 6 que junta, com a argumentação referida e não obstante, o mesmo foi objeto de indeferimento por parte da AT, conforme o documento 1 que junta.

Termina pedindo, a título principal que seja declarada ilegal a decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa em crise e, consequentemente, sejam anulados parcialmente os actos tributários de liquidação de IMI sub judice, no montante de € 52.793,55, porque manifestamente ilegais, com o respetivo reembolso dos montantes de imposto liquidado e pago em excesso de € 52.793,55, acrescido de juros indemnizatórios, com as demais consequências legais.

A título subsidiário, pede que seja desaplicado, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redação vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal e a majoração de 25% prevista no n.º 1 do artigo 39.º do mesmo Código não deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade.

 

 

1.3 – Posição da Requerida

 

            Por sua vez, a requerida alega que a Requerente pretende a anulação do acto impugnado com fundamento em vícios, não do acto de liquidação, mas sim dos actos que fixaram o Valor Patrimonial Tributário (VPT), pois que a presente ação não é nem fundamentada em qualquer vício dos actos de liquidação ou da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, pois aos actos impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento, mas o que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o acto destacável de fixação do VPT e não o acto de liquidação.

Entende que os vícios do acto que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são susceptíveis de ser impugnados no acto de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

Com efeito, nos presentes autos vem requerida a declaração de ilegalidade das liquidações de IMI referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, com fundamento na aplicação indevida dos coeficientes de afetação e de localização previstos no n.º 1 do artigo 39.º do CIMI na avaliação dos terrenos para construção identificados nos autos.

Ora, alega a requerida que a jurisprudência tem entendido que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 1 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização, pelo que a aplicação dos referidos coeficientes avaliativos acarreta a ilegalidade do acto de fixação de valores patrimoniais.

Por isso, emitiu a AT a Instrução de Serviço n.º .../2021 Série I da DSJT, nos termos do artigo 68.º A da LGT, onde foi ratificado o entendimento jurisprudencial no sentido de, no âmbito dos procedimentos em que possa haver lugar à eventual correção do acto de fixação   do   valor   patrimonial   dos   prédios   urbanos   “terrenos   para   construção”,   na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 1 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização.

No que respeita ao IMI em discussão, reconhece que foram emitidas as liquidações indicadas pela requerente e consequentes notas de cobrança, tendo por base o VPT inscrito nas respetivas matrizes em 31 de dezembro dos respetivos anos, relativamente aos prédios com os artigos urbanos da espécie terreno para construção identificados em documento anexo ao pedido da impugnante – Doc. nº 4 e 5, todos da freguesia de (...)..., do Concelho de Vila Real de Santo António, a avaliações relevantes e que fixaram os VPTs eficazes para as liquidações contestadas foram efetuadas em 2013.

No fundo, alega que o que está em causa é o cálculo do VPT dos terrenos para construção, nomeadamente se houve lugar à aplicação indevida dos coeficientes previstos no artigo 38.º do CIMI.

Importa desde já sublinhar que a Autoridade Tributária acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto, mas não refere se corrigiu essa fórmula com efeitos retroactivos,

Entende, porém, que não há litígio quanto à forma de cálculo aplicável para determinar o VPT dos terrenos para construção, agora adoptada.

Porém, nos termos da mais recente jurisprudência consolidada do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23.02.2023 no processo n.º 102/22.2BALSB eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no acto de liquidação que seja praticado com base no mesmo, acrescentando que o Tribunal Arbitral está limitado pelo princípio do pedido, vide n.º 1 do art.º 609º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT.

E a Requerente pretende a anulação do acto impugnado com fundamento em vícios, não do acto de liquidação, mas sim dos actos que fixaram o Valor Patrimonial Tributário (VPT), os quais constituem actos finais do procedimento de avaliação.

Acrescenta que o artigo 78.º da LGT não abrange os actos de avaliação patrimonial, que não são actos tributários, previstos no n.º 1, nem são actos de apuramento da matéria tributável previstos no n.º 4 daquela norma.

Por isso, conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e a sua absolvição de todos os pedidos formulados pela Requerente.

 

 

1.4 – Posição do Requerente perante a excepção deduzida

 

            Notificada da resposta da AT e expressamente para querendo responder à excepção de ilegalidade do meio usado, suscitada pela AT, nada veio a requerente alegar.

 

2. Despacho saneador:

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são as legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

É suscitada a questão de o pedido formulado não referir quaisquer vícios dos actos de liquidação, mas sim do procedimento da fixação do VPT com base no qual as liquidações são efectuadas.

Porém, trata-se de questão de fundo que apreciaremos em sede de direito.

 

3. Fundamentação de facto.

Considerando os articulados das partes e os documentos juntos são considerados provados os factos que a seguir se indicam.

 

3.1 - Factos provados:

De acordo com a alegação das partes e dos documentos juntos e com interesse para a decisão final dos presentes autos, estão provados os seguintes factos:

a) A Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção, prédios com os artigos urbanos da espécie terreno para construção identificados nos documentos 4 e 5 anexos ao PPA, todos da freguesia de (...) ..., do Concelho de Vila Real de Santo António. (provado por acordo das partes)

b)  As avaliações relevantes e que fixaram os VPTs eficazes para as liquidações impugnadas foram efetuadas em 2013 (provado por confissão da AT no artº. 14º. da resposta)

c) A Requerente foi notificada das seguintes liquidações:

i. Liquidações com os nº.s 2017..., 2017..., 2017 ...referentes ao ano 2017, no montante total de € 58.196,09;

ii. Liquidações com os nº.s, 2018..., 2018..., 2018..., referentes ao ano 2018, no montante total de € 65.033,06;

iii. Liquidações com os nº.s, 2019..., 2019..., 2019..., referentes ao ano 2019, no montante total de € 65.033,06;

iv. Liquidações com os n.ºs 2020..., 2020..., e 2020..., referentes ao ano 2020, no montante total de € 65.903,35. (provado por acordo das partes e pelos documentos juntos sob o nº. 2 com o PPA)

d) todas as referidas liquidações foram pagas pela requerente (provado pelos documentos juntos sob o nº. 2 com o PPA).

e) Os VPTs referidos na al. b) estavam fixados segundo a fórmula adoptada em 2013 pela AT para os artigos urbanos da espécie terreno para construção, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e/ou (iii) de qualidade e conforto, bem como a aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI. (provado por acordo das partes e pelos documentos juntos sob o nº. 3 com o PPA).

f) Face à jurisprudência do STA quanto à errónea aplicação dos coeficientes referidos na alínea anterior. na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes. (acordo das partes).

g) Tal só sucedeu em 2021 e serviu para a determinação do IMI a pagar relativamente a esse ano. (acordo das partes)

h) Nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, relativamente aos terrenos para construção de que a Requerente era proprietária, a AT liquidou um montante de IMI superior ao seria devido face aos valores patrimoniais tributários que deveriam ter sido considerados para efeitos de cálculo da respectiva coleta de IMI nesses anos. (provado pelos cálculos constantes os documentos 4 e 5 juntos com o PPA)

i) O montante do imposto cobrado a mais foi o constante dos documentos 4 e 5 juntos com o PPA (provado pelos cálculos constantes os documentos 4 e 5 juntos com o PPA).

j) Por isso, a Requerente requereu, no dia 10 de Novembro de 2022, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, um pedido de revisão oficiosa dos actos tributários de liquidação de IMI referidos nas alíneas b) e h) destes factos provados. (provado por acordo das partes e pelo documento 6 junto com o PPA).

k) Esse pedido de revisão foi objecto de despacho de indeferimento expresso proferido em 19/12/2022, pelo Director Distrital de Finanças de Faro, nos termos e com os fundamentos constantes das propostas anexas ao mesmo, com base em subdelegação de competências (alínea a) do capítulo II do despacho n.º 8797/2021, de 24/08/2021, publicado no DR 2.ª série n.º 173, de 06/09/2021).  (provado por acordo das partes e pelo doc. 1 junto com o PPA).

l) O despacho referido na alínea anterior foi notificado à ora requerente por ofício data de 19/12/2022 (provado pelo doc. 1 junto com o PPA).

m) O Requerente apresentou a 22-03-2023, o presente pedido de pronúncia no Tribunal Arbitral, conforme resulta dos presentes autos.

 

          Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela requerente e também em factos que as partes estão de acordo em considerar provados, conforme resulta do por si alegado em sede de requerimento inicial e da resposta que lhe sucedeu.

 

3.2 Factos não provados.

          Não existem factos não provados com interesse para a decisão deste processo.

         

 

4. Matéria de direito

 

4.1 - Questões a resolver:

Como questões a resolver, teremos desde logo, a questão da inadmissibilidade da impugnação da fixação do valor patrimonial tributário (VPT), em sede de impugnação da liquidação de IMI, questão suscitada pela AT, à qual, notificada para o efeito, a requerente nada disse.

Se entendermos que se não verifica essa essa inadmissibilidade passaremos à análise da questão da ilegalidade do VPT tido em conta para as liquidações de IMI impugnadas.

Como nota prévia, diga-se desde já que, para a recorrente, as liquidações de IMI impugnadas não merecem qualquer censura, pois não lhes imputa qualquer vício de ilegalidade, quer por erro dos pressupostos de facto – o VPT considerado era o que constava das matrizes prediais no dia 31 de Dezembro de 2017, 2018, 2019 e 2020 -, quer por erro dos pressupostos de direito – as taxas aplicadas eram as legalmente vigentes à data em que foram feitas as liquidações, não se demonstrando, nem tal foi alegado, a existência de quaisquer isenções ou reduções -, quer por não cumprimentos de formalidades legais, que consubstanciem um vício de forma.

A questão objecto da impugnação da recorrente é apenas relativa ao facto de o VPT considerado para efeito de cálculo das liquidações de IMI impugnadas não ter tido em consideração que nos VPT’s constantes das matrizes prediais, ter havido a aplicação dos coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, bem como a aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI, na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção, que a jurisprudência tendo vindo a considerar ilegais e que a AT veio corrigir no cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, já no ano de 2021.

Consequentemente, terá de ser apreciado a final, se era lícito e fundamentado o recurso à revisão dos actos tributários referidos pela requerente, ou se o acto de indeferimento contém qualquer vício que o invalide, nomeadamente a invocada inconstitucionalidade.

 

4.2 – Da questão prévia da admissibilidade da impugnação do Valor do VPT:

No caso presente, o VPT considerado para o cálculo do IMI devido pela requerente era o que constava das matrizes prediais no dia 31 de Dezembro de 2017, 2018, 2019 e 2020 e desde 2013.

Portanto, havia-se consolidado na ordem jurídica de forma válida e eficaz, sendo que não alega a requerente que tenha promovido a sua alteração, nos termos legalmente permitidos.

            Porém, ao pedir a revisão dos actos de liquidação, objecto do pedido de revisão oficiosa, a requerente invoca que os VPT’s que constavam da matriz desde 2013, deveriam ter sido oficiosamente alterados, por força da prática jurisprudencial firme no sentido de que é errónea a aplicação dos coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, bem como a aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no n.º 1 do artigo 39.º do Código do IMI na fixação do VPT de 2013.

            Ora, se é verdade que, por força do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23-3-2022, proferido no processo 0653/09.4BELLE, o STA definiu jurisprudência no sentido de que:

III - O método de determinação do valor patrimonial (VPT) dos terrenos para construção adoptado pelo CIMI, e que constava do art. 45.º, na redacção anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2012), era muito semelhante ao dos edifícios construídos, partindo-se da avaliação das edificações autorizadas ou previstas.

IV - No entanto, na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção, era de afastar a aplicação dos coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto, previstos na fórmula do art. 38.º do CIMI, relacionados com o prédio a construir.

            O certo é que nada requereu a sociedade ora Requerente no sentido de nova avaliação dos terrenos para construção sobre que incide o IMI ora impugnado, mesmo face a acórdãos anteriores que já alertavam para a ilegalidade que apontavam aos VPT’s, com base nos quais é liquidado o IMI, ora impugnado.

            E esse requerimento, seguido de 2ª. avaliação é que lhe permitiria, alterar o valor do IMI a pagar.

            É que, como refere José CASALTA NABAIS, in “Direito Fiscal”, Almedina, p. 300 e segs.:

“Traduzindo-se a liquidação stricto sensu na determinação da coleta através da aplicação da taxa à matéria coletável ou tributável constitui um acto administrativo distinto de todos os que o precederam no respetivo procedimento, como seja o da avaliação do valor patrimonial.”

            No mesmo sentido, tem sido a jurisprudência, com a uniformização de jurisprudência feita pelo acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 23-2-2023, proferido no processo 102/22.2BSLSB[1], onde se decidiu que:

Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.”

            Face ao exposto, não pode ao impugnar a liquidação de IMI, ser posta em causa e conseguida a alteração do VPT, ainda que a mesma esteja viciada, mesmo que seja por inconstitucionalidade.

Por isso, não iremos apreciar os vícios imputados pela recorrente ao VPT apurado relativamente a todos e cada um dos prédios constantes da nota de liquidação e referidos nos documentos 2, 3, 4 e 5 juntos com o PPA, pois que essa análise e eventual declaração de ilegalidade teria de ser feita em procedimento próprio que tivesse por objecto directamente esses VPT, o que não é o caso dos presentes autos.

Deste modo e em conclusão julga-se inadmissível a impugnação dos VPT feita pela requerente como pressuposto de facto das liquidações impugnadas, pois a fixação do VPT não é acto preparatório da liquidação de IMI, atento que esse mesmo valor serve para aferir de outros impostos, como, por exemplo, o IMT e o IRS.

 

4.3 – Das liquidações de IMI:

            Restringindo-nos às liquidações de IMI referidas na al. c) dos factos provados, verificamos que a requerente não lhes imputa nenhum vício de ilegalidade, substancial ou formal, pelo que não podemos deixar de as considerar como legal e correctamente calculadas, por meio da aplicação das taxas de liquidação legalmente devidas, não gozando a requerente de qualquer isenção ou redução que motivasse a sua inexigibilidade.

            Deste modo, também neste ponto carece de razão a requerente, pois as referidas liquidações são inteiramente legais e eficazes, pois como ela própria admite lhe foram validamente notificadas.

 

4.3 – Do pedido de revisão oficiosa

            Nos termos do artº. 78.º da Lei Geral Tributária (LGT) e sob a epígrafe “revisão dos actos tributários”, determina-se que:

 

1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - (Revogado.)

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.

           

            Deste modo, decorridos que estão os prazos de impugnação directa das liquidações de IMI notificadas à ora requerente, veio esta requerer a revisão desses actos tributários, ao abrigo do artº. 78º. da LGT.

            O referido pedido de revisão oficiosa foi formulado em prazo, mas não se demonstra, nem a ora requerente alegou factos ou normas aplicáveis nesse sentido que conduzam a que essas liquidações de IMI estejam viciadas por qualquer ilegalidade das mesmas ou qualquer injustiça grave ou notória que pudesse determinar essa revisão oficiosa.

            Por isso, entendemos que não merece qualquer censura o despacho de indeferimento expresso desse pedido de revisão oficiosa apresentado pela requerente e que é objecto imediato do presente PPA.

            As razões invocadas nesse despacho estão conformes à lei e à jurisprudência proferida sobre a matéria, sendo certo que nesta existe até o acórdão uniformizador de 23/2/2023 atrás referido no sentido e em abono do decidido.

            Face ao exposto, têm de ser julgados improcedentes todos os pedidos formulados pela requerente no seu PPA, quer a título principal, quer a título subsidiário, nomeadamente o pedido de reembolso do imposto pago, por não ser devido esse reembolso.

 

 

7. Decisão

        Nestes termos, decide-se julgar totalmente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral e consequentemente absolver a requerida de todos os pedidos contra ela formulados, quer a título principal, quer a título subsidiário.

 

8. Valor do processo

          De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 52.793,55, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

9. Custas

          Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas a pagar em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerente.

 

Lisboa, 12-03-2024

 

O Árbitro

 

(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)

 

Texto elaborado com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] Publicitado em https://www.dgsi.pt/jsta.